Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02288/18.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA; CÔNJUGES SEPARADOS JUDICIALMENTE DE PESSOAS E BENS;
REATAMENTO DE FACTO DA UNIÃO; ARTIGOS 6º A 8º DA LEI Nº 7/2001, DE 11.05;
ARTIGO 11º DO DECRETO-LEI Nº 322/90, DE 18.10.
Sumário:1. O acórdão do Tribunal Central Administrativo que partiu de uma determinada interpretação da lei para revogar o despacho saneador e determinar a baixa dos autos para ampliação da basse instrutória, não faz caso julgado quanto ao mérito da acção a partir dessa interpretação da lei.

2. Tal acórdão apenas faz caso julgado formal sobre a regularidade e suficiência do processo para se alcançar uma justa composição do litígio – artigos 619º e 620º do Código de Processo Civil.

3. O regime legal de protecção à união de facto consignado no artigo 6º da Lei nº 7/2001, de 11.05, constitui uma excepção à norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18.10.

4.Tendo-se verificado o reatamento da comunhão de cama, mesa e habitação muito mais de dois anos antes da morte do beneficiário, em casal separado judicialmente de pessoas e bens, a cônjuge sobreviva tem direito a receber uma pensão de sobrevivência, nos termos do artigo 6º da Lei nº 7/2001, de 11.05.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Instituto Segurança Social - Centro Nacional de Pensões veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 18.01.2023, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção que lhe moveu «AA» para condenação do Réu a deferir o pedido de atribuição à Autora da pensão de sobrevivência por morte de «BB» e do pagamento da mesma com efeitos retroactivos à data do óbito, acrescido de juros desde de mora.

Invocou para tanto, em síntese, que o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.07.2019, proferido nestes mesmos autos em sede de recurso jurisdicional do despacho saneador que aqui foi proferido, não faz caso julgado quanto á decisão final a tomar no presente processo; quanto ao mérito da acção e do recurso, defende que a unidade do sistema jurídico importa uma interpretação normativa que não faça colidir o pensamento legislativo nas suas várias dimensões; endente ser inequívoco, por um lado, que o regime de reparação dos acidentes de trabalho comunga de pretensões reparatórias prevenidas pelo sistema previdencial (e por essa razão, são regimes que não se sobrepõem, por força da melhor interpretação do n.º 3 do art.º 2º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10.05), sendo que a decisão em apreço (referida no corpo da alegação) faz interpretação absolutamente oposta do mesmo acervo legal, no que à Lei n.º 7/2001, de 11.05, respeita; mas, sobretudo, porque a jurisprudência superior vem assentando no paralelo e idêntica necessidade de protecção entre o membro sobrevivo da união de facto, e o cônjuge separado “de jure” de pessoas e bens, mas que, sem pôr fim ao regime jurídico elegido pelos cônjuges, reata a comunhão conjugal de facto, assim afastando o regime de direito pelo qual optaram, em matéria de proteção do núcleo familiar; as situações jurídicas tratadas e retratadas (protecção a cônjuge separado de pessoas e bens e membro sobrevivo de união de facto) não são paralelas, nem idênticas, nem podem sê-lo, antes se impondo a aplicação no caso vertente do disposto no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18.10, não “corrigindo” por via judicial a opção operada na esfera do domínio privado, no qual o Estado não deve interferir.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida, a qual, de resto, no seu entender respeita o caso julgado formado nos autos pelo acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.07.2019.

O Ministério Público neste Tribunal defendeu também que seja negado provimento ao recurso.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

a) É precisamente relativamente ao segmento decisório que o Apelado se insurge, por entender que o a procedência da ação, por via do reconhecimento da união de facto estabelecida posteriormente à separação de pessoas e bens entre os mesmos membros, simultaneamente, cônjuges e unidos de facto, viola, necessariamente, normas de caráter substantivo, que não podem ser ultrapassadas por uma interpretação normativa diversa, sem perda da unidade do sistema jurídico;

b) Por se ter tratado de recurso de um saneador sentença antecedente, de cuja revogação decorreu a produção de prova no que respeita aos factos atinentes ao possível reconhecimento de união de facto, ainda assim, cremos não estar o Julgador pré-determinado no juízo do Direito a aplicar e sentido decisório;

c) De contrário, entendendo-se haver vinculação ao sentido da decisão de mérito a proferir, tal leitura importaria a violação do disposto no n.º 3 do Art.º 5º do CPC, corolário máximo da atividade juridiciária: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”;

d) Pela mesma razão, não está esse Venerando Tribunal vinculado à interpretação normativa expressa no Acórdão proferido em 2019, no sentido da procedência da ação com fundamento na prevalência da união de facto verificada entre a Requerente e o Beneficiário falecido, casados entre si à data do decesso;

e) A questão é saber se tal “união de facto” é juridicamente relevante, para efeitos da decisão administrativa a proferir;

No rigor,

f) Na situação sub judice estaria a corrigir-se a vontade manifestada pelas partes interessadas, no pleno exercício da respetiva autonomia privada;

g) Estas, conscientemente optaram por regime diverso de proteção do núcleo familiar, ao manterem o vínculo conjugal, mas com cessação de deveres decorrentes da separação de pessoas e bens por si declarada perante autoridade pública;

h) Será função do Julgador interpretar corretivamente as diversas manifestações do poder legislativo, corrigindo o sentido normativo expresso pelo Legislador, de quem se presume ter consagrado as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Art.º 9º, n.º 3 do CC)?;

i) Estamos perante uma qualificação jurídica na plena disponibilidade das partes e do foro exclusivo da autonomia privada: casados, mas judicialmente separados de pessoas e bens, qualidade que a Requerente e o Beneficiário falecido elegeram e, na verdade, nunca pretenderam afastar, como decorre da matéria de facto provada (alínea r));

j) os cônjuges (precisamente os mesmos intervenientes na união de facto) sabiam que a condição jurídica por si escolhida tinha consequência, com imperativos legais que quiseram e elegeram manter, mesmo conhecendo das limitações dos respetivos direitos e consequente tutela jurídica;

k) Afirmar que a união de facto ultrapassa a vontade declarada para efeitos de direito a prestações por morte, corresponde à violação da norma substantiva que determina e baliza legalmente a figura da separação de pessoas e bens, nomeadamente, o Art.º 1795.º-A do CC, norma clara e manifestamente violada na decisão em crise;

l) Requerente e Beneficiário optaram, em pleno exercício dos respetivos direitos civis, na esfera da autonomia privada (onde não cabe a intervenção Estatal), pela quebra da comunhão patrimonial e entenderam separar massas patrimoniais, sabendo que prescindiriam de direitos prevenidos diversamente, quer em sede de prestações por morte, quer em matéria sucessória;

m) E sabendo disso, na mesma esfera de autonomia privada, entenderam não formalizar a reconciliação, mesmo tendo-o ponderado, igualmente não estabelecendo qualquer direito a alimentos, sucedâneo do extinto dever de assistência;

