Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00081/19.3BEVIS |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 01/12/2023 |
| Tribunal: | TAF de Viseu |
| Relator: | Ana Patrocínio |
| Descritores: | DESPACHO INTERLOCUTÓRIO; INDEFERIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL; ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS; |
| Sumário: | I – No processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária. II – O tribunal só não deve realizar uma diligência instrutória requerida se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado. III - O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório "A..., Lda.", pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional do despacho interlocutório do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferido em 06/05/2022, que decidiu não proceder à produção de prova testemunhal, e, bem assim, da sentença proferida na mesma data, pelo mesmo Tribunal, e que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS (retenção na fonte) e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2014, no montante global de €30.406,82. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: “O presente recurso é desde logo interposto contra o despacho de indeferimento da produção de prova testemunhal, datada de 6/05/2022, proferido nos autos do processo em apreciação. 2. O Tribunal a quo incorreu numa nulidade processual e/ou erro de julgamento ao proferir o referido despacho. 3. A liquidação impugnada resulta de saber se a redução de capital próprio da Recorrente, em 2014, pode ser considerada uma distribuição antecipada de lucros como configurado pela AT. 4. Da factualidade apurada no referido procedimento foi apurado que ocorreram pagamentos de Clientes da Recorrente em data anterior a 2014 que foram reflectidos contabilisticamente nesse ano através de uma redução do capital próprio da Recorrente. 5. Em sede de impugnação judicial a Recorrente alegou que a AT no decurso do procedimento inspetivo não questionou os seus Clientes sobre a data em que os pagamentos foram efetuados, nem a quem, violando, entre outros, o princípio do inquisitório e da especialização de exercícios. 6. Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo o depoimento das testemunhas arroladas afigurava-se de especial relevância para fazer prova das ilegalidades imputadas pela Recorrente ao procedimento inspetivo na génese da liquidação impugnada. 7. Em particular o momento em que ocorreram os pagamentos na base da redução do capital próprio, a quem foram efetuados e qual o seu tratamento contabilístico. 8. A correção realizada à Recorrente tem subjacente uma presunção – distribuição de lucros – conforme resulta do disposto na al. h) do n.º 2 do artigo 5.º conjugado com o art. 6.º, ambos do CIRS, a mesma é ilidível nos termos do preceituado no art. 73.º da LGT. 9. O Tribunal a quo ao ter indeferido a produção de prova testemunhal coartou a Recorrente de ilidir a presunção das identificadas normas limitando assim a sua defesa. 10. Tal resulta inclusivamente evidente das alegações constantes na página 13 da decisão. 11. Por um lado, o Tribunal a quo sustentou a sua decisão alegando que cabia à Recorrente o ónus da prova que não ocorreu a distribuição antecipada de dividendos nos termos alegados pela AT. 12. Por outro, impossibilitou a Recorrente de lançar mão de todos os meios de prova admissíveis, nomeadamente a prova testemunhal, para afastar tal entendimento. 13. Donde, pelo antecedente deverá ser anulado o despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal com a consequente baixa dos autos ao Tribunal a quo. 14. O recurso ora em apreciação é igualmente dirigido contra a Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 6/05/2022. 15. A Sentença em apreciação deverá desde logo ser anulada por ter incorrido em nulidade por omissão de pronúncia em violação do preceituado na al. d), do n.º 1, do art. 615º, do CPC aplicável ex vi al. e) do art. 2.º do CPPT. 16. Resulta indubitável que a Sentença recorrida omitiu pronunciar-se sobre os vícios de violação do princípio do inquisitório, da violação do princípio da anualidade e da errada apreensão da realidade imputados à liquidação impugnada incorrendo assim em nulidade por omissão de pronúncia em desrespeito da norma identificada na alínea antecedente. 17. A fundamentação da decisão em apreciação não é suficiente para prejudicar a solução que poderiam advir dos restantes vícios não apreciados. 