Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00019/23.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores: AÇÃO ADMINISTRATIVA; EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE INIMPUGNABILIDADE DO ACTO IMPUGNADO/ABSOLVIÇÃO DO RÉU DA INSTÂNCIA;
IMPUGNAÇÃO DE UM MERO PROJECTO DE DECISÃO E NÃO DE UM ATO ADMINISTRATIVO;
CONDENAÇÃO EM CUSTAS DA PARTE VENCIDA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
[SCom01...], LDA. propôs acção administrativa contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL IP, ambos melhor identificados nos autos, pedindo “[a revogação da] decisão de anulação do apoio extraordinário à retoma progressiva das empresas com redução do período normal de trabalho de 17/10/2022”.
Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela julgou-se verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado e, em consequência, absolveu-se o Réu da instância.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
I - Do teor da decisão impugnada resulta que se trata de um ato administrativo e não meramente um projeto de decisão.
II- Nunca poderia a autora dizer que não interpretou a decisão a que ré chamou “decisão de anulação” acompanhada da advertência de prazos para reclamação administrativa e recursos, como um mero projeto e decisão.
III- A decisão impugnada constitui assim um ato administrativo suscetível de impugnação.
IV- Se assim não se entender então devia ser a ré condenada nas custas por ter dado causa à ação ao praticar a comunicação de um mero projeto de decisão como decisão final com as advertências próprias da decisão final (recorribilidade e prazos de recurso).
V- Deve ser dado provimento ao presente recurso anulando-se a decisão recorrida e substituída a mesma por outra que ordene o prosseguimento dos autos, ou no mínimo que condene a ré nas custas por ter dado causa à ação.
Assim se fará
Justiça
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 17-10-2022, o Director da Unidade de Prestações e Contribuições proferiu despacho de concordância sobre a seguinte Informação dos serviços:

“[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]”
[cf. p. 7 do PA a fls. ...56]
2) O Réu enviou à Autora o ofício datado de 17-10-2022, do qual consta o seguinte:
“[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]”
[cf. p. 6 do PA a fls. ...56]
3) Em 03-11-2022, a Autora enviou ao Réu, por correio registado, o seguinte ofício:
“[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]”
[cf. p. 3-4 do PA a fls. ...56]
4) Em 21-11-2022, o Director da Unidade de Prestações e Contribuições proferiu despacho de concordância sobre a seguinte Informação dos serviços:
“[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]”
[cf. p. 2 do PA a fls. ...56]
5) Do ofício do Réu datado de 21-11-2022 consta o seguinte:
“[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]”
[cf. p. 1 do PA a fls. ...56]
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, está posta em causa a decisão que julgou verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado e absolveu o Réu da instância.
Avança-se, já, que decidiu com acerto.
A decisão diz tudo.
É este o seu teor:
(…)
Num primeiro instante, importa chamar à liça o artigo 148º do CPA, que nos oferece a definição do conceito de acto administrativo para efeitos substantivos e procedimentais: cuida-se de uma decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. A par desse preceito, há que atender também ao disposto no artigo 51º do CPTA, que define o alcance do conceito de acto administrativo impugnável no plano contencioso, tendencialmente coincidente com o conceito substantivo e procedimental.
Assim, um dos traços distintivos do acto administrativo é o seu conteúdo decisório, isto é, a aptidão para determinar, de forma definitiva, a produção de efeitos jurídicos em uma dada situação individual e concreta. Daqui decorre que os actos instrumentais (propostas, pareceres não vinculativos e informações, e, em geral, os actos instrutórios, bem como as notificações ou publicações), os actos extra-procedimentais (avisos, recomendações), as operações materiais (que apenas relevam no plano dos factos) e as declarações negociais, entre outros, carecem, por princípio, de uma estatuição, de um dispositivo decisório, pelo que, não podendo ser qualificados como actos administrativos, não podem ser alvo de impugnação contenciosa, conforme decorre do artigo 51º, nº 1, do CPTA (cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23-09-2015, proc. nº 00740/11.9BEAVR e de 17-06-2016, proc. nº 00003/09.0BEPRT; e Mário Aroso de Almeida/Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., Almedina, 2017, p. 338).
Na situação em crise, falta, desde logo, esse vector decisório. Com efeito, os projectos de decisão não são impugnáveis, por lhes faltar esse vector fundamental dos actos administrativos impugnáveis.
Em bom rigor, o acto administrativo impugnável seria o despacho do Director da Unidade de Prestações e Contribuições, de 21-11-2022, notificado – ou por notificar, o que é irrelevante para efeitos da concreta apreciação da inimpugnabilidade do acto impugnado – através do ofício com a mesma data [cf. itens 4) e 5) do probatório].
Em conclusão, o acto impugnado é inimpugnável, o que terá por consequência a absolvição da instância [cf. artigos 51º, nº 1, e 89º, nº 4, alínea i), do CPTA].
Como também sentenciado, a Autora, atento o disposto nos artigos 78º, nº 2, alíneas e) e g), e 79º, nº 3, alínea a), do CPTA, impugna o acto jurídico a que respeita o documento instruído com a petição inicial, a saber, o despacho, de 17-10-2022, do Director da Unidade de Prestações e Contribuições, notificado por via de ofício com a mesma data, ambos retratados nos itens 1) e 2) do probatório.
No entanto, tal acto corporiza apenas um projecto de decisão (sublinhado nosso).
Saliente-se que o probatório não está posto em causa.
Ora, pese embora a informação contida no seu nº 5), ele é claro no sentido da conclusão a que chegou o Tribunal a quo.
Assim, contrariamente ao alegado, a decisão fez correcta interpretação dos artigos 148° e 51° do CPTA.
O recurso está votado ao insucesso.
Naturalmente que ficando vencida é a parte, ora recorrente, a responsável pelas custas.
Tal é o que determinam os artigos 527º, nºs 1 e 2 e 529º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
Foi isso que o Tribunal fixou, e bem, apelando aos princípios da causalidade e da sucumbência.
Sem necessidade de outras considerações, improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 16/02/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita