Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00066/23.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/28/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Margarida Reis
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
SUSPENSÃO DO PEF;
ART. 169.º CPPT;
Sumário:Na aferição dos pressupostos da suspensão da execução a que alude o artigo 169.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabe à entidade decisora verificar se a impugnação tem por objeto a legalidade da dívida exequenda e não se o objeto da impugnação é compatível com julgados anteriores ou se a pretensão impugnatória é compatível com a natureza e o regime da declaração da substituição.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
«X, S.A.», inconformada com a sentença proferida em 2023-05-09 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal por si interposta contra o ato proferido em 2022-09-19 pela Diretora Adjunta da Unidade de Grandes Contribuintes por delegação, por força do qual foi indeferido o pedido de suspensão dos processos de execução fiscal execução fiscal n.ºs .................005 e ..................162, instaurados contra si pelo Serviço de Finanças de ..., para cobrança de quantia referente a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) de 2017 no montante de EUR 259.236,87 e correspondentes juros de mora no montante de EUR 246,89, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
Conclusões
A. A Sentença recorrida deve ser anulada porque incorre em erro de julgamento, com vício de interpretação errónea do direito aplicável, porque, nos termos do regime do n.º 4 e do n.º 6 do artigo 7.º do regime da CESE, o segundo acto de autoliquidação da CESE de 2017 da «X, S.A.» (de substituição) teve por efeito anular o primeiro acto, sendo que também, de qualquer modo, a dívida em causa passou – e está neste momento – a ser contestada no processo de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL.
B. Só uma decisão final nesses autos, nos quais se contesta integralmente a CESE de 2017 da «X, S.A.» – por reporte à invalidade total do seu regime e, portanto, à totalidade do montante liquidado –, é que pode originar a obrigatoriedade de a Reclamante pagar esse montante.
C. Aliás, é isso que resulta também do regime do artigo 169.º do CPPT (ao abrigo do qual estes autos executivos têm estado suspensos), em cujo n.º 1 se estabelece que, verificadas todas as demais condições de tal regime (designadamente a prestação de garantia), as execuções permanecem suspensas até que, por decisão final do processo administrativo ou judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda, ocorra uma declaração definitiva da validade ou invalidade dessa dívida.
D. No nosso caso, é certo que não só a AT está na posse de duas garantias que salvaguardam inteiramente o seu crédito relativo à CESE de 2017 da «X, S.A.» como está em curso um processo de contestação da legalidade desse crédito.
E. Caso vingasse aqui qualquer interpretação do regime do artigo 169.º do CPPT da qual derivasse que a Reclamante estava obrigada a pagar o montante da CESE de 2017 (ou parte dela) enquanto a totalidade da dívida está subjacente a um processo de contestação da sua legalidade, então o regime teria de ser considerado inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição.
F. Nesta sequência, não tem qualquer sentido a alusão da Sentença ao regime do caso julgado. O que interessa fundamentalmente para os presentes efeitos é que neste momento há um contencioso pendente sobre a legalidade da dívida da CESE de 2017 da «X, S.A.», contencioso esse que diz respeito a um acto de liquidação do montante total desse tributo, apurado quanto a esse ano, e em que a ora Recorrente utiliza argumentos para anular o tributo desse ano in totum, e não simplesmente quanto a qualquer valor residual.
G. Portanto, a Sentença recorrida não poderia ter dito (como diz) que, anular o despacho aqui reclamado equivaleria a violar o efeito de caso julgado da sentença incidente sobre a impugnação do acto de autoliquidação originário. Pelo contrário, aquilo em que a Sentença recorrida realmente redunda é numa usurpação por parte do juiz deste processo do poder de livre decisão que cabe ao juiz do processo de impugnação da liquidação de substituição. Não cabe ao juiz, nos presentes autos, antecipar qual deverá ou deveria ser a decisão naquela impugnação; isso cabe, apenas, ao juiz que decidir esse outro processo, no âmbito desse outro processo.
H. Isso não significa abrir a possibilidade de litigar “ad aeternum” sobre a CESE de 2017 da Reclamante, como defendido na Sentença recorrida, porque a «X, S.A.» limitou-se a fazer o que a lei manda: apresentou uma declaração da CESE em cumprimento do regime conjugado do n.º 4 do artigo 3.º e do n.º 6 do artigo 7.º do regime da CESE (de cujo conteúdo, adiante, daremos conta em pormenor).
I. Não o fez porque quis, não o fez para atrasar um desenlace final da discussão sobre a CESE de 2017 que liquidou; fê-lo porque a isso estava obrigada – obrigada por um regime que, já agora, prevê a eventualidade de uma só declaração de substituição, não a eternização da substituição dos actos tributários de autoliquidação.
J. Em face o do exposto, à semelhança da decisão reclamada, também a Sentença recorrida é ilegal por violação do n.º 4 do artigo 3.º do regime da CESE, do n.º 6 do artigo 7.º do mesmo regime e ainda do artigo 169.º do CPPT

Termina pedindo:
Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais.
***
A Recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:
Em conclusão:
a) Vem a Recorrente apresentar recurso da sentença proferida pelo TAF Mirandela, alegando que a mesma enferma de erro de julgamento de direito.
b) A sentença recorrida estabilizou a seguinte matéria de facto e de direito:
· A Reclamante apresentou uma autoliquidação de CESE de 2017 onde apurou o montante a pagar de € 259.236,87, que deu origem ao processo de execução fiscal [PEF] n.º .......................085 [antes ..................005, de acordo com a retificação à sentença supra identificada] e ao PEF n.º .......................162, no valor de € 246,89, por cobrança de juros.
· Contra a liquidação cujo não pagamento originou esta dívida, a Reclamante deduziu impugnação judicial [processo 242/18.2BEMDL] contencioso que foi julgado improcedente, com trânsito em julgado em 14/10/2021.
· Paralelamente, após apuramento dos valores dos ativos decorrentes dos ajustamentos da ERSE aos proveitos permitidos [nos termos do n.º 6 do art.º 7.º do regime da CESE], a Reclamante procedeu à entrega de uma declaração de substituição, apurando imposto em falta no valor de € 1.500,63, que deu origem ao PEF n.º ....................708.
· Após o trânsito em julgado do processo 242/18.2BEMDL, a Reclamante veio requerer a “declaração de extinção do presente processo” ..................005 e a manutenção da suspensão dos PEF´s ..................005 e ..................162 até o trânsito em julgado da impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL.
· O OEF entendeu que, já não se verificavam os pressupostos legais para que o PEF se mantenha suspenso.
c) o despacho sindicado comporta dois segmentos decisórios, um referente ao pedido de extinção do PEF .................005, e outro referente ao pedido de manutenção de suspensão dos PEF’s ..................005 e ..................162.
d) Considerando que a Reclamante nunca se insurgiu verdadeiramente contra a questão do indeferimento do pedido de extinção do PEF .................005 [primeiro segmento decisório], a decisão a proferir sobre o presente recurso não poderá deixar de ter em conta esta realidade, havendo somente uma anulação parcial do despacho [quanto ao segundo segmento decisório], caso seja de acolher a jurisprudência ínsita nos acórdãos indicados pela Reclamante [o que, somente por cautela de patrocínio se equaciona.
e) A recorrente labora num erro ao considerar que ficou provado que a autoliquidação da CESE de 2017 se encontra a ser totalmente contestada no processo de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL, pois, tal realidade não consta do probatório.
f) No acórdão proferido pelo STA sobre esta matéria no âmbito do processo n.º 807/22.8BEAVR, ao contrário do que entendia OEF, ficou provado que a impugnação judicial apresentada na sequência da segunda autoliquidação da CESE tinha por objeto a totalidade da dívida e não somente a parte da liquidação adicional.
g) In casu, o Tribunal a quo não deu como provado que a impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL tem por objeto a totalidade da segunda autoliquidação da CESE de 2017.
h) Pelo que, como bem defendeu o OEF [vide ponto f. da apreciação do peticionado constante do despacho reclamado], não estando provada tal realidade, não poderá a Reclamante beneficiar da suspensão dos PEF’s até trânsito em julgado da impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL, por falta de verificação dos seus pressupostos.
Sem prescindir,
i) Acompanhar o entendimento da ora Recorrente, abre a porta aos contribuintes poderem obter a suspensão do processo de execução fiscal ad eternum, pois, na sequência das decisões proferidas pelos tribunais judiciais, basta aos mesmos procederem à entrega de declarações de substituição para voltar a discutir a legalidade de toda a dívida e, por via disso, pedirem a suspensão do PEF!
j) Violando-se o n.º 6 do art.º 59.º do CPPT.
k) Veja-se que, neste momento, o OEF está impedido de concretizar a decisão judicial proferida no âmbito do processo n.º 242/18.2BEMDL já transitada em julgado e sindicada pelas mais altas instâncias superiores [incluindo o Tribunal Central Administrativo Norte e o Tribunal Constitucional].
l) Consentir na possibilidade de voltar a discutir toda a liquidação da CESE de 2017 na sequência da apresentação da declaração de substituição, para além de ser legalmente inadmissível, viola os efeitos do caso julgado.
m) Sendo que, neste momento, como bem refere o OEF, não corre procedimento no qual é defendida a invalidade da totalidade da CESE de 2017, mas tão somente relativamente à parte que foi liquidada adicionalmente na sequência da apresentação da declaração de substituição [no valor de € 1.500,63], que não havia sido objeto de escrutínio no âmbito do processo 242/18.2BEMDL.
n) A mera apresentação de uma declaração de substituição não anula os efeitos da primeira, pois o legislador é claro em referir que a mesma corrige a primeira liquidação.
o) A figura da declaração de substituição não é um instituto novo do regime da CESE, estando inclusive constante do próprio CPPT, no n.º 10 do art.º 59.º.
p) O próprio código de IRC trata a declaração de substituição, no seu artigo 122.º, pelo que a figura da declaração de substituição tem longa tradição no seio do direito tributário.
q) AT não optou pela “não manutenção do ato de liquidação pré-existente”, pois manteve a liquidação e os processos de contencioso e execução fiscal associados [tendo somente promovido a anulação parcial da primitiva autoliquidação], não se podendo concluir pela revogação tácita.
r) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6.º do RCP.
Termina pedindo:
Devem improceder as conclusões formuladas pela Recorrente e, em consequência deve ser negado provimento ao recurso, quer quanto ao primeiro segmento decisório [extinção do PEF], quer quanto ao segundo [manutenção da suspensão dos PEF’s], o que se requer, com todas as consequências legais.
*
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer, no sentido da improcedência do presente recurso.
*
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo [cf. art. 36.º, n.º 2, do CPTA, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT, e art. 278.º, n.º 3, do CPPT].
***

Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis, no caso, ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, as questões a decidir são a da existência de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 169.º do CPPT, nos arts. 20.º, n.º 4 e 268.º do CPPT, e no n.º 4 do art. 3.º e n.º 6 do art. 7.º, ambos do regime jurídico da CESE.
*

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
IV - FACTOS
Com interesse para a decisão da presente lide, julga-se provados os seguintes factos:
A. Em 30-10-2017, a Reclamante apresentou declaração de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, nos termos do art. 7.º/1 do RCESE, de 259.236,87 € (doc. 1 do processo n.º 242/18.2BEMDL):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
B. O processo de execução fiscal n.º .......................085 visa a cobrança de dívidas de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, no valor de 259.236,87 € do período de 2017 - Resposta (124523) Documento(s) (004524811) de 03/03/2023 22:53:32;
C. O processo de execução fiscal n.º ..................162 visa a cobrança de juros incidentes sobre dívida do processo de execução fiscal n.º .......................085, no valor de 246,89 € - Resposta (124523) Documento(s) (...12) de 03/03/2023 22:53:32;
D. Em 12-2017, a Reclamante apresentou fiança no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs .......................085 e .......................162, tendo aí manifestado a sua intenção de apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial - Resposta (124523) Documento(s) (004524813) de 03/03/2023 22:53:32 e Resposta (124523) Documento(s) (004524814) de 03/03/2023 22:53:32;
E. Em 27-12-2017 e 10-01-2018, as fianças a que se refere o ponto D do probatório foram aceites pela AT como sendo idóneas para obter a suspensão dos referidos processos executivos - Resposta (124523) Documento(s) (004524815) de 03/03/2023 22:53:32 e Resposta (124523) Documento(s) (004524816) de 03/03/2023 22:53:32;
F. Em 26-06-2019, a Reclamante apresentou declaração de substituição de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, nos termos do art. 7.º/1 do RCESE, no valor de 260.737,50 €, com o conteúdo que infra se reproduz: (fls. 80 e ss. do processo de reclamação graciosa junto ao processo n.º 318/20.6BEMDL):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
G. O processo de execução fiscal n.º ....................708 visa a cobrança de dívidas de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, no valor de 1.500,63 €, do período de 2017 - Resposta (124523) Documento(s) (004524821) de 03/03/2023 22:53:32;
H. Em 17-12-2019, a Reclamante veio apresentar fiança no âmbito do processo de execução fiscal n.º ....................708 e aps. «– CESE 2017 (Dec. de Substituição) e CESE 2019», mais manifestando a sua intenção de contestar a legalidade do acto - Resposta (124523) Documento(s) (004524822) de 03/03/2023 22:53:32;