18. A Sentença assume perentoriamente no ponto 1 do probatório que os recebimentos dos clientes da Recorrente subjacentes à redução de capital foram “em data não concretamente apurada”, logo afigurava-se analisar, no mínimo, a violação do princípio do inquisitório nos termos peticionados pela Recorrente 19. Donde, pelo antecedente a Sentença em apreciação deverá ser anulada por nulidade. 20. A Sentença recorrida enferma claramente de erro de julgamento, de interpretação jurídica e até contradição, que só podem conduzir à sua anulação, bem como à anulação dos atos impugnados, conforme art. 607.º n.º 4 e 5 do CPC, aplicável ex vi al. a) do art. 2.º do CPPT, ao não reconhecer a ilegalidade da liquidação contestada por violação do princípio do inquisitório e da violação do ónus da prova em desrespeito ao estatuído no art. 58.º e 74.º, ambos da LGT. 21. In casu, a AT presumiu que a Recorrente efetuou uma distribuição de lucros no valor 92.500,00 €. 22. Nesse sentido refere o RIT que tal distribuição respeita aos pagamentos dos Clientes da Impugnante - Câmara Municipal ..., "R..., Lda.", "P... SA" – efetuados aos sócios da Recorrente. 23. Contudo, a AT demitiu-se por completo de apurar o sucedido. 24. A AT não encetou qualquer diligência junto das referidas entidades para apurar em que data foram efectuados os pagamentos nem quais os destinatários dos mesmos. 25. A Recorrente justificou que a génese da redução de capital foi uma regularização contabilística. 26. A AT não aceitou tal justificação e tão pouco logrou apurar a realidade do que entende ter sucedido junto das Clientes da Recorrente. 27. Pelo que, pelo exposto é notória a ilegalidade da correção que sustenta a liquidação impugnada, devendo a mesma ser alvo da devida anulação, bem como a decisão recorrida que decidiu em sentido diverso. 28. A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não reconhecer que a liquidação impugnada é ilegal por violação do ónus da prova, previsto no art. 74.º da LGT, na medida que não prova a colocação à disposição dos sócios da Recorrente dos lucros alegadamente distribuídos. 29. A AT limitou-se a presumir uma alegada distribuição de lucros totalmente destituída de prova. 30. A Sentença recorrida começa por fundamentar o seu entendimento com base em regras da experiência, ou seja que a redução do capital se traduz numa distribuição de lucros, concluindo posteriormente o seu entendimento com o disposto no art. 7.º do CIRS que condiciona a tributação à colocação à disposição do rendimento. 31. Se não foi provado, conforme referido no ponto 1 do probatório, em que momento concreto o rendimento foi recibo não podia a decisão em apreciação ter concluído conforme o supra exposto. 32. O entendimento sufragado na decisão em apreciação que a tributação ocorre no momento da redução do capital é totalmente desprovido de fundamentação legal. 33. Porquanto, caso não tivesse sido efetuada a regularização contabilística subjacente à redução do capital nunca haveria tributação nos termos defendidos pela AT. 34. Na situação em apreciação – redução do capital - não encerra qualquer facto tributário mas sim a data dos recebimentos subjacentes ao mesmo que a própria AT reconheceu terem ocorrido em data anterior a 2014. 35. Logo, pelo exposto a Sentença recorrida deverá ser anulada por erro de julgamento e consequentemente a liquidação que manteve. 36. A Sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento ao não ter reconhecido que liquidação impugnada encontrava-se suportada numa presunção ilegal – distribuição de lucros. 37. Sucede que, a presunção de distribuição de lucros imputada à Recorrente, para além de falsa, foi realizada fora dos casos preceituados na lei. 38. As presunções legais encontram-se previstas, entre outras, na avaliação indirecta da matéria tributável. 39. Respeitando às situações e observados os pressupostos elencados nos artigos 87.º, 88.º e 89.º-A da Lei Geral Tributária. 40. Na situação em apreciação a AT presumiu uma distribuição de lucros da Recorrente em violação das normas legais supra elencadas. 41. A AT não invoca uma única norma legal que fundamente a presunção que suporta a liquidação contestada. 42. Pelo que, pelo exposto não se verificando nenhuma das circunstâncias e pressupostos preceituados nos artigos 87.º, 88.º e 89.º-A da LGT, ou de qualquer outra norma legal, quer a liquidação, quer a correcção que está na sua base, são ilegais e deverão ser alvo da devida anulação e de igual modo a decisão recorrida que a manteve. 43. A Sentença ora em crise deverá ainda ser anulada ao não ter reconhecido a ilegalidade da liquidação contestada por violação do disposto na al.) h) do n.º 2 do art. 5.º e al. c) do n.º 1 do art. 71.º, ambos do CIRS. 44. Resulta do ponto 6 do probatório da Sentença em apreciação que a AT fundamentou a liquidação impugnada nas norma legais supra referidas. 45. Porém, tais normas são inaplicáveis à situação em apreço. 46. A AT não provou a colocação à disposição dos sócios de lucros da Recorrente em violação do disposto na al. h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS. 47. Um registo contabilístico não faz colocar dinheiro à disposição, o que o faz é a entrega física. 48. In casu tão pouco houve algum lançamento contabilístico na conta de sócios dos alegados valores distribuídos a título de lucros. 49. No mesmo sentido do antecedente veja-se, entre outros o Acórdão do TCA do Norte, de 8/02/2018, proferido no âmbito do processo n.º 01056/07.0BEVIS, disponível em www.dgsi.pt. 50. E novamente no mesmo sentido do antecedente pronunciou-se o Acórdão do TCA Norte, de 23 de abril de 2020, proferido no âmbito do processo 00228/09.8BECBR, disponível para consulta em www.dgsi.pt). 51. Para que ocorra a tributação realizada à Recorrente é necessário provar a existência de lucros e que estes foram colocados à disposição dos sócios ou titulares, uma vez que não existe qualquer presunção de que, no caso de haver lucros, estes foram recebidos pelos sócios ou titulares. 52. Com efeito, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS. 53. E, para que esta presunção possa operar, é necessário que os lançamentos tenham sido registados na conta corrente do(s) sócio(s). 54. In casu a AT nem sequer se socorreu da referida presunção para fundamentar a correção aritmética que deu origem à liquidação contestada. 55. Não operando a referida presunção legal impendia sobre a AT fazer prova dos pressupostos em que a referida liquidação adicional assentou. 56. No mesmo sentido do antecedente pronunciou-se o Tribunal Arbitral no processo n.º 388/2017-T, de 8/03/2018, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=distribui%C3%A7%C3%A3o+de+lucros&s_artigos=&s_texto=&id=3240 57. No caso vertente, ainda que as falsas acusações de retiradas de dinheiro da esfera da Requerente pelo sócio fossem verdadeiras e provadas, as mesmas teriam que ser tributadas, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 7.º do CIRS e da Circular n.º 1/93, de 28 de Janeiro, do, à data, Exmo. Sr. Diretor Geral dos Impostos, no momento em que ocorreram e nunca no momento do acerto contabilístico referente às mesmas. 58. Se as saídas de verbas das contas ocorreram antes de 2014, não poderiam ser tributadas em data anterior conforme reconhece a AT e a decisão recorrida, com o acerto contabilístico, pois a mesmas já estariam na disposição do sócio desde a saída da sociedade. 59. A tese do Fisco é de tal forma absurda que conduziria à conclusão de que as saídas de dinheiros da uma sociedade em benefício dos sócios só seriam tributadas se e no momento do seu registo contabilístico. 60. Ou seja, era deliberado distribuir lucros aos sócios, mas se não houvesse o registo as distribuições não seriam tributadas. 61. Claramente tal não pode proceder, e a leitura do n.º 1 do art. 7.º do CIRS não suscita dúvidas – a tributação ocorre no seguinte momento que se verificar em primeiro lugar – vencimento, presunção de vencimento, liquidação ou entrega aos sócios. 62. A AT não provou a colocação à disposição do sócio de lucros da Recorrente. 63. Pelo que, pelo antecedente a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e direito ao manter a liquidação impugnada. 64. Para concluir a Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e direito ao não reconhecer que a correção na génese da liquidação contestada era ilegal porquanto tributou uma alegada distribuição de lucros em 2014 com base em extratos de clientes que atestam o contrário. 65. Os extratos de conta juntos ao RIT como anexo 4 demonstram que os pagamentos a que respeitam os valores alegadamente distribuídos a título de lucros ocorreram entre 2010 e 2013. 66. Assim, resulta evidente a violação do princípio da anualidade da tributação, previsto no art. 18.º do CIRC, sendo que a própria AT a reconhecer que “conclui-se que os recebimentos ocorreram efectivamente e como tal deveriam constar nas disponibilidades do s. p. e se não constam devem-se ao facto de as disponibilidades recebidas dos clientes CAMARA MUNICIPAL ..., "R..., Lda." E "P... SA", terem sido atribuídas, independentemente da natureza e data em que ocorreram, aos detentores das participações sociais (…)” (realce e sublinhado da Recorrente) (cfr. ponto 6 do probatório). 67. A verificar-se qualquer correcção os factos tributários teriam ocorrido nos anos dos recebimentos e não em 2014 como concluiu a AT e a decisão recorrida. 68. Para além do antecedente a AT e a decisão em apreciação ao sufragar entendimento distinto encontra-se inclusivamente a violar o princípio da tributação do lucro real em desrespeito ao disposto no n.º 2 do art. 104.º da LGT. 69. Donde, também pelo exposto é erro de julgamento da decisão recorrida devendo ser anulada bem como a liquidação que manteve. TERMOS EM QUE DEVE PROCEDER O PRESENTE RECURSO E CONSEQUENTEMENTE SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA, SENDO JULGADA PROCEDENTE E PROVADA A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEDAMENTE COM A ANULAÇÃO INTEGRAL DA LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA.” **** A Recorrida não apresentou contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso do despacho interlocutório, bem como, consequencialmente, da sentença final e determinar a sua substituição por outro que defira a inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante, seguindo-se os demais termos do processo. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a decisão interlocutória errou sobre a não realização da diligência de inquirição de testemunhas e, consequentemente, se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento. III. Fundamentação 1. Matéria de facto O despacho interlocutório ora em crise tem o teor que se reproduz: “Considerando que as Partes requereram a inquirição de testemunhas, cumpre apreciar e decidir. A questão em causa nestes autos prende-se em saber se a redução do capital próprio efetuado pela Impugnante pode ser considerado como uma distribuição de lucros, sendo suficiente para apreciar essa questão a posição assumida pelas Partes nos articulados assim como os elementos constantes dos autos. Nestes termos: - Dispenso a inquirição das testemunhas arroladas pelas Partes, passando a proferir – após junção aos autos de parecer da Digna Magistrada do Ministério Público – sentença (artigo 113º, n.º 1 do CPPT); - Notifique.” Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “I. FACTOS PROVADOS. Com relevo para a decisão da causa, considero provados os seguintes factos: 1) Em data não concretamente apurada, a Impugnante recebeu as seguintes quantias destes seus clientes: € 5.000,00 da Câmara Municipal ...; € 10.200,00 da sociedade "R..., Lda.". e € 80.000,00 da sociedade "P... SA", num total de € 92.500,00 (o recebimento foi admitido por acordo nos artigos 7º, 9º e 51º da petição inicial e 13º, 14º, 17º, 19º e 22º da contestação; o Tribunal relevou igualmente os extratos das contas contabilísticas desses clientes da Impugnante constantes de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 32, 33 e 34 de 05/06/2019 15:14:33 conjugados com os extratos das contas correntes desses clientes com a Impugnante constantes de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 47, 51 e 52 de 05/06/2019 15:14:33, os quais atestam a ocorrência de pagamentos e recebimentos entre os mesmos); 2) No ano de 2014 a Impugnante efetuou o seguinte lançamento contabilístico: creditou as contas dos três clientes referidos no ponto anterior e debitou a conta “Outras variações no capital próprio”, pelo montante de € 92.500,00 (conforme lançamento contante de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 31 de 05/06/2019 15:14:33); 3) Com base nesse lançamento contabilístico, a Impugnante registou no balanço de 2014, na rubrica “Outras variações de capital próprio”, o montante negativo de €92.500,00 (conforme linha A5137 do balanço que consta de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 3 de 05/06/2019 15:14:33, assim como do quadro 0531-A referente ao Capital Próprio constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 24 de 05/06/2019 15:14:33, ambos da Informação Empresarial Simplificada da Impugnante referente a 2014); 4) No ano de 2014 o total do ativo da Impugnante ascendeu a € 594.521,04 e o total do passivo a € 31.505,22 (conforme balanço que consta da Informação Empresarial Simplificada constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 3 de 05/06/2019 15:14:33); 5) Entre os dias 23/08/2017 e 13/10/2017 os serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ... efetuaram uma ação de fiscalização à Impugnante com incidência no exercício fiscal de 2014; tendo constatado, na análise que efetuaram aos elementos contabilísticos da Impugnante, os registos referidos nos pontos anteriores, notificaram a mesma a fim de esclarecer os mesmos, não tendo a Impugnante respondido a essa questão; igualmente inquiriram sobre esses registos contabilísticos e no decurso da ação de fiscalização, o funcionário que acompanhou essa ação e que trabalha para o contabilista certificado da Impugnante, tendo o mesmo referido, verbalmente, que “encontrando-se o saldo dos clientes referenciados, por regularizar, foi contabilisticamente reconhecido o recebimento, por forma a serem saldadas as contas de clientes, por contrapartida de uma redução de capital” (conforme resulta do ponto II e é referido no ponto III do relatório da inspeção tributária, não impugnado pela Impugnante, constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214759) Processo Administrativo "Instrutor" (004668766) Pág. 43 e 45 e seguintes de 05/06/2019 15:11:12; a notificação a solicitar esclarecimentos consta de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 35 de 05/06/2019 15:14:33 e a resposta da Impugnante consta de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 54 de 05/06/2019 15:14:33, onde se constata que não respondeu ao ponto 7 dos esclarecimentos solicitados na notificação referida; a Impugnante corroborou igualmente o mencionado no relatório da inspeção tributária, tendo transcrito na petição inicial as declarações prestadas pelo funcionário referido e sustentado que, assim, tinha justificado o que tinha estado na origem do lançamento contabilístico em causa: nos artigos 23º, 24º e 25º da petição inicial); 6) Os serviços de inspeção concluíram que “os recebimentos ocorreram efectivamente e como tal deveriam constar nas disponibilidades do s.p. e se não constam deve-se ao facto de as disponibilidades recebidas dos clientes CAMARA MUNICIPAL ..., "R..., Lda." e "P... SA", terem sido atribuídas, independentemente da natureza e data em que ocorreram, aos detentores das participações sociais, tendo tais atribuições assumido a natureza de distribuição de lucros, em 2014, pois foi nesta data que foi registada a diminuição do capital próprio (uma vez que paralelamente foi reduzido o capital próprio - 59.9 -Outras variações no capital próprio), diminuindo o resultado futuro distribuível, naquele montante”; ou seja, “esta redução de capital resulta da distribuição de lucros, uma vez que o montante recebido dos clientes, naquele ano ou não (independentemente da entrada das disponibilidades), foi atribuído aos detentores de participações sociais, porquanto produziu uma redução de Capital Próprio da sociedade, no ano de 2014, porquanto o Capital Próprio deixou de ser 658.215, 82€, passando a ser de 563.015,82€, contando que houve distribuição e esta verificou-se no ano de 2014”, pelo que “em face ao previsto na alínea h) do n.° 2 do artigo 5° e alínea c) do n.°1 do artigo 71°, ambos do CIRS, o s.p. estava obrigado a fazer retenção na fonte de IRS, sobre aquela distribuição, a título definitivo e liberatório, à taxa de 28% [conforme redacção lei n.°66-B/2012, de 31.12, com entrada em vigor em 1 Janeiro de 2013], Nos termos do n°3 do artigo 98° do CIRS, as quantias que deveriam ter sido retidas e que, nos termos da alínea a) do n.2 do artigo 101° compete à empresa, deveriam ter sido entregues até ao dia 20 do mês seguinte àqueles em que foram deduzidas. No entanto da consulta ao nosso sistema informático, verifica-se a inexistência de “ Declaração de Retenção na Fonte" (guia de pagamento) relativo a tais rendimentos, pelo que está em falta a retenção na fonte (IRS) no montante de 26.656.00€” (conforme relatório da inspeção tributária constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214759) Processo Administrativo "Instrutor" (004668766) Pág. 46 e 47 de 05/06/2019 15:11:12); 7) Com base nas conclusões referidas no ponto anterior, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou à Impugnante o montante de € 26.656,00 a título de retenção na fonte de IRS referente a 2014, acrescido da quantia de € 3.750,82 de juros compensatórios, num total de € 30.406,82; a Impugnante pagou esse montante no dia 17/01/2018 (conforme nota de cobrança – demonstração de compensação constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 59 de 05/06/2019 15:14:33; conforme detalhe de pagamento constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 60 de 05/06/2019 15:14:33); 8) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação referida no ponto anterior, tendo a Direção de Finanças ... indeferido a mesma (conforme petição constante de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 64 de 05/06/2019 15:14:33 e despacho e informação constantes de Processo Administrativo "Instrutor" (214760) Processo Administrativo "Instrutor" (004668768) Pág. 88 e seguintes de 05/06/2019 15:14:33); II. FACTOS NÃO PROVADOS: Não existem outros factos ou ocorrências processuais, com interesse para a presente decisão, que importe destacar. III.MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: A convicção do tribunal baseou-se na posição assumida pelas Partes nos respectivos articulados, assim como nos documentos constantes dos autos e no processo administrativo, conforme referido a propósito de cada ponto.” 2. O Direito A Recorrente interpôs recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial por si intentada, referente a IRS do exercício de 2014; bem como da decisão interlocutória que dispensou a requerida diligência de inquirição de testemunhas. Alegou que a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e incorre em erro de julgamento, mormente por não reconhecer a ilegalidade da liquidação por violação do princípio do inquisitório e violação do ónus da prova em desrespeito do disposto no artigo 58.º e 74.º, ambos da LGT. Comecemos pelo recurso interposto do despacho judicial interlocutório, que negou a produção de prova testemunhal. Sustenta a Recorrente que o referido despacho enferma de erro de julgamento, nomeadamente, por ter dispensado a inquirição de testemunhas que arrolou e que essa inquirição se afigurava de especial relevância para fazer prova das ilegalidades imputadas ao procedimento inspectivo na génese da liquidação impugnada, em particular o momento em que ocorreram os pagamentos que estão na base da redução do capital próprio, a quem foram efectuados e qual o seu tratamento contabilístico. Na verdade, este despacho interlocutório, para dispensar a produção de prova testemunhal, tem implícita a inutilidade de tal diligência para a boa decisão da causa. Nesta conformidade, impõe-se sindicar a fundamentação do despacho recorrido, por forma a apurar se o indeferimento da produção de prova foi legal. De harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer. Por sua parte, o artigo 114.º ex vi artigo 211.º, n.º 1 do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias. Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade. Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169). Mantém pertinência o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713: “No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade. Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.” Ora, analisando o pedido da Recorrente e o teor do despacho recorrido, ressalta que o tribunal recorrido dispensou a prova testemunhal por ser seu entendimento, se bem entendemos a motivação da decisão recorrida, que a produção de prova testemunhal não se mostra relevante para a boa decisão da causa, dado que os elementos constantes dos autos e a posição assumida pelas partes são suficientes para apreciar a questão de saber se a redução do capital próprio efectuado pela impugnante pode ser considerada como uma distribuição de lucros. Nos termos do disposto no argo 115.º e seguintes do CPPT, são admissíveis no processo tributário os meios gerais de prova, nomeadamente, a testemunhal, permitindo o artigo 113.º, n.º 1 do mesmo diploma que o juiz conheça de imediato o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários. Ora, in casu, é inequívoco que também se colocam questões de facto, dado que em sede de procedimento inspectivo se terá apurado que ocorreram pagamentos de clientes da Recorrente em data anterior a 2014, que foram reflectidos contabilisticamente neste ano através de uma redução do capital próprio da Recorrente. Efectivamente, a Recorrente, na petição inicial, enunciou factualidade que, em seu entender, permite concluir pela violação do princípio do inquisitório e da especialização de exercícios, alegando que a AT, no decurso do procedimento inspectivo, não questionou os seus clientes sobre a data em que os pagamentos foram efectuados, nem a quem, juntando prova documental, além de ter arrolado testemunhas. “(…) O processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos " se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários" (artigo 113° do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114°, 115° n°1 e 119° do CPPT. Assim, embora o tribunal tenha, em princípio, de admitir todos os meios de prova que as partes ofereçam - posto que em processo tributário de impugnação são, em regra, admitidos todos os meios de prova (artigo 115° do CPPT) - pode recusar a sua produção caso exista norma legal que limite ou proíba determinado meio de prova ou julgue que as provas oferecidas são manifestamente impertinentes, inúteis ou desnecessárias (…)” – cfr. Acórdão do STA, de 14/09/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0215/11. Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que a instrução tem por objecto os factos invocados controvertidos ou de que oficiosamente o tribunal pode conhecer e relevantes para o exame e decisão, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da LGT. Como já adiantámos, a fim de se poder sindicar da bondade da decisão de não produzir prova testemunhal, haverá que analisar a fundamentação do despacho interlocutório em causa e se o mesmo convenceu as partes. Ora, podemos ler na decisão recorrida que os elementos constantes dos autos são suficientes para a boa decisão da causa. Porém, não se concretiza o motivo por que os específicos factos alegados não relevam para a decisão da causa, principalmente quando se pretende demonstrar que um registo contabilístico não faz “colocar dinheiro” à disposição dos sócios; sendo o facto tributário os lucros ou reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, será a entrega física que espelha, de facto, a colocação à disposição. A verdade é que tal motivação vaga e conclusiva poderia ser utilizada em qualquer outro processo, impossibilitando a percepção da razão concreta quando apresentada às partes. E julgamos que terá sido por este motivo que a Recorrente não ficou convencida e se insurgiu contra a decisão através do recurso em análise. No entanto, na sentença recorrida considerou-se que a AT cumpriu com o seu ónus, concluindo que a ilação mais plausível a retirar, segundo as regras da experiência, seria que o montante em crise tenha sido distribuído aos sócios a título de lucros, pelo que caberia à impugnante alegar e provar que a redução de capital teve outra intencionalidade, o que a mesma não logrou fazer, nem no procedimento inspectivo, nem neste processo judicial. Não considerou, porém, nesse seu juízo toda a prova arrolada pela impugnante, aqui Recorrente, dispensando a audição das testemunhas, apesar de ter sido indicada ao Tribunal “a quo” a matéria sobre a qual deveriam depor e manifestado o propósito de não prescindir da diligência. Já em sede inspectiva, a Recorrente (funcionário da mesma) terá tentado justificar que a génese da redução de capital foi uma regularização contabilística: “encontrando-se o saldo dos clientes referenciados por regularizar, foi contabilisticamente reconhecido o recebimento, por forma a serem saldadas as contas de clientes, por contrapartida de uma redução de capital”. Aponta-se, portanto, para uma regularização de uma situação de facto anterior a 2014. Ora, a sentença recorrida reconhece que o facto tributário em causa nestes autos é a distribuição de lucros e que o momento relevante para a respectiva sujeição a tributação é a data em que esses fundos ficaram disponíveis para os sócios os receberem, mas depois concluiu, em sintonia com a fundamentação do acto impugnado, que essa data corresponde ao momento da redução do capital próprio realizado, ou seja, em 2014, considerando, no fundo, irrelevante que, de facto, os registos contabilísticos possam não corresponder à realidade. Temos, portanto, que a AT se apoiou na presunção de legalidade da escrita e contabilidade da impugnante, mas é legítimo o direito desta de demonstrar que o momento em que os rendimentos foram colocados à disposição do seu titular foi outro, que não em 2014, aquando da redução do capital próprio, e que esse timing coincidiu apenas com uma mera regularização contabilística. Recaindo sobre a impugnante, contudo, neste contexto, o ónus da prova, parece precipitado o juízo formulado na sentença quanto à legalidade da actuação de tributação da AT, por se lhe ter cerceado a possibilidade de esgotar toda a prova oferecida. No caso vertente, o julgador, no despacho interlocutório, parece ter apreciado a desnecessidade da produção de prova testemunhal, antecipando um juízo que só após aquela produção de prova podia e devia ter realizado, ao entender que os autos já continham os elementos necessários à decisão. Acontece que veio a exarar-se na sentença recorrida que “caberia à impugnante alegar e provar que o destino dos recebimentos em causa foi outro que não a atribuição aos sócios de lucros da sociedade (sendo que a explicação avançada pelo funcionário no decurso da acção de inspecção referida não é idónea para o efeito).” Esta afirmação permite que a Recorrente sustente que lhe foi negado o direito à produção de prova e que o resultado final poderia ser diferente se o Tribunal a conhecesse. Na medida em que o despacho interlocutório não fundamenta devidamente a razão para rejeitar o requerimento de produção de prova testemunhal formulado pela impugnante, aqui Recorrente, não se reportando a qualquer circunstância ou vicissitude do caso concreto, é forçoso concluir pela sua ilegalidade, na medida em que não é compreensível a inutilidade dessa produção de prova. Deveria o tribunal a quo ter-se pronunciado especificamente sobre a pertinência e utilidade da inquirição das testemunhas, e, na eventualidade de prescindir desta inquirição, explicar a motivação subjacente, ao abrigo do disposto no artigo 13.º do CPPT e 99.º da LGT. O que não foi efectuado com a amplitude necessária. Face ao exposto, o recurso interlocutório merece provimento, e, por conseguinte, fica prejudicada a decisão dos demais fundamentos desse recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC. Relembra-se que o tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC. É evidente que o provimento deste despacho interlocutório tem interesse para a Recorrente, já que, na sua óptica, a inquirição das testemunhas é essencial para alcançar o cabal esclarecimento das circunstâncias em que ocorreu a redução de capital próprio. Salientamos que, dando de barato que ocorreram retiradas de dinheiro da esfera da impugnante pelo sócio, as mesmas teriam que ser tributadas no momento em que ocorreram, quando foram colocadas à disposição do sócio desde a saída da sociedade, e não aquando do alegado acerto contabilístico referente às mesmas. A prova testemunhal poderá ser produzida relativamente aos factos indicados pelas partes (artigos 6.º a 10.º da petição inicial e 13.º a 15.º da contestação) e também, eventualmente, quanto à matéria vertida nos artigos 51.º e 53.º da petição de impugnação, principalmente em concatenação com a restante prova documental ínsita nos autos, e, considerando as várias soluções plausíveis de direito, possivelmente influenciará a decisão do mérito da causa. Na verdade, independentemente do eventual apuramento da verdade material poder vir a revelar-se favorável ou não à Recorrente, em primeira linha, estando em causa uma decisão que lhe é desfavorável, sempre o provimento do recurso interlocutório lhe interessa ostensivamente; podendo ou não, em segunda linha, reflectir-se em modificação da sentença recorrida. E encontramos este interesse também na circunstância de o despacho interlocutório ser revogado, implicando a anulação de todo o processado posterior à instrução, o que inclui a sentença recorrida. Nesta conformidade, a retoma da fase de instrução dos autos apresenta-se do total interesse da Recorrente, pois, além da inquirição das testemunhas, poderão afigurar-se necessárias outras diligências probatórias no sentido de dilucidar eventual discrepância temporal entre os registos contabilísticos e a realidade dos factos registados. Não se podendo, pois, afirmar que a produção da prova testemunhal é inútil, nem se podendo afiançar que a inquirição das testemunhas não tem interesse para a boa decisão da causa, impõe-se revogar esse despacho, o qual terá de ser substituído por outro que admita a produção da prova testemunhal oferecida, com a consequente anulação de todo o processado posterior à fase de instrução, seguindo-se, depois, os posteriores trâmites processuais e a prolação de sentença. Termos em que se reitera conceder provimento ao recurso do despacho interlocutório, ficando, assim, prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença. Conclusões/Sumário I – No processo de impugnação judicial compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária. II – O tribunal só não deve realizar uma diligência instrutória requerida se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado. III - O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º do CPC, quando a infracção cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente – cfr. artigo 660.º do CPC. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: ● conceder provimento ao recurso interposto do despacho interlocutório, revogando-o e anulando todos os actos subsequentes com ele incompatíveis; ● julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto relativamente à decisão final; ● ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a fim de se proceder à diligência instrutória requerida (inquirição de testemunhas) e outras consideradas adequadas conforme indicado supra, e, após, prosseguirem os ulteriores termos se a isso nada mais obstar. Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Porto, 12 de Janeiro de 2023 Ana Patrocínio Paula Moura Teixeira Conceição Soares |