Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00347/04.7BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 10/31/2019 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
Descritores: | DEFICIÊNCIA DA BASE INSTRUTÓRIA; DESPACHO QUE INDEFERIU A RECLAMAÇÃO; SENTENÇA; IMPUGNAÇÃO RECURSO; N.º3 DO ARTIGO 511º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (DE 1995). |
Sumário: | 1. A omissão de factos relevantes na base instrutória, confirmada por despacho que indeferiu a reclamação de uma das partes não é uma deficiência da sentença mas um erro desse despacho que deve ser impugnado no recurso da sentença, face ao disposto no n.º3 do artigo 511º do Código de Processo Civil de 1995 em vigor à data. 2. O que determina a revogação do despacho que indeferiu a reclamação contra a deficiência da base instrutória e a realização de julgamento restrito à matéria de facto relevante omitida na base instrutória.* * Sumário elaborado pelo relator |
Recorrente: | Freguesia de M... |
Recorrido 1: | Freguesia de S... |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Freguesia de M... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 22.04.2017 pela qual a Freguesia de S... foi absolvida do pedido na acção administrativa comum que lhe moveu a ora Recorrente pedindo a condenação da Ré, ora Recorrida, a ver declarado que os limites entre estas freguesias (M... e Pousada de S...) são os que a Autora define no seu articulado, com recurso a carta topográfica que anexa, englobando todos os prédios rústicos e urbanos que identifica. Invocou para tanto, em síntese, que: verifica-se deficiência ma matéria de facto, dado terem sido omitidos factos com relevo para a decisão; foi parte da matéria de facto incorrectamente julgada, tanto relativamente aos factos provados como no que diz respeito aos factos não provados; os limites territoriais das duas freguesias em litígio assentavam nos contornos das respectivas paróquias eclesiásticas pelo que a acção devia ter sido dada como provada. Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de conceder provimento ao recurso, por entender que se verifica nulidade por obscura fundamentação quanto ao julgamento da matéria de facto. A Recorrente veio pronunciar-se sobre este parecer sustentando que, ao contrário do que se refere no parecer, os documentos históricos que referiu reproduzem a verdade material quanto aos limites das freguesias aqui em confronto. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:1.- No presente caso há certos factos determinantes para a decisão da causa que não foram enunciados pelo julgador a quo. 2. - Estas deficiências da matéria de facto seleccionada, por omissão de factos com interesse para a decisão da causa, impõem uma anulação da sentença por deficiência quanto a pontos determinantes da matéria de facto. 3. - Nomeadamente os factos invocados nos artigos 12º. 20º, 25º b), 26º, 27º, 36º e 37º da petição inicial, bem como os factos alegados nos artigos 13º, 14º, 15º, 16º, 24º, 25º da réplica. 4. - A Recorrente entende que a decisão da matéria de facto é incorrecta, no que tange às respostas dadas aos quesitos 1, 2, 3, 4, 4A, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 21, 24 que devem ser alteradas: - 1, 2, 3, 4, 4A, 5, 6, 7, 8, 10, 12: devem ser provados - 13, 21, 24: devem ser não provados. 5. - Considerando os depoimentos das testemunhas e documentos referidos no corpo das alegações. 6. - O Tribunal de Segunda Instância deve proceder à apreciação dos depoimentos, a fim de, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal de recurso formar a sua própria convicção. A Segunda Instância deverá realizar com autonomia o seu próprio juízo de valoração sobre os factos impugnados pela Recorrente, que bem pode ser igual ou diferente do juízo de valoração efectuado na Iª Instância. 7. - De sorte que a liberdade de julgamento renova-se na Segunda Instância. Logo, não é suficiente, para o efeito de preencher um alegado controlo da convicção formada na Iª Instância, o verificar apenas se essa convicção tem um suporte razoável nos depoimentos constantes das gravações, pois isso constitui um exercício insuficiente (ou minimalista) da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto. 8.- A Autora, ora Recorrente, irá impugnar a matéria de facto com referência às passagens dos depoimentos constantes da transcrição integral dos depoimentos das testemunhas da audiência de julgamento que se iniciou a 20.10.2005 (documento nº 1 junto com o 1º recurso de apelação), que foi aceite pela parte contrária. Só desta forma é possível uma indicação precisa das passagens em que funda o seu recurso, uma vez que os depoimentos estão gravados em cassetes. 9. Quanto aos depoimentos prestados no local, estes foram gravados digitalmente e, por isso, a Recorrente irá indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso e juntar o documento n.º 2, donde consta a transcrição destes depoimentos. 10. - Esta referência permite uma reanálise dos factos e o contraditório. Neste sentido Acs STJ: “V - A falta da indicação exacta e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório. VI - A assim não se entender, cair-se-ia num excesso de formalismo e rigor que a dogmática processual, hoje mais agilizada e célere, pretende evitar. 19-01-2016 - Revista n.º 3316/10.4TBLRA.C1.S1 - 1.ª Secção - Sebastião Póvoas (Relator) * - Alves Velho - Paulo Sá III - No que, em concreto, respeita ao requisito previsto no n.º 2 al. a) do art. 640.