Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02333/21.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO;
NULIDADE PROCESSUAL;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
Sumário:
I – A correta compreensão do princípio do contraditório não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos; implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objeto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.

II) O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.

III - O princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Constituição e no artigo 2º, nº 1 do CPTA, assume uma dimensão mais ampla do que o princípio do contraditório, mas inclui-o no seu âmbito, segundo uma formulação que visa assegurar a resolução de litígios através de um processo que observe as corretas regras de funcionamento do tribunal, segundo as garantias de independência e imparcialidade, mas simultaneamente, que assegure as regras do contraditório e do direito à prova.

IV. Em respeito do princípio do contraditório impõe-se ao juiz que formule um convite expresso à parte cuja pretensão é afetada com a exceção ou questão prévia invocada ou oficiosamente suscitada, para que se pronuncie expressamente sobre tal matéria, que tendo sido preterido, sem que a parte se tenha pronunciado, implica uma omissão processual que inquina todos os subsequentes atos processuais, salvo se for possível formular um juízo de desnecessidade dessa pronúncia.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., - SECÇÃO DE PROCESSO EXECUTIVO DE ..., EXECUTADO, nos autos em epígrafe e ali devidamente identificado, vem recorrer da sentença proferida em 24.05.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada parcialmente procedente a execução do julgado no âmbito do processo de oposição nº 3226/15.9BEBRG.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julga a Execução de Julgados parcialmente procedente.
B. O requerimento petitório de EXECUÇÃO DE JULGADOS apresentado pelo Recorrido, originou o Processo n.º 2333/21.3BEBRG, que correu por apenso ao Processo Principal n.º 3226/15.9BEBRG.
C. Dos autos do Processo de Execução de Julgados foi o ora Recorrente notificado para contestar nos termos do n.º 1 do art. 177º do CPTA; no qual apresentou a Contestação por impugnação. (Cfr. 79 SITAF)
D. A 15-11-2022, o ora Recorrente requer a junção aos autos presentes autos de Execução, requerimento a invocar a exceção dilatória de caso julgado, nos termos do art. 581.º e 580º ex vi al. e), do art 2.º do CPPT. (Cfr. fls 96 a 123º SITAF).
E. E a 25-11-2022, por despacho do tribunal a quo foi consignado o seguinte:
“Abro mão dos autos a fim de aos mesmos ser junto o expediente de fls. 96 a 123 SITAF e ser efetuada a notificação à contraparte para, querendo, se pronunciar.”(Cfr. fls 139)
F. Na mesma data, o Tribunal a quo notifica o despacho (apenas e só) o Recorrido. (cfr. 140 SITAF)
G. A 07-12-2022 o recorrido pronuncia-se, nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls 145 a 147)
H. A 09-03-2023, o Tribunal a quo profere novo despacho nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Cfr. 149).
j. E mais uma vez o Tribunal, a 10-03-2023, notifica (apenas e só) o Recorrido do despacho (cfr. 150. SITAF), como se na acção apenas existisse uma parte (o Recorrido), alheando o Recorrente à tramitação processual, ao direito de um processo justo e equitativo.
K . Nessa senda, a 10-03-2023, o Recorrido, apresenta requerimento aos autos, nos mesmos termos que o fez em dezembro de 2022, mantendo a informação de que só recebeu 8.971,73€ em 14-09-2022.
l. Ora, compulsado os autos de execução, a 04-05-2022, foi o único momento que o ora Recorrente foi chamado pelo Tribunal, para apresentar contestação à acção, após isso, o Tribunal “agiu” sempre olvidando a tramitação processual ao ora Recorrente. Face aos sinais nos autos, tem-se por verificada a nulidade processual, de violação do princípio do contraditório, que se assume uma densificação do Princípio da participação, contemplado no art. 3º, n.º 3 do CPC ex vi al. e) do art 2.º do CPPT, que desde já se invoca.
M. A ora Recorrente, nunca foi notificado de qualquer despacho, desconhecendo se o seu requerimento a invocar a exceção de caso julgado, (havia sido admitido, recusado, desentranhado, ordenado que a parte contrária se pronunciá-se, etc), aguardando por um despacho. Pois, e salvo melhor opinião, assim decorre do principio do contraditório, do princípio de igualdade das partes, da segurança jurídica.
