Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01355/10.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Isabel Costa
Descritores:CEMITÉRIOS; DISTÂNCIA ENTRE JAZIGOS/SEPULTURAS; DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário:I - É o direito de passagem, de acesso e de permanência aos jazigos/sepulturas, de modo a garantir que todos possam velar os seus defuntos, de forma digna e sem perturbações, que está na ratio do §3.º do artigo 8.º do decreto 44220, de 3 de março, atinente à largura dos intervalos entre sepulturas.

II - As construções de jazigos/sepulturas que excedem a área concessionada estão a invadir o espaço do domínio público destinado ao acesso e permanência entre as sepulturas, dificultando o exercício destes direitos. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.C.F.R.C. e outros
Recorrido 1:M.A.A.P. e outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório

M.C.F.R.C., M.F.R., A.C.R., M.D.F.R., F.F.R.A.R., M.T.F.R. e A.F.R., vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Braga em 14.05.1018 que julgou improcedente a ação que intentaram contra M.A.A.P. e M.B.R.C.S.A.P.

Na alegação apresentada, formularam as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:

I – A sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente a acção instaurada pelos AA., ora Recorrentes – os quais pretendiam a demolição da obra de construção do jazigo sito na secção D – sepultura 22 e 23 – do Cemitério Paroquial de (...) (concessionado aos Réus ora Recorridos) por inobservância da largura instituída entre talhões e de forma a que o jazigo concessionado ocupe apenas e só a área de 6,250m2; assim como, a condenação dos Réus, ora Recorridos, a realizarem todas as obras necessárias para a reconstituição da situação existente nos espaços confinantes, padece de nulidade porque a matéria de direito encontra-se erroneamente aplicada ao caso sub judice.
II – O tribunal “ a quo” não respeitou o regime instituído pelo §3.º do artigo 8.º do decreto 44220, de 3 de março de 1962.
III – De acordo com o supra citado diploma “a largura dos intervalos entre as sepulturas e entre estas e os lados dos talhões nunca poderá ser inferior a 0,40m. Todavia, deverá cada sepultura ter um acesso com a largura mínima de 0,60m.”

IV – Ora, foi considerado provado pelo tribunal a quo (factos provados 14 a 23) que o jazigo concessionado aos Réus tinha 6,250m2; que a área constante do projeto tinha 9,28m2; e, por sua vez, a área ocupada tinha 10,28m2.
V – Mais, foi provado ainda que era possível aceder à sepultura dos autores na parte confrontante com a sepultura dos Réus mas não sem dificuldade uma vez que o espaço não é demasiado largo e há um desnível entre os materiais que revestem o solo (facto provado 24) (sublinhado nosso).
VI – Sendo assim incontornável o facto dos AA. estarem limitados no acesso ou permanência ao jazigo dos quais são concessionários, isto porque, a inobservância da distância instituída legalmente para a construção de jazigos pelos Réus não permite que os AA., acedam ou permaneçam sem dificuldade junto do jazigo da família.
VII – Desta feita, não podem os AA., ora Recorrentes, aceitar o entendimento adoptado pelo tribunal a quo que considerou não haver qualquer ilegalidade em torno das distâncias entre sepulturas/jazigos.
VIII- Isto porque, os termos utilizados pela lei “largura dos intervalos entre as sepulturas” (§3 artigo 8.º decr. 44220 de 03-03-1962) não significam o mesmo que “espaço entre as sepulturas” (conclusão retirada pelo tribunal a quo).
IX- Efectivamente, confirmado pelo próprio perito que: “a distância de 0,46m foi medida entre os corpos elevados acima do solo de ambas as sepulturas” (fls 2 do requerimento de resposta aos esclarecimentos solicitados pelos AA. Ao relatório pericial) e que “essa distância inclui as soleiras de bordadura” (fls 3 do requerimento de resposta aos esclarecimentos solicitados pelos AA. Ao relatório pericial), forçoso será concluir que não há qualquer largura dos intervalos entre as sepulturas dos AA., ora Recorrentes, e os RR., ora Recorridos.
X - Não havendo qualquer largura dos intervalos entre os jazigos das partes porque os Réus apropriaram-se de uma área de terreno que sempre existiu (0,70 m) e aí construíram e edificaram o seu jazigo para além da área que lhes foi concessionada, necessariamente, estamos perante uma manifesta ilegalidade em tomo das distâncias entre sepulturas/jazigos, por desrespeito do instituído no §3 artigo 8.º decreto 44220 de 03-03-1962.

