Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01430/08.5BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:João Beato Oliveira Sousa
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
Sumário:No domínio do REJEOP aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, a rescisão do contrato por iniciativa do empreiteiro sé era possível pela via judicial.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Massa Insolvente P... - Pavimentos e Vias, SA
Recorrido 1:Município de R...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

«Massa Insolvente de P...- Pavimentos e Vias, S.A» veio interpor recurso da sentença do TAF de Viseu que julgou improcedente a presente acção administrativa comum em que peticiona que lhe seja reconhecido o direito de rescisão do contrato de empreitada e, em consequência, absolveu dos pedidos formulados o Município de R....


*
Em alegações a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

1. Andou mal o Tribunal a quo ao ter negado provimento à acção, tendo fixado insuficientemente a matéria de facto alegada e provada pela A. e aplicado mal o direito aos factos dos autos.

Com efeito,
2. Tendo sido o R. regularmente citado para contestar a acção administrativa comum ordinária movida pela A. e não o tendo feito, aplica-se a tal conduta o efeito cominatório previsto no artigo 484º do CPC, ex-vi artigo 42º do CPTA, «consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. (…) julgando[-se] a causa conforme for de direito».
3. Como tal, nos termos das disposição citadas, que o Tribunal recorrido incumpriu, e dos documentos juntos aos autos pela A., a matéria de facto dada por provada na sentença recorrida deverá ser mantida, acrescida dos factos alegados nos artigos 18º, 19º, 35º, 36º, 44º, 46º, 52º, 53º e 57º da PI, bem com do teor integral dos documentos 4, 8, 9, 10 e 12 do doc. 1 junto à PI, dados pela A. como reproduzidos, para prova dos factos 18, 21, 24, 25 e 28 da sentença recorrida.
4. A A. suspendeu a execução dos trabalhos do contrato de empreitada, com efeitos a 26 de Julho de 2005, nos termos do artigo 185º, nº 2, alíneas a) e c) do RJEOP, por falta de condições técnicas para a prossecução dos trabalhos de pavimentação betuminosa da responsabilidade do R., por falta de pagamento da factura nº 200504019 e, ainda, por falta de cálculo e pagamento das revisões de preços referentes aos autos de medição que deram origem às facturas 200502020, 200502036, 200503022, 200504019, 200505011, 200506010 e 200507007, todas vencidas naquela data há mais de 22 dias úteis.
5. Em 28 de Julho de 2005, nos termos do artigo 185º, nº 2, alínea c) do RJEOP, a A. comunicou ao R. a suspensão dos trabalhos (já parcialmente suspensos) agora por falta de pagamento dos juros de mora devidos pelo atraso, superior a 22 dias úteis, no pagamento das facturas 200502020, 200502036 e 200503022.
6. Em 12 de Setembro de 2005, a A. requereu ao R. a rescisão do contrato de empreitada, nos termos do artigo 238º do RJEOP, com fundamento, designadamente, na alínea b) do nº 2 do artigo 189º do mesmo diploma, por a empreitada, com prazo de execução de 365 dias, estar suspensa há mais de 37 dias, por falta de condições técnicas para a prossecução dos trabalhos de regularização de pavimento da responsabilidade do R. nos cinco troços da empreitada, por falta de cálculo pelo R. e respectivo pagamento das revisões de preços devidas sobre autos de medição titulados por facturas vencidas há mais de 22 dias úteis, e ainda, nos nºs 2 e 4 do artigo 148º do mesmo diploma, por o R. ter adjudicado a terceiros, em Agosto de 2005, sem fundamento, trabalhos que haviam sido adjudicados à A..
7. Em 12 de Setembro de 2005 continuava igualmente por pagar o valor devido a título de juros pela mora no pagamento das facturas n.º 200502020, n.º 200502036, n.º 200503022, o que constituiu igualmente fundamento para a suspensão dos trabalhos (cfr. doc. 5 do doc. 1 junto com a PI) e não foi excluído dos motivos do requerimento de rescisão, onde a A. recordou apenas alguns dos motivos que levaram à suspensão dos trabalhos da obra, através do advérbio “designadamente”.
8. Em 21 de Setembro de 2005, o R. indeferiu aquele requerimento da A. mas admitiu a verdade das razões invocadas pela A. para ter requerido a rescisão do contrato de empreitada:
a. O R. não supriu as faltas de condições técnicas, da sua responsabilidade, por forma permitir à A. a prossecução dos trabalhos da empreitada;
b. O R. não calculou nem remeteu o cálculo ou pagou as revisões de preços da empreitada;
c. O R. adjudicou injustificadamente a terceiros trabalhos incluídos na empreitada dos autos;
d. O R. não pagou os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento das facturas n.º 200502020, n.º 200502036, n.º 200503022.
(cfr. doc. 10 do doc. 1 junto com a PI).
9. O R. rescindiu, ele próprio, também, o contrato de empreitada dos autos em 18.10.2005 e tomou posse administrativa da obra.
10. Estando a obra suspensa aquando do requerimento de rescisão do contrato de empreitada pela A. e tendo o R. rescindido, posteriormente, o contrato de empreitada, o disposto no artigo 238º, nºs 2 a 5 do RJEOP não é lhe aplicável, ao contrário do defendido na sentença recorrida.
11. Caso assim não se entenda, então não se pode ignorar que a acção prevista no artigo 238º do RJEOP não está sujeita a qualquer prazo especial, que as partes encetaram a tentativa de conciliação à data prevista nos artigos 260º e ss. do RJEOP e que a A. intentou a presente acção no prazo previsto no artigo 255º do RJEOP.
12. Pelo que, se se entender que o 238º, nºs 2 a 5 do RJEOP é aplicável nos presentes autos, então a acção foi interposta pela A., após a rescisão do contrato de empreitada pelo R. e a tentativa de conciliação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 238º do RJEOP.
Em segundo lugar,
13. Se é verdade que em 9 de Maio de 2005 a A. remeteu ao R. um cálculo de revisão de preços com índices provisórios, não é menos verdade que, por força dos artigos 199º do RJEOP e 8º, nº 1 do Decreto-Lei nº 348-A/86, conjugados com os artigos 17º e 18º do Decreto-Lei nº 6/2004, tal apresentação não desonerava o R., dono da obra, de proceder ao cálculo actualizado da revisão de preços sobre os autos de medição titulados pelas facturas 200502020, 200502036, 200503022, 200504019, 200505011, 200506010 e 200507007, e remetê-lo à A. para emissão e envio de factura e pagamento da mesma, tudo nos 44 dias seguintes às datas dos autos de medição dos trabalhos a que a revisão de preços em causa se reportaria, sob pena de o R. incorrer no pagamento de juros de mora, que passam ser, a partir daquele momento, igualmente devidos.
14. Em 28.07.2005, o R. não aprovou qualquer cálculo de revisão de preços feito pela A. e a actualizar posteriormente aquando do pagamento, nem lhe remeteu qualquer outro, tendo apenas solicitado o envio de factura para pagamento mas sem indicar qualquer valor ou a que auto de medição de trabalhos se referia (cfr. doc. 7 do doc. 1 junto com a PI).
15. Só em 21.09.2005, quando indefere o requerimento de rescisão do contrato de empreitada, é que o R. vem pela primeira vez referir um valor para a revisão de preços (€ 7.870,48), mas sem, ainda assim, ter apresentado qualquer cálculo para o efeito ou mencionar a que autos de medição o dito valor se reportava (cfr. doc. 10 do doc. 1 junto com a PI).
16. O R. não calculou a revisão de preços dos autos de medição referentes às facturas 200502020, 200502036, 200503022, 200504019, 200505011, 200506010 e 200507007, nem remeteu qualquer cálculo a esse propósito à A., nem pagou o respectivo valor nos 44 dias seguintes à data da emissão de cada auto de medição.
17. Assim, o R. violou os artigos 199º do RJEOP, 8º do Decreto-Lei nº 348-A/86 e 17º e 18º do Decreto-Lei nº 6/2004.
18. Estes factos legitimaram a A. a suspender a execução dos trabalhos da empreitada e, decorridos 37 após o termo inicial da suspensão (26.07.2005), a requerer ao R. (em 12.09.2005) a rescisão do contrato de empreitada, nos termos dos artigos 185º, nº 2, alínea c) e 189º, nº 2, alínea b) do RJEOP.
19. No entanto, a falta de condições técnicas para a prossecução dos trabalhos de regularização de pavimento da responsabilidade do R. nos cinco troços da empreitada foi outro motivo que levou a A. a suspender e a rescindir o contrato de empreitada, nos termos dos artigos 185º, nº 2, alínea a) e 189º, nº 2, alínea b) do RJEOP.
20. Tal motivo nunca foi posto em causa pelo R.: este limitou-se, primeiro, a tentar corrigir um desses troços (cfr. doc. 8 do doc. 1 junto com a PI) e, depois, a discutir sobre que normas técnicas se aplicavam aos troços da Empreitada (cfr. docs. 7 e 10 do doc. 1 junto com a PI).
21. A adjudicação pelo R. a terceiros, em Agosto de 2005, de trabalhos que haviam sido adjudicados à A., foi injustificada e confere a esta, por isso, também motivo suficiente e autónomo para requerer ao R. a rescisão do contrato de empreitada, ao abrigo do disposto no artigo 148º, nº 2 e 4 do RJEOP.
22. Tal injustificação reside no seguinte:
a. Não foi alegado nem provado que a A. abandonou a obra, sendo certo que, em qualquer caso ela não a abandonou, antes a suspendeu;
b. Não foi alegada nem provada qualquer urgência de salvaguarda de pessoas e bens e dos trabalhos já executados.
23. Acresce que, os trabalhos estavam suspensos por falta de condições técnicas para a sua prossecução por responsabilidade do R. e por falta de pagamento das revisões de preços, o que incumbia ao R. regularizar, e não a qualquer terceiro. O R. podia e devia ter posto fim às causas que deram origem à suspensão dos trabalhos. Não o tendo feito, tal obsta a que ele próprio as utilizasse para incumbir terceiro de realizar trabalhos adjudicados à A..
24. As ordens do R. à A. de reinício dos trabalhos são, por isso, ilegais e ilegítimas, porquanto a obra esta bem suspensa com os motivos acima indicados.
25. Sem embargo, para fazer legalmente uso da faculdade concedida no artigo 148º, nº 2 do RJEOP, o R. apenas poderia retirar trabalhos à A. mandando-os executar por terceiros se, antes dessa decisão, tomada em Agosto de 2005, tivesse praticado três actos: (i) interpelação da A. para cumprir, (ii) declaração de incumprimento definitivo dessa obrigação por parte da A., (iii) resolução, pelo menos parcial, do contrato de empreitada, o que nos presentes autos não foi alegado nem provado.
Em terceiro lugar,
26. O disposto no artigo 213º, nº 2 do RJEOP não é aplicável nos presentes autos, uma vez que nem sequer foi invocado pela A. para sustentar a rescisão do contrato de empreitada.
Assim,
27. A A. andou bem ao suspender os trabalhos da empreitada dos autos e ao requerer ao R. a rescisão do contrato de empreitada, com fundamento nos artigos 148º, nºs 2 e 4, 185º, nº 2, alíneas a) e c), 189º, nº 2, alínea b), 199º, 213º (relativo aos juros de mora das facturas n.º 200502020, n.º 200502036, n.º 200503022), 234º e 238º do RJEOP, 8º do Decreto-Lei nº 348-A/86 e 17º, 18º e 24º do Decreto-Lei nº 6/2004.
28. Ao invés, andou mal o Tribunal a quo ao ter julgado pela ilegalidade do requerimento de rescisão do contrato de empreitada formulado pela A., violando aqueles preceitos legais.
Sem conceder,
29. O R. rescindiu o contrato de empreitada com os seguintes motivos indicados em parecer de 16 de Agosto de 2005:
“a) Pela conjugação do disposto nos artigos 192.º e 184.º n.º 1 do Decreto-Lei 59/99, já que o dono de obra, por duas vezes, ordenou o recomeço dos trabalhos, e a respectiva ordem, legal, não foi cumprida pelo empreiteiro, nem este foi absolutamente impedido de o fazer por caso de força maior;
b) Por incumprimento persistente do empreiteiro face ao plano de trabalhos, nomeadamente, quanto ao mapa de recursos humanos e mapa de equipamentos.”
30. Ora, a A. não deixou de cumprir qualquer ordem dimanada do fiscal da obra nem a mesma é referida no parecer nem na deliberação de rescisão do contrato de empreitada pelo R., tendo em conta que, de acordo com o disposto no art. 184.º, n.º 1 do RJEOP, só uma ordem dimanada pelo fiscal da obra – e não pelo dono da obra – releva para esses efeitos.
31. Por outro lado, não foi alegado nem dado por provado factos que permitissem concluir que, quando a A. requereu a rescisão do contrato de empreitada, o R. já tinha feito cessar as razões que levaram a A. a suspender os trabalhos, bem como que o R. podia ter legalmente adjudicado a terceiros trabalhos integrados na empreitada.
32. Ao invés, a A. alegou os factos pertinentes e conducentes à procedência dos seus pedidos e juntou documentos que os provam, os quais foram dados por integralmente reproduzidos.
33. Não tendo tais factos e documentos sido impugnados pelo R., têm-se por este confessados e aceites, de acordo com os artigos 42º do CPTA e 484º do CPC.
34. Assim sendo, as ordens do R. à A. de reinício dos trabalhos suspensos são ilegais e ilegítimas e, por isso, a A. não deixou de cumprir qualquer ordem legalmente proferida pelo R..
35. Como tal, o disposto nos artigos 184º, 185º, 189º, nº 1 e 192º do RJEOP não legitimava, no caso dos autos, o R. a rescindir o contrato de empreitada.
36. O R. não invoca qualquer norma que lhe permita rescindir o contrato de empreitada dos autos com fundamento no incumprimento persistente da A. face ao plano de trabalhos, nomeadamente, quanto ao mapa de recursos humanos e mapa de equipamentos.
37. Nessa medida, a decisão do R. de rescisão do contrato de empreitada padece de falta de fundamentação.
38. Não foi alegado nem provado nos autos – e deveria tê-lo sido para o suposto fundamento de rescisão poder proceder – que a A. incumpriu definitivamente o plano de trabalhos, não entregou o plano de trabalhos actualizado e abandonou a obra sem garantir as condições de segurança no local.
39. No projecto de decisão do R. da sua intenção de rescindir o contrato de empreitada não consta qualquer referência à base legal que, materialmente, consubstancie o eventual direito de rescisão do contrato, violando-se assim o direito de audiência prévia da A. previsto nos artigos 8º, 100º e 101.º do CPA.
Assim,
40. A rescisão de contrato de empreitada pelo R. é ilegal, por padecer de vício de forma, por falta de fundamentação e de audiência prévia da A., nos termos referidos, e de vício de violação de lei, por erros nos pressupostos de factos e de direito subjacentes à decisão, os quais não se verificam, violando, nessa medida, os artigos 8º, 100º, 101º, 124º e 125º do CPA, 184º, 185º, 189º, nº 1, 192º e 235º do RJEOP.
41. Como tal, andou mal o Tribunal a quo ao ter julgado pela legalidade da rescisão do contrato de empreitada efectuada pelo R., violando aqueles preceitos legais.
Em qualquer caso,
42. A procedência dos pedidos II e III formulados pela A. na PI – de condenação do R. a pagar-lhe os montantes de 90.263,83€, referente às facturas vencidas e não pagas nºs 200506010, 200507007 e 200511051, e de 12.594,15€, a título de revisão de preços, acrescidos dos valores dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento –, é independente da procedência ou improcedência do primeiro conjunto de pedidos formulado, referente à legalidade da rescisão do contrato de empreitada.
43. Ao invés, atendendo aos factos 31 e 32 dados por provados na sentença recorrida e ao alegado pela A. no artigo 36º da PI, cuja prova se requer, a procedência dos pedidos II e III formulados pela A. na PI impõe-se.
44. Dos artigos 241º e 242º do RJEOP não resulta que a legalidade da rescisão do contrato de empreitada feita pelo dono da obra por factos imputáveis ao empreiteiro obsta à procedência judicial de pedidos condenatórios por este formulados atinentes à condenação do dono da obra a pagar-lhe certas quantias devidas pela execução do contrato de empreitada.
45. Aliás, sendo esses pedidos julgados procedentes, os respectivos montantes serão considerados pelo dono da obra na liquidação da empreitada que ele tem que realizar, ao abrigo daqueles preceitos legais, uma vez que o contrato de empreitada foi rescindido.
46. Pelo que, ao ter julgado improcedentes os pedidos II e III formulados pela A. na PI, com fundamento nos artigos 241º e 242º do RJEOP, o Tribunal a quo aplicou mal o direito os factos alegados e provados, violando quer estes preceitos legais, quer os artigos 199º, 212º, 213º, 241º e 242º do RJEOP, e 17º e 24º do Decreto-Lei nº 6/2004, que impõem o pagamento das quantias ali peticionadas.
Termos em que, e com o Douto suprimento deste Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada integralmente a douta decisão recorrida, julgando-se integralmente procedente a acção.

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Em contra-alegação o Recorrido concluiu:
1.ª A Douta sentença não sofre qualquer reparo pois aplicou a lei e o direito em obediência aos melhores cânones de interpretação e aplicação das normas jurídicas que regulam, ao tempo dos factos dados como provados, o regime da empreitada das obras públicas.
2.ª Pois tendo sido dado como provado que o empreiteiro se recusou, expressamente, a reiniciar os trabalhos da empreitada após ter cessado o fundamento da sua suspensão e não ocorrendo nenhum vício formal no ato de rescisão por parte do dono da obra, bem andou o Tribunal a quo a negar provimento aos pedidos que lhe haviam sido formulados.

TERMOS EM QUE deve ser negado provimento ao recurso.

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O MP foi notificado nos termos do artigo 146º/1 CPTA.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença estão assentes os seguintes factos:
1 - A A. foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 27 de Junho de 2007 pelo 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, conforme Anúncio n.º 4.../2007, publicado na II.ª Série do Diário da República.
2 - A A. era uma sociedade comercial que se dedicava à actividade de empreiteiro de obras públicas, designadamente, construção e conservação de estradas.
3 - No dia 20 de Agosto de 2004, foi celebrado um contrato de empreitada entre a A. e o R. para a obra denominada “Beneficiação da Rede Viária Fundamental do Concelho de R...”, junto por fotocópia como doc. 1 ao Doc. 1.
4 - Em 5 de Junho de 2006, a A. requereu ao Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes a tentativa de conciliação prevista nos arts. 260.º e seguintes do Decreto – Lei n.º 59/99, de 2 de Março – conforme cópia do respectivo requerimento que se junta por fotocópia como Doc. 1 e que aqui se dá por reproduzido.
5 - Em 26 de Junho de 2006, o R. apresentou resposta ao pedido da tentativa de conciliação, conforme Doc. 2 que se junta e que aqui se dá por reproduzido.
6 - Foi lavrado auto de não conciliação, enviado à A. por ofício n.º 13665, de 2 de Abril de 2008, recebido em 3 de Abril de 2008, que se junta por fotocópia como Doc. 3 e que aqui se dá por reproduzido.
7 - A empreitada era segundo o regime de preço global de 847.765,84€ e tinha o prazo de execução de 365 dias.
8 - Em 20 de Setembro de 2004, procedeu-se à consignação da obra.
9 - No objecto da empreitada estava incluída a colocação de revestimento do pavimento, concretamente “(…) em zonas onde o pavimento se encontre bastante degradado e irregular será colocado uma camada de desgaste com 4 cm de betão betuminoso, e onde se encontra em bom estado será colocado apenas uma camada de desgaste em microaglomerado betuminoso a frio (slury)”, como consta da “Memória Descritiva” do documento do concurso denominado “Gráfico de trabalhos” ; existindo depois nas “Medições” do mesmo documento os artigos 3.4 e 3.5, com a seguinte designação:
3.4 Camada de desgaste em betão betuminoso, na faixa de rodagem e em ligações, icl. fornecimento, transporte e aplicação, com 4 cm de espessura.
3.5 Camada de slurry seal, na faixa de rodagem e ligações, inc. fornecimento, transporte e aplicação, com 1de espessura.
10 - A A. desde os inícios da execução da empreitada alertou o R. para a grande deformação da plataforma da faixa de rodagem, em toda a extensão transversal e longitudinal, de todas as vias a que se referia o objecto da empreitada.
11 - A regularização da plataforma era da responsabilidade do R..
12 - O R. procedeu a trabalhos de regularização.
13 - Tais questões deram lugar a várias reuniões entre os representantes da A. e do R., nomeadamente a realizada em 22/11/2004, onde designadamente ficou acordado que:
1) A plataforma da faixa de rodagem, constituída na camada de desgaste actual por semi-penetração, apresentava profundas depressões, estando muito deformada em toda a sua extensão transversal e longitudinal;
2) A Câmara Municipal de R... comprometeu-se em regularizar previamente em toda a área, a plataforma, de modo a ficarem criadas as condições técnicas para a aplicação da camada de desgaste em betão betuminoso com 4 cm de espessura.
14 - Por carta de 08.07.05, a A. alertava o R. para a referida situação e que, em consequência da mesma, não estavam criadas “as condições de regularidade e uniformidade da plataforma, que permitam a execução técnica da camada de desgaste em betão betuminoso com 4 cm de espessura, conforme item 3.4 do Mapa de Trabalhos”, comunicando que na semana seguinte enviaria Relatório Técnico sobre a situação.
15 - O que fez por carta de 15.07.2005 – cartas juntas como docs. 2 e 3 ao doc. 1.
16 - O R. não promoveu a elaboração do cálculo de revisão de preços dos autos de medição realizados.
17 - Em 22 de Julho de 2005, o R. não havia pago à A. a factura n.º 200504019, de 18/04/2005, no valor de 18.752.71€, referente aos trabalhos executados conforme o auto de medição n.º 4, de 08/04/2005.
18 - Por carta datada de 22.07.2005 e recebida a 26 de Julho, a A. comunica ao R. a suspensão parcial dos trabalhos por falta de pagamento da referida factura e revisões de preços correspondentes aos autos realizados até essa data, correspondentes às seguintes facturas, (factura e revisões de preços) vencidas há mais de 22 dias úteis:
n.º 200502020, emitida em 17/02/2005, recebida em 25/05/2005;
n.º 200502036, emitida em 25/02/2005, recebida em 25/05/2005;
n.º 200503022, emitida em 16/03/2005, recebida parcialmente em 25/05/2005 e o remanescente em 28/06/2005;
n.º 200504019, emitida em 18/04/2005, ainda por pagar àquela data;
n.º 200505011, emitida em 11/05/2005, ainda por pagar àquela data;
n.º 200506010, emitida em 14/06/2005, ainda por pagar àquela data;
n.º 200507007, emitida em 19/07/2005, ainda por pagar àquela data;
19 - A suspensão dos trabalhos por iniciativa da A. verificou-se desde a data de 26 de Julho de 2005 (cfr. ponto 25 do doc. 4 junto ao doc. 1).
20 - À referida carta de 22 de Julho de 2005, respondeu o R. por ofício datado de 28.07.2005 e recebido a 01.08.2005, com o seguinte teor:
“Foi nesta data remetido à HF... Portuguesa S.A. o cheque n.º 7655607893, da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 18.673,92€, depois de deduzida a importância de 0,5 % para a Caixa Geral de Aposentações, para pagamento da factura 200504019 (no valor de 18.752,71 €), já vencida, como pode ser verificado pela fotocópia do ofício, que se anexa.
a) a norma técnica da Ex-JAE não faz parte do processo do concurso;
b) o trabalho de regularização prévia do pavimento, da responsabilidade da Câmara Municipal de R..., está realizado na sua globalidade;
c) quanto ao pagamento da revisão de preços solicitamos o envio da factura, no valor vencido, para a mesma ser paga de imediato;
d) advertimos que o abandono da obra, para além da degradação dos trabalhos já executados, colocou as vias em perigo grave para as pessoas e bens que nela circulam.
Assim, serve o presente ofício para notificar a V. Ex.ª que cessaram as causas que deram origem à suspensão dos trabalhos, devendo estes serem reiniciados de imediato.
A falta de cumprimento da ordem referida no parágrafo anterior terá como consequência ou a rescisão do contrato ou a responsabilização do empreiteiro pelos danos emergentes da desobediência” - carta junta como doc. 7 ao Doc. 1.
21 - A este ofício respondeu a A. por carta de 03.08.2005, com o seguinte teor:
“ … Em conclusão
