Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00016/12.4BEMDL |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/11/2023 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | Tiago Miranda |
| Descritores: | IRS; INDEMNIZAÇÃO RESOLUÇÃO ARRENDAMENTO VERSUS PREÇO DE TRESPASSE DE ESTABELECIMENTO; DEVER INQUISITÓRIO; |
| Sumário: | I – Não é imputável ao juiz, no sentido de se alegar uma violação do dever inquisitório, mas ao dispositivo da parte que indicou o meio de prova testemunhal, a dispensa da produção de tal meio quando aquela parte, ouvida previamente sobre tal projecto de despacho, apresentou requerimento não se opondo a tal. II - Improcede a alegação de omissão de produção de diligências de prova susceptíveis de se revelarem úteis, quando não incluir a indicação, em concreto, dessas diligências e dos factos (alegados e não provados) susceptíveis de ficarem provados mediante a sua realização.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório «AA», N.I.F. ..., e «BB», N.I.F. ..., residentes na Rua ..., lugar de ..., ..., em Vila Real, interpuserem o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 26 de Novembro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação apresentada contra a liquidação adicional de IRS relativamente ao ano de 2006 e juros compensatórios, no valor total de 27 363,30 € 721,63 €, de que foram objecto, resultantes de correcções aos valores declarados, com recurso a correcções técnicas. Da sua alegação seleccionamos e transcrevemos as CONCLUSÕES: «VI) Conclusões Ia) O recurso vem interposto da Sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida pelos recorrentes contra uma liquidação adicional de IRS que foi praticada com referência ao ano de 2006 e do montante de € 27.363,30. 2a) Os recorrentes entendem que na Sentença errou-se na apreciação dos factos e na aplicação do direito. 3a) O Tribunal não desenvolveu as iniciativas adequadas à descoberta da verdade, nem à boa decisão da causa, designadamente ao considerar inútil a inquirição das testemunhas arroladas pelos recorrentes. 4a) Se a impugnação tivesse seguido a marcha processual normal teria ficado provada, sem margem para qualquer dúvida, a inexistência de facto tributário, uma vez que teria ficado provado que inexistia qualquer rendimento resultante de uma «indemnização pela resolução do contrato de arrendamento». 5a) A impugnação também devia ter sido julgada procedente por ter ficado provado o vício de procedimento, uma vez que foram preteridas formalidades legais essenciais. 6a) Também devia ter sido dado como demonstrado o vício de forma, por insuficiência da fundamentação. 7a) Também ficou provada a verificação do vício de violação de lei, por atropelo ao bloco da legalidade, uma vez que foram desrespeitados os princípios da verdade material e da tributação de acordo com o rendimento real. 8a) Assim, a sentença padece de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação do direito. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais, nomeadamente a anulação da liquidação impugnada, por ilegalidade - art. 99° do CPPT, o reembolso da importância que os impugnantes pagaram e a fixação dos competentes juros indemnizatórios, para além da condenação da Fazenda Pública nas custas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça. Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação. O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do Recurso, redutível ao seguinte excerto: «(…) Alegam os recorrentes que a sentença enferma de erro de julgamento no âmbito da valoração da prova produzida e na aplicação da lei. Refere que o Tribunal não desenvolveu as iniciativas adequadas à descoberta da verdade material, designadamente ao considerar inúteis a inquirição das testemunhas que arrolou. Nos temos do disposto no artigo 115° e segs. do CPPT, são permitidos, no processo tributário, os meios gerais de prova, nomeadamente a testemunhal, permitindo o artigo 113° n° 1, desse diploma legal, que o juiz conheça de imediato o pedido “se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.” A lei permite ao juiz a dispensa de produção de prova, nomeadamente a testemunhal. Igualmente considera a jurisprudência que “a produção de prova testemunhal arrolada está dependente da sua necessidade para a decisão da causa, segundo o juízo de aferição do julgador” conforme se escreveu no Ac. do TCA Sul de 29/9/2009 no processo 03077/09. No caso em apreço os recorrentes arrolaram duas testemunhas. Sustentam os impugnantes que, por lapso, ficou a constar de sentença homologatória de transacção, na Acção Ordinária n° ....4/03.4YBVRL, que correu termos no ... Juízo do Tribunal de Vila Real, que seria pago um valor a título de indemnização por resolução do contrato de arrendamento, quando, na verdade, devia ter constado que tal valor deriva de trespasse de estabelecimento comercial, pelo que não haveria lugar à liquidação. A referida sentença homologatória transitou em julgado. A haver um lapso material, na versão dos recorrentes, tal teria de ser suscitado e decidido na mencionada Acção Ordinária, conforme decorre dos artigos 666º e 667º, ambos do CPC. Andou bem a Mma Juiz ao decidir que era desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas pelos recorrentes, no caso, os mandatários das partes que intervieram na citada Acção Ordinária, dado que não é neste processo que de podia dar como provado que se verificou um lapso material na Acção n° ....4/03.4YBVRL do Tribunal Judicial de Vila Real. Acresce que, proferiu o despacho de fls. 75, pronunciando-se pela desnecessidade da sua inquirição, do qual os recorrentes foram notificados para dizer o que se lhe oferecer no prazo de dez dias e que a fls.. 78 (por lapso está numerada de 73), expressamente declararam que nada tinham a opor. A referência que agora efectuam relativamente à não inquirição das testemunhas, demonstra, em nosso entender, que estão a ter uma posição jurídica em contradição com o comportamento que anteriormente assumiram nos autos. Estabelecida assim a base factual, nenhuma censura pode ser assacada à sentença, a qual, em face das razões de facto e/ou de direito em que assentou e a fundamentação aduzida é merecedora de confirmação, não se verificando os alegados vícios. O recurso não merece provimento.» Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II- Âmbito do recurso e questões a decidir Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações. Assim, as questões colocadas pelos recorrentes são as seguintes: 1ª Questão A Sentença errou no julgamento em matéria de facto por não ter esgotado toda a prova que se podia produzir relativamente à causa de pedir, designadamente por não ter sido produzida a prova testemunhal arrolada? 2ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento em matéria de direito porque não julgou procedente a alegação de vício de procedimento, uma vez que não foram cumpridas todas as formalidades legais, designadamente não foram levadas a cabo quaisquer diligências na sequência dos esclarecimentos dados pelos impugnantes em sede de audiência prévia? 3ª questão A sentença recorrida errou no julgamento em matéria de direito, violando o bloco de legalidade constituído pelo princípio da busca da verdade material e pelo princípio da tributação segundo o rendimento real? III – Apreciação do Recurso Para a discussão desta questão releva antes de mais a discriminação de factos provados feita na sentença que se passa a transcrever: «III - MATÉRIA DE FACTO PROVADA Com relevo para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos: 1. Pela ordem de serviço n.° ...89, foi iniciada inspecção tributária aos Impugnantes quanto ao exercício de 2006, relativamente a IRS - cfr. fls. 33 e seguintes dos autos em suporte físico; 2. No âmbito da inspecção referida no ponto anterior, foi elaborado relatório, do qual resulta, com interesse, que — cfr. fls. 36 e 37 dos autos em suporte físico: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 3. Na sequência do referido relatório de inspecção foi efectuada liquidação de IRS para o ano de 2006, no valor de 27.363,30€, a qual se encontra paga – cfr. fls. 40 e 41 dos autos em suporte físico; 4. Os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa, a qual foi indeferida – cfr. fls. 43 a 49 dos autos em suporte físico; 5. Os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico, sobre o qual foi proferido despacho de indeferimento – cfr. fls. 52 a 59 dos autos em suporte físico; 6. Correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real, sob o n.º ....4/03.4TBVRL, acção ordinária, na qual as partes (entre elas os aqui impugnantes) transigiram, constando de tal que acordavam indemnização por resolução de contrato de arrendamento; 7. A petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida ao Serviço de Finanças ..., em 08.02.2012 – cfr. fls. 3 dos autos em suporte físico. * Factualidade não provada Não resultou provado que: 1. Os Impugnantes apresentaram o requerimento de fls. 23 a 25 dos autos em suporte físico no Tribunal Judicial de Vila Real, para obter a rectificação da sentença que originou a liquidação impugnada. Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado. * Fundamentação: Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos. No que concerne à factualidade não provada, a mesma resultou da circunstância de não ter sido demonstrado que houve diligências no sentido de proceder à rectificação da sentença que esteve na base da liquidação impugnada. Saliente-se que apenas por via documental, mormente juntando certidão comprovativa da junção do requerimento ao processo judicial, seria possível dar por assente que houve um lapso na redacção da aludida sentença e que houve tentativa de o resolver» Atento o objecto material da primeira questão, convém acrescentar à discriminação dos factos provados, nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC, os seguintes factos provados, que o estão por integrarem a tramitação dos próprios autos: 8. Em 20 de Novembro de 2012 o juiz titular do processo na primeira instância proferiu o seguinte despacho: “Afigura-se-me que os autos dispõem de elementos suficientes para decidir, sendo, por isso, desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas (cfr. artigo 13.º do CPPT). Sobre isto, notifique os impugnantes para dizerem o que se lhes oferecer, no prazo de dez dias. 9. Notificados, os Impugnantes apresentaram, em 11 seguinte, requerimento nos seguintes termos: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 10. Em 14 de Maio de 2013 o mesmo juiz proferiu o seguinte despacho: Atenta a não oposição ao despacho que antecede, dispenso a inquirição das testemunhas arroladas. Notifique. * Notifique as partes para, querendo, alegarem por escrito no prazo de trinta dias, nos termos e para efeitos do artigo 120.º do CPPT. 11. Em 13 de Junho seguinte os recorrentes apresentaram as suas alegações escritas, que são tudo o que praticaram no processo na sequência da notificação daquele despacho. Voltemos, então, às questões acima expostas: 1ª Questão A Sentença errou no julgamento em matéria de facto por não ter esgotado toda a prova que se podia produzir relativamente à causa de pedir, designadamente por não ter sido produzida a prova testemunhal arrolada? Conforme resulta da matéria de facto provada aditada nesta instância, os recorrentes foram notificados do despacho que apenas preconizava a dispensa da prova testemunha e conformaram-se expressamente com esse projecto. Depois, notificados do despacho preconizado, não o impugnaram. Como assim, é, afinal, ao poder dispositivo dos Impugnantes e ora Recorrentes, e não ao Tribunal a quo, que in casu é imputável a não produção de prova testemunhal, designadamente quanto ao facto do erro na redacção da sentença homologatória da transacção lograda no processo judicial. Pelo exposto, a resposta a esta questão é negativa. 2ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento em matéria de direito porque não julgou procedente a alegação de vício de procedimento, uma vez que não foram cumpridas, no procedimento, todas as formalidades legais, essenciais? A alegação do “vicio de procedimento” vem explicitada, na PI em termos segundo os quais o vício quejando se deveria à omissão de formalidades legais e esta consistiria em não ter sido “desenvolvido qualquer esforço para tentar descortinar a verdade material” (artigo 17º da PI). O enquadramento jurídico desta alegada omissão de esforço de descoberta da verdade material é constituído pelo artigo 6º do RCPIT e pelo artigo 13º da LGT que consagram o princípio inquisitório no procedimento. Porém, os recorrentes não fazem o menor esforço por identificar as diligências de instrução que consideram em faltam, nem mesmo especificam os factos (alegados e julgados não provados) que mediante elas poderiam ter sido provados. Desta feita, a reposta a esta questão só pode ser negativa. 3ª questão A sentença recorrida errou no julgamento em matéria de direito, violando o bloco de legalidade, designadamente o princípio da busca da verdade material e o princípio da tributação segundo o rendimento real. Quanto à alegação de violação do dever de busca a verdade material, já nos pronunciámos a propósito da questão 2ª. Quanto à violação do princípio da tributação do rendimento real: Os Recorrentes, embora digam, nas conclusões, que a sentença errou na apreciação dos factos, não impugnaram eficazmente a decisão em matéria de facto. Tão pouco procedem, como se viu, as alegações de que ficaram inespecificadas diligência de prova por fazer. Assim, a matéria de facto a ter em conta na apreciação desta derradeira questão (de direito) é aquela que consta da sentença recorrida. Ante os factos nela dados como provados nos pontos 2 (factos apurados no RIT) e 6 (transacção judicial) da matéria de facto, a liquidação em crise não violou o princípio da tributação segundo o rendimento real, pois o rendimento tributado foi auferido e proveio de uma indemnização pela resolução de um contrato de arrendamento, obtida mediante homologação por sentença, de uma transacção judicial. Como assim, é negativa, a resposta a esta questão. Conclusão: Do computo da apreciação das sobreditas questões resulta que o recurso improcede. IV – Custas As custas são responsabilidade da Recorrente, conforme decorre do artigo 527º do CPC. V- Dispositivo Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar improcedente Recurso. Custas pela Recorrente. Porto, 11/5/2023 Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina Santos da Nova Cristina Travassos Bento |