XI - Incorrendo o tribunal a quo em manifesto erro interpretativo da lei quando refere “atendendo a que a exigência legal não se refere a condições de permanência junto das sepulturas (mas apenas às distâncias entre elas)” (3.º paragrafo, fls. 9 da douta sentença).
XII - A matéria de direito encontra-se erroneamente aplicada ao caso sub judice, uma vez que o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação do conceito de “largura dos intervalos entre as sepulturas” previsto no §3 artigo 8.º decreto n.º 44220 de 03-03-1962.
XIII - A douta decisão do tribunal a quo viola, assim o §3 artigo 8.º decreto n.º 44220 de 03-03-1962.
XIV - E com a observância da mencionada norma, concluirá o tribunal ad quem pela nulidade da decisão e pela sua substituição por outra que declare a inobservância pelos Réus ora Recorridos da largura instituída para os intervalos entre as sepulturas e nessa conformidade serem condenados a repor a legalidade com a demolição da construção efectuada pelos Réus.
XV - Por outro lado, incorre o tribunal a quo em manifesto erro interpretativo e excesso de pronúncia quando considera não haver lugar a licenciamento por se estar em presença de obras de escassa relevância urbanística.
XVI - Ora, os AA. ora Recorrentes não entendem a razão da afirmação do tribunal a quo, muito menos da fundamentação da mesma quando refere: “no que concerne à invocada exigência de licenciamento para a construção do jazigo/sepultura (decorrente do artigo 47° do decreto 48770, de 18.12.1968), relevam o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de (...), de 16.05.2003 e entrada em vigor em 01.07.2003, e o R.J.U.E. aprovado pelo decreto-lei 555/99, de 16 de dezembro. Conjugado o artigo 6º, n.° 2, als. a) e c) daquele regulamento com os artigos 6º, n.° 1, al. i) e 6º-A, n.º l, al. g) do R.J.UE. É possível concluir que não há lugar a licenciamento por se estar em presença de obras de escassa relevância urbanística.”
XVII - Isto porque, os AA., ora Recorrentes, nunca invocaram ou alegaram a exigência de licenciamento para a construção do jazigo/sepultura!
XVIII - A razão do chamamento aos autos da Junta de Freguesia de (...) não se enquadrou nesses moldes. Mas antes na obrigação da Junta de Freguesia de (...) fiscalizar a obra de construção efectuada pelos Réus, ora recorridos, estabelecendo os condicionalismos legalmente exigíveis e os procedimentos administrativos a observar, designadamente para acautelar interesses de natureza pública, conforme impunha o decreto nº 44 220, de 3 de março de 1962.

XIX – Desta feita, atenta a relevância desta questão, ocorre manifesta omissão de pronúncia pelo tribunal ao não se pronunciar sequer quanto ao não cumprimento de fiscalização pela Junta de Freguesia de (...) da construção do jazigo efectuada pelos réus ora recorridos.
XX - Acresce que, o conhecimento de questão não alegada pelas partes constitui excesso de pronuncia, nos termos do artigo 609.º CPC e também acarreta a nulidade da sentença.
XXI - A sentença do tribunal a quo violou desta forma o disposto no art. 607, 608.º e 609.º do CPC.
XXII - Ao decidir de forma contraria, enferma a decisão recorrida de grave violação das normas constante nos artigos 607.º, 608.º e 609.º do CPC, as normas do decreto nº 44 220, de 3 de março de 1962, como também se violam os princípios da tutela jurisdicional efectiva e da promoção do acesso à justiça, consagrados na lei do processo administrativo nos art. 2° e 7° do CPTA;
XXIII - Violou de forma grosseira os princípios da tutela jurisdicional efectiva - garantia fundamental - 13.º, 22.º, 26.º, 62.º, 65.º, 66.º, 266.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da promoção do acesso à justiça, porquanto não permitiu que se apreciasse de forma razoável a pretensão deduzida, bem como fez uma interpretação redutora das normas previstas para as larguras instituídas entre jazigos negando efectiva justiça;
XXIV- Tal decisão está, assim, ainda inquinada dos vícios de violação de normas constitucionais e de violação de princípios e normas processuais, devendo ser revogada, por ilegal.

Os Recorridos contra-alegaram pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto deste TCA não emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – Objeto do recurso

A questão suscitada pelo Recorrente, nos limites das conclusões das alegações apresentadas a partir da respectiva motivação, (cfr. artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, todos do CPC de 2013, ex vi artigo 140º do CPTA) consiste em saber se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, de nulidade por omissão de pronúncia e de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do regime instituído pelo § 3º do artigo 8º do Decreto 44220, de 3 de março de 1962.