24. Formula-se aqui a reserva de todos os direitos que estão a ser violados com as afirmações contidas no ofício em referência, concretamente, com a ordem de reinício dos trabalhos como, de resto, V. Exas. bem sabem e reconhecem ao solicitar na alínea c) do V/ Ofício a emissão da factura de valores há muito vencidos e em mora há mais de 22 dias úteis.
25. Ora, se o cálculo que será anexado à factura (a emitir) ainda nem foi apresentado, e se a obrigação de o apresentar é da Câmara Municipal de R..., não se vislumbra como poderão ter cessado as causas que deram origem à suspensão dos trabalhos.
26. Considera-se por isso ilegal a ordem de reinício dos trabalhos proferida no dito ofício, bem como a cominação ali descrita para a violação dessa mesma ordem, reservando-se todos os direitos que, com a eventual rescisão do contrato por parte da Câmara de R..., venham a ser violados.
27. Continua a aguardar-se que V. Exas. façam cessar as causas que motivaram as suspensões dos trabalhos registando-se, na presente data, que os trabalhos da empreitada se encontram suspensos há 9 dias por factos imputáveis ao dono da obra” - carta junta como doc. 8 ao Doc. 1.
22 - Por carta de 28 de Julho de 2005, a A. comunicou a suspensão dos trabalhos (já parcialmente suspensos) agora por falta de pagamento dos juros de mora devidos pelo atraso no pagamento das facturas n.º 200502020, n.º 200502036, n.º 200503022, conforme carta junta como doc. 5 ao Doc. 1 que aqui se dá por integralmente reproduzida.
23 - Carta a que o R. responde por ofício datado de 04.08.2005 e recebido a 09.08.2005, com o seguinte teor:
“Quanto ao teor da mesmo vimos dizer o seguinte: o valor dos juros vencidos serão liquidados de imediato, mediante a apresentação da factura equivalente.
Serve também o presente ofício para notificar a V. Ex.as que cessaram as causas que deram origem á suspensão dos trabalhos, devendo estes serem reiniciados de imediato.
A falta de cumprimento da ordem referida no parágrafo anterior terá como consequência ou a rescisão do contrato ou a responsabilização do empreiteiro pelos danos emergentes da desobediência.” - carta junta como doc. 6 ao Doc. 1.
24 - Por carta de 12 de Setembro de 2005, a A. requereu ao R., nos termos do art. 238º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, a rescisão do contrato de empreitada, carta junta como doc. 9 ao Doc. 1.
25 - Por ofício datado de 27.09.2005 e recebido a 27.09.2005, o R. indeferiu o pedido de rescisão do contrato, ofício junto como doc. 10 ao Doc. 1.
26 - A A. prestou ainda caução no valor de 10% do valor da adjudicação, através das Garantias Bancárias n.ºs 04/197/16825 e 05/076/24338, no valor de 42.388,29€ cada uma, emitidas em 15 de Julho de 2004 e 17 de Março de 2005 respectivamente, pelo Banco BPI.
27 - Por ofício de 04.10.2005, o Réu, notifica a A. do seu projecto de decisão a rescindir ele próprio o contrato, com o seguinte teor:
“Em obediência ao disposto no artigo 235 °, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, vimos informar V. Exas. que o Município de R... por deliberação em reunião de 04/10/2005 comunica a intenção de rescindir o contrato de empreitada identificado em epígrafe, celebrado em 29 de Agosto de 2004, com invocação de justa causa, consubstanciada nos seguintes factos:
1- O prazo inicial da conclusão de todos os trabalhos, prestações de serviços e fornecimentos objecto do contrato era, nos termos contratuais, de 365 dias de calendário, contados a partir da data da consignação dos trabalhos que ocorreu em 20 de Setembro de 2004.
2 - Em 27 de Julho de 2005, V. Exas. invocando justa causa procederam à suspensão dos trabalhos;
3 - Por cartas Refª. 7198,7528 de 28 de Julho de 2005, 4 de Agosto de 2005, anulámos as causas de suspensão dos trabalhos - tendo procedido aos pagamentos em atraso (quer de autos de medição, quer de juros de mora, bem como solicitamos a facturação da revisão de preços) e ordenamos o recomeço imediato dos trabalhos;
4 - No entanto, não só V. Exas., ignoram negligentemente as diversas ordens de recomeço dos trabalhos, como deixaram os mesmos em estado tal que puseram em risco a segurança de pessoas e bens que no local dos mesmos têm necessidade de circular, já que se trata de vias da Rede Fundamental do Concelho de R...;
5 - Para além disso não deram cumprimento, ou cumpriram defeituosamente o Plano de Trabalhos em vigor (quer por falta de mão-de-obra, quer por falta de equipamentos), mesmo depois de V. ter sido solicitado um plano de recuperação dos atrasos;
6 - Face a tal descalabro do incumprimento contratual vimo-nos obrigados a proceder a obras absolutamente inadiáveis de recolocação das condições de circulação e segurança das vias em causa, bem como para preservar os trabalhos já realizados;
7 - O certo é que V. Exas., desde o início da execução do contrato, não deram cumprimento, ou cumpriram defeituosamente, a maior parte das obrigações que, para V. Exas., resultavam daquele contrato.
8 - Aproveitando-se do estado de necessidade deste Município, já que com o aproximar do Outono e com ele uma maior probabilidade de os trabalhos realizados se desperdiçarem, bem como aumentar o risco para a segurança das pessoas e bens, abandonaram todos os trabalhos e nem sequer mantiveram nos locais da obra sinalização adequada;
9 - Do ponto de vista deste Município, a alegada falta de condições técnicas de execução dos trabalhos, quando sugerem que os mesmos deveriam ser realizados de acordo com as normas técnicas da ex-JAE, é meramente uma manobra dilatória para a realização dos trabalhos, já que V. Exas. nunca, no decorrer dos trabalhos de regularização prévia do pavimento (da responsabilidade da Câmara Municipal de R... e que V. Exas. acompanharam) e até 3 de Agosto último, colocaram reserva sobre as condições técnicas do caderno de encargos relativas à pavimentação betuminosa. Mesmo que o tivessem feito, a resposta deste Município seria sempre que os trabalhos deveriam ser realizados tal como previsto nos documentos do concurso público cujo objecto vos foi adjudicado
10 - O incumprimento, reiterado do Plano de Trabalhos, levou-nos a aplicar as multas legais e contratuais que, em 28 de Julho de 2005, atingiram o montante global de 106 182, 67€.
11 - Face ao exposto, o comportamento de V. Exas. consubstancia justa causa de rescisão do contrato, designadamente:
- Ter retardado, injustificadamente, a execução do plano de Trabalhos;
- Ter suspendido, sem justificação, os trabalhos por tempo superior a 15 dias de calendário;
- Não ter obedecido às ordens da fiscalização.
Pelo que, sendo intenção deste Município exercer o seu direito de rescindir o contrato, têm V. Exas. o prazo de cinco dias para contestarem, querendo, as razões apresentadas” - junto por fotocópia como doc. 11 ao Doc. 1.
28 - Sobre este projecto de decisão, pronunciou-se a A. nos termos do documento junto com o doc. 12 ao Doc. 1.
29 - A Autora não recorreu nos termos do art. 238.º, n.º 3 do RJEOP ao Tribunal Administrativo de Círculo competente – cfr. fls. 159 dos presentes autos.
30 - Por ofício datado de 24.11.2005 e recebido a 28.11.2005, o R. envia à A. certidão da deliberação tomada pela Câmara Municipal de R..., em 18.10.2005, de rescindir o contrato de empreitada – doc. 13 junto ao doc. 1.
31 - A A. executou os trabalhos melhor descritos nos autos de medição juntos às facturas e nas datas infra descritas:
(1) Factura n.º 200506010, vencida em 13/08/2005, no montante de 33.272,18€;
(2) Factura n.º 200507007, vencida em 17/09/2005, no montante de 32.086,07€;
(3) Factura n.º 200511051, vencida em 08/01/2006, no montante de 24.907,58€;
32 - Até à presente data, o R. não pagou à A. as ditas facturas.
*