n) São todas escolhas da esfera da autonomia privada, em que não cabe correção por via legislativa ou jurisprudencial;

o) Ora, no caso sub judice o consenso no sentido de ver prescindida a perda da tutela jurídica decorrente da opção formalizada pela separação de pessoas e bens manteve-se desde o início. Sendo que havia a escolha consciente e conhecida pela possibilidade de revogação da manifestação de vontade manifestada, nos precisos termos e moldes previstos no Art.º 1795º-C do CC, norma despida de qualquer conteúdo útil na interpretação que vem fazendo vencimento nos Tribunais Administrativos e, desta forma, violada;

p) Na decisão em crise retoma-se a argumentação explanada no ponto IV do sumário do Proc. n.º 01378/17.2BEBRG, de 17 de dezembro, no sentido da defesa patrimonial do cônjuge sobrevivo, permitindo-lhe a manutenção das condições de vida “que resultavam do apoio mútuo”, mesmo que por via de regime jurídico diverso, desenhando como excecional ao regime previsto no Art.º 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro (convocando a aplicação do regime previsto para a união de facto);

q) Mas tal argumentação peca por escassa na análise da situação jurídica em causa: é que, efetivamente, o cônjuge separado de pessoas e bens não tem posição sucessória (por força do n.º 3 do Art.º 2133º do CC), situação que poderia aparentar a mesma desproteção que se verifica no paralelo da “união de facto”;

r) Mas, salvo o devido respeito por opinião contrária, isso não importa que o cônjuge separado “de jure” não esteja patrimonialmente defendido, na qualidade de meeiro da integralidade do património comum que constituiu com o de cujus em momento prévio à separação de pessoas e bens;

s) Apenas perderá direito ao património próprio do falecido após a separação de pessoas e bens. No mais, a massa hereditária, à qual não concorre, sempre será constituída pela meação no património comum;

t) É que não havendo divórcio inexistirá partilha do património comum do casal, mas o direito à meação no património comum manter-se-á e integrará a herança, mesmo sem concurso do cônjuge separado como herdeiro. Este é o regime que inequivocamente resulta da aplicação das regras gerais de direito (em matéria de direito da família e sucessões);

u) Isto é, ao contrário do pretendido nos doutos Acórdão citados e, bem assim, na decisão em crise, a posição do unido de facto com terceiro ou a união de facto reconhecida a casados entre si mas separadas “de jure” de pessoas e bens, não constituem situações juridicamente análogas, menos ainda do prisma da defesa patrimonial;

v) Alinhando em tal linha argumentativa, estaremos seguramente a interpretar corretivamente normas de direito da família e sucessórias de maneira a corrigir o pensamento legislativo, apenas para assegurar um direito a prestações por morte, “sucedâneo” definido, pelo próprio legislador, como garantia patrimonial;

w) E sem recurso a uma interpretação uniforme dos regimes jurídicos previstos, existem decisões dissonantes proferidas pelos Tribunais Comuns, por exemplo, em matéria de acidentes de trabalho, que asseguram prestações sucedâneas com fundamento jurídico essencialmente coincidente com as do regime previdencial, de proteção patrimonial do membro sobrevivo (cônjuge ou unido de facto) da união conjugal;

x) A unidade do sistema jurídico importa uma interpretação normativa que não faça colidir o pensamento legislativo nas suas várias dimensões;

y) Parece-nos inequívoco, por um lado, que o regime de reparação dos acidentes de trabalho comunga de pretensões reparatórias prevenidas pelo sistema previdencial (e por essa razão, são regimes que não se sobrepõem, por força da melhor interpretação do n.º 3 do Art.º 2º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio), sendo que a decisão em apreço (referida no corpo da alegação) faz interpretação absolutamente oposta do mesmo acervo legal, no que à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, respeita;

z) Mas sobretudo, porque a jurisprudência superior vem assentando no paralelo e idêntica necessidade de proteção entre o membro sobrevivo da união de facto, e o cônjuge separado “de jure” de pessoas e bens, mas que, sem pôr fim ao regime jurídico elegido pelos cônjuges, reata a comunhão conjugal de facto, assim afastando o regime de direito pelo qual optaram, em matéria de proteção do núcleo familiar;

aa) As situações jurídicas tratadas e retratadas (proteção a cônjuge separado de pessoas e bens e membro sobrevivo de união de facto) não são paralelas, nem idênticas, nem podem sê-lo, antes se impondo a aplicação no caso vertente do disposto no Art.º 11º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro, não “corrigindo” por via judicial a opção operada na esfera do domínio privado, no qual o Estado não deve interferir.


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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) Em 8 de Janeiro de 1970, a Autora e «BB» casaram no regime da comunhão de adquiridos (cf. documento n.º ... da petição inicial).

B) O casamento entre a Autora e «BB» foi dissolvido por morte do cônjuge «BB», ocorrido em 9 de Julho de 2017 (cf. doc. n.º ... da petição inicial).

C) Em 05 de Agosto de 2010, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens da Autora e «BB», por decisão transitada na mesma data, no âmbito do processo n.º ...10, da ... Conservatória do Registo Civil de (cf. documento n.º ... da petição inicial).

D) Na decisão referida em c) não foi fixada qualquer pensão de Alimentos (facto não controvertido).

E) A Autora e «BB» residiram na casa de morada de família, sita na Rua ..., ..., até à morte de «BB» (cf. depoimentos das testemunhas).

F) A partir de 1 de Fevereiro de 2011, a Autora e «BB» voltaram a receber, em conjunto, os filhos e demais familiares, amigos e correspondência na casa onde ambos residiam acima referida (cf. depoimentos das testemunhas).

G) Era na habitação referida em e) que a Autora e «BB» tinham o seu mobiliário e os seus objectos de uso pessoal (cf. depoimentos das testemunhas).

H) Cada um contribuindo com o que auferia para a aquisição de todos os bens alimentares, móveis, electrodomésticos e demais bens que existiam na habitação (cf. depoimentos das testemunhas).

I) Entre 1 de Fevereiro de 2011 e 9 de Julho de 2017 a Autora e «BB» voltaram a relacionar-se sexual e afectivamente, a tomar junto as refeições, a partilhar as despesas domésticas, viajavam e passeavam juntos, à vista de familiares, amigos e companheiros de trabalho, de vizinhos conhecidos, projectaram sonhos e esperanças num futuro a dois, auxiliaram-se mutuamente nos eventos do dia a dia, amparando-se e protegendo-se um ao outro e assistindo-se na doença, sempre de forma ininterrupta (cf. depoimentos das testemunhas).

J) Os amigos próximos da Autora e «BB» não tiveram conhecimento da separação judicial de pessoas e bens declarada entre a Autora e «BB» (cf. depoimentos das testemunhas).

K) O contrato de prestação de serviços de televisão e telefone para a habitação referida em e) encontrava-se em nome de «BB» (cf. documento nº ...4 junto com a petição inicial).