N. Para surpresa do ora Recorrente, a 24-05-2023, o douto Tribunal profere sentença.
O. A Execução de sentença de anulação de atos administrativos é regulada nos art. 173.º do CPTA e seguintes ex vi al. c), do art 2º do CPPT.
P. Segundo o princípio do inquisitório vigente no Processo judicial tributário, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, nos termos do art. 13º, n.º 1 do CPPT e 99.º da LGT e 177º do CPTA.
Q. Dos autos, apenas se ouviu e deu como assente o referido pelo Recorrido, não questionando ou convidado o Recorrente para se pronunciar.
R. Salvo melhor opinião, o juiz não dispunha dos elementos necessários à fundamentação da decisão que tomou, tendo violado o princípio do contraditório e ignorado o dever de investigação que sobre si impende por força do princípio do inquisitório.
T. Se o ora Recorrente tivesse sido tratado de igual forma que o recorrido, resultaria decisão diversa da ora proferida pelo Tribunal a quo.
U. Ora se dos autos há incongruência dos valores que o Recorrido pugna ter recebido e os que o ora Recorrente realmente pagou, persiste uma inverdade incompreensível, que importa sanar. E sobre tal facto não pode o Tribunal ficar alheio, pois às partes estão sujeitas ao dever de boa-fé processual, para o fim proposto, que é a descoberta da verdade material, exigência plasmada no art. 55.º da LGT e em matéria tributária a
V. Mais, o Tribunal a quo violou o principio da igualdade e direito fundamental de acesso à justiça, consagrados respectivamente nos artºs 13º e 20º da Lei Fundamental.
X. A sentença é nula por excesso de pronúncia, porque o juiz conheceu de questão de que não podia conhecer antes de ouvir as partes interessadas sobre a matéria, ou seja, antes da notificação da contraparte para se pronunciar, o ato indevidamente omitido.
Z. Quanto à matéria de facto provada, a Recorrente impugna os seguintes factos
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 De facto
Com relevância, resultam provados os seguintes factos:
(…)
B. Em 01.12.2020 foi remetida àqueles autos e ao IGFSS, IP nota justificativa e discriminativa de custas de parte relativa ao mesmo processo 3226/15.9BEBRG, da qual não foi apresentada Reclamação, no valor de € 612,00, sendo € 306,00 referente à taxa de justiça e € 306,00 a título de compensação por honorários de mandatário, com indicação do NIB para o qual o pagamento deveria ser efetuado. [cfr requerimento, documentos – fls. 106 do processo principal 3226/15.9BEBRG a que estes autos se encontram apensos – doc. 006257777 SITAF]”
AA. Quanto ao facto invocado, não decorre dos autos, nem há prova de que a 01–12- 2020 fosse remetida ao Recorrente nota discriminativa de custas de parte, pelo que se impugna, por não corresponder à verdade.
BB. Primeiramente, o ora recorrente, não tinha mandatário acompanhar os autos do Processo de Oposição 3226/15.9BEBRG para que, aquando da junção da nota, fosse o Mandatário do Recorrente notificado e, consequentemente, caso assim entendesse, reclamado da nota justificativa. Pelo que, o ora Recorrente não pôde apresentar defesa se não tem conhecimento dum facto, assim, s.m.o, o mesmo torna-se inoponível.
CC. No mais, o Recorrido, nos autos de execução não junta qualquer notificação e comprovativo de envio ao ora Recorrente, de que remeteu nota justificativa e discriminativa de custas de parte, conforme decorre do art. 25.º Regulamento de Custas Processuais. Juntando, apenas, um documento, não assinado nem datado titulada de “NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DE CUSTAS DE PARTE”, que não faz qualquer prova, pelo que o facto vai desde já impugnado por não resultar provado dos autos.
DD. Logo, e com o devido respeito que é devido, o Tribunal a quo não pode condenar o ora Recorrente a pagar custas de parte, no montante de 612€ e consequentemente juros de mora (constante no ponto III DECISÃO, iv) e v) al. c.), pelo que nessa parte, deve a decisão ser retificada, por não ser devido custas de parte, face aos fundamentos supra referidos.