º do CPC – indicação exacta das passagens da gravação em que se funda a impugnação –, apesar da letra do preceito, justifica-se alguma maleabilidade na aplicação da cominação referida em II, em função das especificidades do caso, com relevo, nomeadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão. IV - Neste requisito está apenas em causa a localização na gravação das partes dos depoimentos que o recorrente entende relevantes para a impugnação e se não existe especial dificuldade em tal localização, pela sua gravidade, a sanção de rejeição do recurso será claramente desproporcionada. V - Ao cumprimento do ónus de alegação referido em II e III basta a identificação dos pontos da matéria de facto que considera mal julgados; a indicação dos depoimentos das testemunhas que, em seu entender, impunham decisão diversa sobre esses pontos de facto; a indicação do início de cada um desses depoimentos, com transcrição parcial dos mesmos, apreciação e valoração; bem como indicação da decisão que deveria ter sido proferida sobre os pontos de facto impugnados. 19-01-2016 - Revista n.º 409/12.7TCGMR.G1.S1 - 6.ª Secção - Pinto de Almeida (Relator) - Júlio Gomes - José Raínho.” 11.- Para além de errada avaliação dos depoimentos produzidos, o Julgador a quo não considerou uma prova essencial existente nos autos: o Tombo de M.... No entanto e contrariamente ao entendido pelo Julgador a quo o “Tombo de M...” não tem relevância meramente eclesiástica. Este entendimento ignora por completo a história da constituição das freguesias em Portugal: as freguesias hoje existentes assentam fundamentalmente nos contornos das respectivas paróquias eclesiásticas. As paróquias, de origem religiosa, foram sendo absorvidas pelo Estado para efeitos de administração pública civil. Pelo que, na delimitação das freguesias é fundamental atender à delimitação da antiga paróquia. 12.- A delimitação da área de jurisdição da freguesia de M... há-de ser efectuada de acordo com os contornos da respectiva paróquia eclesiástica. 13.- Dúvidas não podem existir que os limites territoriais das duas freguesias em litígio assentavam nos contornos das respectivas paróquias eclesiásticas. Até porque não foi demonstrado – nem alegado - que, após a Lei nº 621 de 23.06.1916, tivesse ocorrido qualquer alteração na divisão administrativa com autorização do “poder legislativo”. * II –Matéria de facto.1. A nulidade da sentença por obscura fundamentação do julgamento da matéria de facto (parecer do Ministério Público). Refere o Ministério Público no seu parecer, além do mais, que: “Importaria, pois, saber quais as fronteiras que deviam ser traçados sobre os limites físicos visíveis nos ortofotomapas (mapa feito a partir de uma fotografia vertical aérea, transformada e rectificada para corrigir as deformações decorrentes da perspectiva), juntos aos autos, quer pela Mma. Juíza, quer pela recorrente. A este respeito, é certo que tais organismos nunca tiveram competência para a demarcação do território das autarquias, mesmo nos casos de dúvida sobre a linha divisória das confinantes, pelo que só na escassez de outros argumentos é que se pode lançar mão deles e por aplicação subsidiária. Daqui temos que o documento “TOMBO DE M...”, elaborado a partir de decisão de 12-Junho-1590 (à data no concelho de B…, que se estendia então numa área que corresponde hoje aos concelhos de P… d. L… a M… e de E... a este último), contrariamente ao plasmado na sentença e pretendido pela recorrente, não pode ser o único a contribuir para a delimitação em causa. Poderá dar o seu necessário contributo histórico, mas sem assegurar os devidos limites. Na apreciação em apreço, para se aquilatar da delimitação em controvérsia, fica-se sem saber se as plantas topográficas se sobrepuseram ou não a quaisquer documentos ou outros testemunhos, não se podendo olvidar que a causa de pedir é, necessariamente, complexa. Ou seja, desconhece-se a prova documental superou e em que medida a prova testemunhal, que lhe é auxiliar”. Sem razão. É entendimento pacífico, há centenas de anos, que relativamente à fundamentação, apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º3, e 615º, n.º1, al. c), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).
No caso a sentença está suficientemente fundamentada de facto e de direito. Contendo a razão de ser das respostas dadas aos quesitos, em particular das respostas negativas que, diz-se, “têm, substancialmente, a ver com a circunstância de as partes se aterem, primacialmente, a um documento, o Tombo de M..., com génese e relevância que não se demonstrou ultrapassarem o foro eclesiástico”.
A posição do Ministério traduz-se em impor uma fundamentação da fundamentação que a lei não exige e, ainda menos, cuja falta não comina com nulidade.
Não se verifica, pois, a nulidade arguida pelo Ministério Público.
* IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em:A) CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional. B) Revogar o despacho de 20.06.2005 que indeferiu a reclamação da Autora. C) Anular o processado posterior a este despacho que omitiu a realização de prova sobre os factos reclamados, incluindo o julgamento e a sentença, nessa parte. D) Ordenar a baixa do processo para a realização do julgamento sobre a matéria de facto omitida na basse instrutória, e posterior sentença que tenha em conta o resultado desse julgamento. Não é devida tributação por não terem sido apresentadas contra-alegações. * Porto, 31.10.2019Rogério Martins Luís Garcia Conceição Silvestre |