I. Em 11-02-2020 foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela no processo n.º 242/18.2BEMDL, no qual se julgou improcedente a impugnação judicial apresentada da liquidação de Contribuição Extraordinária do Sector Energético do ano de 2017 e respectivos juros, em cobrança nos processos n.ºs ...85 e ..................162 - Resposta (124523) Documento(s) (004524817) de 03/03/2023 22:53:32;
J. A Reclamante não solicitou em qualquer momento a extinção do processo n.º 242/18.2BEMDL por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide (consulta do referido processo no SITAF);
K. Por acórdão de 14-01-2021, o Tribunal Central Administrativo Norte julgou improcedente o recurso que a Reclamante apresentou da sentença proferida no processo n.º 242/18.2BEMDL - Resposta (124523) Documento(s) (004524818) de 03/03/2023 22:53:32;
L. Em 29 de Setembro de 2021, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do recurso apresentado pela Reclamante do acórdão do TCAN a que se refere o ponto L do probatório, tendo a referida decisão transitado em julgado a 14-10-2021 - Resposta (124523) Documento(s) (004524819) de 03/03/2023 22:53:32 e Resposta (124523) Documento(s) (004524820) de 03/03/2023 22:53:32;
M. Em 30-11-2021, a Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de ... requerimento dirigido ao processo n.º .......................085, com o conteúdo que infra se reproduz - Resposta (124523) Documento(s) (004524823) de 03/03/2023 22:53:32:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
N. Em 08-08-2022, a AT remeteu à Reclamante notificação com o conteúdo que infra se reproduz - Requerimento (125399) Requerimento (004531020) Pág. 82 de 29/03/2023 13:56:48:
INTERPELAÇÃO PARA PAGAMENTO - PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL N.ºS .................005 e ..................162 Ficam V. Exas notificados que, na sequência do trânsito em julgado da decisão por improcedência ocorrido em 2021-10-14, no âmbito do Processo n.º 242/18.2BEMDL (SICJUT n.º ........................010), no qual foi contestada a legalidade das dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal identificados em epígrafe, deverão, no prazo de 15 (quinze) dias, proceder ao pagamento dos mesmos
Mais se informa, que os valores das quantias exequendas em dívida nos processos n.ºs ....................005 e .......................162 são, respectivamente de 259.236,87 Euros e 246,89 Euros, aos quais acrescem os correspondentes juros de mora e custas.
Por fim, cumpre acrescentar que, caso não proceda ao pagamento dos valores em dívida no prazo estipulado (15 dias a contar da recepção da presente notificação), será a entidade garante citada, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 200.º do CPPT, para efectuar o pagamento das dívidas e acrescidos, até ao montante das garantias apresentadas, de acordo com o n.º 1 do artigo 199.º do CPPT.
O. Em 21-08-2022, a Reclamante remeteu à Unidade dos Grande Contribuintes da Divisão de Gestão de Créditos Tributários da Autoridade Tributária e Aduaneira requerimento no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs .................005 e ..................162, com o conteúdo que infra se reproduz - Requerimento (125398) Requerimento (004531017) Pág. 190 de 29/03/2023 13:57:16:
1. As dívidas em causa nos autos referidos dizem respeito à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) de 2017 (a CESE propriamente dita e juros compensatórios).
2. Conforme referido na notificação em anexo, o processo pelo qual a ora requerente impugnou o acto originário de autoliquidação da CESE de 2017 terminou já com uma sentença transitada em julgado.
3. Porém, após aquele acto de autoliquidação originário da CESE de 2017, e cujo não pagamento deu origem aos presentes processos executivos, foi pela requerente praticado outro acto de auto liquidação, de substituição (ao abrigo do regime específico do nº 6 do artigo 7.º do regime da CESE).
4. A requerente também deduziu reclamação graciosa desse segundo acto, de cujo indeferimento apresentou impugnação judicial. Essa impugnação mantém-se pendente, sob o n. º 318/20.GBEMDL.
5. Uma vez que o acto de autoliquidação de substituição diz respeito a todo o montante de CESE de 2017, é esse o valor da acção de impugnação.
6. No dia 30/11/2021, na sequência do referido trânsito em julgado, foi requerido que o processo executivo no âmbito do qual foi emitida esta interpelação fosse extinto, uma vez que a requerente entendia que o acto de autoliquidação de substituição havia tido o efeito de anular o acto de autoliquidação originário. ( cfr. e-mail em anexo).
7. Até ao momento, a requerente não obteve qualquer resposta dos serviços da AT.
8. Essa resposta é devida, ao abrigo do n.º 1 do artigo 56.º da LGT, e sem ela o processo
executivo não pode seguir para pagamento.
PROSSEGUINDO:
9. Num caso em tudo semelhante ao presente, relativo à sociedade «Z, S.A.» (NIF ...), foi pelos serviços da AT indeferido um pedido igual àquele formulado nestes autos no dia 30/11/2021, tendo a aí executada reclamado judicialmente desse indeferimento. A reclamação em causa correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro sob o n.º 382/22.3BEAVR e obteve a sentença que também se junta em anexo.
10. Essa sentença não se debruça propriamente sobre a questão de saber se a liquidação de substituição anulou a originária. O que se limita a dizer é que, independentemente da resposta àquela questão, o processo de execução fiscal decorrente do não pagamento do montante apurado no acto de autoliquidação originário não pode ser extinto, porque o PEF associado à autoliquidação de substituição só incide sobre um determinado montante remanescente (o que a «Z, S.A.» defendeu na reclamação é que a dívida total da CESE de 2017 devia passar a ser executada no segundo PEF). É por isto que a reclamação foi julgada improcedente.
11. No entanto, na parte final da decisão, o Tribunal diz que o PEF originário poderá ser mantido suspenso com base, já não no contencioso relativo à liquidação originária, mas sim no contencioso ainda pendente, o da impugnação relativa à autoliquidação de substituição, que abrange (e excede) todo o montante em causa na liquidação originária.
12. Ou seja, aplicada essa jurisprudência ao caso vertente, o Tribunal tem por pressuposto que a discussão acerca da legalidade da CESE de 2017 da «X, S.A.» ainda não está fechada, uma vez que isso só ocorrerá aguando do proferimento de uma decisão insusceptível de recurso no âmbito do processo de impugnação n.º 318/20.6BEMDL.
13. Eis o que o Tribunal escreve, no último parágrafo da parte dispositiva: «O que aqui se decide não impede, naturalmente, que a Reclamante obtenha, junto do órgão de execução, a suspensão do PEF n.º ( .. ,), enquanto se discutir a legalidade da CESE do ano de 2017, por reporte à totalidade do seu valor, desde que reunidos os pressupostos legais, cabendo, reclamação, para este Tribunal, da decisão que vier nesse âmbito a ser proferida pelo mesmo órgão de execução, pelo que a interpretação efectuada do regime em causa não coloca em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição». Em face do exposto, vem a «X, S.A.» requerer que:
a) Os presentes PEF sejam mantidos suspensos, nos termos do regime do artigo 169.º do CPPT, uma vez que:
· a legalidade da dívida exequenda está de momento a ser discutida no processo de impugnação n.º 318/20.6BEMDL; e
· aos autos executivos se encontram actualmente associadas duas garantias de montante global correspondente ao exigido pelo aludido regime.
b) Seja dada sem efeito a interpelação para pagamento produzida nos autos por V. Exas.
P. Em 16-09-2022, a Unidade dos Grande Contribuintes da Divisão de Gestão de Créditos Tributários da Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu decisão de indeferimento do pedido de suspensão dos processos de execução fiscal n.ºs .................005 e ..................162 e do pedido de extinção do processo de execução fiscal n.º ..................005, com o conteúdo que infra se reproduz - Requerimento (125398) Requerimento (004531017) Pág. 193 de 29/03/2023 13:57:16:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Q. A referida notificação foi recebida pelo mandatário da Reclamante a 19-09-2022 - Requerimento (125398) Requerimento (004531017) Pág. 161 de 29/03/2023 13:57:16;
R. Em 03-10-2022, o Reclamante remeteu a presente reclamação à Autoridade Tributária - Requerimento (125398) Requerimento (004531017) Pág. 162 de 29/03/2023 13:57:16;
Com interesse para a decisão da lide, não há factos que cumpra julgar não provados.
A convicção do Tribunal formou-se com recurso aos meios de prova indicados junto de cada facto dado como provado (documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes – cf. 362.º e ss. do CC).
O demais alegado não foi nem julgado provado nem não provado por ser conclusivo, matéria de direito, ou não relevar para a decisão da causa.