EE. Quanto ao ponto D. da sentença recorrida consta o seguinte:
“Em 09.12.2021 foi apresentado o requerimento executivo da sentença a que se refere o ponto A. supra, proferida no processo de Oposição 3226/15.9BEBRG, que veio a dar lugar à presente ação, inicialmente instaurada autonomamente, sob o n.º 2333/21.3BEBRG, neste Tribunal. [comprovativo de entrega que integra o doc 006496044 SITAF, integrado no documento de fls. 1 e segts do SITAF, deste processo apenso]”.
FF. Conforme se dispõe no artº. 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva.
Fundando-se a execução em sentença condenatória, a qual constitui, assim, o respetivo título executivo, o que nela foi decidido, com os respetivos fundamentos, deve ser acatado, à luz do disposto no artigo 176.º do CPTA.
Ora, o que ficou decidido foi a anulação do despacho de reversão e determinada a extinção do processo executivo n.º ...38 e apenso ...46 em relação ao oponente/recorrido. A fixação do valor da causa em 8.687,03€ e as custas a cargo do IGFSS.
GG. O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objetivos e subjetivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade, , nos termos do artº 703º, nº. 1 al a), do CPC ex vi al. e do art 2.º do CPPT,
HH. Por regra, o título executivo é simples, ou seja, integrado por um único documento, mas pode sê-lo de forma complexa, sendo neste caso constituído por vários documentos que se completam entre si de molde a demonstrar a obrigação exequenda.
II. E sabido que a causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objetiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente absolvição, não da instância, mas do pedido. Dito de forma mais sugestiva, “o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão do direito que está dentro” (Ac. do STJ de 19/2/2009, proc. nº 07B427, em www.dgsi.pt). E dentro só pode estar uma obrigação (exequibilidade intrínseca), enquanto condição material de efetivação coativa da prestação.
JJ. Para feitos da ação executiva, a dívida incorporada no título executivo existe e existe nos precisos termos que constam do título executivo. Pelo que, não pode ser cobrado um valor superior ao que consta do título executivo.
KK. O título executivo constitui presunção acerca da existência, validade e eficácia do direito de crédito que incorpora.
LL. Contudo, não se pode afirmar que a mera existência do título executivo dispensa totalmente a verificação da conformidade entre o título e a dívida material subjacente.
MM. É claro que da parte dispositiva da sentença do Processo principal n.º 3226/15.9BEBRG a que o Recorrido apresenta à execução, como título executivo, fixa o valor da causa em 8.687,03€, referente à quantia exequenda total, no âmbito do PERES (n.º 394/2017) – DL n.º 67/2016, de 11/2016, correspondente a contribuições e cotizações assegurados aos trabalhadores pelo Fundo de Garantia Salarial no período de 02/2017 a 01/2020 e não resulta qualquer condenação expressa do ora Recorrente no cumprimento de qualquer obrigação, nomeadamente de conteúdo pecuniário.
NN. No mais, consta dos autos que o requerimento executivo apresentado pelo Recorrido e impugnado pelo ora Recorrente na Contestação, é acompanhado de 40 documentos, mas nenhum faz prova dos pagamentos efetuados trata-se apenas de documentos únicos de cobrança e de email’s enviados para pagamento ao qual.
ESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que V. Excelências mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder — por inteiramente provado e em conformidade
- Face ao erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recurso, devendo julgar-se procedente a exceção peremptoria por violação da lei,
ou caso assim não proceda,
- Ser ordenada a anulação da decisão e baixar os autos para o Tribunal a quo ordenar as diligências indispensáveis, cumprindo com o principio do contraditório, para que o processo siga os seus trâmites,
ou
- sentença que ora se coloca em crise padece de erro de julgamento, por errada valoração da prova, pelo que deve ser retificada pelo douto Tribunal ad quem
fazendo assim V.Exas. a HABITUAL E ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!!!».

1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido da improcedência deste recurso.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se ocorre nulidade processual por incumprimento do princípio do contraditório, bem como se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia ou de erro de julgamento.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância, resultam provados os seguintes factos:
A. No processo de Oposição n.º 3226/15.9BEBRG à execução n.º ...38 e apenso [n.º ...46] foi proferida sentença, em 25.09.2020, de que não foi apresentado recurso, que determinou a anulação do despacho de reversão e a extinção do processo n.º ...38 e apenso [n.º ...46], em relação ao Oponente, com custas a cargo da Entidade Exequente.