L) No ano de 2017, foi diagnosticado a «BB» um tumor cancerígeno no estômago (cf. depoimentos das testemunhas).

M) A Autora acompanhou «BB» nas consultas médicas, nos exames de diagnóstico, nos tratamentos que efectuou, no internamento a que esteve sujeito e cuidou dele no dia a dia até à sua morte (cf. depoimentos das testemunhas).

N) «BB» entregava à Autora dinheiro da sua conta pessoal para esta gerir e fazer face às despesas próprias da família e casa de morada de família, nomeadamente compras no supermercado, talho, farmácia, hospital, vestuário, calçado, electricidade, gás, água, saneamento e obras na habitação (cf. documento ...2 junto com a petição inicial e depoimentos das testemunhas).

O) Em 20 de Julho de 2017, a Autora, junto do Instituto da Segurança Social-Centro Nacional de Pensões, requereu a atribuição das prestações por morte de «BB» (cf. folhas 12 do processo administrativo).

P) Por ofício, datado de 5 de Dezembro de 2017, foi a Autora informada da intenção de indeferimento da atribuição de prestações por morte, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cf. folhas 1 do petição inicial).

Q) Em 28 de Dezembro de 2017, a Autora pronunciou-se relativamente á intenção de indeferimento do requerimento de atribuição de prestações por morte, (cf. folhas 20 e seguintes do petição inicial).

R) A reconciliação entre a Autora e «BB» não foi realizada/formalizada por termo no processo de separação ou por escritura pública, nem foi homologada judicialmente (cf. depoimento das testemunhas).


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III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte aqui relevante.

“Posto isto, importa apreciar, de imediato, a pretensão corresponde a saber se assiste à Autora o direito a obter a condenação do Réu na prática de acto que assegure o pagamento da pensão de sobrevivência, considerando a factualidade apreendida nos presentes autos.

Desde logo, cabe atender ao regime do DL n.º 322/90, de 18.10, diploma que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral da segurança social. Nos termos do art.º 3.º, n.º 1, deste diploma a proteção por morte dos beneficiários ativos ou pensionistas é realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência e subsídio por morte. Nessa óptica, no art.º 4.º lê-se, em concreto no seu n.º 1, que as pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objetivo compensar os familiares de beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste.

Todavia, e tendo em conta o dissídio que se nos apresenta, assume relevo o art.º 7.º do regime em mérito, que disciplina a titularidade do direito, dispondo do seguinte modo:

“1 - A titularidade do direito às prestações é reconhecida às seguintes pessoas:
a) Cônjuges e ex-cônjuges;
b) Descendentes, ainda que nascituros, incluindo os adoptados plenamente;
c) Ascendentes.
2 - Para efeitos da titularidade do direito, são considerados descendentes os enteados dos beneficiários falecidos desde que estes, em relação aos mesmos, estivessem obrigados à prestação de alimentos nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil.
3 - Na falta das pessoas referidas no n.º 1 ou das condições que as mesmas devem reunir para ter direito à prestação, têm direito ao subsídio por morte outros parentes, afins ou equiparados, em linha recta e até ao 3.º grau da linha colateral, incluindo os adoptados e os adoptantes restritamente.”

Porém, o art.º 8.º do mesmo diploma legal alarga a aplicação da protecção social às uniões de facto, dizendo o seguinte:

“1 - O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto.
2 - A prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto.”

Impõe-se ainda referir o disposto no art.º 11.º do mesmo DL, que versa em particular sobre as situações de separação ou divórcio, estatuindo o seguinte:

“O cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida.

Depois, cumpre também ter presente o regime da Lei n.º 7/2001, de 11.05, diploma que estabelece as medidas de protecção das uniões de facto.

Assim, logo no seu art.º 1.º, n.º 2, esta Lei define a união de facto como a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

A união de facto constitui-se quando duas pessoas se juntam e passam a viver em comunhão de leito, mesa e habitação, sendo condição de eficácia, para além dessa comunhão de vida, que tal comunhão se mantenha há pelo menos dois anos.

No entanto, o art.º 2.º da mesma Lei prevê excepções ou impedimentos, não à união de facto propriamente dita, mas antes quanto à atribuição de certos direitos ou benefícios que dela poderiam decorrer. Para o caso concreto, importa considerar a al. c) do preceito, segundo o qual impede a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens.

Como dito, a Entidade Demandada funda, em conjugação com o disposto no Código Civil, a não atribuição do direito requerido pela Autora nesta norma, na medida em que o casamento entre esta e o de cujus não se encontrava dissolvido, e a parte final do preceito só se aplica a terceiros, e não aos membros do próprio casamento.

De facto, de acordo com a al. e) do art.º 3.º desta Lei (e como já resultava do DL n.º 322/90, de 18.10, nos termos atrás expostos), um dos direitos dos unidos de facto consiste precisamente na protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social. Em desenvolvimento desta previsão, o art.º 6.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “regime de acesso às prestações por morte” diz ainda o seguinte:

“1 - O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos.
2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação.
3 - Exceptuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º.

Por fim, resta convocar as disposições pertinentes do Código Civil, designadamente em matéria de separação judicial de pessoas e bens.

Assim, esclarece-se desde logo no art.º 1795.º-A do Código Civil que “a separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos; relativamente aos bens, a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento.” E, segundo o art.º 1795.º-B que se segue, pode terminar pela reconciliação dos cônjuges ou pela dissolução do casamento.

Com pertinência, resulta do artigo 1795.º-C do CC que:

1. Os cônjuges podem a todo o tempo restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais.
2. A reconciliação pode fazer-se por termo no processo de separação ou por escritura pública, e está sujeita a homologação judicial, devendo a sentença ser oficiosamente registada.
3. Quando tenha corrido os seus termos na conservatória do registo civil, a reconciliação faz-se por termo no processo de separação e está sujeita a homologação do conservador respectivo, devendo a decisão ser oficiosamente registada.
4. Os efeitos da reconciliação produzem-se a partir da homologação desta, sem prejuízo da aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 1669.º e 1670.º.

A questão essencial consiste em saber se, para efeitos de atribuição de prestações por morte, pode haver união de facto entre duas pessoas separadas judicialmente entre si de pessoas e bens.

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo tomou posição sobre tal temática em dois arestos, ambos proferidos em 17.12.2019, nos processos n.º 01378/17.2BEBRG e 0442/16.0BEBRG, em que se colocava a questão aqui em apreço, precisamente em processos que correram termos nestes Tribunal, cabendo portanto atender a essa jurisprudência qualificada no tratamento dos autos em apreço. Ora, no acórdão do STA proferido no processo n.º 0442/16.0BEBRG considerou-se o seguinte, em sentido inverso ao perfilhado nas instâncias: “(...) 29. Contudo, não é essa a adequada leitura e interpretação do quadro normativo convocado e que supra foi posto em evidência.

