Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02224/20.5BEBRG-R1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/06/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DESPACHO INTERLOCUTÓRIO, REJEIÇÃO DE MEIO DE PROVA;
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM PODER DE TERCEIRO; FUNDAMENTAÇÃO;
RECURSO EM SEPARADO;
Sumário:Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, fundamentando devidamente a decisão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA» interpôs, em separado, recurso jurisdicional do despacho interlocutório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em 01/03/2023, que indeferiu a junção aos autos dos documentos requeridos, nomeadamente “dos elementos da contabilidade da devedora originária desde 2009 até à data da apresentação da insolvência”, no âmbito do processo principal de oposição judicial n.º 2224/20.5BEBRG.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1- O recorrente não se conforma com o douto despacho recorrido por considerar que a decisão recorrida viola o preceituado no artigo 211.º, n.º 2 do CPPT – não admissão de um meio de prova.
2- Na sua oposição à reversão, o aqui Recorrente requereu que fosse ordenada a remessa aos autos de todos os elementos da contabilidade da devedora originária desde 2009 até a data da apresentação à insolvência, que se encontrava na posse do administrador de insolvência.
3- Tais documentos destinavam-se a fazer prova do alegado nos artigos 29.º e ss. da oposição à reversão.
4- Em 11/01/2023, a Meritíssima Juiz a quo notificou o aqui Recorrente dos documentos juntos aos autos e que considerava não ser necessário juntar todos os elementos da contabilidade da devedora originária.
5- Mais notificou o ora Recorrente que, caso assim não entendesse, devia especificar “quais são em concreto os documentos integrados (…) na contabilidade cuja junção pretende e os factos alegados na PI a cuja prova se destinam”.
6- A esta notificação respondeu o aqui Recorrente indicando os factos cuja prova pretendia com a junção da contabilidade dos anos de 2009 atá à data de insolvência, voltando a requerer a junção de todos os elementos constantes da contabilidade.
7- Acrescentando que não se encontram nos autos quaisquer elementos contabilísticos da devedora originária relativos aos anos de 2009 até à apresentação à insolvência.
8- Entendeu a Meritíssima Juiz a quo indeferir a requerida prova, pois não foram indicados em concreto cada documento pretendido, sendo deste despacho que se recorre.
9- Nos termos do disposto no art. 211º, n.º 2, do CPPT “São admitidos os meios gerais de prova”, pelo que no processo de impugnação, os factos alegados podem ser provados através de qualquer meio de prova admissível, como é o caso da prova documental em poder de terceiros: art. 432.º do CPC.
10- In casu, os documentos cuja junção se pretende estão na posse da Administradora de Insolvência nomeada no processo de insolvência, por imposição legal.
11- Ou seja, se estes documentos ainda estivessem em posse do ora Recorrente este podia juntá-los nos prazos legalmente estabelecidos, sendo a sua apreciação feita a posteriori.
12- A Meritíssima Juiz a quo, sem qualquer fundamentação legal, recusa-se a ordenar que os mesmos sejam juntos ao processo.
13- Com a junção aos autos dos documentos contabilísticos de 2009 até à declaração de insolvência da devedora originária, o ora Recorrente conseguirá demonstrar todos os factos por si alegados e que são essenciais para provar a sua falta de culpa e, assim, afastar a presunção de culpa prevista no art. 24.º, n.º 1 da LGT.
14- Como é sabido, a contabilidade é uma ferramenta de gestão, que tem como finalidade fornecer informações relevantes sobre o património e negócio da empresa, de modo a, com o conhecimento realista sobre a sua situação económica e financeira, permitir aos gerentes tomar decisões de gestão com base em dados objetivos, minimizando as falhas e erros de gestão.
15- Assim, só com a contabilidade no seu todo é que o Recorrente pode provar que, considerando a situação internacional e a forma como afetou o património e negócio da empresa, adotou todas as medidas ao seu alcance para impedir que o património da devedora originária se tornasse insuficiente para pagamento das dívidas tributárias.
(…)
Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se o douto despacho recorrido ordenando-se a notificação do Administrador de Insolvência para juntar aos autos todos os elementos da contabilidade da devedora originária desde a 2009 até à declaração de insolvência,
Assim se fazendo JUSTIÇA.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a decisão recorrida errou ao indeferir o pedido de junção dos elementos contabilísticos da devedora originária desde 2009 até à data da apresentação da insolvência.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

A decisão recorrida prolatada em primeira instância, em 01/03/2023, tem o teor que, de seguida, se reproduz:
«Tendo o Oponente, nos termos do despacho antecedente, sido notificado após determinação da junção aos autos de diversos documentos, “para especificar no prazo de 10 dias quais são em concreto os documentos integrados no processo de insolvência ou na contabilidade da referida sociedade desde 2009 até à data da insolvência cuja junção pretende seja determinada e os factos alegados na PI a cuja prova se destinam”.
E não tendo concretizado quais os documentos contabilísticos cuja junção pretende seja determinada.
Indefere-se a junção de documentos requerida, por se considerar não demonstrada a necessidade do “envio de todo o processo de insolvência, (…), e respetivos apensos, bem como o envio, pelo Administrador da Insolvência, dos elementos da contabilidade da devedora originária desde 2009 até à data da apresentação da insolvência”, para efeitos da prova da alegação a que se referiu.
Notifique às partes.»