III – Fundamentação de Facto

Na sentença foram dados como assentes os seguintes factos:

1. Os Autores são os legítimos concessionários de cinco metros e setenta e cinco decímetros quadrados de terreno para sepultura – com jazigo construído, situado no primeiro quarteirão do lado Norte da entrada no cemitério paroquial da Junta de Freguesia de (...), concelho de (...), mais concretamente, Secção D – Sepulturas 20 e 21 – cfr. docs. 2 e 3 juntos com a petição inicial;
2. A concessão do referido jazigo adveio aos Autores em virtude da sucessão por morte de F.C.R e T.S.F – cfr. doc. 4 juntos com a petição inicial;
3. Sendo que os Autores, por si e seus antecessores concessionários, há mais de 40 anos têm usufruído do aludido jazigo de forma pública e pacífica, à vista de toda a gente, de forma continua e sem interrupções, sem a oposição de quem quer que seja, na convicção de estar a exercer um direito próprio, sem que o exercício de tais direitos lesasse direitos de outrem;
4. Os Autores têm vindo a retirar do referido jazigo a sua normal utilidade, nomeadamente, nele tendo sido enterrados familiares, nele celebrando as respetivas cerimónias fúnebres, nele efetuando obras de manutenção, procedendo semanalmente à respetiva limpeza e arranjos florais;
5. Os Réus são concessionários do terreno para sepultura que confronta a sul com o jazigo dos Autores, mais concretamente, Secção D – Sepultura 22 e 23, com a área de 2,5m/2,5m – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;
6. O jazigo dos Autores e o terreno para sepultura dos Réus confrontam entre si, respetivamente, nas suas extremas sul e norte – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;
7. Em 16.09.2008, o Autor M.F.R. verificou que no terreno de sepultura confinante a sul com a sua tinham iniciado obras de construção civil de um jazigo;
8. Dirigiu-se à Junta de Freguesia de (...) para obter informações sobre a obra em curso, designadamente, o respetivo projeto e licença para construção ou reconstrução, da qual obteve resposta no dia 30.09.2008 – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial;
9. Em 19.09.2008, os Autores embargaram extrajudicialmente a obra dos Réus – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial;
10. Proferida decisão de incompetência material pelo Tribunal Judicial de (...), a execução da obra continuou em dezembro de 2008;
11. Os Autores solicitaram à Junta de Freguesia de (...), em 27.04.2010, vários documentos que pudessem informá-los sobre a obra em causa – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial;
12. A Junta de Freguesia de (...), em 17.05.2010, respondeu aos Autores – cfr. doc. 11 junto com a petição inicial;
13. Nessa resposta a Junta de Freguesia de (...) enviou diversa documentação aos Autores, entre ela:
a) Planta do Jazigo dos Réus;
b) Alvará do Jazigo dos Réus;
c) Projeto de Arquitetura do Jazigo dos Réus;
d) Edital que precedeu a licitação da concessão do jazigo dos Réus – cfr. doc. 12 a 15 junto com a petição inicial;
14. Dos elementos fornecidos pela Junta de Freguesia de (...) retiram-se as seguintes áreas da obra dos Réus:
a. A área concessionada é de 6,250m2;
b. A área constante do projeto é de 9,28m2;
c. A área ocupada é de 10,28m2.
15. A área concessionada ao jazigo dos Réus é de 6,25m2 – cfr. relatório pericial;
16. As dimensões do projeto do jazigo dos Réus são de 2,90m x 3,20m, a que corresponde a área de 9,28m2 – cfr. relatório pericial;
17. As dimensões do jazigo dos Réus, à superfície, são de 2,50m x 2,75m = 6,875m2 – cfr. relatório pericial;
18. As dimensões no interior do jazigo dos Réus são de 2,48m x 2,61m, assumindo muros exteriores de espessura média de 0,30m, as dimensões exteriores são de 3,08 x 3,21m = 9,89m2 – cfr. relatório pericial;
19. A área total da sepultura dos Réus é de (3,08m x 3,34m) = 10,28m2, incluindo a área da soleira de bordadura – cfr. relatório pericial;
20. O espaço entre a sepultura dos Autores e a dos Réus é de 0,46m – cfr. relatório pericial;
21. Abaixo do solo, a distância entre as sepulturas dos Autores e dos Réus é de cerca de 0,20m – cfr. relatório pericial;
22. São as seguintes as distâncias a partir da sepultura dos Réus:
a) Do lado Nascente com jazigo nº 17, a distância é de 0,47 m,
b) Do lado Norte com a sepultura 20/21, a distância é de 0,46 m,
c) Do lado Poente com o jazigo nº 29, a distância é de 0,50 m,
d) Do lado Sul confronta com o percurso principal com a largura de 3,90 m – cfr. relatório pericial;
23. São as seguintes as distâncias a partir da sepultura dos Autores:
a) Do lado Nascente com o jazigo nº 15, a distância é de 1,09 m,
b) Do lado Norte com a sepultura 18/19, a distância é de 0,84 m,
c) Do lado Poente com a sepultura 27/28, a distância é de 0,48 m,
d) Do lado Sul com a sepultura dos Autores, a distância é de 0,46 m – cfr. relatório pericial;
24. É possível aceder à sepultura dos Autores na parte confrontante com a sepultura dos Réus mas não sem dificuldade uma vez que o espaço não é demasiado largo e há um desnível entre os materiais que revestem o solo – cfr. relatório pericial;
25. Os espaços peatonais existentes entre outros jazigos, no mesmo cemitério, têm as seguintes dimensões:
Sector A - Talhão 64/65 – do lado Norte com a sepultura 62/63, a distância é de 0,39 m, do lado Nascente com jazigo 57, a distância é de 0,54 m, do lado Sul com percurso principal, a distância é de 3,90 m, do lado Poente com percurso transversal, a distância é de 2,32 m;
Sector D – Distância média entre a sepultura 5/6 e a sepultura 11/12 é de 0,335 m;
Sector D – Distância entre o jazigo do talhão 4 e as cabeceiras do jazigo dos talhões 5/6 é de 0,325 m;
Sector D – Distância entre a cabeceira do jazigo dos talhões 11/12 e o jazigo do talhão 10 é de 0,45 m;
Sector D – Distância média entre os jazigos dos talhões 11/12 e os jazigos dos talhões 16/17 é de 0,61 m;
Sector F – Distância entre os jazigos dos talhões 49/50 e os jazigos dos talhões 51/52 é de 0,27 m;
Sector F - Distância entre os jazigos dos talhões 51/52 e os jazigos dos talhões 53/54 é de 0,28 m;
Sector F – Distância média entre as cabeceiras dos talhões 49/50, 51/52 e 53/54 e os jazigos dos talhões 43 a 48 é de 0,60 m;
Sector D – Distância média entre os jazigos de Maria Alcina Rego de Araújo (11/12) e o jazigo do Padre Arménio (5/6) é de 0,335 m – cfr. relatório pericial;
26. A petição inicial que motiva estes autos deu entrada neste Tribunal em 30.07.2010 – cfr. registo Sitaf.
*
Em sintonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, adita-se a seguinte factualidade, que emerge dos esclarecimentos prestados pelo perito ao relatório pericial, peça desenhada e fotografias anexas (a fls. 522 a 534 dos autos em suporte papel):

27. As dimensões do projeto (que não incluíam soleiras de bordadura), do corpo elevado, com as paredes periféricas exteriores na continuidade das paredes enterradas, são de 2,90mx3,20m, a que corresponde a área de 9,28m2.
28. As dimensões de 3,08m x 3,34m, a que corresponde a área de 10,28m2, referem-se às dimensões totais periféricas, incluindo a soleira de bordadura.
30. A distância de 0,46 m, referida em 20., entre a sepultura/jazigo dos AA e a dos RR foi medida entre os corpos elevados acima do solo de ambas as sepulturas/jazigos.
31. Ao nível do solo, a distância referida em 20. entre a sepultura/jazigo dos AA e a dos RR é de zero.
32. As soleiras de bordaduras das sepulturas/jazigos dos AA e dos RR encontram-se justapostas, sem qualquer espaço entre si.
Estes últimos dois factos resultam dos esclarecimentos do perito, que referiu que “a distância de 0,46 m foi medida entre os corpos elevados acima do solo de ambas as sepulturas, como se identifica na peça desenhada anexa” (nela não entrando, portanto, as dimensões totais periféricas, incluindo a soleira de bordadura), em conjugação com a peça desenhada e as fotografias, juntas pelo perito, como complemento dos seus esclarecimentos (cfr. fls. 522 a 534 dos autos em suporte pepel).

IV – Fundamentação de Direito

Os Autores, ora Recorrentes, instauraram a presente ação contra M.A.A.P. e M.B.R.C.S.A.P. (concessionários do terreno para sepultura que confronta a sul com o jazigo dos AA.) com vista à condenação destes a demolir a obra de construção do jazigo sito na secção D – Sepultura 22 e 23 – do Cemitério Municipal de Landim, por inobservância da largura instituída entre talhões, e de forma a que o jazigo a estes concessionado ocupe, apenas e só, a área de 6,250m2. E com vista à condenação dos RR a realizar todas as obras necessárias para a reconstituição da situação existente nos espaços confinantes.

Juntamente com a réplica, os AA vieram deduzir incidente de intervenção principal provocada da Freguesia da (...), como sua associada, alegando que esta tem interesse direto nos presentes autos, uma vez que é concedente na relação jurídica em análise na lide (que tem subjacente contratos administrativos resultantes da concessão pela Junta de Freguesia da (...) do uso privativo do domínio público de jazigo a dois particulares: os AA e os RR.).
Por despacho de fls. 240 (processo físico) foi admitida a intervenção principal provocada da Freguesia da (...), nos moldes requeridos pelos AA.

A sentença recorrida julgou a ação improcedente.

Cabe, então, dilucidar se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia, de nulidade por omissão de pronúncia e de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do regime instituído pelo § 3º do artigo 8º do Decreto 44220, de 3 de março de 1962.