[cfr sentença – fls. 90 do processo principal 3226/15.9BEBRG a que estes autos se encontram apensos – doc. 006203950 SITAF]
B. Em 01.12.2020 foi remetida àqueles autos e ao IGFSS, IP nota justificativa e discriminativa de custas de parte relativa ao mesmo processo 3226/15.9BEBRG, da qual não foi apresentada Reclamação, no valor de € 612,00, sendo € 306,00 referente à taxa de justiça e € 306,00 a título de compensação por honorários de mandatário, com indicação do NIB para o qual o pagamento deveria ser efetuado.
[cfr requerimento, documentos – fls. 106 do processo principal 3226/15.9BEBRG a que estes autos se encontram apensos – doc. 006257777 SITAF]
Mais resulta provado o seguinte,
C. Em 23.09.2021, o ora Exequente remeteu à Entidade Requerida carta registada, com referência ao processo 3226/15.9BEBRG, em que pediu além da restituição dos valores pagos ao abrigo do PERES, que referiu serem devidos por força da sentença proferida naqueles autos em 25.09.2020, de € 9968,01 de prestações pagas, € 1580,00 de juros e de € 612,00, de restituição dos valores devidos a título de custas de parte, com indicação do NIB para o qual o pagamento deveria ser efetuado.
[cfr documento 38 junto com a PI, a fls. 52-53 do SITAF, deste processo apenso]
D. Em 09.12.2021 foi apresentado o requerimento executivo da sentença a que se refere o ponto A. supra, proferida no processo de Oposição 3226/15.9BEBRG, que veio a dar lugar à presente ação, inicialmente instaurada autonomamente, sob o n.º 2333/21.3BEBRG, neste Tribunal.
[comprovativo de entrega que integra o doc 006496044 SITAF, integrado no documento de fls. 1 e segts do SITAF, deste processo apenso]
E. Em 11.01.2022 foi determinada a remessa dos autos 2333/21.3BEBRG para apensação ao processo de Oposição 3226/15.9BEBRG.
[cfr. fls. 66-70 do SITAF deste processo apenso]
F. Em 14.01.2022 foi enviada pela Entidade Requerida resposta ao pedido a que respeita o ponto C. que antecede, que integra ofício, despacho e informação com o seguinte teor:
“(…)[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
DESPACHO
Concordo com o proposto.
Notifique.
INFORMAÇAO
O Executado/Revertida veio apresentar requerimento a solicitar a restituição de valores pagos no PEF n.º ...38 e apensos, no montante total de 9.024,02, em virtude da sentença proferida, de 25-09-2020, no Processo de Oposição à Reversão n.º 3226/15.9BEBRG, pelo TAF de Braga, que considerou a reclamação procedente, e determinou a anulação do despacho de reversão e extinção processo supra.
(…) o Revertido deduziu Oposição no âmbito dos PEF ...38 e apensos (…)
Apesar de o Revertido ter “lançado mão” deste meio de defesa, o mesmo não prestou garantia, logo a execução não se suspendeu (…) foi remetida a Oposição para o TAF de Braga, tendo sido atribuído o n.º 3226/15.9BEBRG.
(…) a fim de se obter a cobrança da dívida, procedeu-se à emissão de mandados de penhora quanto ao revertido, nomeadamente à penhora de vencimento e salários às entidades empregadoras do revertido.
Em 22.12.2016, o revertido, por iniciativa própria, efetuou o pagamento voluntário no valor de 694,96, relativo a cotizações do período de 06/2008.
E, posteriormente, em 08-02-2017, requereu Plano Prestacional (n.º 394/2017) no âmbito do PERES, o qual foi aprovado em 36 prestações, tendo sido pontualmente cumprido de 03/2017 a 01/2020 e consequentemente, extinto o PEF ...38 e apensos, em 21.01.2020, por pagamento.
Acontece que, por requerimento (…) em 08.10.2021, vem o executado solicitar a restituição de valores pagos no âmbito do PEF n.º ...38 e apensos, no montante total de 9.024,02 € (…).
No referido requerimento, o executado/revertido, aduziu que em virtude da sentença proferida, em 25- 09- 2020, no Processo de Oposição à Reversão n.1I 3226/1S.9BEBRG, a restituição é devida.
Contudo, na data da apresentação do requerimento, o Processo já se encontrava extinto, por pagamentos voluntários efectuados (e não coercivos), posteriores à apresentação da Oposição de 23-03-2012.
(…)
Pelo que, não pode ser repetida a prestação realizada espontaneamente, em cumprimento de uma obrigação natural (…)
A Impossibilidade de repetição da prestação realizada espontaneamente torna inútil a apreciação da prescrição da obrigação tributária exequenda, invocada como fundamento daquela repetição.
Assim, está facilmente demonstrado que, não poder ser repetida a prestação realizada espontaneamente, em cumprimento de uma obrigação natural (…) ou seja, não há lugar à restituição dos montantes já efetuados.
Perante tais evidências, o critério legal de decisão é o da utilidade da sentença de procedência na reclamação judicial aferido pela (In)suscetibilidade da reintegração especifica da esfera jurídica do Recorrente – e não pela (in)suscetibilidade de indemnização a posteriori.
No presente caso, depois de extinto o PEF n.º ...38, por pagamento voluntário, e atento à impossibilidade de reconstituição in natura do status quo anteriormente existente que deveria subsistir" a suspensão do processo de execução fiscal, antes do seu Integral pagamento.
Ora, esse pagamento voluntário gera necessariamente a extinção da execução, conforme estipulado no art. 269.º do CPPT, e a consequente inutilidade da Oposição que contra ela foi deduzida com vista precisamente à sua extinção pela demonstração do infundado da pretensão do exequente em face dos fundamentos tipificados na lei.
Paga a dívida exequenda, a oposição, que contra ela havia sido deduzida, perdeu, pois, toda a sua utilidade.
3. CONCLUSÂO
Em face do supra alegado, sou do parecer não haver lugar à devolução do (in)devido por força do disposto nos arts. 176.º, n.º 1, alínea a), 264.º, n.1 1, e 269.º, do CPPT. À consideração superior, (…)
[cfr. fls. 99-108 do SITAF deste processo apenso]
G. Em 26.01.2022 foi registada pela Entidade Requerida a entrada de Reclamação apresentada nos termos do disposto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, visando a anulação do despacho de 14.01.2022, com referência ao PEF n.º ...38 e apensos, cujo teor foi acolhido na alínea G. antecedente, em que foi formulado o seguinte pedido: “(…) revogado o despacho de 14.01.2022 e substituído por despacho que ordene ao IGFSS a pagar ao reclamante todos os valores pagos ao abrigo do programa “PERES” no valor de 9.968,01€; acrescidos de juros desde o pagamento de cada prestação e até integral e efetivo pagamento e demais consequências legais”.
[cfr. fls. 109-122 do SITAF deste processo apenso]
H. Em 24.01.2022 foi recebida pela Entidade Requerida a notificação para pagar ou deduzir Oposição relativamente a esta ação de execução de julgados.
[documentos de fls. 72-74 do SITAF deste processo apenso]
I. Em 22.06.2022 foi proferida sentença, de que não foi apresentado Recurso, na Reclamação de ato do órgão de execução fiscal a que deu origem o requerimento inicial referido na alínea G. que antecede, que integra o seguinte teor: “(…)
Acresce que, dos autos não resulta que em momento algum o reclamante tenha renunciado ao direito de ver a sua oposição apreciada. Assim sendo, apesar de o reclamante ter procedido ao pagamento da dívida exequenda ao abrigo do programa especial de redução do endividamento ao Estado (PERES), tal circunstância não inviabiliza, primeiro, o prosseguimento dos autos de oposição à execução fiscal por questionar a legalidade do ato de reversão; segundo, a restituição dos montantes pagos no caso de procedência da oposição por ausência de um dos pressupostos como correu no caso em análise, pois que, tal como resulta da factualidade provada a oposição foi julgada procedente “por ausência de demonstração da verificação do pressuposto atinente ao efetivo exercício de função de administração da devedora originária por parte do Oponente” e determinou a anulação do despacho de reversão e a extinção do processo executivo n.º ...38 e apenso em relação ao aqui reclamante.