QUESTÕES A RESOLVER

A Recorrente diverge da sentença recorrida em três questões fundamentais:

- Quanto à matéria de facto, entendendo que não foram fixados na sentença todos os factos relevantes alegados na petição inicial, tendo em conta o efeito cominatório da revelia, em face da falta de contestação do Réu.

- Quanto à rescisão do contrato de empreitada pela Autora, entendendo que deveria ser considerada válida.

- Quanto à rescisão do mesmo contrato pelo Réu, entendendo ser ilegal, ao contrário do decidido pelo TAF.

Vejamos.

IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A fls. 162 deste processo físico encontra-se um despacho com o seguinte teor:

«Considerando que não foi apresentada contestação e por existirem factos para cuja prova se exige documento, notifique a Autora para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos todos os documentos que estejam na sua posse relativos aos factos articulados».

O significado deste despacho é, desde logo, que o TAF aplicou a cominação do artigo 484º/1 CPC invocada pela Recorrente, nos termos do qual “Se o réu não contestar…consideram-se confessados os factos articulados pelo autor” (certamente aplicável às acções administrativas comuns ex vi artigo 1º CPTA), e que respeitou as limitações impostas por lei designadamente no que se refere a exigibilidade de prova documental tendo em conta o disposto no artigo 485º/d) CPC (sempre na versão então aplicável).

Mas isto não impede que assista pontualmente razão à Recorrente quanto à omissão na sentença de factos alegados na PI potencialmente relevantes, sendo certo que na dúvida entre o excesso ou a deficiência da matéria selecionada, o bom senso aconselhará a 1ª opção.

Há que apreciar em concreto a impugnação da matéria de facto feita pela Recorrente.

*
Os factos provados que a Recorrente considera incompletos
Facto 12 - A Recorrente entende que deve dar-se como provado todo o conteúdo dos artigos 18º e 19º da PI.

No entanto, a expressão de que os trabalhos de regularização foram “deficientemente executados” (artigo 19º da PI) é de afastar, por ser abstracta e conclusiva, contendo mera opinião e não um facto concreto.

Já o inciso (art. 19º PI) “apenas numa parte dessas vias” se afigura de aditar.

Facto 18 - O que a Recorrente pretende é aditar à matéria de facto o teor integral da carta enviada pela Autora ao Réu em 22-07-2005, mas trata-se de um documento extenso e os interesses em jogo ficam acautelados “per remissionem”, bastando inserir a expressão “cfr. documento constante a fls. 73-78 do processo físico, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

Facto 21 - Idem, com referência a carta enviada pela Autora ao Réu em 03-08-2005, devendo aditar-se “cfr. documento constante a folhas 87-92 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

Facto 24 - Idem, com referência a carta enviada pela Autora ao Réu em 12-09-2005, devendo aditar-se “cfr. documento constante a folhas 93-96 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

Facto 25 - Idem com referência a ofício datado de 27-09-2005 e recebido a 27-09-2005, devendo aditar-se “cfr. documento constante a folhas 97-98 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

Facto 28 - Idem com referência a carta enviada pela Autora ao Réu, datada de 13-10-2005, devendo aditar-se “cfr. documento constante a folhas 102-106 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

*
Os factos provados que a Recorrente considera omissos

Nos termos do artigo 685º-B/1/b) do CPC aplicável, incide sobre o impugnante da decisão sobre matéria de facto, além do mais, o ónus de “especificar, sob pena de rejeição…os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

Tendo isto em conta, consigna-se desde já que se rejeita a impugnação quanto aos pontos em que genericamente se alega que “deverão ser dados por provados, nos termos do artigo 484º do CPC e dos documentos juntos aos autos pela A.”, sem que no respectivo artigo da PI ou por outra forma adequada se concretize o respectivo meio de prova, tanto mais que é significativamente variada e extensa a documentação junta aos autos pela Autora.

Igualmente será de rejeitar a impugnação no que verse sobre matéria de direito, mas a utilização do critério anteriormente referido torna a indagação praticamente inútil neste aspecto.

Assim rejeita-se a impugnação relativa à omissão na sentença dos factos constantes dos artigos 35º, 36º, 46º, 52º, 53º e 57º da PI.

Facto 30

Admite-se a impugnação quanto à matéria de facto constante do artigo 44º da PI que, no entanto não está exactamente omissa, surgindo como juízo conclusivo deduzido da matéria alegada no artigo 43º, sendo certo que a matéria relevante deste artigo foi transposta para o facto 30 da sentença, importando apenas inserir “cfr. documentação junta a folhas 107-140, cujo conteúdo aqui se dá como inteiramente reproduzido”.

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ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Em concretização do supra exposto reformula-se a redacção dos seguintes factos constantes da sentença, deste modo:

12 - O R. procedeu a trabalhos de regularização apenas numa parte dessas vias.

18 - Por carta datada de 22.07.2005 e recebida a 26 de Julho, a A. comunica ao R. a suspensão parcial dos trabalhos por falta de pagamento da referida factura e revisões de preços correspondentes aos autos realizados até essa data, correspondentes às seguintes facturas, (factura e revisões de preços) vencidas há mais de 22 dias úteis:
n.º 200502020, emitida em 17/02/2005, recebida em 25/05/2005;
n.º 200502036, emitida em 25/02/2005, recebida em 25/05/2005;
n.º 200503022, emitida em 16/03/2005, recebida parcialmente em 25/05/2005 e o remanescente em 28/06/2005;
n.º 200504019, emitida em 18/04/2005, ainda por pagar àquela data;
n.º 200505011, emitida em 11/05/2005, ainda por pagar àquela data;
n.º 200506010, emitida em 14/06/2005, ainda por pagar àquela data;
n.º 200507007, emitida em 19/07/2005, ainda por pagar àquela data;
- cfr. documento constante a fls. 73-78 do processo físico, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
21 - A este ofício respondeu a A. por carta de 03.08.2005, com o seguinte teor:

“ … Em conclusão
24. Formula-se aqui a reserva de todos os direitos que estão a ser violados com as afirmações contidas no ofício em referência, concretamente, com a ordem de reinício dos trabalhos como, de resto, V. Exas. bem sabem e reconhecem ao solicitar na alínea c) do V/ Ofício a emissão da factura de valores há muito vencidos e em mora há mais de 22 dias úteis.
25. Ora, se o cálculo que será anexado à factura (a emitir) ainda nem foi apresentado, e se a obrigação de o apresentar é da Câmara Municipal de R..., não se vislumbra como poderão ter cessado as causas que deram origem à suspensão dos trabalhos.
26. Considera-se por isso ilegal a ordem de reinício dos trabalhos proferida no dito ofício, bem como a cominação ali descrita para a violação dessa mesma ordem, reservando-se todos os direitos que, com a eventual rescisão do contrato por parte da Câmara de R..., venham a ser violados.
27. Continua a aguardar-se que V. Exas. façam cessar as causas que motivaram as suspensões dos trabalhos registando-se, na presente data, que os trabalhos da empreitada se encontram suspensos há 9 dias por factos imputáveis ao dono da obra” - carta junta como doc. 8 ao Doc. 1.
24. Formula-se aqui a reserva de todos os direitos que estão a ser violados com as afirmações contidas no ofício em referência, concretamente, com a ordem de reinício dos trabalhos como, de resto, V. Exas. bem sabem e reconhecem ao solicitar na alínea c) do V/ Ofício a emissão da factura de valores há muito vencidos e em mora há mais de 22 dias úteis.
25. Ora, se o cálculo que será anexado à factura (a emitir) ainda nem foi apresentado, e se a obrigação de o apresentar é da Câmara Municipal de R..., não se vislumbra como poderão ter cessado as causas que deram origem à suspensão dos trabalhos.
26. Considera-se por isso ilegal a ordem de reinício dos trabalhos proferida no dito ofício, bem como a cominação ali descrita para a violação dessa mesma ordem, reservando-se todos os direitos que, com a eventual rescisão do contrato por parte da Câmara de R..., venham a ser violados.
27. Continua a aguardar-se que V. Exas. façam cessar as causas que motivaram as suspensões dos trabalhos registando-se, na presente data, que os trabalhos da empreitada se encontram suspensos há 9 dias por factos imputáveis ao dono da obra”. – Cfr. carta junta como doc. 8 ao Doc. 1, constante a folhas 87-92 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

24 - Por carta de 12 de Setembro de 2005, a A. requereu ao R., nos termos do art. 238º do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, a rescisão do contrato de empreitada.
- Cfr. carta junta como doc. 9 ao Doc. 1, documento constante a folhas 93-96 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”.

25 - Por ofício datado de 27.09.2005 e recebido a 27.09.2005, o R. indeferiu o pedido de rescisão do contrato.

- Cfr. ofício junto como doc. 10 ao Doc. 1, constante a folhas 97-98 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

28 - Sobre este projecto de decisão, pronunciou-se a A. nos termos do documento junto com o doc. 12 ao Doc. 1, constante a folhas 102-106 do processo físico cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

30 - Por ofício datado de 24.11.2005 e recebido a 28.11.2005, o R. envia à A. certidão da deliberação tomada pela Câmara Municipal de R..., em 18.10.2005, de rescindir o contrato de empreitada.

- Cfr. doc. 13 junto ao doc. 1 e toda a demais documentação junta a folhas 107-140, cujo conteúdo aqui se dá como inteiramente reproduzido.


*
DE DIREITO
Rescisão do contrato de empreitada pelo empreiteiro

Após fazer o enquadramento normativo da questão (tendo obviamente em consideração os diplomas legais vigentes à data dos factos) o TAF fundamentou a decisão deste modo:

*
«Ora, resulta da matéria provada que em 22 de Julho de 2005, o R. não havia pago à A. a factura n.º 200504019, de 18/04/2005, no valor de 18.752.71€, referente aos trabalhos executados conforme o auto de medição n.º 4, de 08/04/2005 e que por carta datada de 22.07.2005 e recebida a 26 de Julho, a A. comunica ao R. a suspensão parcial dos trabalhos por falta de pagamento da referida factura e revisões de preços correspondentes aos autos realizados até essa data, correspondentes às facturas identificadas (factura e revisões de preços) vencidas há mais de 22 dias úteis.
À referida carta de 22 de Julho de 2005, respondeu o R. por ofício datado de 28.07.2005 e recebido a 01.08.2005.

A Autora, conforme se alcança da sua carta de 3 de Agosto de 2005 recusou-se reiniciar os trabalhos, com os fundamentos ali expressos, e em 12 de Setembro de 2005 comunica ao Réu a rescisão do contrato.

De acordo com essa carta (documento 9 junto ao documento 1 da P.I.) a Autora invoca como fundamento para a rescisão a suspensão dos trabalhos pelo prazo superior a um décimo do prazo de execução da empreitada por factos que não lhe são imputáveis.

A este pedido de rescisão respondeu o Réu Município, conforme documento 10 junto com o documento 1 da P.I. indeferindo o pedido de rescisão formulado pelo empreiteiro.

Os documentos juntos aos autos pela Autora fazem prova plena dos factos que neles constam.

Ora, desta decisão de indeferimento deveria a Autora ter recorrido para o Tribunal Administrativo.

Dispõe o artigo 238.º do RJEOP, o seguinte:

1 - Nos casos em que no presente diploma seja reconhecido ao empreiteiro o direito de rescisão do contrato, o exercício desse direito terá lugar mediante requerimento, dirigido ao dono da obra nos 15 dias subsequentes à verificação do facto justificativo do direito, e no qual o pedido fundamentado é instruído com os documentos que possam comprovar as razões invocadas.

2 - Em caso algum poderá o empreiteiro paralisar os trabalhos ou alterar o cumprimento do plano da empreitada em curso, devendo aguardar, para entrega da obra realizada, a resolução do requerimento.

3 - Se o requerimento for indeferido ou decorrerem 15 dias sem resolução, o empreiteiro poderá requerer ao tribunal administrativo do círculo competente que o dono seja notificado a tomar posse da obra e a aceitar a rescisão do contrato.

4 - Recebido o requerimento para efeitos do disposto no número anterior, o qual deverá ser instruído com cópia do requerimento da rescisão da empreitada e dos documentos que o acompanhavam, será imediatamente citado o dono da obra para, no prazo de oito dias, responder o que se lhe oferecer e se a resposta não for dada em tempo, ou contiver oposição ao pedido, o juiz poderá, tomando em consideração a natureza dos prejuízos que da prossecução dos trabalhos possam resultar para o empreiteiro, bem como os que da suspensão possam provir para o interesse público, autorizar a suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro.

5 - Autorizado pelo juiz a suspensão dos trabalhos, o empreiteiro fica com direito a retirar da obra as máquinas, veículos, utensílios e materiais não afectos a qualquer garantia, devendo propor a competente acção de rescisão contra o dono da obra dentro do prazo de 66 dias.

Não tendo ocorrido rescisão do contrato por iniciativa do empreiteiro a Autora estava obrigada a cumpri-lo nos seus precisos termos, o que não fez, recusando-se a reiniciar os trabalhos, como confessa na carta que dirigiu ao dono da obra em 3 de Agosto de 2005 em que no seu ponto 26 diz: “Considera-se por isso ilegal a ordem de reinício dos trabalhos…”

De acordo com os factos constantes das cartas alegadas na P.I. e juntas com esta com a referência documentos 6, 7 e 10 do documento 1, enviadas pelo dono da obra ao empreiteiro, que este recebeu em 1/8/2005, em 9/8/2005 e em 27/09/2005, não há fundamento para a rescisão do contrato de empreitada levada a efeito por iniciativa do empreiteiro, porquanto as quantias em dívida foram pagas, não o tendo sido apenas os montantes referentes à revisão de preço, mas tendo a mesma sido aprovada, faltando o envio da factura, como resulta do documento 10 do documento 1 junto com a PI.

Acresce que, nos termos do artigo 213.º, n.º 2 do RJEOP só o atraso na realização de qualquer pagamento se prolongar por mais de 132 dias terá o empreiteiro o direito de rescindir o contrato.

Ora, tendo em conta a data da suspensão dos trabalhos e a data em que a Autora quis rescindir o contrato, se conclui que aquele prazo não foi atingido.

Assim, bem andou o Réu a indeferir o pedido de rescisão do contrato apresentado pela Autora.

Pelo exposto, não é reconhecido o direito de rescisão do contrato de empreitada por suspensão dos trabalhos durante um período superior a um décimo do prazo da empreitada por falta de pagamento das facturas n.º 200502020, n.º 200502036, n.º 200503022, n.º 200504019 e correspondentes revisões de preços, vencidas há mais de 22 dias úteis e, em consequência, não se condena o Réu a pagar uma indemnização, a título de danos emergentes e lucros cessantes pela rescisão reportada à data em que a mesma foi requerida, a calcular nos termos do art. 234.º, n.º 2 do RJEOP, no valor de 77.225,08€, acrescido de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.»

*
Julgou bem o TAF.
Refere a Recorrente na conclusão 27 que “A A. andou bem ao suspender os trabalhos da empreitada dos autos e ao requerer ao R. a rescisão do contrato de empreitada…”

Mas a questão problemática não é esta, nem sequer a de saber se o Réu andou bem ou mal ao indeferir tal requerimento, mas sim a de saber se, independentemente do mérito dos motivos invocados, seria juridicamente relevante a rescisão unilateral do contrato pelo empreiteiro.

E a resposta é negativa.

Estamos perante um contrato administrativo, domínio em que não existe uma perfeita paridade entre as partes, antes a consagração legal de um naipe significativo de prerrogativas de autoridade (as chamadas “cláusulas exorbitantes”), conferidas em exclusivo à Administração, contraente público, as quais se projectam tipicamente, entre outros aspectos, na possibilidade de modificação ou extinção unilateral do contrato.

Assim, o artigo 180º/c) do CPA preceitua que a Administração Pública pode “rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado…”, mas não existe norma, nesse ou outro diploma legal, que confira ao contraente privado um poder semelhante.

Escreveu Diogo Freitas do Amaral sobre a “extinção do contrato administrativo” (Curso de D. Administrativo, II, 645):

«Antes, refira-se apenas que a rescisão contratual pode também, em certos casos limitados, ter origem numa iniciativa do contraente particular. Entende a doutrina dominante que o particular pode pedir a rescisão jurisdicional do contrato administrativo, quer por falta grave e flagrante da Administração, quer quando as modificações que esta pretende impor-lhe excedam os limites do objecto do contrato. Se a Administração concordar em pôr termo ao contrato, não haverá que ir a Tribunal e a extinção do contrato ocorrerá por acordo (revogação).

Não existe, porém, com carácter geral no nosso direito dos contratos administrativos a exceptio non adimpleti contractus. Entende-se, na verdade, que o particular fica sujeito ao interesse público e, por isso, salvo casos contados, não pode prevalecer-se das faltas contratuais da Administração para suspender a execução do contrato. Isto resulta “da necessidade de proteger o interesse público contra as precipitadas interpretações que sirvam de pretexto aos particulares para fugir do cumprimento das suas obrigações”.»

A Recorrente teria portanto que fazer valer a sua pretensão pela via judicial, ao abrigo da tutela genérica do artigo 253º/1 do DL 59/99 (“As questões que se suscitem sobre interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, que não sejam dirimidas por meios graciosos, poderão ser submetidas aos tribunais”).

Podendo entretanto solicitar ao Tribunal a tutela de índole cautelar prevista no artigo 238º/3 do mesmo diploma.

Só neste aspecto se corrige a fundamentação da sentença, porque não esclareceu bem a articulação dessas normas, dando a entender que a rescisão do contrato por iniciativa do empreiteiro se esgotaria no uso do mecanismo previsto no artigo 238º/3, mas isto é um detalhe que não prejudica o essencial, ou seja, repetindo, que o empreiteiro só pela via judicial poderia satisfazer a sua pretensão rescisória.

Neste sentido pode citar-se a jurisprudência firmada ao abrigo do artigo 219º do DL 405/93, de 10/12 (que o artigo 238º do DL 55/99 reproduz sem alterações).

Ac. STA de 28-11-2000, Proc. 46734:

«I - O objecto do processo previsto no art. 219º do DL 405/93, de 10 de Dezembro, é suscitar a resposta de aceitação ou não aceitação por parte do dono da obra e, para além disso, no caso de já haver trabalhos de execução da empreitada, possibilitar a posse da obra pelo dono dela e autorizar a suspensão dos trabalhos pelo empreiteiro.

II – O Juiz, no âmbito deste processo, deve apreciar os pressupostos do pedido de notificação para rescisão do contrato, não podendo apreciar se esta rescisão tem ou não fundamento o que só pode ser apreciado em acção a propor pelo empreiteiro.…»

Ac. STA de 27-06-2001, Proc. 47586:

«I - O processo regulado no art.º 219º do DL 405/93, não tem por objecto a rescisão judicial do contrato de empreitada de obras públicas, visando apenas suscitar a resposta do dono da obra ao pedido formulado pelo empreiteiro e, para além disso, no caso de já haver trabalhos de execução, possibilitar a posse dela pelo dono da obra e autorizar a suspensão dos trabalhos.

II - A rescisão judicial terá que ser obtida através da acção própria prevista no art.º 225º do mesmo diploma.»

Ac. STA de 22-10-2002, Proc. 0171/02:

«I - O empreiteiro com direito a rescindir o contrato de empreitada, nos casos previstos, no Dec. Lei 405/93, de 10/12, deve exercer esse direito no prazo de 15 dias contados a partir dos factos justificativos de tal rescisão.

II - Se o empreiteiro invocar, como fundamento de tal rescisão, a impossibilidade de cumprimento, deve o Tribunal aferir a causa ou fonte real ou verdadeira dessa impossibilidade.

…»

E, na doutrina, Jorge Andrade Silva (RJEOP, 8ª edição, 649) em comentário ao artigo 238º RJEOP:

«1…

2. Resulta claro do n.º1 deste artigo que o empreiteiro, pretendendo exercer o seu direito de rescisão, deverá, para isso, requerer essa rescisão ao dono da obra (….)

Só no caso de este requerimento ser tácita ou expressamente indeferido poderá dirigir novo requerimento ao juiz do tribunal administrativo de círculo. Este último requerimento dá lugar a uma providência cautelar e, quer o dono da obra não responda em tempo à citação que lhe é feita, quer deduza oposição ao pedido, o empreiteiro terá de intentar a acção de rescisão do contrato no prazo de 66 dias, se a suspensão dos trabalhos for ordenada…»

Reassumindo o caso concreto:
Indeferido que foi o pedido de rescisão do contrato formulado pela Autora, sobreveio a deliberação camarária a rescindir o mesmo contrato de empreitada.

Com a diferença de que esta rescisão, por ser da iniciativa do contraente público foi, agora sim, eficaz como causa extintiva do contrato.

Só uma deficiente interpretação pode explicar a imputação à sentença da sustentação da aplicabilidade ao caso do artigo 238º REJEOP depois da rescisão do contrato pelo Réu, que é feita pela Recorrente na conclusão 10, “Estando a obra suspensa aquando do requerimento de rescisão do contrato de empreitada pela A. e tendo o R. rescindido, posteriormente, o contrato de empreitada, o disposto no artigo 238º, nºs 2 a 5 do RJEOP não é lhe aplicável, ao contrário do defendido na sentença recorrida”.

É que o TAF sustentou exactamente o contrário. O que disse – claramente e com toda a razão - é que “deveria a Autora ter recorrido para o Tribunal Administrativo”, deduzindo-se do conjunto da fundamentação da sentença, se lida com a devida atenção, que o acionamento do mecanismo previsto no artigo 238º/3 perdeu posteriormente utilidade e deixou de fazer qualquer sentido por força da extinção do contrato por iniciativa do dono da obra.

Continua a Autora na conclusão 12 “Caso assim não se entenda, então não se pode ignorar que a acção prevista no artigo 238º do RJEOP não está sujeita a qualquer prazo especial, que as partes encetaram a tentativa de conciliação à data prevista nos artigos 260º e ss. do RJEOP e que a A. intentou a presente acção no prazo previsto no artigo 255º do RJEOP.”

Mas não é assim, simplesmente porque entretanto, pelas razões que seria fastidioso repetir, se fechou a “janela de oportunidade” de que a Autora dispôs para o efeito e que não quis ou não soube aproveitar.

Deste modo falecem todas as conclusões da Recorrente nesta questão.

*
Rescisão do contrato de empreitada pelo dono da obra
Ponderou o TAF nesta matéria:
«Quanto à rescisão do contrato de empreitada por iniciativa do dono da obra, defende a Autora que relativamente ao alegado incumprimento persistente face ao plano de trabalhos não invoca o R. qualquer norma que lhe permita rescindir o contrato de empreitada dos autos com tal fundamento, pelo que a deliberação de rescisão do contrato de empreitada tomada por iniciativa do R. tomada em violação do direito de audiência prévia, ofende o direito de participação constitucionalmente consagrado e densificado nos arts. 8º e 100º do CPA e viola igualmente o disposto no art. 235.º do RJEOP, quanto falta de fundamentos de facto e de direito para o efeito e, bem assim, por incumprimento de formalidades prévias previstas no art. 161.º do mesmo diploma.

Ora, conforme foi alegado pela Autora e provado por documentos que juntou (documento 11 junto com o documento 1 da P.I., cujo conteúdo damos aqui por reproduzido) o Réu comunicou-lhe a intenção de rescindir o contrato, nos termos do art. 235.º, n.º 1 do RJEOP.

Logo, não se verifica violação do direito de audiência prévia, uma vez que a disposição que se aplica nas empreitadas é o artigo 235.º do RJEOP, e essa disposição foi cumprida.

O dono da obra não atendeu aos fundamentos invocados na resposta à proposta de rescisão e deliberou rescindir definitivamente o contrato de empreitada com os fundamentos constantes da dita proposta de rescisão, da deliberação, das informações técnicas juntas ao processo e do parecer jurídico.
Foram, fundamentos, para além de outros, para a rescisão por iniciativa do dono da obra estarem os suspensos os trabalhos, como confessamente faz o empreiteiro, desde 26 de Julho de 2005 até 21 de Setembro de 2005, data da proposta de rescisão enviada à Autora.
Os fundamentos para rescisão do contrato por iniciativa do dono da obra constante do documento 13 junto com o Documento 1 da P.I., constitui a fundamentação que sustentou a deliberação da Câmara de 4 de Outubro de 2005 que rescinde o contrato.

Como resulta da matéria provada o Réu procedeu ao pagamentos das facturas em atraso e pretendia também liquidar os juros e os montantes referentes á revisão de preços, como se pode aferir pelas comunicações que efectuou com a Autora.

Ora, os fundamentos constantes na decisão de rescisão referem-se ao incumprimento pelo empreiteiro do plano de trabalhos; à não entrega, pelo empreiteiro, do plano de trabalhos actualizado; ao abandono da obra, não garantindo as condições de segurança no local; desobediência às ordens do dono da obra para reiniciar os trabalhos depois do pagamento efectuado.

O dono da obra pode rescindir o contrato, nos termos do artigo 161.º do Regime Jurídico se o empreiteiro injustificadamente retardar a execução do plano de trabalhos, nem der cumprimento ao plano que o dono da obra lhe impôs.

Também constitui fundamento, nos termos do artigo 184.º do Regime Jurídico, para a rescisão por iniciativa do dono da obra, se o empreiteiro não cumprir a ordem que lhe tenha sido regularmente comunicada e disso não tenha sido impedido por causa de força maior.

Como resulta da matéria provada, por várias vezes, o dono da obra notificou o empreiteiro para reiniciar os trabalhos e este não o fez.

Ora, é ao dono da obra, directamente ou através dos agentes da fiscalização que incumbe providenciar para que a execução dos trabalhos e o cumprimento do contrato, caderno de encargos e projecto se verifique.

As ordens são dadas pelo dono da obra, o que sucedeu no caso vertente, sendo que por vezes transmitidas pela fiscalização.

Também constitui fundamento, nos termos do artigo 185.º e 189.º do mesmo regime jurídico, para a rescisão por parte do dono da obra a suspensão dos trabalhos por parte do empreiteiro, sem justificação, por mais de 8 dias.

Está provado nos autos, por confissão da Autora, que teve os trabalhos suspensos durante mais de 37 dias seguidos, não obstante ter sido ordenado o reinício dos trabalhos.

Face ao exposto, assistia ao Réu, enquanto dono da obra, o direito de rescindir o contrato de empreitada com a Autora por incumprimento contratual desta.

Foi o que ocorreu através da deliberação de 4 de Outubro de 2005 proferida pela Câmara Municipal de R..., sendo que esta rescisão levada a efeito pelo dono da obra é legal, não merece qualquer reparo.

Relativamente à extinção da caução, deverá aplicar-se o regime previsto no art. 229.º do RJEOP devidamente adaptado à rescisão do contrato e que prevê que:

1 - Feita a recepção definitiva de toda a obra, serão restituídas ao empreiteiro as quantias retidas como garantia ou a qualquer outro título a que tiver direito e promover-se-á, pela forma própria, a extinção da caução prestada.

2 - A demora superior a 22 dias na restituição das quantias retidas e na extinção da caução, quando imputável ao dono da obra, dá ao empreiteiro o direito de exigir juro das respectivas importâncias, calculado sobre o tempo decorrido desde o dia seguinte ao do decurso daquele prazo, com base na taxa mencionada no n.º 1 do artigo 213.º.

3 - No caso de caução prestada por depósito em dinheiro e de reforço de garantia em numerário nos termos do artigo 211.º, a restituição compreenderá, além do capital devido, os juros entretanto vencidos.

Relativamente aos montantes em dívida referente aos trabalhos que a Autora executou, melhor descritos nos autos de medição juntos às Facturas n.º 200506010, vencida em 13/08/2005, no montante de 33.272,18€; n.º 200507007, vencida em 17/09/2005, no montante de 32.086,07€ e n.º 200511051, vencida em 08/01/2006, no montante de 24.907,58€, que até à presente data, o R. não pagou à Autora, as mesmas serão tidas em consideração na elaboração da conta final da empreitada quando determinados os prejuízos causados pela rescisão é que se pode apurar o crédito ou débito da Autora, isto nos termos do artigo 241.º e 242.º do RJEOP.»

*
Nesta questão, cuja solução é em vários aspectos consequencial da solução dada à questão anterior, o TAF apreciou e solucionou bem, não existindo nas conclusões da Recorrente nenhuma razão que não esteja devidamente ponderada nem dúvida que não esteja solucionada ou prejudicada pela decisão recorrida, que assim se confirma inteiramente.
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DECISÃO
Pelo exposto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 6 de Novembro de 2014
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Hélder Vieira