Da nulidade por excesso de pronúncia:

Os Recorrentes sustentam a invocação desta nulidade na circunstância de a sentença se ter pronunciado sobre a não exigência de licenciamento para a construção do jazigo/sepultura dos RR, sem que eles próprios (Recorrentes/Autores) alguma vez tivessem invocado a exigência de licenciamento para esta construção.
Alegam não entender a razão da afirmação do tribunal a quo quando refere: “no que concerne à invocada exigência de licenciamento para a construção do jazigo/sepultura (decorrente do artigo 47° do decreto 48770, de 18.12.1968), relevam o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de (...), de 16.05.2003 e entrada em vigor em 01.07.2003, e o R.J.U.E. aprovado pelo decreto-lei 555/99, de 16 de dezembro. Conjugado o artigo 6º, n.° 2, als. a) e c) daquele regulamento com os artigos 6º, n.° 1, al. i) e 6º-A, n.º l, al. g) do R.J.UE. É possível concluir que não há lugar a licenciamento por se estar em presença de obras de escassa relevância urbanística.”
Isto porque, dizem os ora Recorrentes, nunca invocaram ou alegaram a exigência de licenciamento para a construção do jazigo/sepultura.
Apreciando.
Não é exacto que os Recorrentes/Autores não tenham invocado a necessidade de licenciamento para a construção do jazigo/sepultura dos RR.
Fizeram-no no artigo XIII a XV da petição inicial, onde expressamente afirmam que “a Junta de Freguesia da (...) faz “tábua rasa” do disposto nos artigos 47º e ss. do Decreto-Lei nº 48770, de 18 de dezembro de 1968, no qual se estipula que todas as obras de construção e reconstrução de jazigos particulares carecem de processo de licenciamento”.
Contudo, atenta a forma como a ação foi configurada, esta invocação não integra a causa de pedir, razão pela qual se reconhece que a sentença a quo dela não deveria ter conhecido.
Vejamos melhor.
O vício de excesso de pronúncia encontra previsão legal na al. d), in fine, do n.º 1, do artigo 615.º do CPC), que estabelece o seguinte:
“1. É nula a sentença quando:
d) O juiz …(…)…conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

Na apreciação das questões de que o juiz pode e deve tomar conhecimento, tudo radica e circula em torno da causa de pedir e do pedido formulado.

Ora, o pedido formulado pelos AA traduz-se na condenação dos RR a demolir a obra de construção do jazigo sito na secção D – Sepultura 22 e 23 – do Cemitério Municipal de Landim, de forma a que o jazigo a estes concessionado ocupe, apenas e só, a área de 6,250m2 e a realizar todas as obras necessárias para a reconstituição da situação existente nos espaços confinantes.
A causa de pedir assenta na inobservância da largura instituída entre talhões.
A pronúncia que a sentença recorrida emite no sentido de a obra em questão não necessitar de licenciamento é, portanto, marginal ao pedido e à causa de pedir, pelo que dela a sentença não devia ter conhecido, sendo, por isso, nula a sentença, na parte em que o fez, por excesso de pronúncia.

Da nulidade por omissão de pronúncia:

Dispõe o nº 1 do artigo 615º do CPC/2013 que: “É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…)”
A nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do n.º 1 deste art. 615º, chamada de omissão de pronúncia, relaciona-se directamente com o estatuído no art. 608º n.º 2, do CPC de 2013, nos termos do qual: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.
Para fundar esta nulidade, alegam os Recorrentes o seguinte:
Que vieram invocar a obrigação que impende sobre a Junta de Freguesia da (...) de fiscalizar a obras de construção efectuada pelos RR, estabelecendo os condicionalismos legalmente exigíveis e os procedimentos administrativos a observar, designadamente para acautelar interesses de natureza pública, conforme impunha o Decreto n.º 44220, de 3 de março, de 1962. E que esta obrigação foi a razão do chamamento da Junta de Freguesia da (...).
Concluem ocorrer manifesta omissão de pronúncia por o tribunal a quo não se ter pronunciado sequer quanto ao não cumprimento do dever de fiscalização pela Junta de freguesia da (...) relativamente à construção do jazigo efectuada pelos RR, ora Recorridos.
Apreciando.
Os Recorrentes laboram num equívoco, já que, em momento algum da petição inicial aludem à omissão do dever de fiscalização por parte da Junta de Freguesia, nem dirigem contra esta qualquer pedido.
E se, na réplica, aludem à omissão de tal dever, é apenas para afirmar (em reposta à exceção, suscitada pelos RR, da falta de verificação do pressuposto processual ínsito no artigo 37º, n.º 3 do CPTA relativo à falta de interpelação da autoridade administrativa), que haviam dirigido à Junta de Freguesia da (...), invocando os deveres de fiscalização desta, diversos requerimentos para que pusesse cobro à situação ilegal.
Por outro lado, o incidente de intervenção principal provocada, mediante o qual os AA chamaram esta Freguesia a juízo, teve, como único fundamento, o interesse desta Freguesia na condenação dos RR à destruição das obras ilegais realizadas no seu jazigo/sepultura.
Como resulta claro da peça processual onde deduzem este incidente (cfr. respectivos artigos LIII a LX), os Recorrentes chamaram a Freguesia da (...) a juízo por esta ter interesse direto nos presentes autos, uma vez que dera em concessão aos RR, o uso privativo do domínio público do jazigo, estando em causa um bem dominial possuído e administrado por aquela, e afeto a um fim de utilidade pública. Estando em causa a reposição da legalidade urbanística naquele cemitério, e tendo esta competência para fiscalizar todas as obras de construção, invocaram ter aquela Freguesia interesse na condenação dos RR à destruição de obras ilegais efetuadas no seu cemitério.
E concluíram os AA dizendo: “nesta conformidade, os Autores vêm chamar a juízo, a Junta de Freguesia da (...), como Associada dos AA, nos termos do artigo 325º do CPC.” (cfr. artigo LVIII da réplica).
De resto, foi nos termos peticionados que a intervenção principal da Freguesia da (...) foi admitida pelo tribunal a quo.
Não dirigiram os AA, portanto, qualquer pedido contra esta Freguesia, tendo-se limitado a invocar o dever de fiscalização, que impende sobre esta, ínsito no Decreto nº 44220, de 3 de março de 1962 (que estabelece o regime normativo relativo à construção e gestão dos cemitérios), a propósito da discussão havida nos autos em torno do pressuposto processual exigido pelo artigo 37º, nº 2 do CPTA, e como justificação para a intervenção desta Freguesia nos autos como sua associada.
Não estando em causa a absolvição dos RR. da instância com base na não verificação daquele pressuposto processual, nem o indeferimento daquele pedido de intervenção principal, a omissão do dever de fiscalização não era questão que devesse ser apreciada pela sentença recorrida, que não padece, por isso, da invocada omissão de pronúncia.

Os AA invocam esta nulidade como se tivessem pedido a intervenção da Freguesia como associada dos RR e como se contra ela tivessem dirigido algum pedido fundado na alegada falta de dever de fiscalização, o que, como vimos, não sucede.
Diga-se, ainda, que a própria sentença incorreu neste equívoco, como avulta de algumas passagens da mesma, designadamente do seguinte excerto: “O objeto do presente litígio consiste no reconhecimento de que a obra de construção do jazigo… (…)…não observa a largura instituída entre talhões e na condenação da Junta de Freguesia de (...) (interveniente principal) na adoção das condutas/diligências necessárias com vista a que Manuel Afonso Almeida Pinto e mulher desocupem a área de terreno não concessionada, pertencente ao cemitério, que visa garantir o acesso e circulação de pessoas aos jazigos”.
Erradamente, já que a Freguesia da (...) não é Ré, nem ocupa a posição de Ré neste processo.
Assim sendo, tem de improceder a arguição da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

Do erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do regime instituído pelo § 3º do artigo 8º do Decreto 44220, de 3 de março de 1962:

Alegam os Recorrentes que a sentença a quo não respeitou o regime instituído pelo §3.º do artigo 8.º do decreto 44220, de 3 de março de 1962.
Lê-se nesta disposição legal o seguinte:
“A largura dos intervalos entre as sepulturas e entre estas e os lados dos talhões nunca poderá ser inferior a 0,40m. Todavia, deverá cada sepultura ter um acesso com a largura mínima de 0,60m.”
Tenhamos de novo presente que nesta acção os AA., ora Recorrentes, peticionam a demolição da obra de construção do jazigo/sepultura 22 e 23 concessionado aos Réus, por inobservância da largura instituída entre talhões, de forma a que ocupe apenas a área concessionada de 6,250m2.
Está em causa o direito de passagem, de acesso e de permanência nos terrenos adjacentes ao jazigo dos AA, que confina com o do RR.
É esse direito de passagem, de acesso e de permanência aos jazigos/sepulturas, de modo a garantir que todos possam velar os seus defuntos, de forma digna e sem perturbações, que está na ratio da disposição legal transcrita atinente à largura dos intervalos entre sepulturas.
Discorre a sentença recorrida o seguinte:
“Ora, analisada a matéria de facto assente supra, é possível retirar dali que, entre os dois espaços (Autores e Réus), a distância é de 0,46m e que naquele espaço é possível permanecer, mas não sem dificuldade uma vez que o espaço não é demasiado largo e há um desnível entre os materiais que revestem o solo.
Importa, também, que para aceder ao seu espaço, os Autores detêm do lado nascente a distância de 1,09 m, do lado norte a distância de 0,84 m, do lado poente a distância de 0,48 m e do lado sul (com a sepultura dos Réus), a distância de 0,46 m. Portanto, fácil é de verificar que o menor distanciamento que há é em face da sepultura dos Réus – 0,46m.
Contudo, importa analisar as normas legais aplicáveis, de modo a aferir se há alguma ilegalidade em tal situação, que imponha sob a Interveniente Junta de Freguesia qualquer atuação.
Com relevo nesta matéria estão os Decretos 44220, de 03.03.1962 (artigo 8º, § 3) – que aprova normas para construção e polícia de cemitérios – e 48770, de 18.12.1968 (artigo 15º) – que aprova o modelo de regulamento dos cemitérios municipais – que dispõem que:
“§ 3.º A largura dos intervalos entre as sepulturas e entre estas e os lados dos talhões nunca poderá ser inferior a 0,40 m. Todavia, deverá cada sepultura ter um acesso com a largura mínima de 0,60 m.”, e
As sepulturas, devidamente numeradas, agrupar-se-ão em talhões tanto quanto possível rectangulares e com área para um máximo de noventa corpos.
Ou (para os cemitérios de grandes aglomerados urbanos):
As sepulturas, devidamente numeradas, agrupar-se-ão em talhões tanto quanto possível rectangulares e com área para um máximo de trezentos corpos.
§ único. Procurar-se-á o melhor aproveitamento do terreno, não podendo, porém, os intervalos entre as sepulturas e entre estas e os lados de talhões ser inferiores a 0,40 m, e mantendo-se, para cada sepultura, acesso com o mínimo de 0,60 m de largura.”.
Analisadas as normas, das mesmas decorre que entre sepulturas a distância mínima é de 0,40m devendo assegurar-se acesso com 0,60m no mínimo.
Cotejados estes artigos com a factualidade referida em torno das distâncias entre as sepulturas dos Autores e dos Réus, fácil é de perceber que a distância de 0,40m se encontra assegurada entre estas (e aliás, a toda a volta da sepultura dos Autores). No que concerne ao acesso de 0,60m, retira-se pela leitura global da norma (atendendo aos seus vários elementos), que se a toda a volta é preciso garantir distância de 0,40m, o acesso será apenas um (no mínimo, logicamente). Analisada a matéria de facto provada constata-se que do lado nascente e norte há uma distância superior a 0,60m, sendo garantido, deste modo, um acesso nos termos legais.
Não se ignora que não obstante o cumprimento da distância entre a sepultura dos Autores e dos Réus, há dificuldades em permanecer naquele espaço. Contudo, estando assegurado pelos demais lados do jazigo, o acesso e a permanência junto ao mesmo, e atendendo a que a exigência legal não se refere a condições de permanência junto das sepulturas (mas apenas às distâncias entre elas) é forçoso concluir que tal circunstância não determina, por si só, qualquer ilegalidade.
Claro está que, ao efetuar as obras de construção das sepulturas, todos os utilizadores devem adotar os melhores procedimentos, de modo a garantir que todos possam velar os seus defuntos, de forma digna e sem perturbações, devendo não só cumprir o legalmente imposto mas também o que as regras de bom civismo impõem, nomeadamente abstendo-se de deixar degraus injustificados entre construções.
Não obstante, em suma, não se verifica haver qualquer ilegalidade em torno das distâncias entre sepulturas/jazigos. “
Fim da transcrição
O assim decidido não pode manter-se.
Senão vejamos.
Da factualidade provada resulta evidente que, na sequência da obra perpetrada pelos RR, de construção civil de um jazigo/sepultura, sobre a área concessionada (mas extravasando-a), os jazigos/sepulturas dos AA e dos RR (que confrontam entre si respetivamente, nas suas extremas sul e norte) ficaram justapostos, tendo deixado de haver, em virtude dessa obra, qualquer intervalo entre eles.
Na verdade, a distância de 0,46 m (que o relatório pericial referiu existir entre a sepultura dos AA e a dos RR, e que foi medida entre os corpos elevados acima do solo de ambas as sepulturas), é, ao nível do chão, de zero, pois é constituída pelas próprias soleiras de bordaduras dos jazigos, que se encontram justapostas, sem qualquer espaço entre si.
Esta evidência emerge do teor dos esclarecimentos prestados pelo perito, de fls. 522 a 534 dos autos em suporte papel e da peça desenhada e fotografias anexas aos mesmos, nos termos já supra explicitados na motivação dos factos ora aditados.
De resto, nesses esclarecimentos percebe-se, ainda, a razão pela qual o perito tirou a medida de 0,46m entre as sepulturas a partir dos respetivos corpos elevados acima do solo. É que, como o próprio perito afirma nesses esclarecimentos “É opinião do perito que as soleiras de bordadura não fazem parte integrante dos jazigos e destinam-se ao acesso e permanência”.
Esta nota é importante para que se perceba o alcance do facto n.º 24 (que a sentença deu como provado com base no relatório pericial) onde consta que:É possível aceder à sepultura dos Autores na parte confrontante com a sepultura dos Réus mas não sem dificuldade uma vez que o espaço não é demasiado largo e há um desnível entre os materiais que revestem o solo “.
Sendo a distância, ao nível do chão, entre ambas as sepulturas igual a zero, o espaço que aqui é referido não é mais do que as próprias soleiras de bordadura das sepulturas, justapostas entre si e desniveladas.
É manifesto que as soleiras de bordadura dos jazigos, enquanto componente do edificado, são parte integrante dos mesmos e não zonas públicas de circulação/acesso aos jazigos ou de permanência junto aos mesmos, devendo inserir-se dentro da área concessionada.
Revela-se, assim, incontornável a conclusão de que, por via da obra de construção do jazigo/sepultura dos RR, deixou de existir qualquer intervalo entre este e o jazigo/sepultura dos AA situado na sua extrema norte.
E igualmente se revela incontornável a circunstância de, por via disso, os AA. se encontrarem limitados no acesso ou permanência ao jazigo de que são concessionários.
Isto porque, a inexistência de intervalo entre os jazigos/sepulturas não permite que os AA., acedam ou permaneçam sem dificuldade junto do seu jazigo/sepultura, tendo de galgar ambos os jazigos, e de permanecer por cima das respectivas soleiras de bordadura, num espaço exíguo e desnivelado, para poderem velar os seus entes queridos.
Dúvidas não existem de que se verifica uma violação do instituído no §3 artigo 8.º decreto 44220 de 03-03-1962, que estabelece a largura do intervalo mínimo entre sepulturas tendo em conta precisamente o direito de passagem, de acesso e de permanência nos terrenos adjacentes às mesmas.
Direito que está na ratio desta disposição legal, que visa a garantir que todos possam velar os seus defuntos, de forma digna e sem perturbações.
A sentença recorrida incorreu, portanto, em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação deste preceito legal.
É sabido que os cemitérios, sob a jurisdição das freguesias, são bens do domínio público da respectiva autarquia, e que a existência de um direito dos particulares ao uso privativo de uma parcela desse bem depende da prévia concessão da administração local, titulada por alvará, estando fora do comércio jurídico privado (artigo 202º nº2 do CC). O direito de propriedade de particulares sobre jazigos só existe, pois, se e na medida em que exista aquele direito ao uso privativo da respectiva parcela do bem do domínio público, direito este que só se constitui através daquele título especial, a concessão que, podendo embora ser ato, configura, normalmente, contrato administrativo (sobre este tema ver, na doutrina, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, volume II, Almedina, Coimbra, 1980, páginas 919, 937, 938, e 946 e seguintes; Vítor Manuel Lopes Dias, Cemitérios, Jazigos e Sepulturas, páginas 422 e seguintes; Pires de Lima, Propriedade e Transmissão de Jazigos, RT, ano 44º; e Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, volume III, Páginas 54 e 55).
As zonas públicas de acesso/passagem/permanência de um cemitério são um bem do domínio público não concessionado, insusceptível de aquisição, cujas dimensões mínimas estão definidas na lei - §3 artigo 8.º decreto 44220 de 03-03-1962 - e que são, tão só, afetas à circulação e à permanência de pessoas.
No caso concreto os Réus apropriaram-se de uma área do domínio público destinada a zona pública de passagem e construíram e edificaram o seu jazigo/sepultura para além da área que lhes foi concessionada, que é de 6,250m2 (facto provado n.º 15).
O jazigo/sepultura dos RR ocupa agora uma área de 10,28m2 (facto provado n.º 19)
Regressemos agora ao teor do §3.º do artigo 8.º do decreto 44220, de 3 de março de 1962. Nele se diz que a “largura do intervalo entre as sepulturas nunca poderá ser inferior 0,40 m”. E “deverá cada sepultura ter um acesso com a largura mínima de 0,60m”
O preceito estabelece requisitos mínimos obrigatórios. Impõe uma distância mínima entre sepulturas, mas a distância que se aplicará em cada caso será aquela que resultar do regulamento e da planta de cada cemitério, que poderá ser maior (e o mesmo se aplica aos acessos). Essa distância será necessariamente o espaço sobrante relativamente ao que é concessionado para a edificação dos jazigos/sepulturas.
Ora, a construção em causa ao exceder a área concessionada está a invadir o espaço do domínio público destinado ao acesso e permanência entre as sepulturas, dificultando não só a permanência dos AA junto da sepultura de que são concessionários, como o acesso dos AA à mesma (que confronta com a dos RR na sua extrema sul).
Termos em que os RR devem demolir o jazigo (soleiras de bordadura incluídas) de forma a que ocupe apenas e, só, a área que lhes foi concessionada, de 6,250m2.
V – Decisão
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em anular a sentença recorrida na parte afectada e em revogá-la na parte restante, julgando a ação procedente e condenando os RR a demolir a obra de construção do jazigo sito na secção D – Sepultura 22 e 23 – do Cemitério Municipal de Landim, de forma a que o jazigo concessionado ocupe apenas, e só, a área concessionada de 6,250m2 e, ainda, a realizar todas as obras necessárias para a reconstituição da situação antes existente nos espaços confinantes.

Custas pelos RR em primeira e em segunda instância.
Registe e D.N.

Porto, 31 de janeiro de 2020

Isabel Costa
João Beato
Helena Ribeiro