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais considerandos, por desnecessários, cumpre concluir pela procedência da reclamação com a consequente anulação do ato reclamado e devolução da quantia paga acrescida de juros. (…)
V - DECISÃO
Nestes termos, decide-se julgar a reclamação procedente com a consequente anulação do ato reclamado e devolução da quantia paga acrescida de juros.”
[documentos de fls. 123-138 do SITAF deste processo apenso]
Resulta ainda provado que,
J. Entre 28.02.2017 e 21.01.2020, o aqui Exequente pagou as 36 prestações do plano de pagamento 394/2017, deferido em 08.02.2018, no âmbito do programa PERES, no PEF ...38 e apenso [...46].
K. Em 15.12.2022 a Entidade Requerida veio juntar a estes autos cópia da sentença a que se refere a alínea antecedente, invocando o seu trânsito em julgado e verificar-se a exceção dilatória de caso julgado, em relação aos pedidos efetuados pelo Exequente nesta ação de execução de julgados.
[documentos de fls. 94-138 do SITAF deste processo apenso]
L. A Entidade Requerida restituiu ao aqui Exequente, em 14.09.2022, o valor de € 8.971,73, com referência ao pedido a que se refere a alínea C. antecedente.
[documentos de fls. 149-153 do SITAF deste processo apenso]
**
Com interesse, não existem outros factos, provados ou não provados.
*
Motivação da decisão de facto
Considerou-se provada a matéria de facto, com base na convicção alcançada em função da alegação das partes, ante o teor dos articulados apresentados, em conjugação com a prova documental integrada nos autos principais e nos presentes, referenciada junto a cada um dos pontos supra, na parte correspondentemente relevada.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da nulidade processual
Na conclusão I. das suas alegações de recurso, refere o Recorrente que «(…) compulsado os autos de execução, a 04-05-2022, foi o único momento que o ora Recorrente foi chamado pelo Tribunal, para apresentar contestação à acção, após isso, o Tribunal “agiu” sempre olvidando a tramitação processual ao ora Recorrente. Face aos sinais nos autos, tem-se por verificada a nulidade processual, de violação do princípio do contraditório, que se assume uma densificação do Princípio da participação, contemplado no art. 3º, n.º 3 do CPC ex vi al. e) do art 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.».
Sobre o conceito e âmbito do princípio do contraditório pronunciou-se o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 19-04-2018, proferido no processo nº 533/04.0TMBRG-K.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/9c9b68362e36005280258286003c9906?OpenDocument, cujo teor aqui se transcreve na parte relevante, com a vénia devida, por com ele inteiramente concordarmos:
«A necessidade da contradição, aflorada, em diversas disposições do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, vem genericamente concretizada no artigo 3º, que, sob a epígrafe Necessidade do pedido e da contradição, presentemente, de modo mais justo, abrangente e amplo, dispõe:
1. O Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4. Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.

O direito ao contraditório, decorrência natural do princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, “possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta”
(1). Surge como estruturante e basilar no processo Civil.
A estrutura da ação regulada pelo direito processual civil apresenta bilateralidade, porquanto, em termos gerais, a relação processual se estabelece entre duas partes litigantes, o que exige, antes de mais, que qualquer pessoa ou entidade tenha conhecimento de que foi formulado contra si um pedido, dando-se-lhe oportunidade de defesa, mas ainda que, ao longo da tramitação, qualquer parte tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de pronúncia antes de ser proferida decisão. Esta vertente do contraditório – o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão – corresponde ao sentido tradicional do princípio, tendo consagração legal na segunda parte do nº1 e no nº 2, do art. 3º (2)
Existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema de comunicações entre as partes e o Tribunal.
Nos últimos tempos e nesta sociedade em que o direito de acesso à justiça é um direito fundamental do cidadão, vem-se assistindo a uma crescente tendência de substituição de um processo estritamente individualista, privatístico, por um direito processual mais justo e socialmente mais aberto, sendo notória a mudança das linhas de orientação adjetiva, passando o juiz a ser visto não como um mero garante das regras do jogo honesto mas, antes, empenhado na solução concreta do conflito e mais aberto na consideração das consequências das soluções, tendo sempre o dever de fundamentar a sua decisão e deixando-se às partes o direito de a influenciar.
Passou, assim, a ter uma maior amplitude, pois também está em causa assegurar às partes o direito de serem ouvidas como ato prévio a qualquer decisão que venha a ser proferida no processo. Nesse sentido, o nº3 do art. 3º, para além de estabelecer que o juiz “deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório”, acautela que o juiz não decida “questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, só assim não sendo, como menciona este próprio preceito, em caso de “manifesta desnecessidade”. Nesta conformidade, para além de se evitarem as decisões-surpresa, passou a conferir-se às partes a possibilidade de intervirem e, com os seus argumentos, influenciarem a decisão (3)
Assim, o direito de acesso aos tribunais engloba a garantia do contraditório, quer num sentido mais restrito – visto como direito de, ao longo de todo o processo, cada uma das partes conhecer e responder à posição (iniciativa ou pretensão) tomada pela parte contrária – quer no sentido mais lato que presentemente lhe vem a ser dado – entendido como direito das partes intervirem, ao longo de todo o processo, para influenciarem, em todos os elementos que se prendam com o objeto da causa e que se antevejam como potencialmente relevantes para a decisão, – pois a colaboração das partes é vista como primordial para que o processo atinja plenamente o seu fim – a justa composição do litígio. Privilegiando-se a bondade da decisão de mérito em detrimento da de forma e sendo tudo processado segundo um esquema de cooperação recíproca, é mais facilmente obtida a verdade material e alcançada a verdadeira função dos tribunais – administrar a justiça resolvendo os conflitos de interesses das partes de acordo com o direito material.
Agora, o princípio do contraditório significa muito mais do que um jogo de ataque e defesa ao longo do qual o processo se desenvolve, sendo entendido como garantia do direito de influenciar a decisão, mediante a possibilidade de participação efetiva de ambas as partes em todos os elementos em que o litígio se manifesta - o plano da alegação de facto, o plano da prova e o plano do direito - que em qualquer fase do processo surjam como potencialmente relevantes para a decisão, ficando marcado por uma dupla crivagem ou entrelaçamento de perspetivas de grande valia para alcançar a justa decisão do caso concreto.
Os factos, as provas de tais factos e os critérios jurídicos aplicáveis aos mesmos são as três bases ou níveis em que assenta a decisão do Tribunal e, por isso, a possibilidade de ambas as partes influírem na decisão, pronunciando-se sobre a intervenção processual da outra, reporta-se a todos eles.
O princípio do contraditório, visto como o direito de influenciar a decisão, é uma garantia de participação efetiva das partes no desenrolar do litígio, acompanhando-o em toda a sua longevidade, mediante a possibilidade de as mesmas a influenciarem em todos os planos - quer no âmbito da alegação fáctica, quer na âmbito das provas quer quanto ao direito -, manifestando a sua perspetiva, garantindo-se a ambas condições de absoluta igualdade ou paridade (4).
O objetivo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou de resistência à atuação da parte contrária, para passar a ser a influência positiva e ativa na decisão, ou seja, passou a ser visto como o direito de provocar uma decisão favorável: o direito de intervir, participando para, usando os melhores argumentos, tentar convencer o julgador e obter um desfecho favorável, para si.

E tem por objeto quer os argumentos factuais, incluindo provas, quer os jurídicos.
Deste modo, o princípio do contraditório passou a ter um sentido amplo que abarca quer o direito ao conhecimento e pronuncia sobre todos os elementos suscetíveis de influenciar a decisão carreados para o processo pela parte contrária (contraditório clássico ou horizontal) quer o direito de ambas as partes intervirem para influenciarem a decisão da causa, assim se evitando decisões surpresa (contraditório vertical).
O nº 3, do referido artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido, como vimos, como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.
A referida conceção ampla do princípio do contraditório, também já há muito defendida pelo Professor Lebre de Freitas (5) para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (6).
Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, pois que, na verdade, da discussão é que nasce a luz, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o Ilustre Professor Lebre de Freitas, cuja lição se vem a seguir, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa (7).
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.».