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Aditamento de ocorrências processuais relevantes:
Atento o disposto no n.º 1 art. 662.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT, o alegado pela Recorrente e a circunstância de em causa estarem ocorrências processuais que a Recorrida não pode deixar de ter conhecimento, e de que este Tribunal tem conhecimento através de consulta ao SITAF, e como tal, em virtude do exercício das suas funções, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2, alínea c) do CPC [aplicável ex vi art. 2.º alínea e) do CPPT], procede-se ao seguinte aditamento das seguinte ocorrências processuais pertinentes para a resolução do litígio:
S. A aqui Reclamante interpôs no TAF de Mirandela um processo de impugnação judicial, ao qual foi atribuído o número de processo 318/20.6BEMDL, do ato de indeferimento da “reclamação graciosa, que correu termos na Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira sob o n.º ...................790 (…), contra o acto tributário de autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético, criada através da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, de cujo artigo 228.º consta o respectivo regime legal, acto aquele referente a 2017 e no valor de € 280.737,50 (…)”, na qual formulou o seguinte pedido (cf. PI da impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL, consultada no SITAF):
Nestes termos, deve a presente Impugnação ser julgada procedente, por provada, com todos os consequentes efeitos legais, designadamente:
(i) a anulação do acto de indeferimento da reclamação impugnado;
(ii) a anulação dos actos de autoliquidação da CESE e de liquidação de juros compensatórios reclamados;
(iii) o reembolso do montante do imposto autoliquidado que tenha sido ou venha entretanto a ser pago;
(iv) em caso de efectivo pagamento do imposto, a declaração do direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, de acordo com o princípio estatuído nos artigos 43º e 100º da LGT; e,
(v) a declaração do direito da Impugnante ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT em virtude da prestação indevida de garantia para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do montante não pago voluntariamente.
T. Em 30 de março de 2022 foi proferida pelo TAF de Mirandela sentença no proc. de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL absolvendo a ATA do pedido formulado em “v” e julgando a impugnação improcedente “na parte restante” (cf. sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL, consultada no SITAF).
U. A aqui Recorrente interpôs recurso da sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL, encontrando-se o mesmo pendente de decisão neste Tribunal Central Administrativo Norte (por consulta ao SITAF).
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II.2. Fundamentação de Direito
Alega a Recorrente, em síntese, que o que defendeu nos presentes autos se encontra em linha com o que os Tribunais têm vindo a decidir em casos similares, que a sentença sob recurso erra no julgamento de direito ao considerar que a Recorrente violou o princípio do caso julgado, e que o que releva é que existe neste momento contencioso pendente sobre a legalidade da dívida exequenda, referente a CESE de 2017, e que esse contencioso diz respeito ao ato de liquidação dessa mesma contribuição na sua totalidade.
Mais alega que o segundo ato de autoliquidação de CESE de 2017 anulou o primeiro ato de autoliquidação e que, encontrando-se pendente impugnação judicial em que a mesma é discutida, e tendo sido prestadas garantias idóneas, estão preenchidos os requisitos para a suspensão das execuções fiscais em causa, tal como resulta do disposto no art. 169.º do CPPT, sendo qualquer outro entendimento atentatório do disposto nos arts. 20.º, n.º 4 e 268.º do CPPT, e ainda que a sentença sob recurso erra igualmente na interpretação que faz do disposto no n.º 4 do art. 3.º e n.º 6 do art. 7.º, ambos do regime da CESE.
Ora, desde já se adianta que é de dar razão à aqui Recorrente, quando alega que a sentença sob recurso faz uma errada interpretação e aplicação ao caso em apreço do disposto no art. 169.º do CPPT, e do regime legal aplicável ao caso julgado.
Com efeito, o que está em causa nos presentes autos é, tão só, a questão de saber se o ato reclamado é ilegal, na medida em que do mesmo resultou o indeferimento do pedido de manutenção de suspensão dos processos de execução fiscal n.ºs .......................085 e .......................162, determinando-se o pagamento imediato da dívida ali exequenda, por alegadamente não se encontrarem preenchidos os requisitos legais para a pretendida suspensão.
Donde, o que aqui importa é tão só apurar se no caso em apreço se encontram ou não preenchidos os requisitos de aplicação do disposto no art. 169.º do CPPT.
De facto, a questão de saber se a decisão proferida nos autos de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL – e ainda não transitada em julgado (cf. ponto U da fundamentação de facto aditada) – viola o caso julgado emanado da impugnação judicial n.º 242/18.2BEMDL é alheia ao objeto do presente litígio, e apenas ali poderá ser apreciada e decidida.
Revistando o disposto no art. 169.º do CPPT, resulta do n.º 1 daquela norma o seguinte:
Artigo 169.º
Suspensão da execução. Garantias
1 - A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.
(…)
Ora, dos presentes autos resulta provado que (i) a aqui Recorrente oportunamente apresentou garantias para a suspensão dos processos de execução fiscal n.º .......................085, n.º .......................162, garantias essas que foram consideradas idóneas e aceites pela Administração tributária (cf. pontos D e E da fundamentação de facto), e que (ii) contra a totalidade do valor liquidado a título de CESE referente ao exercício de 2017 - no montante de EUR 259.236,87 – e correspondentes juros compensatórios se encontra pendente o processo de impugnação judicial n.º 318/20.6BEMDL ainda não transitado em julgado (cf. pontos S, T e U da fundamentação de facto aditada).
De facto, nem do pedido ali formulado, nem das causas de pedir invocadas – que se reconduziram à inconstitucionalidade material do tributo – resulta qualquer limitação a parte do tributo liquidado relativamente a 2017.
Assim sendo, e atento o disposto no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, resulta manifesto que no caso se encontram reunidos os requisitos legais para que os supracitados processos de execução fiscal destinados à cobrança coerciva da dívida de CESE do exercício de 2017 permaneçam suspensos.
Aliás, sobre esta questão e num processo em que a factualidade em causa era em tudo similar à que se discute nos presentes autos, se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo com meridiana clareza, neste sentido, ali se decidindo a propósito que “[n]a aferição dos pressupostos da suspensão da execução a que alude o artigo 169.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabe à entidade decisora verificar se a impugnação tem por objeto a legalidade da dívida exequenda e não se o objeto da impugnação é compatível com julgados anteriores ou se a pretensão impugnatória é compatível com a natureza e o regime da declaração da substituição” (cf. Acórdão do STA proferido em 2023-06-07 no proc. 0807/22.8BEAVR, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Referimo-nos ao Acórdão do STA proferido em 2023-06-07 no proc. 0807/22.8BEAVR, cujos fundamentos merecem a nossa total adesão, que aqui tomamos como nossos, e que passamos a citar, dada a sua pertinência:
(…)
A questão a decidir no presente recurso é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao anular a decisão da administração que indeferiu o pedido de suspensão da execução fiscal.
Entendeu aquele tribunal que o órgão de execução fiscal não pode indeferir o pedido de suspensão da execução fiscal com o fundamento de que não é legal, viável, legítima ou pertinente a impugnação que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda. Tendo convocado, para o efeito, a jurisprudência firmada no acórdão desta Secção de 5 de junho de 2013, tirado no Recurso n.º 0566/13 (Processo n.º 745/12.2BESNT).
E a Fazenda Pública não concorda por entender que não foi dado o devido relevo ao facto de a decisão judicial da impugnação da primitiva liquidação ter transitado em julgado e ao facto de a impugnação judicial em curso ter por objeto a decisão da reclamação graciosa da autoliquidação efetuada através da submissão de uma declaração de substituição nos termos do artigo 7.º, n.º 6, do regime que criou a contribuição extraordinária sobre o sector energético.
No entendimento da Recorrente, nos casos em que já há uma decisão transitada em julgado que sanciona a legalidade da primeira liquidação e em que na segunda liquidação está em causa é a diferença de valores a favor da administração, a impugnação desta segunda liquidação também só pode ter por objeto essa diferença de valores, porque da apresentação da declaração de substituição não pode resultar a anulação dos efeitos do julgado anterior. Logicamente, a pendência dessa impugnação também só pode suspender a execução instaurada para cobrança dessa diferença de valores.
Mas a Recorrente não tem razão. Vejamos porquê.
Observemos, antes de mais, que, para indeferir o pedido de suspensão da execução fiscal a que se reporta a presente reclamação, o órgão competente tomou como pressuposto que no âmbito do processo de impugnação judicial ainda em curso (processo n.º 439/22.0BEAVR) não vinha contestada a legalidade da dívida cobrada nessa execução, mas antes a legalidade da dívida cobrada na execução fiscal n.º ...41 [ver o despacho a que alude o ponto “19)” dos factos provados, parágrafo 2.f)].
No entanto, no ponto “16)” dos factos provados, o tribunal de primeira instância deu como assente que a impugnação judicial ainda em curso tinha por objeto a autoliquidação da totalidade da CESE de 2017. Englobando, por isso, a dívida cobrada em ambas as execuções.
O julgamento da matéria de facto não faz parte do âmbito deste recurso, pelo que devemos dar como assente que a entidade que proferiu a decisão administrativa reclamada partiu de um pressuposto que, no caso, não se verifica.
Assim, a única questão que fica é a de saber se a decisão reclamada deveria ter sido confirmada pela primeira instância apesar de esse pressuposto não se verificar.
E a resposta não pode deixar de ser negativa.
Fundamentalmente, porque o artigo 169.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe que a execução fica suspensa em caso de impugnação judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda e a cobrança da dívida esteja garantida.
E o que resulta do teor literal desta norma é que, para efeitos da suspensão da execução, o que releva é o objeto que a impugnação tem. E não o objeto que, na perspetiva da Administração, a impugnação possa ou deva ter.
Ao relacionar a suspensão da execução com o objeto da impugnação, o legislador não pode ter deixado de levar em conta o regime processual que instituiu no mesmo código para o processo de impugnação dos atos de liquidação. Do qual decorre que o objeto do processo impugnatório é delimitado pela pretensão impugnatória e, mediatamente, pelo ato impugnado. No caso, o ato de autoliquidação.
Assim, ao dispor que a execução fica suspensa quanto pender impugnação que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda, o legislador não poderia ter pretendido investir a administração no poder de formular um juízo sobre os pressupostos ou o conteúdo da impugnação ao decidir da suspensão.
A nosso ver, esta interpretação é também a única que salvaguarda a lógica do regime. Faz sentido que a administração seja investida no poder de decidir da suspensão da execução se esta não estiver dependente de um juízo de prognose que implique a análise dos pressupostos ou do mérito da pretensão impugnatória. De outro modo, o que faria sentido é que a decisão respetiva fosse atribuída à entidade com competência para a decisão da impugnação.
A Recorrente contrapõe que o interesse do executado na suspensão da execução conflitua com o interesse da administração na arrecadação das receitas tributárias e que este deve prevalecer quando a legalidade da autoliquidação já tiver sido apreciada em sentença transitada em julgado.
Julgamos que o órgão que decide da suspensão da execução fiscal não resolve um conflito de interesses. Ao proibir a suspensão da execução fora dos casos em que a própria lei prevê, o legislador não concede nenhuma latitude à administração para ponderar os interesses materiais que possam ali conflituar. E a resolução dos conflitos de interesses é uma função própria da administração de justiça que, nos termos da Constituição incumbe aos tribunais (ver o n.º 2 do seu artigo 202.º). O que este órgão decide é se estão reunidos os pressupostos de que depende o acionamento de um comando legal.
De qualquer modo, a posição da Recorrente assenta no pressuposto de que entendimento diverso conduz a uma situação manifestamente irrazoável, porque dele resulta que os contribuintes podem aceder à suspensão da execução fiscal indefinidamente.
Ora, parece-nos evidente que o que está em causa, em tais situações, não é o direito à suspensão em si mesma, mas, em última análise, a utilização abusiva desse direito. Sendo que para a sua resolução existem os mecanismos jurídicos adequados e que não passam pela sua remoção liminar. Solução que seria também desproporcionada face aos objetivos a atingir.
À luz do sobredito, concluímos que não importa entrar na questão de saber se o objeto da impugnação judicial n.º 439/22.0BEAVR se sobrepõe, total ou parcialmente ao objeto da impugnação judicial n.º 933/18.8BEAVR nem na questão de saber quais os efeitos da apresentação da declaração de substituição sobre a liquidação anterior. Porque essas são questões que podem contender com a execução do julgado anterior ou com os pressupostos do julgamento da impugnação em curso, mas não importam para a resolução da questão destes autos.
(…)
Tanto é quanto basta para que se conclua que a sentença sob recurso padece do invocado erro de julgamento de direito, por incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no n.º 1 do art. 169.º do CPPT, tendo igualmente feito uma incorreta interpretação e aplicação do regime legal aplicável ao caso julgado, que como claramente decorre do disposto nos arts. 580.º e 581.º do CPC, aplicável no contencioso tributário ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT, deverá ser invocado e apreciado no seio da ação judicial onde se coloca a questão da existência da identidade pertinente.
Com efeito, o que releva para que se conclua se a execução fiscal deve permanecer suspensa é tão só a pendência da impugnação judicial tendo por objeto a legalidade da dívida exequenda, e não a questão de saber se aquela ação ofende o caso julgado numa outra impugnação judicial, questão que, de resto, nunca foi sequer ali suscitada.
Fica deste modo prejudicado o conhecimento do demais alegado pela aqui Recorrente [cf. n.º 2 do art. 608.º ex vi n.º 2 do art. 663.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], designadamente, quanto à natureza do ato de autoliquidação e efeitos da declaração de substituição.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente.
***
Em face do total decaimento da Recorrida, é sua a responsabilidade pelas custas, no presente recurso e em 1.ª instância, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Na aferição dos pressupostos da suspensão da execução a que alude o artigo 169.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabe à entidade decisora verificar se a impugnação tem por objeto a legalidade da dívida exequenda e não se o objeto da impugnação é compatível com julgados anteriores ou se a pretensão impugnatória é compatível com a natureza e o regime da declaração da substituição.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogar a decisão recorrida, julgar procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal e anular o ato reclamado na parte em que o mesmo indefere o pedido de manutenção de suspensão dos PEF .................005 e ..................162.
Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Porto, 28 de julho de 2023 - Margarida Reis (relatora) – Irene Neves – Nuno Coutinho.