30. Com efeito, quando no n.º 2 do art. 01.º do citado diploma se definiu a união de facto o legislador referiu-se, evidentemente, às «condições» de vida dos «cônjuges» não separados e já não às dos que se separaram «de jure» ou «de facto».

31.Daí que refeita, deste modo, a definição legal, logo se vê que a conjugalidade da aqui A. com o beneficiário falecido se apresenta como diferente ou diversa da que resulta acolhida na norma, razão pela qual se torna possível dizer que as condições da vida comum da A. e do seu falecido marido eram - tendo em conta a separação judicial deles - «análogas» às de dois cônjuges nunca separados.

32. E é por isso que o legislador sabendo que, nos termos do art. 1795.º-D do CC, a decretação da separação de pessoas e bens «não dissolve o vínculo conjugal» e que tal poderia ser entendido como integrando a expressão «casamento não dissolvido» [a qual consta da primeira parte da al. c) do art. 02.º da Lei n.º 7/2001], que foi seu propósito excecioná-la do âmbito do impedimento mediante a introdução da ressalva aposta na segunda parte da alínea, ou seja, quis-se reconhecer como igualmente objeto de proteção as situações de pessoas «unidas de facto» casadas entre si mas separadas «de jure» de pessoas e bens.

33.Com a utilização de uma tal terminologia quis o legislador, por um lado, que a figura da «união de facto» fosse incompatível com a situação de pessoas não separadas «unidas de facto» [no estado civil de casado(a) entre si ou com terceira pessoa] já que numa simultânea acumulação ilegítima de estatutos, estados/vínculos, e, por outro lado, que a mesma figura, enquanto vínculo produtor de direitos e benefícios, pudesse permitir a tutela das situações de «união de facto» não apenas entre pessoas nos estados civis de solteiro(a), viúvo(a), e/ou de divorciado(a), mas, ainda, entre separados(as) de pessoas e bens mesmo não tendo visto dissolvido o seu vínculo matrimonial, e isso independentemente da vivência de facto ser com terceiras pessoas ou com a própria pessoa com que foram casadas e de que estão juridicamente separadas de pessoas e bens, dado que em condições «análogas» às de dois cônjuges nunca separados.

34. Na verdade, quanto a estas últimas a segunda parte do preceito em referência na sua articulação com o art. 01.º, n.º 2, veio legitimar, expressa e inequivocamente, a possibilidade de situação de «união de facto» detentora dos direitos e benefícios dela decorrentes entre duas pessoas separadas de pessoas e bens, com total abstração e independência de outros vínculos/estados que os pudessem unir ou ligar entre si ou com terceiros.

35. Donde se conclui que dois cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens podem, apesar disso, viver conjuntamente em condições caracterizáveis como «união de facto», a isso não obstando os efeitos legais decorrentes da separação judicial tanto mais que os mesmos reconduzem-se àquele estado e em nada disciplinam ou interferem com aquilo que é a situação jurídica que venha a constituir-se com a «união de facto».


36. Aliás, seria bizarro negar essa possibilidade à A., pois se na situação do seu marido ter vivido com outrem em condições «análogas» às dos cônjuges essa pessoa beneficiaria da proteção legal conferida às uniões de facto, então, até por maioria de razão, apresenta-se como óbvio que a aqui recorrente é credora das mesmas medidas protetivas dado que detentora das mesmas condições de análoga vivência, sem que existam razões legítimas e válidas para distinguir situações similares ou equiparadas.

37. De notar que se o regime legal de proteção conferido às situações de pessoas «unidas de facto», nomeadamente nos casos de morte do beneficiário convivente, se destina a possibilitar ao sobrevivente, através de um sucedâneo prestacional, manter o nível de condições de vida que resultava do apoio mútuo inerente àquela comunhão de vida, por forma a que, após a morte, o mesmo não se veja, de um momento para o outro, numa situação de total desproteção material, parece óbvio que esta preocupação legal mantém toda a sua pertinência nos casos como o dos autos.

38. E não se objete que os cônjuges judicialmente separados de pessoas e bens se incluem numa categoria jurídica diversa da prevista para as «uniões de facto», a qual exige o prévio reconhecimento do direito a uma pensão de alimentos como decorre da previsão inserta no atrás referido art. 11.º do DL n.º 322/90, porquanto neste normativo disciplina-se, como nos parece claro, apenas as situações dos divorciados e as situações em que os cônjuges estão efetivamente separados e já não aquelas situações dos divorciados e dos cônjuges que voltaram a unir-se após a separação judicial até porque, relativamente a estas últimas, não faria sentido falar-se ou exigir-se, como pressuposto para a concessão da prestação de sobrevivência, a prévia existência de uma pensão alimentícia fixada.

39. Na total ausência de distinção, de exigência ou de ressalva feita por parte do legislador ao reconhecimento, no âmbito e para efeitos da Lei n.º 7/2001, da situação jurídica de «união de facto» entre pessoas que estejam separadas de pessoas e bens [na sequência de decretação judicial ou administrativa] tal implica como sendo desprovida de sentido e de fundamento a imposição de que as pessoas que se vierem a «unir de facto» tenham de estar efetiva e materialmente separadas da pessoa com quem se haviam casado e de que não bastaria apenas uma separação entre as mesmas num plano estrita ou meramente jurídico-formal.

40. Daí que a expressão «casamento não dissolvido» quererá significar ou implicar apenas a incompatibilidade com a proteção conferida aos «unidos de facto» pela Lei n.º 7/2001 às situações de vivência entre pessoas casadas não separadas [nesta se incluindo as situações de mera separação de facto].

41. A interpretação firmada é aquela que permite encontrar efeito e sentido ao propósito do legislador de tutelar de forma mais abrangente as várias, possíveis e equiparadas situações de pessoas «unidas de facto» e que reclamam idêntico tratamento, reconhecimento e proteção. (...)”.

Esta jurisprudência é perfeitamente subsumível ao caso concreto, na medida em que ficou provado que a Autora estava separada judicialmente de pessoas e bens do de cujus, mas com ele continuou a viver por mais de 2 anos na mesma casa, partilhando mesa, leito e habitação, e os respectivos recursos (vida em comum), conforme se capta do probatório.

Por seu lado, no acórdão proferido no processo n.º 01378/17.2BEBRG, o mesmo STA considerou, em sentido idêntico, o seguinte: “(...) 20. O Acórdão recorrido entendeu que não, isto é, que ainda que haja, ou continue a haver, ou venha a reatar-se, esta plena comunhão de vida entre os casados entre si (separados judicialmente), não é configurável entre eles uma situação de “união de facto” pois que – ainda no âmbito da análise da letra da lei -, nos termos definidos pelo art. 1º nº 2 da Lei 7/2001, «a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos». Ora, se a “união de facto” é uma vivência análoga à dos cônjuges, argumenta-se ser de concluir que dois cônjuges (ainda que separados judicialmente) não podem ter uma vivência “análoga” à sua, o que prova que a “união de facto” só poderá ser aplicável a não cônjuges: só os não cônjuges poderão viver analogamente aos cônjuges...