2. O Direito

Insurge-se o Recorrente por o Tribunal “a quo” ter rejeitado o seguinte meio de prova – todos os elementos da contabilidade da devedora originária desde 2009 até à data da apresentação da insolvência, que se encontram na posse do Administrador da Insolvência – por violação do disposto no artigo 211.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 432.º do Código de Processo Civil (CPC).
A partir do artigo 29.º da petição de oposição, o Oponente alega matéria de facto tendente a demonstrar a sua ausência de culpa no facto de as dívidas não terem sido pagas imediatamente após a liquidação. Para tanto, elenca alguns dos seus comportamentos enquanto gerente da sociedade devedora originária, nomeadamente, que injectou na mesma, entre os anos de 2010 e 2012, mais de €100.000,00 do seu próprio dinheiro. Dinheiro este que terá sido adiantado pelo próprio Oponente precisamente para fazer face a diversos encargos, incluindo os tributos em causa nos autos. O Oponente refere-se, ainda, à sua facturação até 2009 e a partir desta data, à diminuição da estrutura da sociedade, a incumprimentos das empresas que consigo mantinham relações comerciais, identificando casos concretos, aludindo a prejuízo de cerca de €100.000,00 em finais de 2009, à diminuição dos contratos, ao redimensionamento da empresa e ao recurso ao crédito por si garantido, indicando um crédito (devido pela realização de uma obra de construção civil) de cerca de €200.000,00 que nunca chegou a receber até à apresentação da sociedade à insolvência.
Nos artigos 81.º e seguintes da petição inicial, o Oponente alerta não ter na sua posse os documentos contabilísticos da empresa, que provam toda esta situação alegada, pois tais elementos constam do processo de insolvência, e que tais elementos referentes aos anos de 2009 a 2012 estarão na posse do administrador da insolvência nomeado nesses autos, tratando-se de documentos em poder de terceiros relevantíssimos para prova, em particular, da matéria vertida nos artigos 29.º a 80.º da oposição.
O tribunal recorrido solicitou junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga diversos documentos ínsitos no processo de insolvência, tendo entendido que a junção destes documentos aos autos já satisfazia os objectivos visados pelo requerimento probatório do Oponente.
O Oponente foi notificado para, caso assim não entendesse, especificar, no prazo de 10 dias, quais são, em concreto, os documentos integrados na contabilidade da sociedade, desde 2009 até à data da insolvência, cuja junção pretendia fosse determinada e os factos alegados na petição inicial a cuja prova se destinam.
O Recorrente respondeu a esta notificação, dizendo que dos elementos juntos não consta nenhum elemento contabilístico desde 2009 até à data da apresentação à insolvência, sendo essenciais para prova do invocado nos artigos 29.º e seguintes da petição de oposição. Reiterando, por isso, que deveria a Administradora da Insolvência ser notificada para juntar aos autos os elementos contabilísticos desde 2009 até à data da apresentação da insolvência.
Por despacho proferido em 01/03/2023, aqui recorrido, o tribunal “a quo” decidiu indeferir a junção destes documentos, uma vez que o Oponente não concretizou quais os documentos contabilísticos cuja junção pretende, considerando não ter ficado demonstrada a necessidade de tal envio pelo Administrador da Insolvência.
É neste contexto que o Recorrente alega a infracção do preceituado no artigo 211.º, n.º 2 do CPPT, com todas as consequências legais.
Ora, do teor dos autos extrai-se, por um lado, apesar de não o afirmar, que o tribunal recorrido poderá ter considerado estar em causa um elevado número de documentos (nem todos necessários) e, por outro, o julgador, ao ter rejeitado esta prova documental e o que dela poderia ter resultado, corre o risco de deixar transparecer já ter firmado a convicção sem produção da prova. Contudo, não podemos olvidar que cabe ao revertido o ónus da prova da sua ausência de culpa, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT e que, se os documentos contabilísticos estivessem em seu poder, tê-los-ia apresentado com a petição inicial para prova dos factos aí invocados.
Efectivamente, de harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
Por sua parte, o artigo 114.º ex vi artigo 211.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objectivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).
É aqui pertinente o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”
Ora, analisando a petição do Recorrente e o teor da decisão recorrida, ressalta que o tribunal recorrido rejeitou este meio de prova por o Oponente não ter concretizado quais os elementos contabilísticos que pretendia fossem juntos aos autos.
Não há qualquer dúvida que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E os factos invocados em causa (designadamente, as injecções de capital próprio do Oponente que foram sendo realizadas desde 2010 até 2012, para pagamento dos tributos em apreço, entre outros) são susceptíveis de produção de prova, nos termos do artigo 115.º, n.º 1 ex vi artigo 211.º do CPPT.
Saliente-se que, apesar de o poder de realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados estar previsto oficiosamente, sempre poderá ser exercido a requerimento das partes ou do Ministério Público, não perdendo de vista que a descoberta da verdade material deve ser conjugada com os princípios da eficácia e racionalidade do processo tributário – cfr. anotação ao artigo 99.º da Lei Geral Tributária, efectuada por António Lima Guerreiro, na página 413, na Edição de Rei dos Livros.
Ora, a concretização do princípio do inquisitório em direito fiscal abstrai-se de aspectos formais, relevando somente, como vimos, averiguar se determinada diligência é substancialmente útil.
Na verdade, em tese, poderá ser plausível que o Recorrente pretendesse a junção de todos os elementos da contabilidade da devedora originária, dado que não teria qualquer utilidade observar documentos desgarrados, importando perceber qual a continuidade de cada um dos elementos contabilísticos até ao seu desfecho com a apresentação da sociedade à insolvência. Por exemplo, poderá importar constatar a entrada de “dinheiro” do Oponente na sociedade, mas é relevantíssimo seguir o seu rasto e verificar o seu destino final, nomeadamente, se a prioridade encontrada foi o pagamento dos impostos (cfr. artigos 32.º e 33 da petição inicial). Todas as dívidas, créditos ou a facturação em geral estarão relevados na escrita da sociedade devedora originária, daí que esta prova sugerida pelo Oponente, no seu todo e em articulação dos seus elementos constituintes, será potencialmente útil, pelo menos como princípio de prova e, depois, em concatenação com a restante prova produzida. Sem prejuízo de, após a junção aos autos, as partes, em colaboração com o tribunal, poderem destacar os elementos considerados mais pertinentes por referência à matéria de facto relevante (com expurgo da matéria genérica, conclusiva e de juízos de valor, não perdendo o tribunal de vista as várias soluções plausíveis de direito).
No entanto, em concreto, não parece que esta análise tenha sido efectivada.
Nestes termos, é nossa convicção que o tribunal “a quo” errou na fundamentação que utilizou para rejeitar os elementos da contabilidade, na medida em que tal motivação se mostra insuficiente, principalmente porque a documentação solicitada se encontra alegadamente em poder da Administradora da Insolvência.
In casu, a documentação contabilística está em poder de terceiro (Administrador da Insolvência), aplicando-se o disposto no artigo 429.º ex vi artigo 432.º, ambos do CPC. A parte, desde o momento da sua solicitação na petição de oposição, especificou os factos que com os documentos quer provar. Seria com base nos mesmos que o tribunal avaliaria o interesse para a decisão da causa, dado que a notificação de terceiro somente será ordenada tendo por base essa análise factual – cfr. artigo 429.º, n.º 2 ex vi artigo 432.º do CPC – o que não se mostra espelhado na fundamentação do despacho recorrido.
Embora os documentos não estejam em seu poder, ainda assim, a parte deve identificar quanto possível os documentos e especificar os factos que com eles quer provar – cfr artigo 429.º, n.º 1 ex vi artigo 432.º do CPC.
Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, será ordenada a notificação do terceiro – cfr. artigo 429.º, n.º 2 ex vi artigo 432.º do CPC. Ora, como referimos, esta ponderação mais ampla não se encontra realizada na decisão sindicada, dando origem a uma fundamentação incompleta ou insuficiente.
O tribunal recorrido, desta forma, obviou, sem motivação racional e convincente, que fosse produzida a prova requerida, não permitindo ao revertido a produção cabal e ampla dessa prova (cfr. artigo 115.º ex vi artigo 211.º do CPPT), uma vez que não avaliou ou, pelo menos, não externou, o interesse desses factos para a decisão do mérito da causa.
Face ao exposto, o recurso merece provimento, e, por conseguinte, a decisão recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica com essa fundamentação.

Conclusão/Sumário

Tendo sido requerida ou sugerida a realização de uma diligência, o juiz a quo somente não a deve efectuar se a considerar inútil ou dilatória, fundamentando devidamente a decisão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito do processo n.º 2224/20.5BEBRG, profira novo despacho de admissão ou rejeição do meio probatório em apreço, fundamentando devidamente a decisão, conforme supra se indica.

Custa a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 06 de Julho de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Ana Paula Santos