Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00732/09.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Cristina da Nova
Descritores:QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS TRIBUTÁRIOS;
DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL;
Sumário:
1.O tribunal apenas pode (deve) apreciar a impugnação de uma liquidação à luz da fundamentação acionada pela administração posto no contencioso tributário é de mera anulação.

2. A sentença apenas tem de averiguar se os factos integram a qualificação da administração, ajuizando se é ou não legal a liquidação.

3. Não pode é decidir que quantias gastas em viagens, despesas de eletricidade e telecomunicações na residência do administrador são remunerações do trabalho, ainda que em espécie, não recaindo qualquer obrigação de retenção na fonte. Por outro lado, assentir, quanto a estas últimas, que são despesas relacionadas com o objeto social da empresa e não dos seus administradores.

4. O fluxo financeiro consubstanciado em recebimento de parcelas de quantias de contrato de promessa e bem assim dos trabalhos extra prestados pela sociedade, respaldadas na contabilidade, mas que não deram entrada na sociedade, que fundou determinação da matéria coletável baseia-se em elementos registados e declarados pelo sujeito passivo, pelo que se está no domínio da determinação direta da matéria coletável. O método descrito não constitui uso de indícios ou factos base que se ligam a um determinado quantitativo, não é um meio presuntivo de determinação da matéria coletável.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO
A Fazenda Pública, vem recorrer da sentença que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida pela [SCom01...], S.A. relativamente ao IRS de 2006 por entender que a sentença é incongruente na apreciação da matéria de facto porque não avalia a justeza da tributação em IRS e não seleciona os factos relevantes para a apreciação da liquidação.
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Formula a recorrente, Fazenda Pública, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A. A Fazenda Pública não se conforma com a Sentença sob recurso julgou totalmente procedente a presente impugnação, deduzida por [SCom01...], S.A., contra a decisão de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa nº ...34, apresentada contra a liquidação de IRS (e Juros Compensatórios) nº ...38 , referente ao exercício de 2006, no montante global de € 20.246,11 (€ 18.991,14 de imposto e € 1.254,97 de juros compensatórios).
B. A liquidação de IRS de 2006 aqui impugnada resulta da ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço interna nº OI.........05, de âmbito parcial, em sede de IRS Retenções na Fonte, direcionada ao exercício de 2006. A generalidade dos factos dados como provados, na sentença sob recurso, são-no “conforme RIT”, isto é, confirmam a factualidade vertida no RIT. Veja-se, a este propósito, pontos 2 a 15 e 18 a 31 do probatório fixado na sentença sob recurso.
C. Nestes concretos autos, a impugnante submeteu à apreciação judicial apenas a liquidação de IRS do exercício de 2006, e não quaisquer liquidações de IRC ou de IVA. As correções de IRC, designadamente dos exercícios de 2004, 2005 e 2006, resultam de uma outra ação inspetiva (credenciada pela ordem de serviço n°OI........32), e não vêm impugnadas nos presentes autos. Todavia, dissecada a sentença objeto do presente recurso, verificamos que os fundamentos de facto e de direito foram tratados e trabalhados no sentido da procedência da pretensão formulada pela impugnante, mas de forma perfeitamente ilógica e juridicamente errada, surgindo, de forma ostensiva, discrepâncias entre as premissas factuais e a conclusão jurídica, que se fundamenta quase exclusivamente na desconsideração das correções feitas pela AT em sede de IRC IVA, o que justifica a revogação da presente sentença por erro de julgamento de direito.
D. As correções levadas a cabo pela Inspeção Tributária, no que respeita ao IRS de 2006, são exclusivamente de natureza aritmética, e não envolvem qualquer indício de terem sido presumidos valores. Pelo que, não há fundamento para que seja analisado e julgado procedente o argumento da impugnante, da eventual utilização encapotada de métodos indiretos nas correções efetuadas pelos SIT relativamente ao IRS de 2006.
E. A sentença sob dissídio leva ao probatório um total de 40 factos que considera resultarem provados nos autos. Alguns desses factos declara resultarem provados com recurso aos depoimentos prestados pelas testemunhas, sendo de sublinhar que a sentença (em sede da “Motivação da matéria de facto”) afirma que “O depoimento das testemunhas revelou-se objetivo, sério e esclarecedor para o Tribunal. As testemunhas, prestaram depoimentos claros e credíveis, assentes em conhecimento direto da realidade por si descrita, tendo em conta a sua intervenção nos factos, ou parte dos factos, que originaram o diferendo entre a sociedade impugnante e a AT em apreciação”. Não cremos que assim seja, pois, de harmonia com a sentença, o facto nº 39 foi confirmado pelo depoimento prestado por «AA», Ora, o RIT afirma que «AA» é responsável pela contabilidade da impugnante desde 04.04.2008, circunstância que, no entendimento da Fazenda Pública, impede o “conhecimento direto da realidade descrita tendo em conta a sua intervenção nos factos, ou parte dos factos, que originaram o diferendo entre a sociedade impugnante e a AT em apreciação”, o que não permite ao julgador firmar tal facto com base nesse “conhecimento”, que não é naturalmente DIRETO.
F. Nas páginas 15 a 16 da sentença, no âmbito da “Motivação da matéria de facto”, o Tribunal declara que tal testemunha («AA», responsável pela contabilidade da impugnante desde 04.04.2008), confirma “que os Administradores da sociedade impugnante eram à data dos factos remunerados”, e que explicou ao Tribunal “como foram tratados os rendimentos acessórios, nomeadamente viagens, gastos com portagens, comunicações e consumos de energia elétrica, dos Administradores da Impugnante, enquadrando-se tais despesas nos benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal, auferidos devido a prestação de trabalho na sociedade por parte dos referidos acionistas da mesma”. Mais uma vez, entende a Fazenda Pública que, não sendo «AA» responsável pela contabilidade da impugnante à data dos factos, o julgador não podia acolher tal facto e tais explicações com base nesse “conhecimento” indireto, pelo que, ao fazê-lo, incorreu em erro de julgamento de facto, por errada apreciação e valoração dos factos.
G. Ao que acresce, entende a Fazenda Pública, toda a suposta factualidade que vem referida na “Motivação da matéria de facto” com respeito aos depoimentos das testemunhas, é matéria sujeita a prova documental, que não foi feita, pelo que, nestes pontos, a convicção do Tribunal o Tribunal a quo, que só poderia fundar-se nos devidos documentos, não o tendo feito, fica inquinada por erro de julgamento de facto, por errada apreciação e valoração dos factos.
H. Na análise do Direito, o decisório considera, num primeiro momento, no que tange ás verbas referentes aos custos com viagens, eletricidade e comunicações, que “Assim, face ao exposto, do exame da factualidade provada deve concluir-se no sentido de que nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do objeto social da sociedade Impugnante, assim devendo enquadrar-se no artigo 23º do CIRC”.
I. Seguidamente, defende o Tribunal a quo que, “mesmo que os referidos custos não fossem considerados essenciais ao desenvolvimento da atividade da sociedade impugnante, o pagamento de tais serviços “em substituição dos seus destinatários” teriam de qualificar-se como rendimento em espécie, enquadrado no artigo 24º do CIRS”, pois, “a atividade dos destinatários dos serviços em causa, reconduz-se à prossecução dos fins lucrativos da Impugnante, pelo que, em consequência do desempenho de cargos de acionistas na empresa, auferem rendimentos enquadrados na categoria A do CIRS, como trabalho por conta de outrem.”
J. O Tribunal, aludindo a que, “Neste contexto, o nº 6 da alínea b) do nº3 do artigo 2º, do CIRS, determina que, se consideram rendimentos do trabalho dependente as importâncias despendidas pela entidade patronal com viagens e estadas, de turismo e similares, não conexas com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da mesma entidade”, diz que, “Só existe fundamento, para considerar quaisquer verbas como adiantamento por conta de lucros quando as mesmas não sejam suscetíveis de enquadramento como rendimento da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais (cfr. artigo 6º, nº4, do CIRS, versão à data dos factos), o que, claramente se compreende não ser o caso.”
K. Depois, ainda, o Tribunal a quo determina que “Resulta do teor do RIT, que «os factos em análise enquadram-se no conceito de fluxos financeiros das sociedades para os sócios relativos a lucros, antes do seu apuramento», sem qualquer outra fundamentação”, mas que “O que resulta do Probatório, não é a canalização ou transferência de fundos para os acionistas, mas da assunção de determinadas despesas efetuadas por conta da Impugnante, mas em nome dos acionistas em causa. Pelo que, sempre se teria de concluir, que as verbas em causa, são de enquadrar como rendimento de trabalho - crf. Artigo 2º, nº 6, alínea b), do CIRS.”, “sobre as mesmas não recai[indo] a obrigação de retenção na fonte por aplicação de taxas liberatórias previstas no artigo 71º, do CIRS.”, e com a “Com a consequência de, ao abrigo do disposto no artigo 103º do CIRS, a responsabilidade pelo pagamento do imposto caber ao substituído e não ao substituto, ora Impugnante.”
L. E, termina considerando que “O mesmo se diga em relação aos pagamentos de custos com eletricidade e comunicações, uma vez, que, a alínea b) do nº3 do artigo 2º, do CIRS, determina a sujeição a IRS das remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.
M. Decidindo que, assim, “verifica-se ter existido uma errónea qualificação dos factos tributários.”, pelo que “terá a presente impugnação que proceder quanto a este fundamento.”
N. Perante tal fundamentação de direito do Tribunal a quo, ficamos sem perceber, perante situações que têm tratamento fiscal diverso - previsto na lei – porque é que, no caso dos aludidos “Pagamentos em substituição dos reais utilizadores dos serviços”, por um lado “nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do objeto social da sociedade Impugnante, assim devendo enquadrar-se no artigo 23º do CIRC”, e, por outro, porque é que “mesmo que os referidos custos não fossem considerados essenciais ao desenvolvimento da atividade da sociedade impugnante, o pagamento de tais serviços “em substituição dos seus destinatários” teriam de qualificar-se como rendimento em espécie, enquadrado no artigo 24º do CIRS”, pelo simples facto de “a atividade dos destinatários dos serviços em causa, reconduz-se à prossecução dos fins lucrativos da Impugnante, pelo que, em consequência do desempenho de cargos de acionistas na empresa, auferem rendimentos enquadrados na categoria A do CIRS, como trabalho por conta de outrem”.
O. Entende a Fazenda pública que tal fundamentação de direito se encontra à margem de um normal percurso decisório, designadamente, em face da matéria de facto fixada na sentença, pelo que, ao assim decidir no plano da (in)dispensabilidade e tipo de custos para efeitos de IRC, o Tribunal a quo incorre em claro erro de julgamento de direito. A decisão do Tribunal supratranscrita é incongruente na apreciação da matéria dos presentes autos, desde logo, porque, como se facilmente se intui, está a avaliar da justeza da consideração de custos para efeitos de IRC, e não da justeza de qualquer tributação em IRS.
P. Quanto ao segundo ponto, relativo às referidas “omissão de proveitos de sinal recebido para celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel”, e “omissão de proveitos de trabalho extra de construção civil em empreendimento comercializado pela sociedade [SCom02...]” o decisório vertido na sentença considera que a AT atuou através de meras “presunções”, no primeiro caso, e através de “presunções encapotadas sob a forma de correções meramente aritméticas”, no segundo, aqui elaborando e fundamentando a decisão de procedência sob a perspetiva de análise das correções efetuadas à impugnante em sede de IRC. Ao assim decidir o Tribunal a quo incorre em claro erro de julgamento de facto e de direito.
Q. Quanto à matéria de facto, o juiz tem o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a pretensão do autor e a posição da Fazenda Pública, discriminando a que considera provada da não provada (cfr. art. 154º, 596º, 607º do CPC, e art. 123º do CPPT). Como impõe o art. 205º, da CRP, e resulta dos art. 154º e 607º do CPC, as decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido e qualquer dúvida suscitada no processo serão sempre fundamentadas. Ora, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por incorreta apreciação e valoração crítica de todos os factos, de acordo com a prova produzida nos autos, isto é, o erro de julgamento de facto ocorre porque o Tribunal decide mal ou contra os factos apurados. Importa, portanto, e também em face da “Fundamentação de Direito” da sentença recorrida, demonstrar porque a Fazenda Pública entende não padecerem as correções vertidas no RIT, bem como a liquidação de IRS de 2006 daí resultante, de vício conformador de ilegalidade, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito ao declarar procedente a ação e anulando a liquidação impugnada.
R. A sentença defende assistir razão à Impugnante, no que tange ás verbas referentes aos custos com viagens, eletricidade e comunicações, decidindo ter existido uma “errónea qualificação dos factos tributários”, por concluir “no sentido de que nos encontramos perante despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do objeto social da sociedade Impugnante, assim devendo enquadrar-se no artigo 23º do CIRC”, e que, “mesmo que os referidos custos não fossem considerados essenciais ao desenvolvimento da atividade da sociedade impugnante, o pagamento de tais serviços “em substituição dos seus destinatários” teriam de qualificar-se como rendimento” de trabalho dependente.
S. A sentença defende assistir razão à Impugnante, quanto à matéria coincidente com a referidas “omissão de proveitos de sinal recebido para celebração de contrato promessa de compra e venda de imóvel” e “omissão de proveitos de trabalho extra de construção civil em empreendimento comercializado pela sociedade [SCom02...]”, decidindo que a AT atuou através de meras “presunções”, no primeiro caso, e através de “presunções encapotadas sob a forma de correções meramente aritméticas”, no segundo, indo ao encontro do elaborado pela impugnante quanto à utilização encapotada de métodos indiretos de avaliação.
T. A Impugnação vem deduzida na sequência da liquidação de retenção na fonte de IRS n° ...38, referente ao ano de 2006, que originou um valor a pagar de € 18.991,14, mais juros compensatórios, resultante de ação inspetiva interna de âmbito parcial, em sede de IRS, retenções na fonte, direcionada ao exercício de 2006, cumprimento da ordem de serviço interna nº OI.........05.
U. Da investigação levada a cabo na esfera da “[SCom01...]” identificaram-se situações atípicas com contornos de transferências patrimoniais da sociedade para os seus titulares de capital” – facto provado 11 da sentença.
V. A impugnante [SCom01...], no exercício de 2006, omitiu à sua contabilidade e, consequentemente, à tributação, parte da sua atividade. As receitas resultantes dessa parte de atividade não integraram as disponibilidades da sociedade. Ainda, a impugnante, em substituição dos seus titulares de capital, efetuou o pagamento de despesas afetas à esfera pessoal e familiar destes. Assim, apurou-se que os titulares de capital da [SCom01...] obtiveram, no exercício de 2006, um acréscimo patrimonial, quer por via da entrada de fluxos financeiros, quer por via da ausência de saída de fluxos financeiros, na sua esfera pessoal, tudo, no montante global de € 94.955,70. – conforme factos provados 11 a 30 da sentença.
W. Mesmo na falta do registo contabilístico, na esfera da sociedade, estamos perante dividendos antecipados ou adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, que, na esfera da [SCom01...], deveriam ter sido considerados como uma variação patrimonial negativa, variação que não teria concorrido para a formação do lucro tributável nos termos do art° 24.° n.°1 alínea c) do CIRC, e, na esfera dos titulares de capital, devem ser tributados em sede de IRS, como rendimentos de Capitais.
X. Como, no exercício de 2006, estes rendimentos estavam sujeitos a taxa liberatória e não foi efetuada a correspondente retenção na fonte, é a sociedade pagadora que é responsável pelo pagamento do IRS não retido nos termos do art.° 103.° do CIRS e do art.° 28.° da Lei Geral Tributária (LGT). É a sociedade que tem a responsabilidade originária pela entrega do imposto, com a correspondente responsabilidade contraordenacional, e pelos juros compensatórios, e os titulares de capital são responsáveis apenas subsidiariamente pelo pagamento do imposto em falta. Nestes termos, foi liquidado o IRS não retido, no montante de € 18.991,14 (94.955.70x20%).
Y. Provou-se, sem recurso a quaisquer presunções (quer no âmbito do contrato de promessa, através dos recibos emitidos pela contribuinte, quer no âmbito dos serviços prestados à “[SCom02...]”, através de documentos emitidos pela própria [SCom01...] onde são descriminados os trabalhos extra realizados, o valor dos mesmos e o valor do respetivo IVA) a existência de fluxos financeiros que não integraram as disponibilidades da empresa. Estes montantes, pagos, constituíram proveitos e, como tal, tinham de ser inscritos na contabilidade da empresa, não podendo deixar de entrar na determinação do seu lucro tributável. Por seu turno, a circunstância de tais montantes pertencerem à sociedade, sem que os mesmos tenham integrado as suas disponibilidades, traduz, seguramente, um ingresso no património dos respetivos acionistas.
Z. A canalização de tais importâncias para os titulares do capital, não tendo sido efetuada qualquer prova da sua devolução à sociedade, em termos fiscais, não pode deixar de ser considerada como adiantamentos sobre lucros, tributados em sede de IRS como rendimentos de capitais.
AA. “A administração procedeu à determinação directa do valor real dos rendimentos sujeitos a tributação e, para tal, socorreu-se dos elementos de suporte que a própria sociedade impugnante tinha contabilizado”... “Não deixa de ser caricato que seja a própria sociedade impugnante a defender o apuramento estimado da matéria tributável, contrariando os elementos de suporte dos custos que ela mesmo tinha contabilizado”.
BB. Propugna a sentença recorrida, se bem se entende, no sentido do alegado pela impugnante, o entendimento de que as correções efetuadas pela Administração Tributária não são propriamente correções técnicas, mas meras presunções da existência de factos tributários e dos correspondentes rendimentos, a partir de indícios e elementos ao seu dispor, pelo que a AT teria procedido à determinação do rendimento tributável da Impugnante através de verdadeira avaliação indireta da matéria tributável.
CC. Ora, assim não se entende, pois o que os Serviços de Inspeção Tributária fizeram foi proceder à mera análise de documentos, e outros elementos e, consequentemente, do conspecto dos dados aí explanados, apenas foram extraídas meras constatações, ilações, e não presunções como afirma o impugnante. Portanto, bastou efetuar uma análise simples aos documentos para se concluir que os mesmos demonstravam a necessidade das correções indicadas no relatório fundamentador do ato tributário de liquidação de IRS posto em crise nos presentes autos.
DD. Presunções são deduções que se tiram de factos conhecidos para estabelecer ou firmar um facto desconhecido, pelo que, como se viu, não se trata de presunções, nem resulta do procedimento que houvesse a necessidade de firmar um facto desconhecido, uma vez que, no caso, a determinação da matéria tributável real era exequível a partir dos valores reunidos pelos SIT, provenientes dos elementos de suporte que a própria impugnante tinha contabilizado. Ou seja, foi possível apurar a atividade real da impugnante, o valor real efetivo dos rendimentos sujeitos a tributação, pelo que, a AT procedeu a meras correções técnicas ou aritméticas ao rendimento ora declarado pelo impugnante.
EE. Portanto, centrando-nos na alegada violação do disposto nos art. 87º e 88º da LGT, quando se decide que a AT deveria ter aplicado métodos indiretos, não podemos concordar com tal entendimento. O recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois a fixação da matéria tributável por tais métodos constitui um método excecional de tributação do rendimento. “(...) o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele impraticável.” (Cfr Acórdão do STA, de 7.5.2003, rec. nº 0243/03, Acórdãos do TCA Sul de 07.02.2006, proc. n.º 1068/03 e de 12.04.2005, Proc. n.º 3045/99).
FF. No caso concreto, pela motivação factual referenciada no relatório, justificava-se o recurso às indicadas correções técnicas, pois, não foram afirmados nem se vislumbram motivos para afastar a quantificação que foi efetuada e que, como assente, correspondem aos valores inscritos nos documentos existentes e apreendidos na impugnante. Os valores encontrados, denunciados pela documentação apreendida, tornaram necessária a correção efetuada direta, e, consequentemente, naquele montante e não em qualquer outro aleatoriamente determinado.
GG. O relatório dos serviços de inspeção tributária mostra-se devidamente estruturado, com o relato de toda a factualidade, pormenorizando o iter cognoscitivo percorrido para a obtenção dos valores que serviram de base à prática dos atos ora objeto de impugnação, não merecendo, por isso, qualquer reparo.
HH. Neste cenário, não restava à AT outra alternativa legal que não as correções produzidas, de natureza meramente aritmética, e resultantes de imposição legal, estando, aqui, até, legalmente vedado o recurso à avaliação indireta da matéria tributável. Em suma, a AT estava vinculada à aplicação do critério que deriva da lei, devendo, portanto, produzir as “correções técnicas” correspondentes.
II. Finalmente, em face de toda a matéria constante dos autos, e por tudo o que vem alegado neste recurso, entende a Fazenda Pública que o Tribunal incorre em erro de julgamento, porque toda a factualidade vertida nos autos obriga à simples aplicação das regras gerais do ónus da prova (cfr art. 74º, nº 1 e art. 75º, nº 1 e 2, al. a) da LGT, e art. 342º do CC). O art. 75º, nº 1 LGT estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita. Mas são suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75º LGT.
JJ. Como os indícios – os factos – apresentados pela AT (no RIT), de forma a legitimar a sua atuação, comprovadamente são, no caso em dissídio, objetivos, sólidos e consistentes, traduzem, no caso presente, a demonstração séria e elevada de os documentos analisados não refletirem a verdadeira realidade tributável do sujeito passivo. Perante tal cessação da presunção de veracidade da contabilidade e escrita, passou a caber ao contribuinte (à Impugnante) o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito. O que não fez.
KK. Pelo que, não tendo o Tribunal a quo respeitado a aplicação das regras gerais do ónus da prova, conforme artigos 74º, nº 1 e art. 75º, nº 1 e 2, al. a) da LGT, e art. 342º do CC, incorre, também nesse ponto, em erro de julgamento de direito.
LL. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, com o desta forma decidido não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que a douta sentença padece de erro de julgamento de facto por incorreta apreciação e valoração crítica de todos os factos e de toda a prova produzida e fixada nos autos, e, ainda, incorre em erro de julgamento sobre a matéria de direito, tudo, em violação do disposto nos art. 123º do CPPT, art. 74º, 75º, 81º, 85º, 87º da LGT, art. 342º do CC, art. 3º, 17º, 23º, nº 1, 24º, nº 1 al c) do CIRC e art. 5º, nº 1, 2 al h), 71º, nº 3 al c) e 103º do CIRS.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, com as devidas consequências legais.»

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A Recorrente [SCom01...], S.A., não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se, pela procedência do recurso, do seguinte modo:
«Não se conformando com a sentença proferida no presente processo em 26/09/2023, que julgou totalmente procedente a deduzida impugnação judicial da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS (e juros compensatórios) nº ...38, referente ao exercício de 2006, no montante global de € 20.246,11 (€ 18.991,14 de imposto e € 1.254,97 de juros compensatórios), dela recorreu a AT, imputando-lhe erro de julgamento de facto e de direito.
Sendo certo que, como se assinalou no acórdão proferido no âmbito do presente processo em 19/01/23 e que anulou, por falta de fundamentação, a nele então apreciada sentença, a sobredita impugnação “(…) tem como alvo a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares do ano de 2006, no valor de € 18.991,14 e respetivos juros compensatórios, decorrente da inspeção assente na ordem de ordem de serviço interna nº OI.........05 e é sobre ela que o tribunal tem de se pronunciar, do que dela consta enquanto elemento fundamentador da liquidação que integrou os factos como sendo a canalização de fundos da sociedade para os titulares de capital, que deve assumir a forma de lucros e que no ano de 2006, os rendimentos estavam sujeitos a taxa liberatória e não foi efetuada a correspondente retenção na fonte, sendo a sociedade pagadora a responsável pelo pagamento do IRS não retido nos termos do art. 103.º do CIRS e do art. 28.º da LGT, sendo ela que tem a responsabilidade originária pela entrega do imposto não retido no valor de 18.991,14€.” (cfr. SITAF, p. 479).
E que são as respectivas conclusões que definem e delimitam o objecto e o âmbito dos recursos (cfr. arts 635º, nºs 2 a 4 e 637º, nºs 1 e 2 do CPCivil).
Dito isto, cremos ser de acompanhar recorrente, pelas razões aduzidas na sua peça recursória - que, no essencial, se secundam.
Reiterando-se, naturalmente, o entendimento já expresso a respeito da impugnada liquidação nos pareceres anteriormente emitidos pelo Ministério Público, no sentido do bom fundamento da mesma (liquidação), em face da factualidade demonstrada nos autos (cfr. SITAF, pp. 111 e 457).
Nestes termos,
deverá ser concedido provimento ao interposto recurso.»


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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:
[i] Saber se há erro de julgamento da matéria de facto e de direito, quer na qualificação dos factos respeitantes aos custos com viagens, eletricidade e comunicações quer ainda porque estando em causa uma correção de natureza aritmética do ano de 2006, a título de IRS, por não ter sido feita retenção na fonte das quantias transferidas para os sócios a título de adiantamento dos lucros, a sentença errou ao afirmar que a AT atuou com “presunções”, encapotadas, sob a forma de correções aritméticas, ou fez uma utilização encapotada de métodos indiretos de avaliação.
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO
Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos:
1)A ora Impugnante foi submetida a ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço interna nº OI.........05, de âmbito parcial, em sede de IRS Retenções na Fonte, direcionada ao ano de 2006 - cfr. relatório de inspeção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo (PA), apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido - cfr. relatório de inspeção tributária (RIT), ínsito no processo administrativo tributário (PAT), apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
2)A ação inspetiva m.i. na alínea 1) deste Probatório, é consequência de procedimentos inspetivos externos desencadeados na esfera das sociedades "Imobiliária [SCom02...], Lda." (doravante, [SCom02...]), e "[SCom01...], SA" (doravante, [SCom01...]) reproduzido - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
3)A acção inspectiva à sociedade [SCom02...] foi desencadeada com o objectivo de efetuar a recolha de elementos com vista a informar o Processo de Inquérito n.° ...99/06. QTDPRT - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
4)A ação inspetiva m.i. na alínea 3) deste Probatório, teve origem numa denúncia remetida à Procuradoria-geral da República onde são tecidas algumas considerações ao comportamento fiscal da sociedade [SCom02...], de «BB», e seus filhos - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
5)Nesta denúncia é dito que, em empreendimento no Porto, designado “Porto ...", e em conluio com outra empresa, os apartamentos foram vendidos a um preço superior ao valor da escritura, € 25.000,00 em média, e que esta é uma prática recorrente, utilizada pelo empresário mencionado - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
6)Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT), no decorrer dos procedimentos preliminares para preparação da acção inspetiva à [SCom02...], entenderam ser pertinente alargar a investigação à sociedade [SCom01...] - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
7)A sociedade [SCom01...] iniciou a atividade em 1984.05.11, registada pelo exercício da atividade de Construção de Edifícios - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
8)Encontrava-se enquadrada no Regime Geral de Determinação de Lucro Tributável em sede de IR, e em sede de IVA, encontrava-se enquadrada no Regime Normal Trimestral com periodicidade mensal desde 1995.01.01 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
9)A sociedade [SCom01...] assume a forma jurídica de Sociedade Anónima, constituída por 5 sócios - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
10)O presidente do Conselho de Administração da empresa [SCom01...], que se manteve ao longo do período em análise, «BB», é detentor da participação maioritária na mesma - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
11)Os SIT concluíram da investigação levada a cabo na esfera da sociedade [SCom01...] identificaram “situações atípicas com contornos de transferências patrimoniais da sociedade para os seus titulares de capital” - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
12)Da análise às contas de custos identificaram os SIT, nas rubricas de eletricidade e comunicações, registos cujos documentos de suporte, emitidos pela EDP e TV Cabo, identificam como titular do contrato «BB» e, como morada de instalação, a morada que corresponde à morada fiscal do mesmo, ascendendo o total destes custos a € 1,095.33 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
13)Ainda, da análise às contas de custos, os SIT verificaram terem sido reconhecidos como custo do exercício pagamentos efetuados a agências de viagens, relacionados com viagens de lazer, realizadas pelos titulares de capital da sociedade, acompanhados com as suas famílias e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a atividade da empresa, no montante total €12.360,00 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
14)Os SIT, consideraram que sociedade [SCom01...] suportou custos e efetuou o respectivo pagamento em substituição dos reais utilizadores dos serviços - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
15)Através da informação prestada pelas agências de viagens que prestaram os serviços (m.i. na alínea 13) deste Probatório), concluíram os SIT tratar-se de viagens de lazer, uma vez, que, foram realizadas pelos titulares de capital da sociedade acompanhados por suas famílias e para destinos onde não é possível encontrar um ponto de ligação com a actividade da empresa - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
16)Os SIT concluíram que a sociedade [SCom01...] efetuou os pagamentos (m.i. nas alíneas 12) e 13) deste Probatório), sendo que, para fazer sair os capitais da sociedade, esta levou à contabilidade as correspondentes faturas - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
17)Deste modo, concluíram os SIT, que, está legitimada a liquidação adicional de IRS, efetuada na consideração de que as importâncias em causa constituíram adiantamentos por conta de lucros aos sócios em causa, e por isso, rendimento tributável, categoria E - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
18)Os SIT Identificaram duas situações onde, no seu entender, ficou comprovada a omissão de proveitos à contabilidade e à tributação em sede de imposto sobre o Rendimento e, consequentemente, que os respectivos fluxos financeiros não integraram as disponibilidades da empresa:
- Uma das situações está relacionada com um contrato promessa de compra e venda que a sociedade [SCom01...], na qualidade de alienante, celebrou com a empresa “[SCom03...], na qualidade de adquirente, em 2005.03.09;
- A outra situação está relacionada com trabalhos extra realizados no empreendimento "Porto ...", da sociedade [SCom02...] - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
19)No contrato celebrado com a “[SCom03...]”, ficou estipulado que o promitente alienante se comprometia a vender ao promitente adquirente, pelo preço de € 300.000,00, um armazém destinado a indústria, sito em ... - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
20)O pagamento do preço global foi acordado da seguinte forma: €5.000,00 na data da celebração do contrato de promessa de compra e venda (sendo dito no contrato que o mesmo dava quitação deste valor); €25.000,00 em dez prestações mensais iguais e sucessivas no valor de €2.500,00 cada uma, com início em 2005.04.01; e a restante quantia, €270.000,00, seria paga no dia da realização da escritura de compra e venda - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
21)Os SIT recolheram dados no decurso de actos de inspeção praticados sobre a “[SCom03...]”, constatando que esta efetuou a entrega de €5.000,00 na data da celebração do contrato promessa de compra e venda (m.i. na alínea 19) deste Probatório), de que a [SCom01...] deu quitação, e durante 14 meses, efetuou a entrega de prestações mensais de € 2500,00 cada, entre abril de 2005 e maio de 2006, inclusive, tendo sido emitido um recibo pela [SCom01...] da respectiva quitação, ascendendo assim a totalidade das entregas a € 40.000,00 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
22)Em 2006.06.12, foi celebrado um contrato de revogação do referido contrato de promessa de compra e venda, não sendo mencionado neste contrato que se tenha verificado a devolução das importâncias em causa - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
23)Os SIT consultaram os registos contabilísticos da [SCom01...], que interveio como promitente alienante no referido contrato promessa, tendo emitido os correspondentes documentos de quitação, e concluíram que tais proveitos não foram relevados contabilisticamente, pelo que, tal consubstanciou uma omissão de proveitos - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
24)No decurso do procedimento inspetivo, consideraram os SIT, ter detetado documentos elucidativos de que foram executados trabalhos extra em imóveis comercializados pela empresa [SCom02...], designadamente, respeitantes a fracções do prédio correspondente ao Lote ... do empreendimento "Porto ...", situado na freguesia ..., concelho ..., identificado na respectiva matriz urbana predial sob o artigo ...93 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
25)Nos aludidos documentos, emitidos pela [SCom01...], discriminam-se os trabalhos extra realizados - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
26)Os SIT concluíram que, não se verificou o reconhecimento contabilístico do proveito, com a consequente omissão no apuramento da matéria coletável de IRC e dos fluxos financeiros - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
27)No entender dos SIT, os serviços referidos na alínea 24) deste Probatório, foram efetuados no exercício de 2006, conforme verificável nos documentos e nos mapas resumo elaborados pela empresa, ascendendo o total da receita a € 41.500,37 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
28)Entenderam os SIT que, a sociedade Impugnante emitiu documentos comprovativos do efetivo recebimento dos valores subjacentes a estes serviços, no entanto, os fluxos financeiros relacionados com estes recebimentos não integraram as disponibilidades da sociedade - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
29)Para os SIT, não tendo estes montantes integrado as disponibilidades da sociedade Impugnante, foi a administração da empresa que ficou como fiel depositária das importâncias em causa - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
30)Sendo a administração da sociedade Impugnante assegurada pelos titulares de capital, concluíram os SIT, que, os titulares de capital da [SCom01...] obtiveram, no exercício de 2006, um acréscimo patrimonial no montante de € 94.955,70 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
31)A AT procedeu à liquidação de imposto, que, supostamente devera ter sido retido na fonte, no montante de € 18.991,14 - cfr. RIT, ínsito no PAT, apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
32)Em 10.02.2009 a ora Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação ora impugnada - cfr. procedimento de reclamação graciosa (PRG), ínsito no PAT apenso a este processo, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
33)Em 10.03.209 foi a sociedade Impugnante notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa - cfr. doc.nº1, junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por reproduzido;
34)A presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Penafiel no dia 12.02.2009 - cfr. fls.1 da paginação eletrónica, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
35)Os administradores da sociedade Impugnante são remunerados - cfr. depoimento da testemunha «CC»;
36)A sociedade Impugnante fazia estimativas dos custos das obras a realizar - cfr. depoimento da testemunha «DD»;
37)Essa trabalho de realização das estimativas dos custos de obras a realizar pela Impugnante era efetuado pela funcionária «DD»;
38)Os registos das estimativas tinham fins meramente pessoais (internos), serviam para a sociedade Impugnante ter uma ideia de quanto iria gastar com a execução de uma determinda obra - cfr. depoimento de «DD»;
39)O contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade Impugnante e a “[SCom03...]”, foi revogado, pelo que, as importâncias nele indicadas não foram objeto de registo contabilístico - cfr. depoimento de «AA»;
40)Foram executados trabalhos pela Impugnante no empreendimento “Porto ...” da sociedade [SCom02...], embora não saiba se o material referido nos documentos existentes no ficheiro informático detetado no âmbito do procedimento inspetivo foi ou não utilizado na execução desses trabalhos - cfr. depoimento de «EE».
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Não existem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
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Motivação da matéria de facto
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo e no procedimento de reclamação graciosa em apenso aos atos, bem como no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante: «CC»; «DD»; «AA» e, pela testemunha da Fazenda Pública: «EE», identificados em cada um dos factos.
O depoimento das testemunhas revelou-se objetivo, sério e esclarecedor para o Tribunal.
As testemunhas, prestaram depoimentos claros e credíveis, assentes em conhecimento direto da realidade por si descrita, tendo em conta a sua intervenção nos factos, ou parte dos factos, que originaram o diferendo entre a sociedade impugnante e a AT em apreciação.
Do relatório de inspeção tributária (RIT), resulta toda a factualidade que consubstancia a declaração fundamentadora dos atos e liquidações impugnadas.
As informações oficiais, em que se integra o RIT e respetivos anexos, fazem fé em juízo, sempre que devidamente fundamentadas, cfr. artigos 76º, nº1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 115º, nº2, do CPPT.
No entanto, uma coisa é dar como provado que a AT realizou os atos de inspeção descritos no Probatório e, recolheu as informações aí referidas, outra distinta é dar como provado o que ela concluiu, como efetivamente sendo essa a verdade dos factos.
Ora, do depoimento da testemunha arrolada pela Impugnante, «CC», efetuado com isenção e resultante de conhecimento direto, pois, à data da realização da audiência contraditória de inquirição de testemunhas, era funcionária administrativa da sociedade [SCom01...], à cerca de 23 anos, aí desenvolvendo a sua atividade em trabalhos de cariz administrativo, nomeadamente, lidando com assuntos relacionados com entidades Bancárias, cheques, pagamentos a fornecedores, administradores e trabalhadores da empresa, etc, resultou, que os Administradores da sociedade impugnante eram à data dos factos remunerados.
Facto igualmente confirmado pela testemunha, «AA», responsável pela contabilidade da Impugnante à vários anos (à data da audiência contraditória de inquirição de testemunhas), tendo acompanhado o procedimento inspetivo efetuado à sociedade Impugnante, que originou a liquidação objeto da presente impugnação judicial, tendo explicado a este Tribunal, de forma clara e objetiva, como foram tratados os rendimentos acessórios, nomeadamente viagens, gastos com portagens, comunicações e consumos de energia elétrica, dos Administradores da Impugnante, enquadrando-se tais despesas nos benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal, auferidos devido a prestação de trabalho na sociedade por parte dos referidos acionistas da mesma.
Demostrou ainda ter conhecimento da celebração do contrato promessa de compra e venda que a sociedade [SCom01...], na qualidade de alienante, celebrou com a empresa “[SCom03...]”, na qualidade de adquirente em 09.03.2005
Disse a este Tribunal, que, o contrato promessa de compra e venda celebrado entre a sociedade Impugnante e a “[SCom03...]”, foi revogado, pelo que, as importâncias nele indicadas não foram objeto de registo contabilístico.
Foi ainda confrontado com a questão da realização de obras por parte da sociedade Impugnante, no valor de € 34.297,00, respeitantes a trabalhos extra, no empreendimento “Porto ...”, o qual era propriedade e foi comercializado pela [SCom02...], entendendo a AT, que tal omissão se deveria refletir na esfera tributária dos acionistas sob a forma de adiantamento por conta de lucros, com base num mapa que constava do sistema informático da Impugnante.
Explicou ao Tribunal, que, do referido mapa não constava indicação sobre se o montante em causa correspondia aos custos suportados ou ao eventual preço de venda a debitar à [SCom02...].
A testemunha «DD», funcionária da Impugnante à [há] cerca de 18 anos, (à data da realização da audiência contraditória de inquirição de testemunhas) e, responsável pela elaboração dos orçamentos e estimativas de custos com obras a realizar pela sociedade Impugnante, prestou o seu depoimento de forma séria e objetiva e revelou conhecimento direto de tudo o que disse ao Tribunal.
Esclareceu o Tribunal sobre o procedimento da sociedade Impugnante, relativo a estimativas e orçamentos elaborados pela Impugnante, com vista à realização de obras.
Demonstrou saber da existência do mapa constante do sistema informático da Impugnante, onde se encontravam discriminadas as frações objeto de trabalhos extra e indicação de valores.
A Inspectora Tributária, «EE», testemunha da Fazenda Pública, quando confrontada com esta questão, recusou a ideia de os registos em causa corresponderem a estimativas de obras a realizar pela sociedade impugnante, fundamentando a sua posição, no mapa que constava do sistema informático da Impugnante à data da realização do procedimento inspetivo, no qual se encontravam discriminadas as frações que tinham beneficiado de trabalhos extra e os respetivos valores.
Não demonstrou a AT, no entender deste Tribunal, de forma coerente, que a correcção em causa tenha assentado em premissas seguras e válidas.
Nada mais de relevante, há a retirar da prova carreada a estes autos, tanto mais, que grande parte das questões se reporta a apreciação de questões de direito.
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4. APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO
Tal como definido pela recorrente o âmbito do recurso, nas suas conclusões, a questão que se coloca é averiguar se há erro de julgamento da matéria de facto com a respetiva valoração quer na qualificação dos factos respeitantes aos custos com viagens, eletricidade e comunicações, quer ainda porque estando em causa uma correção de natureza aritmética do ano de 2006, a título de IRS, por não ter sido feita retenção na fonte das quantias transferidas para os sócios a título de adiantamento dos lucros, a sentença errou ao afirmar que a AT atuou com “presunções”, encapotadas, sob a forma de correções aritméticas, ou fez uma utilização encapotada de métodos indiretos de avaliação, por outro lado, julgar que os custos com viagens, eletricidade e comunicações se enquadram nas despesas que se destinam a assegurar o normal desenvolvimento do objeto social, enquadrando-se no art. 23.º do IRC.
Considerando os factos provados nos pontos 12) e 13), 17) e 18) a 23) e 25) a 31), tendo a sentença anotado as posições divergentes das partes, discreteou de modo a conceder provimento à impugnação com a assunção da tese da impugnante, nomeadamente, quanto à qualificação de rendimentos do trabalho e não adiantamento por conta dos lucros; ao facto de ter sido determinada a matéria coletável através de correções de índole presuntiva, ou seja, presumiu-se que a sociedade havia recebido rendimentos (quantias) que não estavam registados na contabilidade e que foram usufruídos pelos acionistas, por um lado; por outro lado, suportou despesas da esfera do acionista «BB».
Vejamos,
I. No segmento do relatório fundamenta-se que há um conjunto das quantias pagas pela sociedade a favor de pessoas singulares: documentos registados na sociedade na conta custos respeitantes a pagamentos à EDP e TV Cabo, figurando no contrato «BB» [1.095.,33€]; custo do exercício no ano de 2006 com pagamentos a agência de viagens, viagens de lazer realizadas pelos titulares do capital social e respetivas famílias, para destinos onde não se encontra ponto de ligação com a atividade económica da sociedade [12.360,00€];
II. No segmento do relatório que fundamenta a liquidação consta que se detetou, também, omissão de proveitos à contabilidade da sociedade referente a quantias recebidas a título de contrato de promessa de compra e venda, com a [SCom03...], na qualidade de adquirente, mediante recibo de quitação dos pagamentos parcelares no valor de 40.000€; foram executados pela sociedade [SCom01...] trabalhos extra, no ano de 2006, no empreendimento “Porto ...”, Lote ..., pertencente à sociedade [SCom02...] e tais fluxos financeiros não entraram na sociedade, apesar de ter emitido documentos comprovativos do efetivo recebimento dos valores subjacentes a tais serviços, que ficou na posse da pessoas da administração, titulares do capital social, no valor de 41.500,37€.

Conclui, a AT, no relatório que tais quantias constituem fluxos financeiros da empresa que ao serem apropriados pelos detentores do capital social constituem adiantamentos por conta dos lucros no decurso do exercício de 2006, ou seja, os acionistas beneficiaram com tais quantias na sua esfera privada, sendo dinheiro da empresa tem que ser entendido de acordo com o art. 297.º do Código das Sociedades Comerciais e art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. h) do CIRS, como lucros da empresa colocados à disposição dos respetivos titulares do capital social, ou seja, adiantamentos por conta dos lucros.

Ora, a sentença sem qualquer base factual decidiu que o primeiro grupo de quantias são remunerações do trabalho, ainda que em espécie, não recaindo qualquer obrigação de retenção na fonte. Por outro lado, assentiu, quanto a estas últimas, serem, também, despesas relacionadas com o objeto social da empresa e não dos seus administradores.
Na verdade, ainda que o cargo de administrador seja remunerado [como consta do facto provado 35 pelo depoimento da testemunha], desconhece-se os termos contratuais ou outros que estabeleceram essa remuneração, mormente em espécie.

Nada no relatório e no procedimento permite asseverar que as quantias despendidas pela sociedade com as viagens e os gastos de com a EDP e TV Cabo são pagamentos em espécie proveniente da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais trabalho de acordo com o art. 2.º, al. b) do CIRS ou a assunção de determinadas despesas efetuadas por conta da impugnante, mas em nome dos acionistas. (sic)

Mas, se considera que tais despesas integram o conceito de remuneração em espécie, não pode, do mesmo modo, dizer que tais despesas se inserem no âmbito social da empresa.
Tais gastos só poderiam ser ou remunerações ou custos da atividade.
Mas não são nem uma coisa nem outra em face da fundamentação que presidiu às correções.
Aliás, não há no processo indicadores para assim concluir, nem tão pouco foi essa a fundamentação adotada pela administração pelo que não pode o tribunal, assumir uma fundamentação diversa daquela que esteve na base das correções, dando-lhe uma outra fundamentação, sendo certo que ao tribunal apenas cabe apreciar a legalidade da liquidação ou das correções empreendidas pela administração atento os factos que coligiu e a fundamentação que aportou para o relatório em vista da referida liquidação.

No segundo grupo do fluxo financeiro consubstanciado em recebimento de parcelas de quantias do contrato de promessa e bem assim dos trabalhos extra prestados pela sociedade à [SCom02...], a sentença entendeu que a AT presumiu que aqueles aditamentos eram da empresa e foram apropriados pelos titulares do capital social, o mesmo sucedendo com os pagamentos dos trabalhos extra.

Ora, não resultando controvertido que as quantias mencionadas estão respaldadas em documentos, registados na contabilidade, não tendo dado entrada esse dinheiro na sociedade, permite, a ilação de que os titulares do capital social[administrador] fixou-os na sua esfera patrimonial pelo que permite à AT concluir que se trata de adiantamentos por conta dos lucros, pois, não ficou demostrado que, por um lado, com a revogação no final de 2006 do contrato de promessa o dinheiro foi devolvido e, por outro lado, as quantias pagas a título de trabalhos extra não comportaram o valor de 41.500,37€, face ao que ficou registado na contabilidade com quitação do pagamento dessa quantia.

A este respeito discreteou a sentença do seguinte modo (…) Da utilização encapotada de métodos indiretos
Como é sabido, e constitui doutrina e jurisprudência aceites, o sistema fiscal português consagra a declaração do contribuinte como método regra de apuramento dos rendimentos tributáveis, conforme disposto no nº2 do artigo 59º do CPPT.

No entanto, nem sempre o apuramento da matéria coletável se fará com base na declaração do contribuinte, desde logo, e ao que aqui nos interessa, quando do controlo efetuado resultar que a matéria coletável apurada na declaração não corresponde à realidade, prevendo a lei que, se do controlo efetuado pela AT resultar que a matéria coletável apurada na declaração não corresponde à realidade, o apuramento deixa de fazer-se com base apenas na declaração do contribuinte, podendo a AT quantificar a matéria tributável, através do recurso a meios alternativos de apuramento: ou com recurso a correções técnicas ou a métodos indiciários.
Porém, decorre da lei que o recurso aos métodos indiretos de avaliação da matéria tributável só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele, de todo, impraticável, já que constitui um método excecional de tributação do rendimento que só pode ser utilizado quando se mostra inviabilizada a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação dessa matéria coletável.

Com efeito, a lei estabelece que, mesmo no caso de ocorrerem irregularidades ou inexatidões na contabilidade, o recurso aos métodos indiretos só pode verificar-se quando não seja de todo possível a comprovação e quantificação direta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável (cfr. artigo 85, nº 1 e 87 da LGT).
(…)
Assim, dos concretos termos em que se acham redigidos os normativos legais referentes à avaliação da matéria tributável, deriva inquestionável que a decisão de tributar mediante o recurso a métodos indiretos só pode ser assumida nos casos e com os fundamentos previstos em leis tributárias, o que pressupõe a existência e a assunção de motivos implicantes da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
As situações previstas no artigo 87º da LGT são taxativas.
Vejamos.
Relativamente à invocada omissão de proveitos do sinal recebido para celebração de contrato promessa, impõe-se aqui relembrar os factos relevantes para apreciação desta questão.
Em 09.03.2005, a Impugnante celebrou um contrato promessa de compra e venda com a empresa “[SCom03...]”, para alienação de um imóvel, correspondente à fração ..., correspondente a um armazém destinado a indústria, no rés-do-chão esquerdo, terceiro a contar da esquerda para a direita, com a área coberta de 1000 m2, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...15..., pelo preço de € 3000.000,00.
A título de sinal estava previsto o pagamento inicial de € 5.000,00 e de 10 prestações mensais no valor de € 2.500,00 cada uma, com início em 01.04.2005 e a restante quantia de € 270.000,00, seria paga no dia da realização da escritura de compra e venda (cfr. resulta do teor do RIT).
Em 12.06.2006, o referido contrato promessa foi revogado, encontrando-se concretizadas entregas, pelo promitente comprador, no montante de € 40.000,00.
Desde já e como bem salienta a Impugnante, verifica-se uma contradição das correções propostas pela AT em sede de IRC da Impugnante e do IRS dos seus acionistas.
Efetivamente, para efeitos de IRC, a AT considera que foram omitidos os proveitos correspondentes aos adiantamentos recebidos por conta do negócio final, imputando-os ao momento do seu recebimento, daí resultando correções ao lucro tributável, ao paço que, para efeitos de considerar a tributação de IRS, pelo enquadramento como adiantamento por conta de lucros, considerou-se que o benefício dos acionistas ocorreu, na sua totalidade (€ 40.000,00), em 2006, sem precisar o momento em que tal ocorreu.
Resulta do teor do RIT, que, a sociedade Impugnante se apropriou das verbas recebidas como adiantamento do valor do contrato e, que no contrato de revogação da promessa de venda não foi mencionado que tenha havido devolução das importâncias em causa.
Na falta de qualquer registo, os SIT presumiram que os acionistas da sociedade Impugnante foram os destinatários dos valores em causa, na qualidade de fiéis depositários, o que, pressuporia a sua restituição à Impugnante e não a sua atribuição em termos definitivos.
Tendo em conta, que, não resultaram do procedimento inspetivo, elementos concretos, capazes de permitir a atribuição do momento em que as referidas verbas foram colocadas à disposição, de acordo com o disposto no artigo 7º, nº2, e alínea a), do nº3, do CIRS, a AT presumiu que tal aconteceu, por uma só vez, em dezembro de 2006. O que só é possível concluir, pela data de início da contagem dos juros compensatórios, que consta da Nota de Liquidação de Retenções na Fonte, uma vez, o RIT nada refere sobre este facto.
Relativamente aos proveitos de trabalho extra, resulta dos factos levados ao Probatório, que, os SIT consideraram, que, a sociedade Impugnante terá realizado obras no valor de € 34.297,00, respeitantes a trabalhos extra no empreendimento “Porto ...”, situado na freguesia ..., concelho ..., identificado na respetiva matriz urbana predial sob o artigo ...93, o qual era propriedade e foi comercializado pela [SCom02...], considerando que a referida omissão se devia refletir na esfera tributária dos acionistas sob a forma de adiantamento por conta de lucros.
Para fundamentar a sua decisão, a AT baseou-se num mapa que constava do sistema informático da Impugnante, à data do procedimento inspetivo, o qual descriminava as frações que beneficiaram de trabalhos extra e respetivos preços.
Sucede que, conforme resulta da matéria provada, esse mapa não continha qualquer indicação sobre se o montante em causa correspondia aos custos suportados ou ao eventual preço de venda a debitar à [SCom02...].
Na verdade, sendo a [SCom02...] a empresa promotora do empreendimento em causa e figurando a sociedade Impugnante, como empreiteira responsável pela execução da construção, a AT não demonstrou ter apurado se nos contratos estabelecidos entre as duas empresas não se encontrava já implícita a realização destas obras.
(…)
Resulta da prova produzida, que, os trabalhos foram realizados pela Impugnante e os clientes finais, que adquiriram as frações em causa à empresa [SCom02...], pagaram o preço referido na relação em causa.

Ora, haveria que encontrar o preço praticado pela Impugnante à [SCom02...] na prestação dos serviços em causa e, na atribuição desse preço, não podia a AT considerar que, o preço praticado pela Impugnante é exatamente o mesmo que a [SCom02...] praticou com os seus clientes.
Ou seja, a AT, não obstante inexistirem na contabilidade da Impugnante elementos de prova que definissem o exato valor da faturação, presumiu que o mesmo correspondia ao praticado pela [SCom02...] e, que o mesmo não conteria IVA liquidado.

Em causa está a determinação do valor da prestação dos serviços executados em 2006.
Resulta do procedimento inspetivo que a Impugnante escriturava uma “contabilidade paralela” à contabilidade oficial.

Nas conclusões do RIT, escreve-se “Concluímos que mesmo na falta de registo contabilístico, na esfera da sociedade, registos que não poderiam ter ocorrido uma vez que os valores em causa resultam de omissões à tributação, estamos perante dividendos antecipados ou adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, que na esfera da [SCom01...], deveriam ter sido considerado como uma variação patrimonial negativa, variação que não teriam concorrido para a formação do lucro tributável nos termos do artº24ºn.º1 alínea c) do CIRC e na esfera dos titulares de capital devem ser tributados em sede de IRS, como rendimentos de Capitais
Competia à AT encontrar o preço efetivamente praticado na prestação dos serviços de construção em causa à [SCom02...] e, para tal, ou possuía os elementos concretos, o que não era o caso, ou servindo-se de indicadores, teria de fazer uso da determinação indireta do que poderia ter sido o preço acordado entre a sociedade Impugnante e a [SCom02...].

Com efeito, e embora os contribuintes estejam incumbidos e obrigados a colaborar na produção das provas, em face do estatuído no artigo 59ºda LGT, tal não implica que a Administração Tributária possa eximir-se do dever de averiguar sobre a verificação dos factos suscetíveis de corresponderem aos elementos do tipo legal, exceto nos casos em que a lei estabeleça presunções juris et de jure .

Compete à AT a prova da existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, isto é, tem de provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja legítimo o ato de liquidação. Ao invés, compete ao Administrado, apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados os pressupostos vinculativos.
Pelo que contrariamente ao defendido pela AT as correções sindicadas foram efetuadas com base numa presunção de proveitos apurados pela AT e não em proveitos efetivos, o que, desde logo, traduz uma clara violação do princípio da tributação do lucro real.

Dir-se-á, portanto, que a Administração Tributária ainda que apelidando de correções técnicas e meramente aritméticas promove correções de índole presuntiva.
Foi precisamente pelo facto de a AT entender que a contabilidade da Impugnante não merecia credibilidade que fundou a sua apreciação e correspondentes conclusões em elementos de natureza diversa, não contabilística, como os registos informáticos.

O mesmo é dizer que o procedimento descrito no Relatório Inspetivo consubstancia uma verdadeira presunção, própria da avaliação indireta. Mas, a ser assim, então era essa a metodologia de que a AT teria de ter lançado mão, facultando, desde logo, a abertura do procedimento de revisão antes da efetivação do ato tributário de liquidação consequente à fixação da matéria coletável.
In casu, não pode dizer-se que os valores apurados da matéria tributável correspondam, no caso, a valores reais, mas antes a uma quantificação presuntiva decorrente de ilações que retira de custos suportados e eventuais proveitos.
Pelo que, tendo, in casu, a Administração Tributária lançado mão de meras correções técnicas, perentória se torna a assunção e conclusão de que a utilização de tal metodologia, no caso vertente, se mostrava eivada de ilegalidade na medida em que para fundamentar o facto tributário não parte de factos certos e efetivos, mas sim de juízos de inferência de custos para extrapolar proveitos não demonstrados.
Neste particular, vide o recente Aresto deste Tribunal, proferido em 30.09.2019, no âmbito do processo nº 546/10, o qual doutrina claramente que:
“II.Partindo a AT da análise dos movimentos financeiros reflectidos nas contas bancárias dos sócios da impugnante, e familiares dos sócios, para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos e determinar a respectiva quantificação, fez uso de métodos indirectos, ainda que sob a capa de correcções técnicas ou meramente aritméticas.
III. A decisão de tributação por métodos indirectos desacompanhada do especial procedimento a que está sujeita, mostra-se ilegal por violação de direitos e garantias do contribuinte.”
Assim, considera este Tribunal, assistir razão à Impugnante, quando alega, que, para a determinação do valor de venda das obras executadas nas frações dos clientes da [SCom02...], teria a AT de ter lançado mão da aplicação dos métodos indiretos, consagrados nos artigos 87º a 91º, da LGT e não em presunções encapotadas sob a forma de correções meramente aritméticas.
Pelo que, não pode manter-se a liquidação adicional de IRS e respetivos juros, referente ao exercício de 2006 que foi impugnada.

Do que se vem de expor, intui-se que a sentença incorreu em claro erro de julgamento.

Com efeito, a avaliação direta assenta no facto de não existir carência ou deficiência alguma que justifique o recurso a meios objetivos ou indiretos de determinação da matéria tributável, porquanto pode tomar em consideração, para a determinação da matéria tributável, os elementos facultados pelo S.P., ou que sejam encontrados no poder do contribuinte.

Ora no caso em análise não era preciso para determinar a matéria coletável fazer uso de indícios ou factos base que se ligam a um determinado quantitativo, ou seja, os registos contabilísticos não relevados fiscalmente são suficientes, bastam-se por si, para dar o quanto da matéria coletável omissa fiscalmente, sem que haja de socorrer-se de presunções ou indicadores objetivos, estes assentes em presunções. Neste sentido João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina, pág. 59,221 e 260-266.

Os valores que não deram entrada na sociedade estão determinados nos registos da sociedade com os respetivos documentos que os sustentam.

O facto de a AT ter presumido, em face dos elementos da contabilidade que, aqueles fluxos financeiros são adiantamento por conta dos lucros são, tão-só, ilações, aquém do método presuntivo, trata-se de qualificar factos e não os mensurar presuntivamente.
A sentença ao decidir pela ilegalidade das correções incorreu em erro de julgamento e tem de ser revogada.

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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, em consequência, julgar improcedente a impugnação do IRS de 2006.
Custas a cargo da recorrida, não havendo lugar ao pagamento da taxa de justiça por não ter contra legado.
Notifique-se.
Porto, 08 de fevereiro de 2024

Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento
Celeste Oliveira