21. Cremos, porém, que este argumento literal é facilmente ultrapassável, desde que se faça uma clara distinção, que se impõe, entre duas situações perfeitamente distintas entre si: a situação dos casados separados judicialmente de pessoas e bens que deixaram de fazer, de facto, vida em comum (como será a situação, diríamos, normal e comum); e a distinta situação, como a dos autos, de casados, separados judicialmente, que continuam a viver em “plena comunhão de leito mesa e habitação” ou que, após uma real separação, vêm a retomar uma “plena comunhão de leito, mesa e habitação”.

22. E afigura-se imperioso, como dissemos, fazer esta distinção, uma vez que estamos perante situações absolutamente diferentes entre si, a que devem corresponder, em consequência, distintos regimes de proteção legal.

23. Nesta conformidade, nada tem de absurdo considerar que um casal de casados entre si, separados judicialmente, mas vivendo em plena comunhão de vida, ou retomando uma plena comunhão de vida, viva em “união de facto”, nos termos legais previstos no art. 1º nº 2 da Lei 7/2001, já que, nesta situação, eles vivem, ou passaram a viver “em condições análogas aos dos cônjuges” – isto é, em condições análogas às dos cônjuges que, em termos normais, vivem em plena comunhão de vida.

24. Sendo o parâmetro da vivência “análoga à dos cônjuges”, a que se refere o art. 1º nº 2 da Lei 7/2001, a vivência dos cônjuges que vivem em plena comunhão de vida (e não a de cônjuges sem esta comunhão de vida), o estatuto de “unidos de facto” previsto naquele art. 1º nº 2 pode incluir o caso de casais casados entre si - desde que separados judicialmente, para afastar o impedimento do art. 2º c) – que vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou seja, em plena comunhão de vida.

25. Admitimos que o legislador, ao prever o estatuto da “união de facto” e ao atribuir-lhe todos os direitos e benefícios que tem vindo, gradualmente, a reconhecer-lhe - hoje plasmados nos arts. 3º a 7º da Lei 7/2001 e no art. 8º do DL 322/90 -, não tivesse em mente, ou não tivesse paradigmaticamente em mente, o caso de casados entre si (ainda que separados judicialmente). Mas tal não significa que este regime não seja aplicável a estes casos, quer atendendo à letra da lei quer aos demais elementos interpretativos – sobretudo num regime tendencialmente “objetivista” de indagação do “pensamento do legislador” como o plasmado no art. 9º nº 1 do C.Civil.

26. Já nos debruçámos sobre a letra da lei, podendo concluir-se que, só por ela, não pode excluir-se do regime da “união de facto” a situação de casados entre si (separados judicialmente) que vivam ou tornem a viver em comunhão plena de vida.

27. Mas é, naturalmente, face à “ratio legis”, nomeadamente através do subelemento teleológico resultante da análise do regime legal de proteção da “união de facto” que mais se impõe a solução, que vimos defendendo, de não exclusão dos casos como o dos presentes autos.

28. Para tanto, recuperemos a distinção que supra mencionámos ter de ser feita entre os normais e correntes casos de casados separados judicialmente – sem vivência comum – e o caso dos casados separados judicialmente com vivência comum (continuada ou readquirida), isto é, em “união de facto”, ou seja, em “condições análogas às dos cônjuges” (não efetivamente separados).

29. Como já referimos, estas duas situações são absolutamente distintas entre si e, em consequência, merecem tratamento legalmente distinto.

30. Assim, para os casos, que podemos considerar normais ou correntes, de casados separados judicialmente, efetivamente separados (não abrangidos, evidentemente, pelo regime da Lei 7/2001), o regime aplicável será (tão só) o previsto no art. 11º do DL 322/90: prestações condicionadas ao reconhecimento judicial de pensão de alimentos. Nem seria concebível, justo ou adequado que fosse de outro modo.

31. Já a diferente situação de casados, judicialmente separados, que mantiveram ou readquiriram, entre si, uma vida comum de “leito, mesa e habitação”, sendo qualitativamente distinta daquela, é similar à de quaisquer outros casais vivendo em “união de facto”, pelo que, em consequência, merece a especial proteção dispensada por lei aos “unidos de facto”.

32. Nesta conformidade, devem-lhes ser igualmente reconhecidos os direitos e benefícios legalmente previstos nos arts. 3º a 7º da Lei 7/2001 e no art. 8º da do DL 322/90, por igualdade de circunstâncias, não sendo justo ou adequado remetê-los para o regime comum dos casados separados judicialmente de pessoas e bens, sujeitos à prova da necessidade de pensão de alimentos – totalmente desconsiderando a situação de vivência comum em que vivem, como se a mesma se não verificasse, e desconsiderando, consequentemente, a proteção que a lei pretende conceder, e concede, aos casais que vivem nessas condições.

33. Esta desconsideração leva, aliás, a conclusões que temos por inaceitáveis. Veja-se o caso dos autos: segundo o entendimento do Acórdão recorrido, a Autora/Recorrente teria todo o direito a receber a pensão de sobrevivência se, ainda que mantendo-se casada com o seu marido, e desde que separada judicialmente (como é o caso), passasse a fazer vida em comum, em “união de facto”, com qualquer terceiro beneficiário (independentemente, até, do sexo); porém, reatando essa idêntica vida em comum com a mesma pessoa (cônjuge, separado judicialmente) já a proteção por morte deste lhe é negada; não vemos que isto faça algum sentido em termos do espírito da “ratio” do regime legal da proteção aos conviventes/sobreviventes.

34. Efetivamente, se este regime legal de proteção aos “unidos de facto”, nomeadamente em caso de morte do convivente, se destina a possibilitar ao sobrevivente, através de um sucedâneo prestacional, manter o nível de condições de vida que resultava do apoio mútuo inerente àquela vida em comum, por forma a que, após a morte, não se veja este, de um momento para o outro, numa situação de total desproteção material, parece óbvio que esta preocupação legal mantém toda a sua pertinência nos casos como o dos autos.

35. Sendo certo que nem se coloca aqui a preocupação da lei em afastar qualquer concorrência de pessoas com direito a essa proteção – o que explica a precaução legal de afastamento desta proteção dos “unidos de facto” quando permaneça, relativamente a qualquer dos conviventes, uma situação de casamento não dissolvido (salvo havendo separação judicial de pessoas e bens), nos termos do art. 2º c) da Lei 7/2001 – pois, nos casos como o dos autos, está afastado, por natureza, este óbice legal, já que não é nunca, obviamente, configurável a concorrência de qualquer terceiro (eventual cônjuge de algum dos conviventes)...

36. O Ac.TCAN recorrido baseia também o seu julgamento na fundamentação da incompatibilidade da separação judicial de pessoas e bens com a união de facto entre as mesmas pessoas, argumentando que «(...) com a separação cessam os deveres de coabitação e assistência, como seja o dever de contribuir para os encargos normais da vida familiar. Assim, a situação da Recorrente nunca poderia consubstanciar uma situação de união de facto, pela própria dinâmica contraditória e conflituante entre os elementos constitutivos da união de facto e os efeitos da separação judicial de pessoas e bens» (cfr. fls. 13 do Acórdão).

37. Não vemos, porém, que haja qualquer dinâmica contraditória e/ou conflituante entre os efeitos da separação judicial de pessoas e bens e a situação de “união de facto”: como é referido, com a separação judicial de pessoas e bens cessam os deveres de coabitação e assistência; mas, a cessação destes deveres, de coabitação e assistência, apenas significa que os membros do casal ficam dos mesmos desobrigados; não significa, nem poderia significar, no entanto, que não os possam voluntariamente manter ou reatar, de facto, em qualquer momento posterior. Não há, aqui, do ponto de vista lógico, qualquer contradição ou conflito.

38. Argumenta, ainda, o Ac.TCAN recorrido que «para que a Autora afastasse os efeitos decorrentes de uma situação consagrada em registo, por acto voluntário devidamente exteriorizado (separação de pessoas e bens), sempre teria que praticar acto de igual força probatória (mediante reconciliação – artigo 1795º-C do CC)» (cfr. fls. 14 do Acórdão).

39. Se bem compreendemos o argumento, bastaria aos membros do casal (casados, separados judicialmente de pessoas e bens) terem-se formalmente reconciliado para, então, a Autora sobrevivente ter os seus direitos assegurados como viúva/herdeira. Embora isto seja verdade, não vemos a utilidade do argumento, pois o que nos autos se discute é o direito da Autora à pensão de sobrevivência, por morte do seu marido, de quem estava separada judicialmente de pessoas e bens, com fundamento na sua vivência em união de facto durante mais de dois anos – e não com fundamento no seu eventual estatuto de cônjuge, de pleno direito, reconciliada.

40. Por outro lado, afirmar-se que a Autora, que viveu em união de facto com o falecido beneficiário (e que nesta circunstância funda a sua petição), tinha tido a opção de se ter reconciliado, o que não sucedeu, é o mesmo que - permita-se a comparação - afirmar a todos os sobreviventes de “uniões de facto” (ao menos aos não casados) que sempre tinham tido a opção de se terem casado, o que não sucedeu – sem que esta afirmação, por mais verdadeira que seja, possa implicar o afastamento dos direitos e benefícios reconhecidos pela lei aos “unidos de facto”.

41. No caso dos autos está especificamente em causa o direito a um dos vários benefícios reconhecidos pela lei aos “unidos de facto”: concretamente, o direito do convivente sobrevivente a pensão de sobrevivência. Porém, há que ponderar que a resposta que aqui se dê não tem apenas implicação nestes casos de atribuição de pensão de sobrevivência, pois a "proteção social na eventualidade de morte do beneficiário" é somente um dos vários direitos conferidos pelo art. 3º da Lei 7/2001 aos "unidos de facto" - alínea e).

42. Por isso, reconhecer-se, ou não, o direito peticionado nestes autos, implicará (por coerência), admitir-se, ou não, a casais nas mesmas condições, os demais direitos ali previstos: benefícios em matéria de férias, faltas, licenças (p.ex., para assistência ao outro), prestações por morte por acidente de trabalho ou doença profissional, etc.

43. Vejamos, p. ex., o direito a "proteção da casa de morada de família" prevista no art. 3º a) e 5º da Lei 7/2001: no caso de morte de "unido de facto", o membro sobrevivente tem direito a permanecer na casa de morada de família, e ao uso do recheio, por 5 anos (art. 5º nº 1) ou até por tempo superior (art. 5º nºs 2 e 4). Já o cônjuge separado judicialmente (ainda que o casamento não esteja, pois, dissolvido), como não é herdeiro legítimo (art. 2133º nº 3 do C.Civil) não tem direito a essa proteção, de ser encabeçado no direito de habitação da casa de morada de família e no direito de uso do recheio (art. 2103º-A do C.Civil); ora, se esta solução é perfeitamente ajustada e adequada à comum situação dos cônjuges separados judicialmente, ela afigura-se totalmente desajustada a casais como o dos autos, que, não obstante se encontrarem separados judicialmente, vivem em "união de facto", em plena comunhão de vida, e, por isso, merecem que lhes sejam aplicáveis estes direitos legalmente conferidos na Lei 7/2001 e no art. 8º do DL 322/90.

44. Já acima rebatemos um dos argumentos utilizados na fundamentação do Ac.TCAN recorrido – o de que aos casados judicialmente separados apenas é aplicável o regime do art. 11º do DL 322/90, e já não o regime da Lei 7/2001 (e do art. 8º daquele DL 322/90), por não lhes poder ser reconhecido o estatuto de “unidos de facto” (cfr. pontos 14 e 30 a 32 supra).

45. Acrescentaremos que este argumento se mostra, por si, imprestável, pois que o mesmo levaria, também, à negação do reconhecimento do estatuto de “unidos de facto” aos casais divorciados, já que a citada norma refere que «o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações (...)» - sublinhado nosso; ora, seria impensável negar a um casal divorciado, que reatasse uma vivência de “união de facto”, os benefícios legalmente previstos na Lei 7/2001 para os “unidos de facto” (uma vez que, aqui, não há casamento subsistente, o qual foi dissolvido).

46. Isto mostra-se, pois, suficiente para comprovar que o aludido art. 11º do DL 322/90 é aplicável aos casados separados judicialmente e aos divorciados – mas não impede, por outro lado, a aplicação do regime de proteção e benefícios outorgados pela Lei 7/2001 (e pelo art. 8º daquele mesmo DL 322/90) aos casados entre si, desde que separados judicialmente, ou aos divorciados entre si, que mantenham ou readquiram uma vivência comum de “leito, mesa e habitação”, isto é, uma vivência “análoga à dos cônjuges” (não separados), por tempo superior a dois anos.

47. Neste mesmo sentido, em caso totalmente semelhante ao dos presentes autos, de vivência em “união de facto” por mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges (não separados), de casados entre si, judicialmente separados, julgou já o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/6/2013 (4396/09.0TBBCL.G2).

48. Bem como o Acórdão do TCAN de 12/7/2019 (02288/18.1BEBRG), em caso também totalmente idêntico ao dos presentes autos: «Este regime legal [da Lei 7/2001] de protecção à união de facto constitui uma excepção à norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18.10. Com efeito, se não tivesse ocorrido uma união de facto, aplicava-se “ipsis verbis” a referida norma legal e a Autora não teria direito a prestações sociais pagas pela Segurança Social. Mas tendo sido alegado o reatamento da comunhão de cama, mesa e habitação muito mais de dois anos antes da morte do beneficiário, alegadamente sobreveio uma situação de união de facto, que dá direito à Autora às prestações reclamadas. Em face desta protecção, a Autora terá direito às prestações pedidas nesta acção, se dados como provados os factos por esta alegados na petição inicial nos artigos 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 20º, 21º, 24º, 25º, 27º, 30º. Ora, sendo a prova desses factos admitida, nos termos do artigo 2º-A da Lei nº 7/2001 (aditado pela Lei 12/2010), por qualquer meio legalmente admissível, se estes factos forem provados por prova testemunhal, provada ficará a união de facto vigente há mais de dois anos entre o falecido e a Autora e o direito desta às prestações pedidas nos autos...».

49. Tratando situação também semelhante, veja-se com interesse a fundamentação inserta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/11/2011 (677/10.9TBOER.L1-1): «(...) Na hipótese em apreço temos uma separação “de pessoas e bens” que traduz mera aparência uma vez que, como resulta da factualidade assente, os cônjuges mantiveram a mesma convivência. Em bom rigor, a única alteração relevante prende-se com a titularidade dos bens do casal, uma vez que, dessa forma, procederam à divisão dos bens, assegurando que o direito de propriedade sobre o imóvel e bens móveis que o compõem passasse para a titularidade exclusiva da autora – daí que não nos possamos reconduzir ao disposto no 11º do Dec. Lei 322/90, que pressupõe uma real separação do casal. Na generalidade dos casos em que assim acontece, subjacente a essa actuação está a vontade dos cônjuges salvaguardarem o seu património, pondo-o, artificiosamente, a salvo de credores. Mesmo que assim fosse, e não olvidando que a autora assume a intenção subjacente à referida separação, não pode essa circunstância relevar de forma punitiva para a autora, pelo menos neste processo, afastando o reconhecimento do direito que pretende fazer valer, provando-se, como se provou, que vivia em união de facto com o beneficiário da Segurança Social, à data do óbito deste, e que esse tempo, somado ao período de casamento, perfaz bem mais do que os dois anos exigidos pela lei. Como se referiu no Ac. RC de 07/06/2005 (...) “o legislador enuncia as situações de forma abstracta, não querendo ou não conseguindo enunciar todas as variantes dos casos-tipo; e, na verdade, quem não tiver esta perspectiva, ao concretizar a abstracção da lei, tenderá a pôr de um lado os casados e de outro os unidos de facto, sem se preocupar com o cruzamento dessas situações, que não preocupou ou não foi visto pelo legislador”». (...)”.

Ora, pelos mesmos motivos expostos no aresto anterior, também este entendimento tem plena aplicabilidade no caso dos autos.

A fundamentação ora transcrita é inteiramente transponível para a situação em apreço, não se vislumbrando razões de facto ou de direito para dissentir do juízo que acabou de se reproduzir. E o mesmo vale por dizer que, à luz desta jurisprudência, temos então que a separação judicial de pessoas e bens não obsta a que as pessoas nessa situação entre si possam ser consideradas unidas de facto.

Assim sendo, e em síntese, acolhendo e aplicando no caso dos autos a jurisprudência acima transcrita, temos então de concluir que nada obsta a que a Autora seja considerada como unida de facto para efeitos de atribuição de prestações por morte, não obstante se encontrar separada judicialmente de pessoas e bens do membro decesso da respectiva união.

Assim, e acolhendo aqui integralmente a fundamentação supra transcrita, por razões de harmonia e uniformidade de aplicação do melhor Direito, restará julgar totalmente procedente o pedido de condenação ao deferimento da pensão de sobrevivência à aqui Autora.

Do que necessariamente decorre o reconhecimento, para a Autora, do direito às prestações por morte, nos termos da al. e) do n.º 1 do art.º 3.º e do art.º 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11.05, conjugados com o regime do DL n.º 322/90, de 18.10, acima exposto, com a consequente anulação do despacho em crise, por vício de violação de lei.

Aqui chegados, assumindo então que, de acordo com os factos provados, nos termos já anteriormente expostos aquando da análise sobre a operacionalidade das decisões tomadas pelo STA no caso concreto, entre a aqui Autora e o de cujus se configura uma situação de união de facto, e concluindo pela ilegalidade da decisão administrativa tomada com fundamento na impossibilidade de se estabelecer entre ambos essa união, nada obsta a que, nos termos conjugados dos artigos 8.º e 16.º do DL n.º 322/90, de 18.10, e 3.º, al. e), e 6.º, da Lei n.º 7/2001, de 11.05, seja reconhecido à Autora, como pedido, a titularidade do direito à pensão de sobrevivência por morte do beneficiário falecido, com fundamento na aplicação do regime previsto para os unidos de facto, bem como, no mesmo sentido e em consequência, e ao abrigo do disposto no art.º 36.º, n.º 1, do DL n.º 322/90, de 18.10, nada obsta ao pagamento da pensão de sobrevivência à Autora, a partir do mês seguinte ao do falecimento do de cujus «BB», como peticionado. Sobre as quantias apuradas como devidas, são devidos os juros de mora calculados à taxa civil, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento, procedendo o pedido de pagamento de juros de mora, nos termos do disposto nos artigos 804.º, n.º 2, 805.º, n.º 2, 806.º, n.º 1, do CC (cfr. Acórdão do STA, proferido no processo 0496/12, datado de 11.10.2012).

(…)”

Com acerto, no essencial.

O acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.07.2019 foi proferido neste mesmo processo. Diz respeito ao mesmo caso e não a “caso também totalmente idêntico ao dos presentes autos”, como se refere na decisão recorrida.

De todo o modo, ao contrário do que defende a Recorrida, este acórdão não fez caso julgado quanto ao mérito da acção, nem podia fazer.

O acórdão foi proferido em recurso do despacho saneador e tem o seguinte conteúdo decisório:

“IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Determinam que os autos baixem à Primeira Instância para prolação do despacho de identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, com realização de audiência final e subsequente tramitação até final.”

Ora se é certo que o caso julgado abrange os pressupostos imediatos, de facto e de direito, da decisão (neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-12-2011, no processo n.º 0419/11; do Tribunal Central Administrativo Norte de 05.07.2012, processo 00437/11.6 AVR, não é menos certo que a decisão judicial só forma caso julgado nos preciso termos em que decide – artigo 621º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

E o acórdão do deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.07.2019 não decidiu sobre o mérito da acção, mas apenas sobre a regularidade processual, impondo a produção de prova sobre determinados factos relevantes.

Não constitui qualquer caso julgado material, mas apenas um caso julgado formal, sobre a regularidade e suficiência do processo para se alcançar uma justa composição do litígio – artigos 619º e 620º do Código de Processo Civil.

Partiu de um entendimento jurídico sobre o mérito da acção, é certo, mas apenas para o efeito de decidir que era necessário produzir prova.

Seria, de resto, uma decisão nula e de nenhum efeito, caso se pronunciasse sobre o mérito da acção, quer por contradição nos próprios termos, quer por excesso de pronúncia - alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Por contradição porque não faria sentido sustentar que era necessário produzir prova sobre factos essenciais e, em simultâneo, decidir de mérito sem a necessária produção de prova.