Por seu turno, o processo equitativo assume uma dimensão mais ampla do que o princípio do contraditório, mas inclui-o no seu âmbito, segundo uma formulação que visa assegurar a resolução de litígios através de um processo que observe as corretas regras de funcionamento do tribunal, segundo as garantias de independência e imparcialidade, mas, simultaneamente, que assegure as regras do contraditório e do direito à prova.
Por isso, o princípio do contraditório está legalmente estabelecido como regra, em concretização do princípio do processo equitativo, previsto no nº 1 do artigo 2º do CPTA e do artigo 20º da Constituição, nos termos do qual as partes devem ser sempre ouvidas sobre as questões suscitadas ao longo do processo, incluindo a matéria de exceção, que possam ser determinantes para a decisão da causa e, ainda, antes de ser decidida qualquer questão de conhecimento oficioso.
A observância do contraditório tem por escopo um processo que conceda iguais oportunidades às partes de discutir cada questão que possa ter repercussão na decisão a proferir na sua causa e o direito a um processo justo, que se estende à matéria de exceção, assim como à matéria de conhecimento oficioso do tribunal.
Em respeito do princípio do contraditório impõe-se ao juiz que formule um convite expresso à parte cuja pretensão é afetada com a invocada exceção ou questão prévia, para que se pronuncie expressamente sobre tal matéria – cfr. Acórdão do TCAS de 06.12.2017, proferido no processo nº 106/12.3BECTB, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/2D4F6B86DFAB60DB802581F5003D3C3D.
No caso que nos ocupa, o Exequente e ora Recorrido apresentou 2 requerimentos ao processo (em 7.12.2022, pronunciando-se sobre a autoridade do caso julgado suscitada pelo Executado, e em 10.03.2023, informando o montante que, entretanto, lhe foi pago pelo Executada) que notificou à mandatária do Executado, cumprindo o dever previsto no artigo 221º do Código de Processo Civil.
O segundo daqueles requerimentos foi antecedido de despacho da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, «Prefigurando-se poder verificar-se, causa para extinção da instância, ainda que parcial, por inutilidade da lide, (…)».
Sucede que a inutilidade da lide, ainda que parcial, configura uma questão prévia cuja decisão devia ter sido precedida de audição de ambas as partes. No entanto, perscrutados os autos, verifica-se que apenas houve uma notificação ao Recorrido para informar os valores que, entretanto, havia recebido, sendo certo que nem antes nem depois da sua resposta foi a ora Recorrente notificada para se pronunciar sobre tal questão.
Acresce que não é possível formular um juízo de desnecessidade de tal audição porquanto a Recorrente refere, na conclusão U. das suas alegações, que dos autos resulta incongruência dos valores que o Recorrido alega ter recebido e os que o Recorrente efetivamente pagou. Trata-se, por isso, de matéria factual controversa que impunha a necessidade de ouvir ambas as partes previamente à decisão de declarar a inutilidade parcial da lide.
Nesta medida, ocorre a nulidade processual arguida pelo Recorrente, que implica a anulação de todo o processado após o requerimento apresentado em 10.03.2023, incluindo a sentença recorrida.
Por assim ser, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso, o qual deve ser julgado procedente.
*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A correta compreensão do princípio do contraditório não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos; implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objeto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
II) O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
III - O princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da Constituição e no artigo 2º, nº 1 do CPTA, assume uma dimensão mais ampla do que o princípio do contraditório, mas inclui-o no seu âmbito, segundo uma formulação que visa assegurar a resolução de litígios através de um processo que observe as corretas regras de funcionamento do tribunal, segundo as garantias de independência e imparcialidade, mas simultaneamente, que assegure as regras do contraditório e do direito à prova.
IV. Em respeito do princípio do contraditório impõe-se ao juiz que formule um convite expresso à parte cuja pretensão é afetada com a exceção ou questão prévia invocada ou oficiosamente suscitada, para que se pronuncie expressamente sobre tal matéria, que tendo sido preterido, sem que a parte se tenha pronunciado, implica uma omissão processual que inquina todos os subsequentes atos processuais, salvo se for possível formular um juízo de desnecessidade dessa pronúncia.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, julgar verificada a nulidade processual arguida pelo Recorrente e anular todos os atos posteriores ao requerimento de 10.03.2023.

Custas a cargo do Recorrido, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 11 de janeiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta