Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01083/12.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IVA; DISPENSA DE TESTEMUNHA ARROLADA PELA FAZENDA PÚBLICA;
PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DE MÉTODOS INDIRETOS; MÉDIA DO SECTOR;
PCONSUMOS MÉDIOS INDICADOS PELO SUJEITO PASSIVO; CORRECÇÕES; ÓNUS DA PROVA
Sumário:
I. Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa proceder ao apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos pois este constitui uma última ratio fiscal, apenas havendo lugar aos mesmos quando não seja possível que esta avaliação seja feita diretamente.
II. A lei não consagra como situação típica de anomalia/ incorreção que sustente o recurso à avaliação indireta a divergência (ou o afastamento) entre os valores/ rácios apurados pelo sujeito passivo e as médias correspondentes apuradas para o mesmo sector de atividade. Por conseguinte, tais discrepâncias, por si só, não servem para fundamentar a opção pela avaliação indireta.
III. A lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção, daí que, se o juiz dispensar a produção de prova, não se possa dizer que foi preterida uma formalidade legal, sem prejuízo de a omissão de diligências de prova, na medida em que possa afetar o julgamento da matéria de facto, poder acarretar a anulação da sentença por défice instrutório.
IV. No âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do artigo 342° do C. Civil e nº 1 do artigo 74° da LGT).
V. Compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.
VI. Sobre as declarações do sujeito passivo existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:V..., Lda.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitante aos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor global de €39.772,95, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. Versa o presente recurso sobre a sentença que recaiu sobre a omissão de rendimentos proveniente da prestação de serviços que fora corrigida por avaliação indirecta e sobre a dedução de IVA de compras de materiais não compreendidos, quer no ofício, quer nos serviços prestados, quer nos serviços suportados e que fora corrigida por avaliação directa.

Quanto à omissão de rendimentos/prestação de serviços:

2. Salvo melhor entendimento, para a FP, quanto à omissão de rendimentos provenientes da prestação de serviços, o Tribunal a quo centrou a decisão do litígio na tese meramente alegada pela recorrida e, para justificar a adesão àquela tese, o Tribunal a quo não ponderou a prova que consta dos autos, e violou o artigo 75º, nº1 e nº2, o artigo 87º, nº1, alínea b) e o artigo 88º, nº1, alínea d), todos da LGT.

3. A contabilidade do contribuinte deve encontrar-se organizada segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer na perspectiva formal quer substancial, para que goze da presunção legal de veracidade, consagrada no artigo 75º, nº1, da LGT.

4. A presunção legal de veracidade da contabilidade do contribuinte, consagrada no artigo 75º, nº1, da LGT, não cessa perante a prova do contrário, ou seja, não cessa perante a regra de que uma presunção legal só fica afastada pela demonstração de que o facto presumido não se verificou, prevista no artigo 350º, nº2, do CC, aplicável por remissão do artigo 2º, aliena d), da LGT. – vide, Acórdão do STA (Supremo Tribunal Administrativo), de 24 de Julho de 2007, proc.0479/07

5. Bastam, como legalmente previsto na alínea b), do nº2, do artigo 75º, da LGT, “indícios fundados” para falecer a presunção de verdade da contabilidade/ escrita de que beneficia o contribuinte.

6. Os indícios definem-se como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”. – vide, João Castro Mendes citado por José Luís Saldanha Sanches in A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª Edição, pag.31.

7. Reunidos “indícios fundados”, a AT poderá corrigir, qualificando e quantificando imposto em falta, sendo que a quantificação poderá ser directa e meramente aritmética ou poderá ser indirecta e por estimativa – também designadas, respectivamente, por quantificação por avaliação directa e por avaliação indirecta.

8. No caso concreto dos autos, os indícios fundados recolhidos pela AT, por si só, permitiam à AT actuar, pois que, deles resultava que a contabilidade da recorrida não reflectia a sua real situação tributária e que a recorrida omitia prestações de serviços, os quais foram qualificados como rendimentos sujeitos a IVA (bem como, sujeitos a IRC) e foram quantificados com recurso a avaliação indirecta.

9. Do RIT, levado à matéria de facto provada sob o ponto 13, da douta sentença em recurso, consta, em síntese, que

a) na sequência de um pedido de reembolso de IVA no valor de € 16 213,00 (1º trimestre de 2009) foi constatado que os rácios de rentabilidade da recorrida eram significativamente inferiores à média do sector de actividade onde ela se inseria, concretamente, rácios da MBI e da RPessoal (motivo pelo qual foi ordenada a realização de acção inspectiva, pois que, como é sabido, o ramo de actividade da recorrida, por regra, não gera significativos reembolsos de IVA);

b) em sede inspectiva, os consumos (como veremos, médios e líquidos das principais matérias primas – gesso e reboco), pessoalmente indicados pela recorrida à AT, implicavam uma prestação de serviços significativamente superior à contabilizada e fiscalmente declarada, com excepção do consumo de reboco no ano de 2009;

c) a recorrida anulou contabilisticamente as facturas nºs 68, 74 e 75, as quais nunca apresentou (em branco ou preenchidas, para poderem ser validadas, ou não, em sede inspectiva), embora, se tivesse comprometido a fazê-lo e não tivesse alegado qualquer constrangimento em fazê-lo, requerendo a intervenção da AT, sendo certo que sobre ela recaia a obrigação de guardar o que lhe pertencia e era parte integrante da sua contabilidade.

10. Em 2007 e 2008, a recorrida apresentava desvios, para menos, em relação à media dos rácios de rentabilidade do seu sector e da sua unidade orgânica, a saber, menos 12,07% e menos 73.4% em 2007, e, menos 11,95% e menos 61,3% em 2008, respectivamente quanto aos rácios MBI e RPessoal – vide, primeiro quadro, do ponto VI, do RIT, levado aos factos provados da douta sentença em recurso sob o ponto 13.

11. Dadas estas discrepâncias (elevadas e sucessivas), a IT procedeu, conforme consta em NOTA de rodapé, no anexo 8, do RIT, a uma análise que visou (e passa-se a transcrever) “controlar a razoabilidade e adequação de incorporação de materiais declarada vs presumida, tendo em conta os consumos técnicos e declarados pela Impugnante”

12. A analise partiu de uma exaustiva recolha de inputs e de outputs, os quais revelaram que as principais matérias primas utilizadas pela recorrida na prestação de serviços (com meios próprios e subcontratação tão só de mão de obra) eram o gesso e reboco.

13. A analise contemplou questão, directa e pessoalmente, colocada à recorrida sobre consumos de matérias primas, numa lógica/relação de Kgs por m2 e foi colocada, não só, em termos de consumos líquidos, ou seja, valores/quantidades que incluíssem desperdícios, perdas e estragos inerentes à execução de serviço, mas também, em termos de consumos médios, isto é, valores/quantidades líquidas em média consumidas.

14. A AT questionou e a recorrida respondeu a valores/quantidades liquidas de matérias primas, em média incorporadas na prestação de serviços – o que a recorrida bem sabe, não pode dizer que ignora e bem entendeu no dia em que, em sede inspectiva, prestou as declarações levadas aos factos provados da douta sentença em recurso sob o ponto 5

15. Com os valores médios e líquidos (consumos) das principais matérias primas (gesso e reboco) a incorporar na execução de serviços, numa logica Kgs por m2, (indicados pela Impugnante), com valores daquelas matérias primas consumidas ao longo do exercício (inputs revelados pela contabilidade) e com valores daquelas matérias primas consumidas na prestação de serviços facturadas aos clientes (outputs revelados pela contabilidade), foram verificados desvios, para menos, quanto ao consumo de gesso e reboco em 2007 e em 2008 e foi revelado desvio, para menos, quanto ao consumo, tão só, de gesso em 2009.

16. O título meramente exemplificativo, a análise evidenciou, em 2007, o consumo de 276 776,00 kg de gesso, o qual, de acordo com o consumo liquido e médio informado pela recorrida em acção inspectiva, implicava uma prestação de serviços de 25 754,88 m2 – vide, segundo e terceiro quadros, do ponto VI do RIT, levado aos factos provados da douta sentença em recurso sob o ponto 13.

17. A recorrida tinha contabilizado, por referência à prestação de serviços facturada em 2007 com incorporação de gesso, 18 451,78 m2, pelo que, a recorrida apresentava um desvio, para menos, de 7 302,30 m2, equivalente, a menos € 36 511,50 de prestação de serviços com incorporação de gesso, em 2007 – vide, referido terceiro quadro do RIT.

18. Ainda a titulo meramente exemplificativo, a análise evidenciou, em 2009, o consumo de 29 840 Kg de reboco – vide, referido segundo quadro, do RIT – e, de acordo com o consumo liquido e médio informado pela Impugnante em acção inspectiva, aquela quantidade de reboco (29 840 Kg), implicava uma prestação de serviços de 1 099,33 m2 – vide, referido terceiro quadro do RIT

19. A Impugnante tinha contabilizado, por referência à prestação de serviços facturada em 2009, com incorporação de reboco, 2 065,09 m2, pelo que, a análise evidenciou que, em 2009, quanto à prestação de serviços de reboco, inexistia desvio, ou seja, inexistia desvio que merecesse qualquer reparo ou censura – a recorrida informou um consumo médio e liquido equivalente a € 11 327,32 e a contabilidade registava um consumo (como se sabe liquido) de € 11 758,68 (vide, referido terceiro quadro do RIT).

20. O Tribunal a quo não ponderou o resultado da análise efectuada, nomeadamente, na parte que demonstra uma ausência de desvio entre consumos informados pela recorrida (que foi um valor liquido e médio) e consumos registados na contabilidade (também valores líquidos) quanto a reboco em 2009.

21. O Tribunal a quo também não ponderou a decisão do pedido de revisão da matéria tributável, pois que, esta decisão, na parte expressamente dirigida ao laudo do perito da recorrida, refere que as quebras e os desperdícios a existirem (isto é, a existirem nas proporções alegadas pelo perito da recorrida) já estão considerados no valor dos rendimentos obtidos (m2/Kg) utilizados na quantificação e refere que a perda de uma palete (1 200 Kg de matéria prima) carece de quer comprovada (não existe evidência contabilística da mesma, nem foram trazidos ao procedimento elementos que o comprovem) vide, factos provados da douta sentença em recurso sob o ponto 18.

22. Retomando o tema dos “indícios fundados” recolhidos pela AT em sede inspectiva, foi detectado registo contabilístico de anulação 3 facturas de prestação de serviços (facturas nºs 68, 74 e 75),

23. A recorrida nunca apresentou aquelas facturas (em branco ou preenchidas), sendo que a recorrida comprometeu-se a fornecer ou a exibir as facturas (conforme consta dos factos provados da douta sentença em recurso, sob o ponto 5), nunca alegou quaisquer constrangimentos que a impedissem de apresentar as facturas, nomeadamente, aquando do direito de audição (conforme consta dos factos provados da douta sentença em recurso sob o ponto 12) e, sendo as facturas da recorrida, sobre ela pendia o dever de as guardar ou de as mandar guardar – artigo 31º, nº2, da LGT.

24. Constituem “indícios fundados” de que a contabilidade da recorrida não reflecte a sua real matéria tributável e de que a contabilidade da recorrida não permite o conhecimento da sua real matéria tributável (a) os resultados da analise comparativa aos (2) rácios de rentabilidade (declarados pela recorrida vs declarados pelo sector de actividade da unidade orgânica da recorrida), (b) os resultados da analise comparativa aos consumos das principais matérias primas utilizados pela recorrida no exercício da sua actividade (consumos médios e líquidos de gesso e reboco informados pela recorrida vs consumos de gesso e reboco declarados/contabilizados pela recorrida) e (c) o resultado da anulação de (3) facturas que não foram exibidas (equivalente a uma anulação de rendimentos que não foi possível validar ou não), sem esquecer (d) o pedido de reembolso de € 16 213,00 de IVA (nada habitual num sector de actividade que não gera reembolsos significativos de IVA) – tudo constituem “indícios fundados” que o Tribunal a quo não ponderou.

25. Perante os referidos “indícios fundados”, a AT conclui que a recorrida omitia serviços prestados no exercício da sua actividade, os quais qualificou como rendimentos sujeitos a IVA (bem como sujeitos a IRC) e, os quais, quantificou com recurso a avaliação indirecta, ao abrigo do artigo 87º, nº1, alínea b) e artigo 88º, nº1 alínea d), ultima parte, ambos da LGT.

26. Conforme refere o DMMP (Digno Magistrado do Ministério Publico), no seu douto parecer proferido, a fls. ..., dos autos do proc. nº1...4/...1, ao qual a FP aderiu nas suas alegações de fls. ..., dos autos, “os factos descritos no relatório de inspecção demonstram que a escrita da Impugnante não evidenciava a sua verdadeira actividade, uma vez que omitia muitas prestações de serviços. (...) pelo que foram presumidos e estimados serviços prestados pela Impugnante em 2007, 2008 e 2009, (...) procurando alcançar um resultado normal, razoável e aproximado, tendo em conta as regras da experiência e tomando como ponto de partida as práticas reveladas pela Impugnante.

27. Como ainda refere o DMMP, esta tarefa de fixar rendimentos por estimativa e, em consequência, “de fixação da matéria tributável por método indirecto comporta sempre alguma margem de erro, não sendo exigível nesse processo de quantificação da matéria tributável que os valores encontrados correspondam exactamente à realidade. Só que essa dose de incerteza é apenas imputável à Impugnante por não fazer reflectir na sua escrita todos os seus negócios.”

28. Face às conclusões até aqui apresentadas, no modesto entender da FP, o Tribunal a quo centrou a decisão do litígio na tese meramente alegada pela recorrida e, para justificar a adesão àquela tese, o Tribunal a quo não ponderou a prova que consta dos autos atinente aos indícios fundados recolhidos pela AT, pelo que, para a FP, o Tribunal a quo errou, de facto e de direito, porquanto, no caso concreto dos autos verificam-se os pressupostos, ou seja, “indícios fundados” para corrigir a matéria tributável declarada pela recorrida.

Caso seja entendido o contrário, sem prescindir:

29. Salvo melhor entendimento, para a FP, ainda quanto à omissão de rendimentos/prestação de serviços, o Tribunal a quo não ponderou a prova que, aquando da contestação, a FP ofereceu produzir nos autos e, em consequência, com violação do princípio da igualdade, o Tribunal a quo não ordenou a realização de diligência de prova destinada ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

30. Na contestação que ofereceu, a fls. ... dos autos, a FP aderiu ao resultado da acção inspectiva (RIT) e aderiu à decisão proferida em sede de revisão da matéria tributável a que alude o artigo 91º, da LGT, porquanto, um e outro evidenciavam, conforme já foi alegado nestas conclusões, que valores/quantidades informadas pela recorrida em sede inspectiva eram valores/quantidades líquidos e médios.

31. Caso dúvidas existissem, ou, caso fosse possível admitir o contrário, para a FP, o tema seria tema ou matéria controvertida, e, estas obrigam à produção de prova, pelo que, a FP, no uso dos meios de defesa legalmente admissíveis, ofereceu contestação com prova testemunhal.

32. A testemunha em causa tinha conhecimento directo da matéria em causa, sendo ela quem à recorrida colocou a questão e ouviu a resposta da recorrida à questão dos consumos (médios e líquidos) de matérias primas incorporadas nos serviços que prestava – questão que a própria testemunha pensou e elaborou.

33. Sem produção de prova oferecida pela FP, o Tribunal a quo decidiu o litígio com base, tão só, na tese alegada pela recorrida, dando-o, sem produção de qualquer prova, como verdadeira, pelo que, não assegurou o estatuto de igualdade das partes e violou o direito de defesa da FP, nomeadamente, de produzir prova testemunhal sobre matéria controvertida.

34. Face às conclusões que, sem prescindir, aqui foram, a final, apresentadas, o Tribunal a quo violou os artigos 4º e 411º, do CPC, aplicáveis ao processo tributário por remissão do artigo 2º, alínea e), do CPPT.

Quanto à dedução de IVA de materiais:

35. Salvo melhor entendimento, para a FP, quanto à dedução de IVA de materiais, tendo o Tribunal a quo esquecido que bastam indícios fundados, também olvidou que a recorrida arroga-se titular de um direito (o direito de deduzir IVA de compras), cujos factos constitutivos desse direito tem que demonstrar e que o direito em causa reporta-se ao oficio do sujeito passivo – e não a um oficio que lhe é alheio, ao qual não se dedica.

36. O sujeito passivo que se dedica a uma certa actividade não pode deduzir, para efeitos de IVA e IRC, compras para actividade diferente (se, por hipótese, comercializa peças de vestuário prontas a vestir não pode deduzir o IVA e o custo da compra de tecido que terá sido utilizado na confecção de um fato para o cliente), pelo que, a compra do material em causa (granito Vila Real e Bissel Acabamentos) deve ser considerada, como foi em sede inspectiva, como compra de “materiais não afectos à actividade”, ou seja, como compra não reportável ao ofício da recorrida.

37. Acresce que a recorrida arroga-se titular do direito a deduzir o IVA da compra de granito Vila Real e material para a sua aplicação B... Acabamentos, pelo que, a ela competia demonstrar os factos constitutivos desse direito, designadamente, que material e serviço fora facturado ao cliente e, uma vez que o oficio da recorrente não compreende aplicação e colocação de granitos, que contratou e pagou a mão de obra necessária para poder prestar aquele serviço ao cliente.

38. Bastam indícios fundados para a AT poder corrigir, pelo que, o IVA referente a compras de material não compreendido no oficio da recorrida e não reflectido nas facturas de serviços prestados e/ou suportados constituem indícios fundados suficientes para não aceitar a dedução daquele IVA – sendo que à recorrida competia demonstrar o direito de que se arroga titular (de deduzir quele IVA),

39. Pelo que, nesta parte, o Tribunal a quo também violou o artigo 75º, nº1 e nº2, da LGT, bem como violou o artigo 20º, nº1, do CIVA e o artigo 342º, nº1, do CC.

Nestes termos e nos mais que serão doutamente supridos por Vs. Exas. deve o presente recurso obter provimento, revogando-se a douta decisão em recurso.»

1.2. A V..., Lda. (Recorrida), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que se transcrevem:

«1º – A decisão do Juiz de 1ª instância não merece qualquer reparo.

2º – Foi proferida dentro da legalidade e dos princípios processuais vigentes e, por isso, deverá o Tribunal “ad quem” manter, “in totum”, a sentença.

3º – Apesar de muita prosa, as alegações de recurso circunscrevem-se ao que segue:

- A recorrente tenta, inabilmente, demonstrar que a Sra. Juiz errou de facto e de direito, uma vez que centrou a decisão na tese alegada pela recorrida, tendo em conta os indícios fundados recolhidos pela AT,

- No caso em concreto verificam-se indícios fundados para corrigir a matéria tributável declarada.

- E que a Meritíssima Juiz a quo não ponderou a prova que consta dos autos, nem a que foi oferecida pela FP e violou o artigo 75º, nº 1 e nº 2, o artigo 87º, nº 1, alínea b) e o art. 88º, nº 1, alínea d), todos da LGT, bem como violou, os artigos 4º e 11º do CPC.

4º – Para situarmos o objecto do recurso, é bom relembrar que a pretensão da recorrente é a de demonstrar que estavam reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos e dessa forma corrigir a matéria tributável e não aceitar a dedução do IVA referente a compras de material não afetos à actividade

5º – Contudo, a Meritíssima Juiz entendeu e bem, em anular as liquidações impugnadas pelo recorrido na parte decorrente de correções efetuadas à matéria coletável através de métodos indiretos, e de correções técnicas relativas à ausência ou simulação de identificação da viatura/SP adquirente (anos de 2007, 2008 e 2009), e “materiais não afectos à atividade” (anos de 2008).

6º – Prescreve o artigo 75º nº 1 da LGT que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

7º – Acrescentando o nº 2, alínea a) de tal preceito normativo que “a presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

8º – Assim, e desde logo a Autoridade Tributária está vinculada à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo, de posteriormente proceder ao controlo dos factos declarados.

9º – E só no caso de resultar desse controlo, que a matéria coletável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponder à realidade é que a Autoridade Tributária pode proceder, em alternativa, ao apuramento do lucro tributável.

10º – Sendo, entendimento da Jurisprudência que este apuramento alternativo deverá, sempre que possível, ser feito com recurso a métodos diretos ou correções técnicas, e só poderá recorrer a métodos presuntivos quando, sem margem para duvidas, se demonstre que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade e o apuramento direto seja de todo inviável.

11º – Assim, de acordo com o artigo 81º, nº 1 da LGT “A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

12º – Sendo que de acordo com o previsto no art. 85, nº1 da LGT “A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação direta.”

13º – Acrescentado o nº2 de tal preceito normativo que “À avaliação indirecta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa.”

14º – Ou seja, a avaliação direta é o princípio regra que a Autoridade Tributaria dever seguir.

15º – Sendo subsidiaria o recurso à avaliação indireta, a Autoridade tributária, sempre que recorra a tal mecanismo, tem um dever especial de fundamentação. (Art. 77º, nº 4 LGT).

16º – Ou seja, tem que demonstrar que estão verificados os pressupostos legítimos dessa forma de determinação da matéria tributável, nomeadamente, que a liquidação não pode basear-se nos elementos fornecidos pelo contribuinte, e que o recurso aquele método é a única forma de calcular o imposto.

17º – Recaindo, depois, sob o contribuinte a obrigação de demonstrar que os pressupostos não se verificam.

18º – Entendeu a Recorrente que estavam reunidos os pressupostos da alínea b) do art. 87º e a alínea d), pois concluiu, que com base nos consumos médios de matérias-primas “seriam significativamente superiores as prestações de serviços que haveria que ter que declarado para efeitos fiscais, daí se depreendendo ter havido uma omissão significativa de proveitos da sua atividade com a correspondente fuga à respetiva tributação para efeitos fiscais”.

19º – Acrescido do facto, de não ter sido possível verificar que as faturas 68, 74 e 75 tenham sido anuladas ou omitidas ao registo contabilístico, dado a Recorrida, jamais, as ter apresentado.

20º – Tendo a impugnante refutado tal tese, sendo que não poderia servir de base à correção da matéria tributável o seu simples esclarecimento em relação aos consumos médios de matérias-primas, até porque, salvaguardou desde sempre, que tal é variável de trabalho para trabalho, logo os valores que apresentou eram meras estimativas de caráter genérico.

21º – Pelo que, muito bem andou a Meritíssima Juiz “a quo” ao referir na douta sentença que “não se mostra adequado recorrer aos referidos “consumos médios” para, a partir das matérias –primas consumidas, presumir as prestações de serviços efetuadas pela Impugnante nos anos em causa, por ser do conhecimento geral que os consumos são influenciados pela especificidade de cada serviço, havendo, ainda, que considerar, como defende a Impugnante, eventuais perdas estragos e reparações.”

22º – Acrescentando, ainda, que “a metodologia utilizada pela administração fiscal para evidenciar a falta de credibilidade da contabilidade da Impugnante revela fortes fragilidades, por assentar em juízos de inferência construídos a partir de meras estimativas de carater genérico e, por isso, inidóneas para servir como instrumento de cálculo, ainda que, estimado, das concretas prestações de serviços efetuadas pela Impugnante”.

23º – Para além de que, o RIT não demonstra com o rigor e a segurança que são exigíveis, a alegada incoerência entre o valor das matérias-primas consumidas e o valor das prestações de serviços declaradas.

24º – Assim, como, a verificação por parte dos serviços de Inspeção da efetiva anulação das faturas nºs 68, 74 e 75, não constitui fundamento válido para sustentar a aplicação dos métodos indiretos, acrescido o facto de que nem sequer terem sido desenvolvidas diligencias junto do anterior contabilista, onde tais faturas se encontrariam, como referido pelo represente legal da Impugnante.

25º – Pelo que, mais uma vez, andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao entender que “não foram recolhidos indicadores suficientemente seguros e rigorosos de que os dados da escrita da Impugnante foram subtraídas prestações de serviços efetivamente realizadas para determinar a matéria coletável e, consequentemente, constitui causa de invalidade das liquidações impugnadas, na parte em que decorreram da referida avaliação indirecta.”

26º – Concluindo pela ilegalidade do recurso aos métodos indirectos.

27º – Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não ponderou a prova que a mesma ofereceu produzir nos autos, aquando da apresentação da contestação, violando o princípio da igualdade, o Tribunal não ordenou a realização das diligências de prova destinadas ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

28º – E dessa forma violou os artigos 4º e 411º do CPC.

29º – Ora salvo e devido respeito e melhor opinião, não assiste razão à Recorrente;

30º – Desde logo, a Meritíssima Juiz a quo entendeu e bem que o RIT era prova bastante para decidir o litigio;

31º – E suficiente para a descoberta da verdade material.

32º – Segundo AA, o juiz só tem o dever de praticar o acto [sugerido/requerido pela parte] a partir do momento “em que, face aos elementos do processo, e independentemente de a parte ter sido ou houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus, se torna patente a necessidade da realização da diligência, a realização da mesma não se reconduzindo assim à vontade da parte, que teve outros meios, processualmente adequados, para se manifestar”.

33º – Acrescentando, ainda que “se o relevo da prova resulta patentemente dos articulados, a parte não pode, em princípio, invocar mais tarde que desconhecia a importância dessa prova; era responsabilidade sua produzi-la, não podendo, num momento em que o direito de requerer a sua produção se encontra precludido, solicitar ao juiz que a realize oficiosamente, já que isso constituiria uma forma de contornar aquele fenómeno preclusivo.”

34º – Assim, a atividade instrutória do tribunal não é nem deve ser uma forma de suprir a atividade que a parte devia ter tido e que não teve porque não quis ou não soube ou não cuidou ou não se preocupou em ter antes.

35º – Ainda de outro modo: o art. 411 do CPC não pode nem deve servir para afastar todas as regras processuais que disciplinam a produção de prova, imponho prazos, ónus e preclusões à atividade das partes, de modo a vir a obter-se um resultado probatório formalmente válido.

36º – Assim, parafraseando o autor acima citado: “a responsabilidade probatória do juiz” tem “uma natureza meramente complementar ou acessória” e a respetiva “atividade não pode ter lugar com prejuízo para o sistema de ónus e preclusões previstos no código.”

37º – Pelo que, não houve por parte da Meritíssima Juiz a quo qualquer violação dos artigos 4º e 411º do CPC, aplicável por remissão do art.. 2º, alínea e) do CPPT.

38º – Alega, por fim, a Recorrente que o Tribunal a quo, violou o artigo 75º nº1 e nº2 da LGT, bem como o artigo 20º nº1 do CIVA e o artigo 342º nº1 do CC, uma vez que demonstrou existirem indícios fundados suficientes para não aceitar a dedução do IVA respeitante a materiais não compreendidos no oficio da recorrida.

39º – Sustentando que o IVA deduzido relativo a aquisição de granito Vila Real e o material necessário a sua aplicação (B... acabamentos), não se enquadra na atividade da recorrida, uma vez que não corresponde à aplicação e/ou colocação de granitos.

40º – Andou muito bem o Tribunal a quo, ao considerar que em princípio, apenas estariam excluídos do direito à dedução os bens ou serviços que suscitassem confusão entre a esfera pessoal e a esfera empresarial.

41º – Pelo que, beneficiando a recorrida da presunção da veracidade dos seus registos contabilísticos, nos termos do artigo 75º nº 1 da LGT, competia a AT demonstrar, ou pelo menos, reunir indícios fundados de que os bens adquiridos pela impugnante foram utilizados para fins diversos da atividade por ela desenvolvida.

42º – Ora, a AT invertendo o ónus da prova que lhe competia, exigiu ao contribuinte que demonstrasse a utilização concreta dos referidos bens, o que não é de admitir, por não existir qualquer elemento que aponte de qua tais bens tenham sido destinados a fins alheios à empresa.

43º – Pelo contrario, a recorrida indicou a fatura e o cliente onde os mesmos foram aplicados, embora não aceite pela AT.

44º – Perante tudo isto, muito bem andou o Meritíssimo Juiz a quo ao julgar parcialmente procedente a presente Impugnação Judicial, anulando as liquidações impugnadas na parte decorrente de correções efetuadas à matéria coletável através de métodos indiretos e de correcções técnicas relativas à ausência ou simulação de identificação de viatura/SP adquirente (anos de 2007, 2008 e 2009), e materiais não afetos à actividade (ano de 2008).

TERMOS EM QUE
Deverá ser mantida in totum a sentença recorrida, fazendo-se, assim, inteira e habitual
JUSTIÇA».

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 348 SITAF, no sentido da improcedência do recurso:
«A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença da Mmª Juiz do TAF de Braga que no âmbito de impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA, relativas aos exercícios dos anos de 2007, 2008 e 2009, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 39.772,95, a julgou parcialmente procedente, anulando as liquidações que haviam sido impugnadas, e que resultaram de correcções efectuadas à matéria colectável através de métodos indirectos, e de correcções técnicas (avaliação directa) relativas a “Ausência ou simulação de identificação de viatura/ SP adquirente (anos de 2007, 2008 e 2009) e “Materiais não afectos à actividade” (ano de 2008).
“V..., Lda.” foi objecto de uma acção inspectiva na sequência da qual a Autoridade Tributária procedeu a correcções à matéria colectável, por entender ter detectado a omissão de rendimentos provenientes da prestação de serviços, bem como detectou a dedução de IVA referente a materiais não compreendidos na sua actividade, e nos serviços prestados ou suportados pela mesma.
Impugnou-a invocando, ente outros fundamentos, a errónea qualificação e quantificação de rendimentos, dizendo serem incipientes os argumentos e totalmente inadequados para justificar a utilização, pela administração fiscal, de métodos indirectos para a determinação da matéria tributável.
*
É jurisprudência pacífica, que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas alegações.
“V..., Lda.” apresentou contra-alegações, nas quais defendeu a manutenção da Sentença proferida e ora posta em causa.
*
Alega a Fazenda Pública, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito, dizendo que o Tribunal a quo centrou a decisão do litígio na tese meramente alegada pela impugnante, e que, para justificar a adesão àquela tese, a M. Juíza não ponderou a prova que consta dos autos, bem como não ponderou a prova que a FP ofereceu produzir e violou os art.ºs 75º, nº1 e nº2, 87º, nº1, alínea b) e 88º, nº1, alínea d), todos da LGT, bem como violou os art.ºs 4º e 411º, do CPC, aplicáveis ao processo tributário por remissão do art.º 2º, alínea e), do CPPT.
Cremos que não lhe assiste razão.

Na decisão da matéria de facto, o juiz aprecia livremente as provas, conforme dispõe o artigo 607º nº 5 do CPC, analisa-as de forma crítica e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, especificando os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção, excepto quando a lei exija formalidades especiais para a prova dos factos controvertidos, caso em que tal prova não pode ser dispensada. É, pois pela fundamentação invocada para a decisão que normalmente se afere do juízo crítico sobre as provas produzidas
O julgador “embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar o processo racional da própria decisão.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.” – Ac. do TCAN de 11/4/2014 no processo 00819/10.4BEPNF.
No caso em apreço, a recorrente discorda dos factos dados como provados e a convicção do tribunal, ou seja, o que pretende é retirar da prova produzida ilações distintas das que a Mmª Juiz percepcionou e explicitou na respectiva fundamentação.
In casu, a julgadora, para a decisão da matéria de facto teve por base o exame das informações e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo administrativo apenso, e explicou bem em que medida é que lhes deu ou não credibilidade, o que se depreende pela leitura dos factos provados e não provados e do exame crítico da prova.
A modificação quanto à valoração da prova, tal como foi captada e apreendida na 1ª instância, só se justificaria se, feita a reapreciação, fosse evidente a grosseira análise e valoração que foi efectuada pelo tribunal, o que não se verifica, neste particular.
Importa igualmente reter que no tocante à matéria de facto, o juiz não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas o que interessa para a decisão, tendo em conta a causa de pedir que a fundamentou.
Estabilizada a base factual vejamos:
A questão a dirimir, conforme a configurou a M. Juíza, é saber se ocorreu erro nos pressupostos para o recurso à determinação da matéria colectável por métodos indirectos, e erro nos pressupostos da determinação da matéria colectável através de correcções técnicas e também falta de fundamentação da decisão de recorrer a métodos indirectos.
O Tribunal já conheceu argumentação da Recorrente e sobre ela se pronunciou, em termos que não merece censura, não constituindo qualquer novidade o que menciona em sede de conclusões.
A decisão, face à factualidade dada como provada, seu enquadramento jurídico e fundamentação expendida, não merece censura, pelo que, em nosso entender, se deve negar provimento ao Recurso.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são do erro de julgamento que recaiu sobre os (i) indícios fundados no recurso aos métodos indirectos, (ii) da preterição de produção de prova requerida nos autos pela Recorrente e, (iii) da recolha de indícios fundados referentes a compras de material que tutelam o direito às correcções aritméticas operadas.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a boa decisão da causa, mostram-se provados os seguintes factos:

1. Pela Ordem de Serviço nº OI...182, de 21.07.2009, foi ordenada a inspecção da situação tributária da Impugnante, em sede de IVA, relativamente aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 – cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos (doravante, apenso).

2. Pela Ordem de Serviço OI201000871, de 10.03.2010, foi ordenada a inspecção da situação tributária da Impugnante, em sede de IRC dos exercícios de 2007, 2008 e 2009 e de IVA dos anos de 2007 e 2009 – cfr. fls. 2 do apenso.

3. A Ordem de Serviço OI201000871 foi assinada pelo representante legal da sociedade Impugnante em 19 de Março de 2010 - idem.

4. Na mesma data (19 de Março de 2010) o sócio-gerente da Impugnante, BB, foi ouvido em declarações no âmbito do procedimento inspectivo credenciado pela Ordem de Serviço OI201000871, nomeadamente quanto às seguintes questões:

“(...)

3 – (...) quais os consumos de materiais que os serviços que incorporam materiais implicaram, tendo em conta uma lógica de KGS consumidos por M2?”

(...)

4 – A sociedade possui no seu imobilizado 3 viaturas: ... (...-...-RL), Renault Clio (..-..-BG) e ... (..-BB-..), no entanto, apenas no que se refere à primeira houve registos contabilísticos de custos com combustíveis, no período de 2007 a 2009. Por esse facto questiona-se se as outras duas viaturas não circularam ao serviço da empresa no período de análise? Se circularam, porque não registaram consumos de combustíveis na sociedade? Que média de Lts/100kms são consumidos por cada uma das viaturas?

5 – Não tendo sido, até à data, mesmo que depois de solicitado, mostrado pelo Sujeito Passivo os originais das facturas impressas pela tipografia para a sociedade, identificadas pelos nºs 68, 74 e 75, questiona-se aqui o porquê e justificação para o desaparecimento das mesmas?

6 – Tendo sido anteriormente questionado o Sujeito Passivo (SP), via Técnico Oficial de Contas (TOC) sobre qual o fim a que se destinou e/ou onde foi facturado a clientes a aquisição de “Granito Vila Real” e “B... Acabamento” que levou a compras, em 11-09-2008, através do registo contabilístico diário nº 119/41, pelo valor de 516,72€ acrescido de IVA que deduziu no valor de 103,34€, foi respondido que foi debitado a clientes através da factura nº 115, de 13/10/2008. Dado que essa factura, emitida a clientes, apenas refere “Reboco” e não aplicação desse tipo de materiais (Granito), solicita-se aqui esclarecimento adicional para essa situação?”

– cfr. Anexo 14 do RIT inserto a fls. 49 e ss. do apenso.

5. Relativamente às referidas questões, o sócio-gerente declarou o seguinte:

“(...)

Questão 3: Quanto ao AREADO, referiu que este consome Reboco, em cerca de 30 Kgs para 2m2, tendo em conta uma espessura média de 2cms, embora isto dependa de trabalho para trabalho.

Quanto ao ESTANHO, referiu que este consome massa de acabamento, sendo que cerca de 25Kgs dá para 15m2, tendo em conta uma espessura média de 2mm. Quanto ao ESTUQUE referiu que este é igual ao GESSO projectado.

Quanto ao GESSO projectado, referiu que este consome Gesso, em cerca de 25Ggs para 2 a 2,5m2, tendo em conta uma espessura de 1 a 1,5cm, dependendo de trabalho para trabalho.

Quanto às MOLDURAS, referiu que consome apenas cola.

Quanto ao REBOCO, referiu que seria igual ao areado, referindo que o areado já tem acabamento para levar pintura, enquanto que o reboco não.

Quanto ao REVESTIMENTO, referiu que consome apenas ALTEK, uma massa que é barrada em cima do reboco, tratando-se de um acabamento.”

Questão 4: Quanto ao Renault Clio, estava emprestado a um funcionário, sendo esse funcionário que suportava todos os custos inerentes à utilização da viatura, nomeadamente, combustíveis, inspecções e manutenções, estando actualmente desde há cerca de 8 meses parada.

Quanto ao ... circulou, durante o período em análise, ao serviço da empresa.

Não houve registo de combustíveis, afectos à viatura ..., pelo facto de facturação da bomba de gasolina emitir factura mensal apenas com a viatura ..., ainda que nessas mesmas facturas se incluísse gasóleo da viatura ..., ainda que em muito menor quantidade.

A viatura ... consumirá entre os 7 a 8 Lts/100Kms e a ... consumirá entre 12 e 13Lts/100Kms.

Questão 5: Referiu que as referidas facturas, de certeza, teriam sido anuladas e que estarão no escritório da anterior contabilista e que as irá fornecer/mostrar num prazo de 10 dias.

Questão 6: Referiu que efectivamente comprou a pedra e que a mesma foi aplicada na obra do cliente, por solicitação deste, tendo a factura emitida descrito apenas a normal prestação de serviços que efectua”.

– idem.

6. Por despacho de 14 de Maio de 2010, foi autorizada a prorrogação do prazo para conclusão do procedimento inspectivo credenciado pela Ordem de Serviço OI...182, por um período de 3 (três) meses – cfr. fls. 3 (frente e verso do apenso).

7. O despacho referido no ponto anterior foi notificado à Impugnante através do ofício nº 510.5563, de 14.05.2010, remetido para a sede da mesma (LUG DA ...) através de carta registada – cfr. fls. 4 do apenso.

8. A carta referida no ponto anterior foi devolvida ao remetente em 26.05.2010 com a indicação “objecto não reclamado” – cfr. verso de fls. 4 do apenso.

9. Por despacho de 14 de Setembro de 2010, que recaiu sobre informação prestada pela Divisão de Inspecção Tributária – Equipa..., da mesma data, foi autorizada a prorrogação do prazo da acção inspectiva por um período adicional de 3 meses, extraindo-se da referida informação, o seguinte:

“No âmbito da análise de reembolso de IVA ao SP acima identificado, foi notado, no decurso dessa análise, a existência de situações anómalas, passíveis de correcção em sede de IVA e de IRC, que implicaram a conjugação de um procedimento pré-existente (OI...182) com este aqui visado de forma a se complementar os períodos de análise parciais antes visados, complementando assim os dois impostos visados e todo o período de 2007 a 2009 (inclusive). Nesses termos, em 19/03/2010, foi iniciado o procedimento OI201000871 que visava, entre outros, o exercício de 2009 em IRC, o que obrigou a que se tivesse que aguardar pela entrega da declaração de rendimentos e IES de 2009 de forma a melhor definir e quantificar as situações passiveis de correcção nesse último exercício.

Por esse facto, dado que essa segunda Ordem de Serviço foi iniciada em 19/03/2010 existe agora a necessidade de ser feita uma prorrogação da mesma, por 3 meses adicionais, para que se possa notificar o SP do Projecto de Relatório (neste momento em fase de revisão pela respectiva equipa), seja aguardado o Direito de Audição e se formule o Relatório Final.

Desta forma, tendo em conta o estatuído no art. 36.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), tendo em conta os motivos antes expostos, solicita-se autorização para prorrogação da referida acção de inspecção, pelo período adicional inicial de 3 meses, prevendo-se como término da acção a data de 19/12/2010”

– cfr. fls. 8 do apenso (frente e verso).

10. Através do ofício 510.10985, de 14 de Setembro de 2010, foi a Impugnante notificada nos seguintes termos:

“Nos termos do n.º 4 do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), publicado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, informámo-lo que a acção inspectiva em curso, conforme Ordem de Serviço OI201000871, foi prorrogada por mais três meses, prevendo-se a sua conclusão até ao próximo dia 19/12/2010” – cfr. fls. 9 e 10 do apenso.

11. Pelo ofício 510.121183 de 13 de Outubro de 2010, a Impugnante foi notificada de projecto de Relatório da IT (Inspecção Tributária) e, para querendo, exercer o seu direito de audição prévia sobre o mesmo – cfr. fls. 11 e ss. do apenso.

12. A Impugnante não exerceu o seu direito de audição prévia.

13. Em 01.06.2010, foi elaborado o relatório de inspecção, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, incluindo os respectivos anexos, extraindo-se, com relevância para os presentes autos, o seguinte:

“[...]

III.1. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

III.1.1.2007

III.1.1.1. IVA não dedutível (art.º 19.º, n.º 3, 36.º n.º 5 e/ou 72.º, n.º 2 do CIVA)

III.1.1.1.1. Ausência ou simulação de identificação de viatura/SP adquirente

Tendo o SP deduzido IVA, relativo à aquisição de combustíveis, com base em documentos que lhe foram emitidos em que a identificação do SP adquirente não existia, ou tinha sido colocada à posteriori, e/ou em que a identificação da viatura deles constante também não existia, ou existindo (em facturas globais mensais), apenas identificava uma viatura comercial (quando o sujeito passivo possuía várias viaturas que demonstravam também ter actividade, como aliás confirmou em Termo de Declarações, constante do ANEXO nº 14), não cumpriu os requisitos de dedutibilidade do imposto quer por falta de cumprimento dos requisitos mínimos de dedutibilidade formal do imposto, nos termos do art.º 36.º (anterior 35.º), n.º 5 e/ou do art.º 72.º (anterior 68.-D), n.º 2 do CIVA, quer por ter simulado a(s) viatura(s) que efectivamente terão efectuado esses consumos de combustíveis, o que, nos termos do art. 19, n. 3 do CIVA viabiliza a dedução do imposto por simulação da operação quanto às viaturas em causa.

Nestes termos, serão de corrigir os seguintes valores, nos respectivos períodos e de acordo com o detalhe e fundamentos do ANEXO nº 2:

[...]

II.1.1.2. IVA não dedutível (art. 78.º, n.º 5, 7 e 8, anterior 71, n.º 5, 8 e 9 do CIVA)

II.1.1.2.1. Falta do cumprimento de requisitos para regularização de IVA não recebido

[...]

II.1.2. 2008

II.1.2.1. IVA não dedutível (art.º 19.º, n.º 3, 36. n. 5 e/ou 72., n. 2 do CIVA)

III.1.2.1.1. Ausência ou simulação de identificação de viatura/ SP adquirente

Nos mesmos termos e condições referidos no ponto III.1.1.1.1., serão de corrigir os seguintes valores, nos respectivos períodos e de acordo com o detalhe em ANEXO nº2:

[...]

III.1.2.1.2. Materiais não afectos à actividade

Tendo o SP deduzido IVA, por via de consumos de compras, de materiais para os quais não se comprova que os mesmos tenham relação com a actividade e operações activas realizadas SP (Granito de Vila Real Acabamento. O SP refere que foi debitado a cliente na Factura 115, de 13/10/2008, no entanto, a factura referida apenas refere reboco e não aplicação de granito Vila Real. Logo este custo não é aceite e o IVA não é dedutível, dado que não terá sido afecto à actividade da empresa), será aqui esse mesmo IVA deduzido corrigido não se aceitando essas deduções, tendo em conta o estabelecido no art. 20, nº 1 do CIVA pelos valores seguintes, conforme detalhado no ANEXO nº 5:

[...]

III.1.3. 2009

III.1.3.1. IVA não dedutível (art.º 19., n. 3, 36. n.º 5 e/ou 72º, n.º 2 do CIVA)

III.1.3.1.1. Ausência ou simulação de identificação de viatura/ SP adquirente

Nos mesmos termos e condições referidos no ponto III.1.1.1.1., serão de corrigir os seguintes valores, nos respectivos períodos e de acordo com o detalhe em ANEXO nº 2:

[...]

IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos

Na sequência da análise de reembolso de IVA, identificado no ponto II.2. deste Relatório, constatou-se que os rácios de rentabilidade, computados a partir da contabilidade (e respectivas declarações fiscais entregues pelo Sujeito Passivo à Administração Fiscal), eram significativamente inferiores aqueles que se observavam na média do sector de actividade onde este SP se insere, de acordo com os valores abaixo indicados:

[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

Posto isto, dada a discrepância observada, foi feita uma análise aprofundada, relativa aos consumos de matérias-primas chave da actividade desenvolvida pelo SP. Para tal análise foram recolhidos, junto da contabilidade do SP e da facturação de alguns terceiros (seus fornecedores), todo o detalhe de compras de matérias-primas e mão-de-obra chave usados na sua actividade de prestação de serviços (qualitativo e quantitativo), informação que consta, detalhadamente, dos ANEXOS nºs 10 e 12 e que com maior detalhe consta do Processo Individual do SP (arquivado nesta Direcção de Finanças).

A partir da informação constante dos ANEXOS nºs 9 a 13, que resumidamente se apresenta no ANEXO nº 8 e, no tocante apenas às Existências Iniciais, Compras, Existências Finais e Consumos, no quadro abaixo:

[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

Tendo em conta os consumos médios de matérias-primas indicados pelo SP em Termo de Declarações datado de 19/03/2010 (constante do ANEXO nº 14), ou seja,

- 1 Saco de 25Kgs de Gesso daria, em média, para 2 m2 de Gesso Projectado (com uma espessura de 1,5 a 2cm) e;

-1 Saco de 30 Kgs de Reboco daria, em média, para 2 m2 de Reboco Projectado (com uma espessura de 1,5 a 2 cm)

Chega-se à conclusão que, de acordo com esses consumos médios, declarados pelo SP seriam significativamente superiores as prestações de serviços que haveria que ter declarado para efeitos fiscais, daí se depreendendo ter havido uma omissão significativa de proveitos da sua actividade com a correspondente fuga à respectiva tributação para efeitos fiscais, de acorda com o quadro resumo abaixo:

[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

Nesse sentido, julgamos que estão reunidas as provas que fundamentam o recurso a métodos indirectos, nos termos do art.º 74.º, n.º 3 da LGT, dado que persiste uma impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exata dos elementos indispensáveis à correta e determinação da matéria tributável, conforme determina o art. 87.º, n.º 1, alínea b) e o art. 88.º, nº 1, alínea d) da Lei Geral Tributária (LGT), dado o facto de ser patente uma manifesta discrepância entre o valor que foi declarado, de serviços prestados, e aquele que os consumos de matérias-primas e subcontratos fazem presumir, acrescido do facto de não ter sido possível verificar que as facturas n.ºs 68, 74 e 75 tenham sido anuladas ou omitidas ao registo contabilístico (dado o facto do SP nunca as ter apresentado, em branco ou preenchidas). Nessa medida, será de aplicar métodos indirectos para a determinação da correspondente Matéria Tributável.

V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos

Dados os motivos referidos no ponto anterior, tendo sido efectuada uma exaustiva recolha de imputs (matérias-primas e subcontratos) usados pelo SP no âmbito da sua actividade, depois de conjugados com os consumos médios declarados pelo SP, evidencia-se uma clara e significativa omissão de proveitos para efeitos contabilístico-fiscais.

Nesse sentido, a abordagem à quantificação da Matéria Tributável (MT) em falta fez-se através de um completo e exaustivo tratamento dos movimentos de stocks (finais e respectivos iniciais), entradas de matérias-primas e subcontratos, para cada um dos grupos de serviços prestados respectivos, ou seja, gesso/ estuque e reboco/areado.

Esse tratamento dos movimentos de stocks (não físico) consubstanciou-se numa análise documental dos stocks declarados pelo SP (conforme inventários finais constantes do Termo de Declarações em ANEXO nº 14), em combinação com as compras (declaradas pelo SP e em alguns casos, cIVAularizadas em fornecedores, conforme constam de documentos arquivados na sua contabilidade) e o recurso a mão-de-obra subcontratada pelo SP, para que, sem margem para dúvidas, e relativamente cada tipo de matéria-prima, se chegasse aos respectivos consumos anuais e, de acordo com os consumos médios declarados pelo SP, se projectasse o volume de facturação que estava em condições de ter declarado.

Dessa análise resultaram os valores de omissões aí evidenciados, cujo resumo consta do ANEXO nº8 e os valores detalhe dos ANEXOS nºs 9, 10, 11, 12 e 13, tendo sido tomado como pressuposto o seguinte:

1) Apenas foram considerados os serviços prestados (e os subcontratos de terceiros) que incluíam incorporação de materiais fornecidos pelo SP, sendo como tal excluído da análise os serviços contratados (subcontratos) e as prestações de serviços efectuadas que incluíam apenas mão-de-obra (MO), dado tratar-se de uma análise que visa controlar a razoabilidade e adequação da incorporação de materiais declarada vs presumida, tendo em conta os consumos técnicos e declarados pelo Sujeito Passivo;

2) Esta análise compreendeu apenas o controlo das prestações de serviços efectuadas (com incorporação de materiais) e sempre que as mesmas incluíam consumo das seguintes matérias-primas: Gesso e Reboco;

3) De acordo com o que foi declarado pelo SP (Termo de Declarações em ANEXO nº 14), 1 Saco de 25Kgs de Gesso daria, em média, para 2 m2 de Gesso Projectado (com uma espessura de 1,5 a 2cm);

4) Igualmente de acordo com o declarado pelo SP (Termo de Declarações em ANEXO nº 14), 1 Saco de 30kgs de Reboco daria, em média, para 2 m2 de Reboco Projectado (com uma espessura de 1,5 a 2 cm);

5) O preço médio considerado aplicável sobre as omissões quantitativas, entretanto identificadas, foi, em cada um dos anos, igual àquele que era conhecido através das facturas emitidas e informação complementar que sobre as mesmas foi prestada pelo SP.

V.1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC)

[...]

V.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

De acordo com a anterior fundamentação e quantificação, tendo com pressuposto adicional que as prestações de serviços aí presumidas em falta, nos respectivos exercícios, se distribuíram uniformemente ao longo do ano, segue distribuição do IVA liquidado, presumivelmente em falta, tendo em conta a taxa normal de IVA aplicável aos serviços em causa, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA):

[dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original]

– cfr. fls. 56 a 97 do apenso.

14. Em 19.11.2010, o Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária, por delegação, proferiu despacho de concordância com o teor do relatório de inspecção – cfr. fls. 56 e 57 do apenso.

15. Por via postal registada com AR (aviso de recepção), com a referência RM 6591 8277 PT, a Impugnante foi notificada, em 26 de Novembro de 2010, do Relatório da IT final – cfr. fls. 53 a 55 do apenso.

16. Em 23 de Dezembro de 2010, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável – cfr. fls. 98 a 102 do apenso.

17. Realizada a reunião da Comissão de Revisão em 25 de Janeiro de 2011, não foi possível obter acordo entre o Perito da Impugnante e o Perito da AF (Administração Fiscal) – cfr. fls. 105 a 108 do apenso.

18. Por decisão do Chefe de Divisão de Tributação e Cobrança, por delegação, datada de 9 de Março de 2011, foi indeferido o pedido de revisão da matéria tributável, com base na seguinte fundamentação:

“Considerando que não foi possível alcançar acordo entre o perito da Administração tributária e o perito indicado pelo contribuinte no debate contraditório previsto e realizado nos termos do art. 92.º da Lei Geral Tributária, cumpre-nos, nos termos previstos no n.º 6 daquele artigo, decidir:

Antes de mais cabe dizer que o procedimento de revisão previsto no art. 92.º da LGT .” .... visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação."

Não se trata de um acordo qualquer. Com efeito, para além de esse acordo se dever fixar "nos termos da lei", o mesmo visa determinar uma base tributável se aproxime o mais possível da real.

Com efeito, a tributação por métodos indiciários ou por presunção traduz-se sempre na extracção de uma conclusão indirecta e derivada, pois que tais métodos de tributação só se aplicam por existir escassez ou ausência de dados que permitam apurar de forma directa e exacta a base tributável.

Por isso cabe aos peritos avaliar a credibilidade do trabalho efectuado pela inspecção tributária, tendo em conta especialmente o seu carácter fundado e a sua objetividade.

A fundamentação do trabalho da fiscalização deve resultar da análise à actividade da empresa e da eleição, de entre vários indicadores, daquele que se afigure mais representativo, tendo em conta que, por a contabilidade não ser credível, o lucro não se poderá já apurar de forma directa, mas apenas por métodos indirectos.

A objectividade do trabalho efectuado deve emergir do método e dos próprios dados recolhidos e trabalhados. Eles não devem emergir da mera convicção ou percepção dos agentes mas da apreciação da realidade.

Dir-se-á, assim, que a decisão do órgão competente deve assentar em factos ou dados demonstráveis e objectivos e, se for esse o caso, perante os dados apresentados pelo reclamante que contrariem os que estiveram na base da fixação, deve decidir em função daqueles que se apresentarem mais credíveis e que melhor veiculem a verdade tributária do contribuinte.

Deve salientar-se que os critérios para a decisão, assim estabelecidos, são igualmente aplicáveis tanto ao trabalho da Administração, conforme respectivo relatório, como às alegações dos peritos vertidas nos respectivos laudos. Se o trabalho da Administração deve ser fundamentado e objectivo também as alegações do reclamante e dos peritos o deverão ser.

Nestes termos, ponderadas as posições dos peritos vertidas nos respectivos laudos, as quais se consideram, para todos os efeitos, aqui reproduzidos, desde já declaramos que aderimos integralmente à posição defendida pelo perito da administração tributária no sentido de serem mantidos os valores fixados para efeitos de IVA e de IVA.

Conforme resulta da petição e do laudo do perito da reclamante, o que esta coloca em causa é a quantificação da matéria tributável em sede de IVA e em sede de IVA.

Para tanto, vem agora invocar que os índices utilizados na quantificação não têm aderência à realidade.

Acontece, porém, que os índices que a Inspecção Tributária utilizou na quantificação são os indicados pelo representante da reclamante, conforme termo de declarações prestadas à Inspecção Tributária, declarações essas testemunhadas pelo respectivo Técnico Oficial de Contas e perito no procedimento.

Por outro lado, os valores indicados e considerados são corroborados por outros dados conhecidos pela Inspecção Tributária (conforme respectivo relatório).

Não se trata, por consequência, de utilização de índices na quantificação que tenham sido eleitos sem critério ou sem comprovação.

Vem também invocar o perito da reclamante que não foram havidos na quantificação quebras e desperdícios, a que acresce uma invocada (na petição) queda de uma palete, de que resultou a inutilização de 1200 Kg de matéria prima.

Quanto às quebras, a existirem sempre se dirá que as mesmas já estão consideradas no valor dos rendimentos obtidos (m2/kg) utilizados na quantificação.

Quanto à perda de 1200 kg de matéria-prima, sempre se dirá que a mesma carece de ser comprovada (não existe evidencia contabilística da mesma, nem foram trazidos ao procedimento outros elementos que comprovem o afirmado).

Assim, com os fundamentos antes invocados, a minha decisão vai no sentido do indeferimento total da petição do sujeito passivo e da manutenção dos valores anteriormente fixados.”

Cfr. fls. 110 a 112 do apenso.

19. A Impugnante foi notificada desta decisão pelo ofício 300.1610, datado de 15 de Março de 2011, remetido via postal registada – cfr. fls. 109 do apenso.

20. Na sequência das correcções efectuadas à matéria colectável, foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios associados, no montante global de €39.772,95:
Nº liquidação
Período
Montante (€)
11055831
0709T
3333,62
11055827
0703T
3300,35
11055837
0806T
2711,35
11055839
0809T
2703,60
11055841
0812T
2519,01
11055843
0903T
3310,89
...33
...
3276,69
...35
...
2713,53
...49
0912T
3310,89
...29
0706T
5819,57
...47
...
3388,39
...45
...
3385,06
...50
0912T (...)
97,60
...48
... (...)
133,68
...46
... (...)
167,31
...44
0903T (...)
197,75
...42
0812T (...)
174,74
...40
0809T (...)
214,51
...38
0806T (...)
242,16
...36
... (...)
270,61
...34
... (...)
359,09
...32
0709T (...)
398,94
...30
0706T (...)
754,47
...28
0703T (...)
461,51
Cfr. fls. 40 a 43 do suporte físico dos autos (docs. 1 a 4 juntos com a contestação).

21. As liquidações identificadas no ponto anterior foram notificadas à Impugnante com data limite de pagamento em 30 de Junho de 2011 – idem.

22. Em 13.06.2011, a Impugnante apresentou impugnação judicial contra as liquidações de IRC e IVA emergentes do referido procedimento inspectivo, a qual corre termos neste Tribunal com o nº 1...84/...1.1BEBRG (encontrando-se, actualmente, em fase de recurso) – facto de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

23. Por despacho datado de 19.12.2011, proferido na acção identificada no ponto anterior, foi a Impugnante convidada a indicar qual dos pedidos pretendia ver apreciados naqueles autos, por não ser possível a cumulação – idem.

24. Por requerimento de 11.01.2012 dirigido ao processo nº 1...84/...1.1BEBRG, a Impugnante veio optar pela apreciação do pedido de impugnação das liquidações de IRC – idem.

25. Por despacho de 23.05.2012, proferido no aludido processo nº 1...84/...1.1BEBRG, foi a Impugnante notificada de que “o processo prossegue em relação à impugnação de IRC, como já esclarecido. A Impugnante poderá, em sede própria intentar a competente impugnação em relação ao IVA, por conseguinte” – idem.

26. O despacho referido no ponto anterior foi notificado à Impugnante através de ofício remetido via postal registada em 28.05.2012 – idem.

27. Em 11.06.2012, foi apresentada, via correio eletrónico, a petição inicial da presente impugnação – cfr. fls. 1 do Sitaf.

Factos não provados:

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

IV.2 MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo administrativo apenso, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.»

2.2. De direito
A recorrente (Fazenda Pública) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrida contra a liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios, respeitante aos anos de 2007, 2008 e 2009, no valor global de € 39.772,95, considerando no que aqui importa, que, atenta a factualidade constante do RIT e decisão de revisão da matéria colectável, a Administração Tributária (recorrente) logrou recolher (i) indícios fundados no recurso aos métodos indirectos, (ii) da preterição de produção de prova requerida nos autos e, (iii) da recolha de indícios fundados referentes a compras de material que tutelam o direito às correcções aritméticas operadas.

Contudo, antes de entrarmos na apreciação das questões a tratar, importa referir que no âmbito da acção de inspecção realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária, para além das liquidações em sede de IVA que constituem o objecto dos presentes autos, assente na mesma fundamentação foram ainda efectuadas correcções com recurso aos métodos indirectos e correcções aritméticas à matéria coletável da qual resultaram liquidações de IRC.
Ora, no que respeita às mencionadas liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, suportadas no mesmo procedimento e relatório final de inspecção, a Impugnante, ora Recorrida, apresentou a competente impugnação judicial, relativamente à qual já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Norte, por acórdão de 06 de outubro de 2022, proferido no Processo nº 1...84/...1.1BEBRG, no qual intervimos na qualidade de adjunta, negando provimento ao recurso interposto da sentença proferida naqueles autos, de teor absolutamente idêntico ao da sentença aqui recorrida [no que respeita à factualidade considerada provada e sua motivação, fundamentação, divergindo, apenas, no imposto em causa] desatendendo a pretensão recursiva da Fazenda Pública. Ademais, as alegações e conclusões de recursos apresentadas naqueles autos (n.º 1...84/...1.1BEBRG) são similares às apresentadas nos presentes autos no que concerne às questões decorrentes das conclusões 2. a 34., ou seja, as quais as questões enunciadas são rigorosamente as mesmas, a saber: o alegado erro de julgamento, de facto e de direito, na apreciação e valoração dos factos constantes do Relatório de Inspecção na aferição dos indícios fundados que legitimam o recurso aos métodos indirectos [conclusões 2. a 28.] e, da preterição de produção de prova indicada, aquando da contestação [conclusões 29. a 34.].
Atendendo ao exposto, a apreciação levada a efeito naquele processo apresenta-se como sendo inteiramente válida e transponível para os presentes autos, por se tratar de situações assentes no mesmo RIT e decisão de revisão da matéria colectável, pelo que, considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil - que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido naquele acórdão, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador, aqui aplicável, com as necessárias adaptações, ou seja, onde ali, por exemplo, se refere liquidação de IRC, deve aqui entender-se como se reportando ao IVA.
Desta forma, ponderou-se no referido acórdão assim: (inicio de citação)

«3.2.1. Erro na apreciação da prova
A Recorrente imputa à sentença o vício de erro de julgamento na apreciação da prova pois, dos factos vertidos no RIT transcrito no probatório, resulta a existência de indícios fundados de que a contabilidade da Recorrida não reflete a sua exata situação patrimonial, pelo que, contrariamente ao julgado, estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação de métodos indiretos.
Não está em causa a factualidade assente, mas somente a valoração que, da mesma, foi efetuada na sentença.
Vejamos, então, a fundamentação jurídica que, a este respeito, consta da sentença recorrida:
«Como é sabido, no nosso sistema fiscal vigora o princípio da declaração do contribuinte no apuramento da matéria colectável, o que implica um acréscimo dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com a AT, entre os quais avultam o de cumprir com as suas obrigações declarativas e o dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto (art. 75º da LGT).
Do princípio da declaração no apuramento da matéria tributável decorre a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, excepto, designadamente, se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75º, nº 2, alínea a) da LGT).
Desta presunção de veracidade resulta a vinculação da AT à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados. Pressuposto fundamental da presunção de verdade da sua declaração é, por isso, que os deveres de colaboração do sujeito passivo sejam por este escrupulosamente cumpridos. Só no caso de resultar, do controlo efectuado, que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade, pode a AT proceder, em alternativa, ao apuramento do respectivo lucro tributável.
Este apuramento alternativo deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade ou livros de registo do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando se demonstre, sem margem para dúvidas, que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade e aquele apuramento directo se mostre de todo inviável (cfr. Acórdão do TCA-Norte de 08.05.2008, processo 00550/04, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, em conformidade com o preceituado no artigo 81º, nº 1 da LGT, a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a AT proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, constituindo, assim, a avaliação directa o princípio regra a seguir pela AT e a avaliação indirecta um mecanismo de determinação da matéria tributável meramente subsidiário (em conformidade, aliás, com o disposto no art.º 85.º, nº 1 da mesma Lei), que o legislador estabeleceu tendo em vista a determinação dos rendimentos ou bens tributáveis de um determinado sujeito passivo, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha e a que recorra para aquele concreto fim (cf. art. 83º, nº 2 da mesma Lei citada).
O procedimento de avaliação indirecta da matéria colectável assenta em duas fases: a fase da qualificação e a fase da quantificação.
Neste momento, interessa-nos a fase da qualificação e que se traduz na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indirectos e agrega todo o processo de validação ou invalidação dos dados disponibilizados pelo contribuinte, incluindo a avaliação da qualidade das omissões ou incorrecções verificadas, do ponto de vista da sua importância ou extensão, e a avaliação da credibilidade da escrita face a tais omissões ou incorrecções e, consequentemente, da sua capacidade de transmitir ou emanar a verdade fiscal daquele contribuinte.
Nesta fase da qualificação importa notar que, tendo em conta a natureza subsidiária do instituto e os pressupostos de facto de há que partir, o legislador entendeu impor à AT um especial dever de fundamentação sempre que a mesma lance mão desse mecanismo (art. 77º, nº 4 da LGT). Por isso, a AT, em todos os casos em que recorra à tributação por métodos indirectos, está obrigada a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável, ou seja, que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se apresenta com a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que levaram a essa conclusão.
Feita essa prova, recai, então, sobre o sujeito passivo, a obrigação ou ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam (designadamente que não ocorrem deficiências contabilísticas ou que, apesar delas, é possível determinar directamente a matéria colectável, efectuando correcções – artigo 88º da LGT) ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável (cfr. artigo 74º, nº 3 da LGT).
Entre as situações em que a AT pode proceder à avaliação indirecta, encontra-se expressamente prevista no artigo 87º, nº 1, al. b) da LGT a situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, importando ainda salientar que essa impossibilidade de comprovação e quantificação pode resultar da “existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada” (artigo 88º, al. d) da LGT).
Definido o regime legal aplicável, importa analisar o caso dos autos.
Resulta do relatório de inspecção que a AT considerou estarem reunidos os pressupostos da alínea b) do artigo 87º e alínea d) do artigo 88.º da LGT, em resultado da análise efectuada aos consumos de matérias-primas “chave” da actividade desenvolvida pela Impugnante (gesso/estuque e reboco/areado), no âmbito da qual se concluiu, com base nos consumos médios de matérias-primas indicadas pelo seu representante legal, que “seriam significativamente superiores as prestações de serviços que haveria que ter declarado para efeitos fiscais, daí se depreendendo ter havido uma omissão significativa de proveitos da sua actividade com a correspondente fuga à respectiva tributação para efeitos fiscais”.
Invocou, ainda, a AT, para fundamentar o recurso aos métodos indirectos o facto “de não ter sido possível verificar que as facturas n.ºs 68, 74 e 75 tenham sido anuladas ou omitidas ao registo contabilístico (dado o facto do SP nunca as ter apresentado, em branco ou preenchidas)”.
Concluiu, assim, a AT que “será de aplicar métodos indirectos para a determinação da correspondente Matéria Colectável”.
Defende, todavia, a Impugnante que o simples esclarecimento do sujeito passivo, em relação aos consumos médios de matérias-primas, nomeadamente de gesso e de reboco, não pode, por si só, servir de base à correcção da matéria tributável da forma, como foi feita, desde logo porque nas declarações que prestou esclareceu que, em média, 25kg de gesso é suficiente para 2m2, tendo em conta uma espessura de 1 a 1,5cm, e no que toca ao reboco, um saco de 30kg dá para 2m2, com uma espessura de 2 cm, tendo contudo salvaguardado que estes consumos variam “de trabalho para trabalho”.
Ora, efectivamente, da análise do conteúdo das referidas declarações - que se encontram transcritas no ponto 4 dos factos provados - resulta que as médias de consumos indicadas pelo referido sócio-gerente eram meras estimativas, de carácter genérico, uma vez que, tal como assinalado pelo mesmo, os consumos variavam de “trabalho para trabalho”, dependendo, nomeadamente, da espessura das paredes.
Deste modo, não se mostra adequado recorrer aos referidos “consumos médios” para, a partir das matérias-primas consumidas, presumir as prestações de serviços efectuadas pela Impugnante nos anos em causa, por ser do conhecimento geral que os consumos são influenciados pela especificidade de cada serviço, havendo, ainda, que considerar, como defende a Impugnante, eventuais perdas, estragos e reparações.
Conclui-se, assim, que a metodologia utilizada pela administração fiscal para evidenciar a falta de credibilidade da contabilidade da Impugnante revela fortes fragilidades, por assentar em juízos de inferência construídos a partir de meras estimativas de carácter genérico e, por isso mesmo, inidóneas para servir como instrumento de cálculo, ainda que estimado, das concretas prestações de serviços efectuadas pela Impugnante.
Não estando demonstrada no RIT, com o rigor e a segurança exigíveis, a alegada incoerência entre o valor das matérias-primas consumidas e o valor das prestações de serviços declaradas, resta a impossibilidade apontada pelos Serviços de Inspecção de verificar se as facturas nºs 68, 74 e 75 foram efectivamente anuladas, indício que manifestamente não constitui fundamento válido para sustentar a aplicação de métodos indirectos, tanto mais que não foram desenvolvidas diligências junto do anterior contabilista, onde as mesmas se encontrariam, de acordo com as declarações prestadas pelo representante legal da Impugnante (cfr. ponto 4 dos factos provados).
Em face do exposto, conclui-se que não foram recolhidos indicadores suficientemente seguros e rigorosos de que aos dados da escrita da Impugnante foram subtraídas prestações de serviços efectivamente realizadas, o que torna ilegal o recurso aos métodos indirectos para determinar a matéria colectável e, consequentemente, constitui causa de invalidade das liquidações impugnadas, na parte em que decorreram da referida avaliação indirecta.».
A Fazenda Pública não se conforma com o assim entendido, pois também foi constatado que os rácios de rentabilidade da recorrida eram significativamente inferiores à média do sector de atividade onde ela se inseria, concretamente, rácios da MBI e da RPessoal (motivo pelo qual foi ordenada a realização de ação inspetiva, pois que, como é sabido, o ramo de atividade da recorrida, por regra, não gera significativos reembolsos de IVA). A contabilidade da Recorrente apresentava, em 2007 e 2008, desvios, para menos, em relação à média dos rácios de rentabilidade do seu sector e da sua unidade orgânica, a saber, menos 12,07% e menos 73.4% em 2007, e, menos 11,95% e menos 61,3% em 2008, respetivamente quanto aos rácios MBI e RPessoal.
Mais alega que a Recorrida anulou contabilisticamente as faturas nºs 68, 74 e 75, as quais nunca apresentou (em branco ou preenchidas, para poderem ser validadas, ou não, em sede inspetiva), embora, se tivesse comprometido a fazê-lo e não tivesse alegado qualquer constrangimento em fazê-lo, requerendo a intervenção da AT, sendo certo que sobre ela recaia a obrigação de guardar o que lhe pertencia e era parte integrante da sua contabilidade.
Por último, os serviços de inspeção procederam a uma análise que visou “controlar a razoabilidade e adequação de incorporação de materiais declarada vs presumida, tendo em conta os consumos técnicos e declarados pela Impugnante” e partiu de uma exaustiva recolha de inputs e de outputs, os quais revelaram que as principais matérias primas utilizadas pela recorrida na prestação de serviços (com meios próprios e subcontratação tão só de mão de obra) eram o gesso e reboco. Com os valores médios e líquidos (consumos) das principais matérias primas (gesso e reboco) a incorporar na execução de serviços, numa logica Kgs por m2, (indicados pela Impugnante), com valores daquelas matérias primas consumidas ao longo do exercício (inputs revelados pela contabilidade) e com valores daquelas matérias primas consumidas na prestação de serviços faturadas aos clientes (outputs revelados pela contabilidade), foram verificados desvios, para menos, quanto ao consumo de gesso e reboco em 2007 e em 2008 e foi revelado desvio, para menos, quanto ao consumo, tão só, de gesso em 2009.
Vejamos, então.
O artigo 104º, nº 2, da CRP consagra o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real, daí que o recurso a métodos indiretos para determinação da matéria coletável constitui uma ultima ratio fisci, apenas havendo lugar aos mesmos quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação direta.
Nesta senda, os artigos 85.º, n.º 1 e 81.º, n.º 1, ambos da LGT, consagram o carácter subsidiário e excecional da avaliação indireta, cabendo à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso a esta e ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
Segundo o artigo 87.º, n.º 1, al. b), da LGT, uma das situações que determina a possibilidade de se recorrer à avaliação indireta é “impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”, sendo que essa impossibilidade pode resultar das anomalias e incorreções previstas nas alíneas a) a d) do artigo 88.º da LGT, quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável.
Com efeito, dispõe o artigo 88.º da LGT que:
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”.
Portanto, não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa recorrer ao apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, é ainda necessário que aquelas irregularidades impossibilitem o apuramento da matéria tributável por métodos diretos, que constitui a regra, tal como resulta da conjugação do disposto no artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e artigo 88.º da LGT.
De salientar ainda que cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, cumprindo-lhe demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, devendo, para tanto, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.
A determinação da matéria tributável por métodos indiciários tem de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, para o que é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da atividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
Descendo ao caso concreto, temos que os indícios (factos concretos provados pela AT) coligidos no Relatório da Inspeção Tributária não são de molde a evidenciar a impossibilidade de determinação direta e exata da matéria coletável.
Efetivamente, os “ratios de rentabilidade significativamente inferiores àqueles que se observavam na média do sector de atividade” onde a Recorrente se insere não constitui indício sério e seguro de que a rentabilidade declarada é desconforme à realidade. Acresce que, como se refere no acórdão do TCA-Sul de 10.11.2016, rec. 05741/12 « A lei não consagra como situação típica de anomalia/ incorrecção que sustente o recurso à avaliação indirecta a divergência (ou o afastamento) entre os valores/ rácios apurados pelo sujeito passivo e as médias correspondentes apuradas para o mesmo sector de actividade. Por conseguinte, tais discrepâncias, por si só, não servem para fundamentar a opção pela avaliação indirecta.».
O mesmo temos de considerar quanto aos desvios apurados pela AT tendo por referência os consumos médios declarados pelo sujeito passivo, aqui acompanhando o entendimento vertido na sentença recorrida, pois «(…) do conteúdo das referidas declarações - que se encontram transcritas no ponto 4 dos factos provados - resulta que as médias de consumos indicadas pelo referido sócio-gerente eram meras estimativas, de carácter genérico, uma vez que, tal como assinalado pelo mesmo, os consumos variavam de “trabalho para trabalho”, dependendo, nomeadamente, da espessura das paredes.
Deste modo, não se mostra adequado recorrer aos referidos “consumos médios” para, a partir das matérias-primas consumidas, presumir as prestações de serviços efectuadas pela Impugnante nos anos em causa, por ser do conhecimento geral que os consumos são influenciados pela especificidade de cada serviço, havendo, ainda, que considerar, como defende a Impugnante, eventuais perdas, estragos e reparações.».
Assim, os desvios apurados pela AT não partem de dados seguros e certos, não constituindo, consequentemente, indícios sérios e seguros de omissão de proveitos à contabilidade.
Já no que concerne às faturas que não foram apresentadas pela Recorrente em sede inspetiva, entendemos que, pese embora a Recorrida se tenha comprometido a apresentá-las sem que o haja feito, tendo em conta o ónus probatório a cargo da AT, designadamente de demonstração da impossibilidade de apuramento direto da matéria coletável, impunha-se-lhe diligenciar no sentido de apurar a quem foram emitidas e de, pelo menos tentar, obter as mesmas junto do anterior TOC da Recorrida (pois esta informou ser este quem as teria) o que, segundo resulta do Relatório da Inspeção Tributária, não fez.
E não se diga que incumbia ao contribuinte o ónus de apresentar as faturas em questão, pois tal só é verdade relativamente àquilo que lhe compete provar – isto é, que os indícios apontados pela AT não têm aderência à realidade.
Ora, a obtenção das faturas ou mais detalhada informação sobre o destinado às mesmas dado ainda se insere no ónus probatório a cargo da AT, pois competia-lhe demonstrar que o contribuinte se recusou a exibi-las ou que elas correspondiam a serviços efetivamente prestados.
Isto posto, a nosso ver, a AT não demonstrou suficientemente que as apontadas irregularidades inviabilizavam o apuramento da matéria coletável por métodos diretos, porque não basta que a inspeção tributária aponte que a contabilidade da Recorrida padece de irregularidades, sendo, outrossim, imperativo, dado o carácter subsidiário da avaliação indireta, que se demonstre que essas irregularidades são de tal forma graves que não permitem a correção por métodos diretos, sendo seguro que para tal são insuficientes meras conclusões, não alicerçadas em factos concretos, sérios e seguros.
Deve, pois, ser mantida a sentença recorrida nesta parte.

3.2.2. Défice instrutório
Subsidiariamente, a Recorrente alegou a existência de défice instrutório por não ter sido realizada a inquirição da testemunha por si arrolada.
Mas não tem a Recorrente razão, pois que o depoimento a prestar pela única testemunha por ela arrolada se mostra irrelevante para a decisão a proferir, à luz de qualquer das soluções jurídicas plausíveis.
Com efeito, não está em causa a veracidade dos factos constantes do Relatório da Inspeção Tributária, o Tribunal a quo não os questionou, aceitando a sua verificação; o que não mereceu o acordo daquele Tribunal foi a conclusão da AT de que tais factos indiciantes eram suficientes para demonstrar a convergência dos pressupostos para aplicação de métodos indiretos.
Assim, não está, nem nunca esteve em causa a veracidade dos factos elencados no Relatório da Inspeção Tributária, mas apenas as ilações que deles se podem retirar. Ora, se o depoimento da testemunha apenas podia incidir sobre os factos e os mesmos estão vertidos no Relatório da Inspeção Tributária, não tendo sido objeto de contestação, era manifestamente inútil a inquirição daquela testemunha (artigo 130º do Código de Processo Civil), pelo que tal diligência era, não só desnecessária, como também proibida.
Na improcedência de todas as conclusões do presente recurso, deve ser-lhe negado provimento.» (fim de citação)

Acolhendo o discurso fundamentador do acórdão que vimos de citar, o qual, em face da factualidade nele adquirida e da argumentação jurídica produzida, detém, como se referiu, perfeita adequação no caso dos autos, nomeadamente ao nível do discurso em 1ª instância por se tratar do mesmo julgador, nenhumas outras considerações se afigura necessário acrescentar, restando, pois, concluir, face a tudo o que foi dito na análise relativa aquelas duas questões e que também aqui nos foram dirigidas, que a sentença não errou no julgamento de facto e de direito que fez da verificação da inexistência de factos concretos, sérios e seguros que legitimassem o recurso aos métodos indirectos e, da não ocorrência de défice instrutório, pelo que, em consequência, é neste segmento de manter na ordem jurídica.

2.2.1. No entanto, como já referimos supra, o presente recurso vai mais além e ataca a sentença sob recurso (conclusões 35. a 39.) quanto ao julgamento ali operado no que concerne à dedução de IVA de materiais (correcções técnicas) em que, aquela, considerou que AT não cumpriu com o ónus da prova que sobre ela recai.
Contra argumenta, a recorrente, que o sujeito passivo que se dedica a uma certa actividade não pode deduzir, para efeitos de IVA e IRC, compras para actividade diferente (se, por hipótese, comercializa peças de vestuário prontas a vestir não pode deduzir o IVA e o custo da compra de tecido que terá sido utilizado na confecção de um fato para o cliente), pelo que, a compra do material em causa (granito Vila Real e Bissel Acabamentos) deve ser considerada, como foi em sede inspectiva, como compra de “materiais não afectos à actividade”, ou seja, como compra não reportável ao ofício da recorrida. Mais refere, que compete a recorrida demonstrar os factos constitutivos do direito à dedução de IVA que se arroga, designadamente, provar que o material e serviço fora facturado ao cliente. Assim sendo, são indícios bastantes e fundados para efeitos de correcção do IVA a referência feita pela AT de que as compras do material aposto nas facturas não se mostra compreendido no “oficio desenvolvido” pela recorrida.
Pelo que, nesta parte, o Tribunal a quo também violou o artigo 75º, nº1 e nº2, da LGT, bem como violou o artigo 20º, nº1, do CIVA e o artigo 342º, nº1, do CC.
Esta a questão a decidir, atentamos, pois, ao dissidente sobre as facturas de aquisição de granito na sentença recorrida:
«• Materiais não afectos à actividade” (ano de 2008)
Resulta do Anexo 14 do relatório de inspecção que tendo sido anteriormente questionado o Sujeito Passivo (SP), via Técnico Oficial de Contas (TOC) sobre qual o fim a que se destinou e/ou onde foi facturado a clientes a aquisição de “Granito Vila Real” e “B... Acabamento” que levou a compras, em 11-09-2008, através do registo contabilístico diário nº 119/41, pelo valor de 516,72€ acrescido de IVA que deduziu no valor de 103,34€, foi respondido que foi debitado a clientes através da factura nº 115, de 13/10/2008.
Dado que essa factura, emitida a clientes, apenas refere “Reboco” e não aplicação desse tipo de materiais (Granito), a administração fiscal solicitou esclarecimento adicional ao gerente da Impugnante, o qual referiu “que efectivamente comprou a pedra e que a mesma foi aplicada na obra do cliente, por solicitação deste, tendo a factura emitida descrito apenas a normal prestação de serviços que efectua”.
Em face do exposto, concluiu a administração fiscal que “tendo a Impugnante deduzido IVA, por via de consumos de compras, de materiais para os quais não se comprova que os mesmos tenham relação com a actividade e operações activas realizadas pelo SP (Granito de Vila Real Acabamento. O SP refere que foi debitado a cliente na Factura 115, de 13/10/2008, no entanto, a factura referida apenas refere reboco e não aplicação de granito Vila Real. Logo este custo não é aceite e o IVA não é dedutível, dado que não terá sido afecto à actividade da empresa), será aqui esse mesmo IVA deduzido corrigido não se aceitando essas deduções, tendo em conta o estabelecido no art. 20, nº 1 do CIVA (...)”.
Dispõe o citado artigo 20º, nº 1 do CIVA o seguinte:
“1 – Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
(...)”.
No presente caso, a Administração Tributária considerou que a Impugnante não provou que os bens adquiridos (“Granito Vila Real” e “B... Acabamento”) “tenham relação com a actividade e operações activas realizadas pelo SP”, pelo que não aceitou a dedução do IVA incorrido nessa operação.
Ora, como ensina SÉRGIO VASQUES, in O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, p. 337, resulta do artigo 168º, alínea a), da Directiva IVA, que por princípio é dedutível pelo sujeito passivo o imposto incorrido na aquisição de todos e quaisquer bens e serviços a outros sujeitos passivos, posto que estes sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas. O sistema europeu do IVA não fixa qualquer limitação de princípio quanto ao tipo de bens e serviços capazes de gerar o direito à dedução. Os bens de investimento ficam desta maneira abrangidos pelo mecanismo do crédito de imposto, ao contrário do que sucede noutros sistemas, ainda que isso vá sendo cada vez mais raro. Excluídos do direito à dedução ficam por princípio apenas os bens ou serviços que suscitem confusão entre a esfera pessoal e a esfera empresarial, aos quais se refere o artigo 176º da Directiva IVA.” (sublinhado próprio).
Assim, “quando o bem não seja utilizado para os fins das actividades económicas do sujeito passivo, tal como o artigo 9º [da referida Directiva] as define, mas antes para o consumo privado do sujeito passivo, não se constitui o direito à dedução” (ob. cit., p. 339).
Em face deste enquadramento, e considerando que a Impugnante beneficia da presunção de veracidade dos seus registos contabilísticos, nos termos do artigo 75º, nº 1 da LGT, resulta claro que competia à Administração Tributária demonstrar ou, pelo menos, reunir indícios fundados de que os bens adquiridos pela Impugnante foram utilizados para fins diversos da actividade por ela desenvolvida.
Todavia, o que se constata no presente caso é que a Administração Tributária acaba por inverter o ónus da prova, fazendo letra morta da referida presunção e exigindo ao contribuinte que demonstre a utilização concreta dos referidos bens, o que obviamente não é de admitir, por não existir qualquer elemento que aponte no sentido de tais bens terem sido destinados a fins alheios à empresa.
Acresce que, suscitando-se dúvidas à Administração Tributária quanto à aplicação desses bens, deveria a mesma ter desenvolvido diligências no âmbito do procedimento inspectivo tendo em vista o esclarecimento dos factos para a descoberta da verdade material, nomeadamente junto do cliente identificado pela Impugnante como sendo o destinatário de tais bens, o que também não sucedeu.
Em face do exposto, forçoso é concluir que a correcção em causa padece de ilegalidade, por erro nos pressupostos, o que acarreta a invalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios na parte em que se fundamentaram naquela.» (fim de transcrição)
Não podemos deixar de concordar com o assim decidido.
Só conferem o direito à dedução as operações (não isentas ou que beneficiem de isenção completa) previstas no artigo 20.º do CIVA, devendo os bens e serviços em causa estar directamente relacionados com a actividade do sujeito passivo, tendo sido este o fundamento invocado pela Administração Tributária.
Ora, como decorre do Acórdão do STA de 15.11.2017, proferido no âmbito do processo nº 0485/17, “(…) no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT). Assim, (…), impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade, cabendo, por sua vez, ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos (...)”.
Concretizando, quando a actuação correctiva da AT, decorre de não aceitar consumos de compras, de materiais para os quais entende não estar comprovado que os mesmos tenham relação com a actividade e operações activas realizadas pelo sujeito passivo, impende sobre si o ónus de fundamentar a sua posição aduzindo razões económicas e contabilísticas adequadas à realidade invocada pelo sujeito passivo, de modo a pôr em causa aquelas compras, sendo insuficiente a simples alegação de que a justificação apresentada por este não colhe – porque a factura correspondente não refere colocação de granito.
A AT, através dos seus serviços inspectivos, devia ter provado a factualidade que a levou a não aceitar a dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
Sucede que, nos autos, aquele ónus não se encontra satisfeito, limitando-se a AT, em termos de fundamentação, a emitir juízos opinativos mal suportados, tais como quando se refere que ““tendo a Impugnante deduzido IVA, por via de consumos de compras, de materiais para os quais não se comprova que os mesmos tenham relação com a actividade e operações activas realizadas pelo SP (Granito de Vila Real Acabamento. O SP refere que foi debitado a cliente na Factura 115, de 13/10/2008, no entanto, a factura referida apenas refere reboco e não aplicação de granito Vila Real. Logo este custo não é aceite e o IVA não é dedutível, dado que não terá sido afecto à actividade da empresa), será aqui esse mesmo IVA deduzido corrigido não se aceitando essas deduções, tendo em conta o estabelecido no art. 20, nº 1 do CIVA (...) (…)”.
Perante as declarações do sujeito passivo de que “... efectivamente comprou a pedra e que a mesma foi aplicada na obra do cliente, por solicitação deste, tendo a factura emitida descrito apenas a normal prestação de serviços que efectua.”, cumpria aos serviços inspectivos irem mais longe na recolha de dados que permitissem sustentar a “tese” que avançou.
Em suma, andou bem o tribunal a quo ao considerar que a recorrente AT incorreu em erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto, ao contrário da sua argumentação, não se afigura “tout court” do indiciado que as despesas com a aquisição de “Granito Vila Real” e “B... Acabamento” que levou a compras, em 11.09.2008, através do registo contabilístico diário nº 119/41, pelo valor de 516,72€ acrescido de IVA que deduziu no valor de 103,34€, não tenham sido afectos à actividade do sujeito passivo.
Temos, pois, que a decisão de procedência da impugnação encontra-se fundamentada, em termos que merecem a nossa total concordância. E porque nela se fez correcta e ajustada aplicação das disposições legais pertinentes, não ocorre violação das normas legais apontadas pela recorrente, assim improcedendo todas as conclusões do recurso.

2.3. Conclusões

I. Não basta a existência de irregularidades na contabilidade para que a AT possa proceder ao apuramento da matéria coletável com recurso a métodos indiretos pois este constitui uma última ratio fiscal, apenas havendo lugar aos mesmos quando não seja possível que esta avaliação seja feita diretamente.

II. A lei não consagra como situação típica de anomalia/ incorreção que sustente o recurso à avaliação indireta a divergência (ou o afastamento) entre os valores/ rácios apurados pelo sujeito passivo e as médias correspondentes apuradas para o mesmo sector de atividade. Por conseguinte, tais discrepâncias, por si só, não servem para fundamentar a opção pela avaliação indireta.

III. A lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção, daí que, se o juiz dispensar a produção de prova, não se possa dizer que foi preterida uma formalidade legal, sem prejuízo de a omissão de diligências de prova, na medida em que possa afetar o julgamento da matéria de facto, poder acarretar a anulação da sentença por défice instrutório.

IV. No âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do artigo 342° do C. Civil e nº 1 do artigo 74° da LGT).

V. Compete à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

VI. Sobre as declarações do sujeito passivo existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio base consagrado no artigo 75.º da LGT.

3.DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 20 de outubro de 2022
Irene Isabel das Neves
Paula Moura Teixeira
Margarida Reis