E por excesso de pronúncia porque estaria a conhecer de questão que não tinha sido suscitada e de que não podia conhecer por não dispor ainda dos factos relevantes para o efeito.

Quanto ao mérito da acção cabe a este Tribunal emitir apenas agora pronúncia, debruçando-se sobre o teor da decisão final proferida nos autos em primeira instância.

Por acaso dá-se a coincidência de o Colectivo neste Tribunal Central Administrativo ser ainda o mesmo. Mantendo a maioria deste Colectivo a mesma posição.

Aí se diz, no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 12.07.2019:

“A acção foi julgada improcedente pela sentença recorrida, por nesta se ter entendido que estando em causa um casamento não dissolvido e com separação de pessoas e bens, ainda que alegada pela Autora a retoma da vida em comum com o seu marido, não é possível atribuir efeitos jurídicos a uma eventual união de facto, uma vez que o casamento se manteve juridicamente válido até ser dissolvido por morte, entendimento que levou a não considerar os factos alegados na petição inicial nos artigos 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 20º, 21º, 24º, 25º, 27º, 30º.

Este entendimento funda-se na interpretação do artigo 11º da Lei nº 7/2001, de 11.05.

Determina esta norma que: “O cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida.”

Se a Autora tivesse alegado simplesmente a separação de pessoas e bens e não também a união de facto com o beneficiário falecido, este artigo teria aplicação.

Mas a Autora alegou também a união de facto há mais de dois anos na data da morte do beneficiário.

Aplica-se-lhe, pois, a Lei nº 7/2001, de 11.05, que dispõe (com as alterações da Lei 12/2010, de 30.08):

“Artigo 1.º
Objecto

1 - A presente lei adopta medidas de protecção das uniões de facto.
2 - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

Artigo 2.º
Excepções

Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto:
a) Idade inferior a 18 anos à data da do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.

Artigo 2.º-A
Prova da união de facto

1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.
4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.
5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.

Artigo 3.º
Efeitos

1 - As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:
a) Protecção da casa de morada da família, nos termos da presente lei;
b) Beneficiar do regime jurídico aplicável a pessoas casadas em matéria de férias, feriados, faltas, licenças e de preferência na colocação dos trabalhadores da Administração Pública;
c) Beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças;
d) Aplicação do regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições aplicáveis aos sujeitos passivos casados e não separados de pessoas e bens;
e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei;
f) Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei;
g) Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei.
2 - Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum.
3 - Ressalvado o disposto no artigo 7.º da presente lei, e no n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho, qualquer disposição em vigor tendente à atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto é aplicável independentemente do sexo dos seus membros.

Artigo 4.º
Protecção da casa de morada da família em caso de ruptura

O disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de ruptura da união de facto.

Artigo 5.º
Protecção da casa de morada da família em caso de morte

1 - Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada da família e do respectivo recheio, o membro sobrevivo pode permanecer na casa, pelo prazo de cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio.
2 - No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os direitos previstos no número anterior são conferidos por tempo igual ao da duração da união.
3 - Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respectivo recheio, o sobrevivo tem os direitos previstos nos números anteriores, em exclusivo.
4 - Excepcionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos previstos nos números anteriores considerando, designadamente, cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa.
5 - Os direitos previstos nos números anteriores caducam se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior.
6 - O direito real de habitação previsto no n.º 1 não é conferido ao membro sobrevivo se este tiver casa própria na área do respectivo concelho da casa de morada da família; no caso das áreas dos concelhos de Lisboa ou do Porto incluem-se os concelhos limítrofes.
7 - Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respectivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações.
8 - No caso previsto no número anterior, na falta de acordo sobre as condições do contrato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados.
9 - O membro sobrevivo tem direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título.
10 - Em caso de morte do membro da união de facto arrendatário da casa de morada da família, o membro sobrevivo beneficia da protecção prevista no artigo 1106.º do Código Civil.

Artigo 6.º
Regime de acesso às prestações por morte

1 - O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos.
2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação.
3 - Exceptuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º”

Este regime legal de protecção à união de facto constitui uma excepção à norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18.10.

Com efeito, se não se tivesse ocorrido uma união de facto, aplicava-se ipsis verbis a referida norma legal e a Autora não teria direito a prestações sociais pagas pela Segurança Social.

Mas tendo sido alegado o reatamento da comunhão de cama, mesa e habitação muito mais de dois anos antes da morte do beneficiário, alegadamente sobreveio uma situação de união de facto, que dá direito à Autora às prestações reclamadas.

(…)”

Posição que se mantém, como se disse, e que sai reforçada pela jurisprudência citada na decisão recorrida, nas contra-alegações de recurso e no parecer do Ministério Público neste Tribunal.

Jurisprudência que, à data, se desconhecia, mas com a qual se concorda na íntegra e que, por isso, se dá aqui por integralmente reproduzida.

Cujos fundamentos o Recorrente não consegue contrariar nas suas alegações de recurso.

Apenas se extrai o trecho mais significativo do acórdão mais expressivo desta posição, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.11.2011, no processo 677/10.9TBOER.L1-1:

«(…)

Na hipótese em apreço temos uma separação “de pessoas e bens” que traduz mera aparência uma vez que, como resulta da factualidade assente, os cônjuges mantiveram a mesma convivência.

Em bom rigor, a única alteração relevante prende-se com a titularidade dos bens do casal, uma vez que, dessa forma, procederam à divisão dos bens, assegurando que o direito de propriedade sobre o imóvel e bens móveis que o compõem passasse para a titularidade exclusiva da autora – daí que não nos possamos reconduzir ao disposto no 11º do Dec. Lei 322/90, que pressupõe uma real separação do casal. Na generalidade dos casos em que assim acontece, subjacente a essa actuação está a vontade dos cônjuges salvaguardarem o seu património, pondo-o, artificiosamente, a salvo de credores. Mesmo que assim fosse, e não olvidando que a autora assume a intenção subjacente à referida separação, não pode essa circunstância relevar de forma punitiva para a autora, pelo menos neste processo, afastando o reconhecimento do direito que pretende fazer valer, provando-se, como se provou, que vivia em união de facto com o beneficiário da Segurança Social, à data do óbito deste, e que esse tempo, somado ao período de casamento, perfaz bem mais do que os dois anos exigidos pela lei. Como se referiu no Ac. RC de 07/06/2005 (…) “o legislador enuncia as situações de forma abstracta,
não querendo ou não conseguindo enunciar todas as variantes dos casos-tipo; e, na verdade, quem não tiver esta perspectiva, ao concretizar a abstracção da lei, tenderá a pôr de um lado os casados e de outro os unidos de facto, sem se preocupar com o cruzamento dessas situações, que não preocupou ou não foi visto pelo legislador”».

(…)”.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida e, assim, negar provimento ao recurso.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

*

Porto, 14.07.2023

Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre