Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00184/13.8BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:DENÚNCIA DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO; AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA;
Sumário:Como o Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência constante, para efeitos de verificação da validade de uma autorização legislativa, o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministro, sendo irrelevante a circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após a caducidade da autorização legislativa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:G.P.F., Lda.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
G.P.F., Lda., no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município de (...), tendente, em síntese, a impugnar “a deliberação de 12 de novembro de 2012 (...) nos termos da qual foi decidido denunciar o contrato de arrendamento celebrado (...) com vista à instalação de serviços municipais”, inconformada com o Acórdão proferido em 8 de maio de 2014 que julgou improcedente a presente Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em 9 de junho de 2014.
Formula a aqui Recorrente/G.P.F., Lda. nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“A. A douta sentença não deve manter-se por vício de fundamentação e como tal deve ser revogada. Com efeito,
B. A Câmara Municipal deliberou em 12 de Novembro de 2012 denunciar o contrato de arrendamento comercial entre as partes para o términus em 31/12/2012.
C. Porém tal deliberação é ilegal e enferma de inconstitucionalidade orgânica e formal objetiva e incontroversamente;
D. Com efeito, por um lado, atenta a inconstitucionalidade orgânica do DL 280/2007 de 7 de Agosto, em que se baseou aquela deliberação impugnada, porquanto a Lei de Autorização Legislativa que suportaria a constitucionalidade do citado DL, atenta a reserva constitucional da matéria, não contém autorização específica e necessária para alteração do regime vigente do arrendamento urbano civilmente estatuído;
E. Por outro lado, ainda porque se está perante também uma inconstitucionalidade formal pois objetivamente não foi respeitado o prazo de noventa dias aí inserto para a conclusão e publicação do mesmo Decreto-Lei cujo termo o deveria ser em 9 de Junho de 2007;
F. Assim por não ter sido, igual e também, renovada a mesma autorização legislativa, para além do prazo inicialmente concedido de 90 dias da autorização legislativa, - só podendo tal ocorrer por diploma publicado no DR, e tal não sucedeu - a data de noventa dias (90) fixada, de autorização para a formulação do referido diploma DL 280/2007, foi ultrapassada, e pois por excedido o dito prazo concedido, o mesmo DL é formal e materialmente inconstitucional;
G. Ainda porque decorre igualmente total ausência, na Lei de Autorização Legislativa, ainda de autorização para a alteração do regime de arrendamento urbano - mormente no tocante à denúncia por entidade pública - para além da questão da caducidade do prazo outorgado assim pois não abarcar tal previsão - e como tal, aplicar-se-ia sempre os termos do art. 1101.° e art°1103.º do CC, sendo pois sempre necessário respeitar o fixado prazo de seis meses, prévio, para mesma denúncia, e o que se não mostra cumprido no caso em apreço foi a mesma denúncia efetuada apenas com um prazo de trinta dias considerando-se o prazo acordado de um ano, com início em Janeiro términus em Dezembro, e ainda porque os AA. se opuseram à referida denúncia,
H. Objetivamente pois nunca poderia assim ocorrer a questionada deliberação da CM de (...) e ser deliberado “denunciar o contrato para o seu próximo termo, em 31/12/2012, por necessitar do prédio para nele instalar os serviços públicos municipais, os quais deve identificar para melhor salvaguarda, notificando a arrendatária em tempo útil com a consequente obrigação desta, de fazer a entrega do edifício, no prazo máximo de 120 dias, sob pena de despejo imediato, sem dependência de ação judicial",
I. Por tudo quanto ficou exposto, a decisão proferida pelo TAF de Aveiro não fez correta interpretação e aplicação do disposto nas normas legais supra citadas, devendo ser julgado procedente o presente recurso, e consequentemente proferida nova e consentânea decisão, em substituição da ora decorrida, declarando em qualquer caso a invalidade da Deliberação da Câmara Municipal de (...).
Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso, eliminando do ordenamento jurídico a sentença recorrida, e considerado a invalidade da Deliberação da Câmara Municipal de (...), seja por via da inconstitucionalidade seja pela via da ilegalidade supra alega, para assim se fazer JUSTIÇA.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 26 de junho de 2014.
O aqui Recorrido/Município não veio apresentar contra-alegações de recurso.
O Ministério Público junto deste Tribunal, veio a emitir Parecer, no qual, a final, se pronuncia no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.”
O Processo foi-nos concluso para decisão em 13 de novembro de 2019.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente/Gilda Pais Lda, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a questão suscitada quanto à fundamentação da decisão proferida.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“A) No dia 28 de Dezembro de 1983 foi celebrado entre B.A.C.M.S., como senhoria e a sociedade B.F., Lda., como inquilina, acordo escrito intitulado “arrendamento”, por força do qual foi dado de arrendamento à B.F., Lda. a sala do rés-do-chão, o corredor que lhe fica para nascente e o compartimento que para sul daquele corredor se encontra situado junto às escadas de acesso aos andares superiores do prédio localizado na Rua (...), inscrito na matriz predial urbana sob o nº 687 – cfr. doc. 1 junto com a p.i..
B) O aludido acordo escrito surgiu na sequência do inicialmente celebrado no dia 2 de Agosto de 1971 – cfr. doc. 2 junto com a p.i..
C) O Município de (...), no dia 11 de Junho de 1991, adquiriu aos herdeiros de B.A.C.M.S. o prédio em apreço. – facto admitido por acordo.
D) Foi remetido ofº ao Sr. M.S.F., assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), no qual foi referido considerar a Câmara Municipal de (...) caducado o referido contrato de arrendamento – cfr. doc. 3 junto com a p.i..
E) Através de carta datada de 17 de Junho de 1993 a A. manifestou oposição à invocada caducidade do contrato. – cfr. doc. 4 junto com a p.i..
F) A Vereadora do Pelouro do Turismo, Biblioteca de Museus da Câmara Municipal de (...), apresentou proposta à Câmara Municipal com o seguinte teor:
“De acordo com a informação jurídica anexa a esta proposta e que aqui se dá por reproduzida, a Câmara Municipal de (...) pode proceder à denúncia do contrato de arrendamento relativo ao r/c do edifício sito à Rua (...), da freguesia e concelho de (...), ao abrigo do disposto no artigo 126º do Decreto – Lei nº 280/2007, de 07 de Agosto, devendo o arrendatário desocupar o locado no prazo de 120 dias a contar da notificação da denúncia pelo senhorio, sob pena de despejo imediato, sem dependência de ação judicial, desde que assim seja determinado pelo órgão municipal competente.
Efetivamente, é intenção desta autarquia e após realização das imprescindíveis obras de requalificação, definidas em projeto já elaborado pela Divisão de Projetos, transferir para esse edifício alguns dos serviços municipais atualmente instalados em espaços arrendados a terceiros, nomeadamente o Gabinete de Turismo e outros serviços afetos ao Pelouro da Educação, Cultura, Desporto e Juventude.
Notamos que em finais de 2010 foi apresentada uma candidatura ao Programa Operacional Regional do Norte 2007-2013, Eixo Prioritário II – Valorização Económica de Recursos Específicos – Rede de Informação Turística Regional – CIT PNP, que visa a implementação de uma loja interativa de turismo no concelho de (...), sendo que o local escolhido foi o r/c do edifício aqui em apreço.
Nesse sentido, para além da importância da deslocalização, para esse edifício, dos referidos serviços municipais, atualmente instalados em espaços arrendados, donde resultará uma economia clara de dinheiros públicos, poderemos também beneficiar, através da candidatura supra mencionada, de uma comparticipação comunitária para a execução das obras de requalificação, ainda que de modo parcial, reduzindo-se, desse modo, o esforço financeiro que a autarquia terá de despender na reabilitação de um edifício situado em pleno centro histórico.
Este benefício financeiro só será possível se as obras de empreitada poderem ser realizadas dentro do prazo estipulado na candidatura (24 meses), pelo que a denúncia do citado contrato de arrendamento e subsequente desocupação do locado é essencial.
Proposta:
Em face do exposto e ao abrigo do estipulado no artigo 64º, nº 2, alínea f) da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5-A/2007, de 07 de Agosto, propomos que a Câmara Municipal de (...) delibere denunciar o contrato de arrendamento celebrado, em 28 de Dezembro de 1983, com a firma “B.F., Lda.”, hoje “G.P.F.,, Lda.”, para o seu próximo termo – 31 de Dezembro de 2012, nos termos e com os fundamentos da informação jurídica ora junta e que aqui se dá por reproduzidos, para efeitos, de após as imprescindíveis obras de requalificação, instalação e funcionamento, nesse edifício, de alguns serviços municipais, atualmente instalados em espaços arrendados a terceiros, nomeadamente o Gabinete de Turismo e outros serviços afetos ao Pelouro da Educação, Cultura, Desporto e Juventude, como também delibere ordenar a notificação da arrendatária para efetuar a entrega do r/c do edifício aqui em apreço, no prazo máximo de 120 dias, a contar de 31 de Dezembro de 2012, sob pena de despejo imediato, sem dependência de ação judicial” – cfr. doc. 9 junto com a p.i..
G) A Câmara Municipal de (...) deliberou, em 12 de Novembro de 2012, por unanimidade, aprovar a proposta transcrita em F), cometendo a respetiva tramitação do assunto ao Pelouro do Turismo, Biblioteca e Museus e ao Pelouro de Administração, Finanças e Desenvolvimento Económico. (deliberação impugnada) – cfr. doc. 9 junto com a p.i..

IV – Do Direito
O Recurso interposto, mais do que questionar a decisão recorrida, reitera predominantemente toda a argumentação que havia sido esgrimida em 1ª Instância relativamente ao ato objeto de impugnação, sendo que não é, nem deve ser, esse o objeto e objetivo de um Recurso Jurisdicional.

Como se sumariou no Acórdão de 2017-07-07 deste TCAN, proferido no Procº nº 4-14.6BEAVR, “O recurso jurisdicional deve incidir apenas sobre os erros que possam afetar a decisão recorrida, não se reportando a quaisquer eventuais vícios que possam incidir sobre a decisão administrativa objeto de impugnação.
Efetivamente, o objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação e alteração.”

No mesmo sentido se sumariou no recente Acórdão deste TCAN de 13.12.2019, proferido no Procº nº 2809/15.1BEBRG que “O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto da sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá de improceder.”

Em qualquer caso, para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, apreciaremos o suscitado, sendo que desde já se afirma que se acompanhará o sentido do decidido em 1ª instância.

Desde logo, e no que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“Questões a apreciar.
A inconstitucionalidade formal e orgânica do D.L. nº 280/2007, de 11 de Janeiro.
O vício de violação de lei imputado ao ato impugnado.
A inconstitucionalidade orgânica do D.L. nº 280/2007, de 7 de Agosto.
Referiu a A. que as matérias respeitantes quer ao regime geral do arrendamento rural e urbano quer à definição e regime dos bens do domínio público, são da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República, face ao disposto no artigo 165º alíneas h) e v) da Lei Fundamental.
Apreciando, para o que importa transcrever o invocado artigo 165º da C.R.P:
“Artigo 165º
Reserva relativa de competência legislativa
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguinte matérias, salvo autorização ao Governo:
(…)
h) Regime geral do arrendamento rural e urbano;
(…)
v) Definição e regime dos bens do domínio público.”
Ao contrário da reserva absoluta de competência legislativa – prevista no artigo 164º da C.R.P. - as matérias do regime geral do arrendamento rural e urbano bem como a definição e regime dos bens do domínio público, constitui matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, podendo o Governo legislar sobre estas matérias mediante lei de autorização legislativa – cfr. nº 2 do artigo 165º - que “…devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual deve ser prorrogada.”
O D.L. nº 280/2007, de 7 de Agosto, surge na esteira da Lei nº 10/2007, de 6 de Março – lei de autorização legislativa – a qual autorizava o Governo a estabelecer, no prazo de 90 dias, o regime jurídico dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
O D.L. nº 280/2007, de 7 de Agosto, no uso da referida autorização legislativa, estabeleceu, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1º, as disposições gerais e comuns sobre a gestão dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e o regime jurídico da gestão dos bens imóveis do domínio privado do Estado e dos institutos públicos.
Referiu a A. que o artigo 2º da Lei 10/2007, de 6 de Março - que consagra o sentido e alcance da autorização legislativa – não contempla a matéria de arrendamento urbano, o que resulta evidente da leitura do mesmo preceito; contudo, tal conclusão, não acarreta a procedência da argumentação aduzida quanto à inconstitucionalidade orgânica do D.L. nº 280/2007, de 7 de Agosto, dado tal diploma – concretamente o artigo 126º - não dispor sobre o regime do arrendamento urbano mas sim sobre o arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias, contendo o nº 2 do referido preceito uma exceção ao regime regra consagrado no nº 1, pelo que não se verifica, analisada sobre este prisma, a invocada inconstitucionalidade orgânica.
Referiu ainda a A. que quando foi publicado o D.L. nº 280/2007, de 7 de Agosto, já se mostrava esgotado o prazo de 90 dias da autorização legislativa conferida pela Lei nº 10/2007, de 6 de Março, posição refutada pelo R. Município que referiu não se mostrar esgotado tal prazo, dado o D.L. 280/2007, de 7 de Agosto ter sido aprovado em Conselho de Ministros em 1 de Junho de 2007.
Apreciando as teses em liça:
A Lei 10/2007 foi publicada na 1ª Serie do D.R. nº 46 de 6 de Março de 2007, tendo o D.L. nº 280/2007, sido aprovado em Conselho de Ministros no dia 1 de Junho de 2007, quando não se mostrava o prazo de 90 dias previsto na Lei nº 10/2007, de 6 de Março, pelo que não padece o referido Decreto Lei da inconstitucionalidade orgânica apontada pela A, entendimento que, refira-se tem sido, uniformemente, o perfilhado pelo Tribunal Constitucional, conforme se extrai a título de mero exemplo, do Acórdão nº 50//96, do qual se transcreve o seguinte excerto:
“6. Importa, por isso, averiguar qual o momento relevante do iter legislativo do diploma autorizado, para se saber se o mesmo ocorreu antes ou depois de findo o prazo de caducidade constante do artigo 6.º da Lei n.º 89/89.
O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência constante, que o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros, sendo irrelevante a circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após a caducidade da autorização legislativa (por todos, vejam-se os acórdãos n.ºs 150/92 e 265/93, provenientes da 2.ª e da 1.ª Secções do Tribunal Constitucional, publicados no Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992, e n.º 186, de 10 de Agosto de 1983, respetivamente).
Essa jurisprudência pacífica é agora mais uma vez reiterada, remetendo-se para a fundamentação dos indicados acórdãos (no caso nem sequer se suscita questão idêntica à apreciada pelo acórdão n.º 574/95, ainda inédito, dada a relativa proximidade entre a data do termo da autorização legislativa e a data da promulgação).”
A inconstitucionalidade formal do D.L. nº 280/2007
Referiu a A. que o D.L. nº 280/2007, de 7 de Agosto, ao regular sobre bens do domínio privado das autarquias, padece de inconstitucionalidade formal por exceder o âmbito da autorização legislativa.
Nos termos da alínea v) do artigo 165º da C.R.P. é da exclusiva competência da Assembleia da República, legislar sobre a definição e regime dos bens do domínio público, não prevendo nem o artigo 164º da Lei Fundamental – que delimita a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República – nem o artigo 165º - que as matérias respeitante aos bens do domínio privado das pessoas coletivas de direito público – Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais – estejam integradas na reserva absoluta ou relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que, nesta matéria, como em muitas outras, estamos perante competência legislativa concorrencial – do Governo com a Assembleia da República – competência prevista e consagrada numa formulação negativa na alínea a) do nº 1 do artigo 198º da C.R.P., nos termos da qual compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República, pelo que o D.L. nº 280/2007, em cujo preâmbulo – parte final – se faz referência quer à alínea a) quer à alínea b) do nº 1 do artigo 198º da C.R.P. não padece da invocada inconstitucionalidade orgânica.
O vício de violação de lei por contradição com os artigos 1098º, 1101º e 1103º do Código Civil.
Invocou a A. a violação dos referidos artigos do Código Civil, que se transcrevem:
Artigo 1098º
Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário
1 - O arrendatário pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo do contrato.
2 - Após seis meses de duração efetiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano.
3 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.
Artigo 1101º
Denúncia pelo senhorio
O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.o grau;
b) Para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos;
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.
Artigo 1103º
Denúncia justificada
1 – A denúncia pelo senhorio com qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 1101º é feita nos termos da lei de processo, com antecedência não inferior a seis meses sobre a data pretendida para a desocupação.
(…)
Para apreciação da argumentação aduzida pela A. importa transcrever o preceito que constitui fundamento de direito da deliberação impugnada:
“Artigo 126.º
Arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias locais
1 - Ao arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias locais aplica -se a lei civil, salvo o disposto no número seguinte.
2 - As autarquias locais podem denunciar os contratos de arrendamento antes do termo do prazo ou da sua renovação, sem dependência de ação judicial, quando os prédios se destinem à instalação e ao funcionamento dos seus serviços, o que confere ao arrendatário o direito a uma indemnização correspondente a uma renda por cada mês de antecipação relativamente ao termo previsto para o contrato, com o limite de 12 rendas e, bem assim, a uma compensação por benfeitorias previamente autorizadas e não amortizadas que tenham provocado um aumento do seu valor locativo.
3 - No caso referido no número anterior, o arrendatário desocupa o prédio no prazo de 120 dias a contar da notificação da denúncia pelo senhorio, sob pena de despejo imediato, sem dependência de ação judicial, a determinar pelo órgão municipal competente.
4 - O disposto no artigo anterior aplica -se igualmente aos contratos de arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias locais.”
Conforme se retira do nº 1 do artigo 126º - supra transcrito - ao arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias locais aplica-se a lei civil, salvo o disposto no nº 2, que expressamente prevê a possibilidade de as autarquias locais poderem denunciar os contratos de arrendamento antes do termo do prazo ou da sua renovação – como sucedeu no caso presente em que a renovação ocorreria no dia 31 de Dezembro de 2012 – sem dependência de ação judicial quando os prédios se destinem à instalação e ao funcionamento dos seus serviços – no caso o Gabinete do Turismo e outros serviços afetos ao Pelouro da Educação, Cultura, Desporto e Juventude – pelo que as normas cuja violação foi invocada não são aplicáveis, face ao regime excecional previsto no nº 2 do artigo 126º, devendo o arrendatário, de acordo com o nº 3, desocupar o prédio no prazo de 120 dias a contar da notificação da denúncia pelo senhorio, sob pena de despejo imediato, sem dependência de ação judicial, a determinar pelo órgão municipal competente, comando que, igualmente, expressa a excecionalidade do regime consagrado na norma em apreço relativamente ao regime da denúncia consagrado nos artigos 1101 e 1103º do Código Civil, improcedendo este último fundamento de ataque à deliberação impugnada.”

Analisemos então o suscitado.
São duas as questões invocadas no presente recurso, tal como havia já sido imputado em 1ª instância:
- A inconstitucionalidade formal e orgânica do DL n° 280/2007;
- O vício de violação de lei imputado ao ato impugnado.

Como resulta já do precedentemente expendido, e no que concerne à invocada inconstitucionalidade orgânica, não merece censura o discorrido em 1ª Instância.

Na realidade, o DL nº 280/2007, de 7 de Agosto, emerge da lei de autorização legislativa decorrente da Lei nº 10/2007, de 6 de Março, a qual, nos limites estabelecidos, autorizava o Governo a fixar, no prazo de 90 dias, o regime jurídico dos bens imóveis dos domínio públicos do Estado, da Regiões Autónomas e da autarquias locais.

Correspondentemente, o DL nº 280/2007, de 7 de Agosto, no uso da referida autorização legislativa, estabeleceu singelamente, nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 1°, as disposições gerais e comuns sobre a gestão dos bens imóveis do domínio público do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais e o regime jurídico da gestão dos bens imóveis do domínio privado do Estado e do instituto públicos.

Invoca, no entanto, a Recorrente que o artigo 2° da Lei 10/2007, de 6 de Março, ao estabelecer o sentido e alcance da autorização legislativa, não comtemplaria a matéria de arrendamento urbano.

Se aparentemente o referido se mostraria exato, o que é facto é que tal não determinaria a procedência da argumentação aduzida quanto à inconstitucionalidade orgânica do DL nº 280/2007, de 7 de Agosto, uma vez que o artigo 126°, que é aquele em que predominantemente assenta a decisão objeto de impugnação, não se reporta especificamente ao regime do arrendamento urbano mas antes ao arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias.

Por outro lado, mas no mesmo sentido, o n° 2 do referido Artº 126º constitui uma exceção ao regime regra consagrado no n° 1.

No que aqui releva, refere-se no referido normativo:
Artigo 126.º
Arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias locais
1 – (...)
2 - As autarquias locais podem denunciar os contratos de arrendamento antes do termo do prazo ou da sua renovação, sem dependência de ação judicial, quando os prédios se destinem à instalação e ao funcionamento dos seus serviços, o que confere ao arrendatário o direito a uma indemnização correspondente a uma renda por cada mês de antecipação relativamente ao termo previsto para o contrato, com o limite de 12 rendas e, bem assim, a uma compensação por benfeitorias previamente autorizadas e não amortizadas que tenham provocado um aumento do seu valor locativo.
3 - No caso referido no número anterior, o arrendatário desocupa o prédio no prazo de 120 dias a contar da notificação da denúncia pelo senhorio, sob pena de despejo imediato, sem dependência de ação judicial, a determinar pelo órgão municipal competente.
4 - O disposto no artigo anterior aplica-se igualmente aos contratos de arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias locais.

Assim, o controvertido diploma, não cuidou de proceder à alteração do regime do arrendamento urbano, tendo antes vindo regular, designadamente, o regime do arrendamento de bens imóveis do domínio privado das autarquias, matéria relativamente à qual o Governo dispunha de norma habilitante decorrente da referida autorização legislativa, em face do que não se verifica a invocada inconstitucionalidade orgânica.

Do mesmo modo, improcede igualmente a argumentação da recorrente, quando invoca que, à data da publicação do DL nº 280/2007, já estava esgotado o prazo de noventa dias da autorização legislativa.

Como bem se refere na decisão recorrida, o "Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência constante, que o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministro, sendo irrelevante a circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após a caducidade da autorização legislativa (por todos, vejam-se os acórdãos nº 150/92 e 265/93, provenientes da 2ª e da 1.ª Secções do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992, e n.º 186, de 10 de Agosto de 1983, respetivamente)".

No que respeita finalmente ao invocado vício de violação de lei, em decorrência do suposto incumprimento dos art.ºs 1098°, 1101 ° e 1103° do CC, não se vislumbra, igualmente que assiste razão ao recorrente.

Com efeito, decorre do Artº 126º do DL nº 280/2007 de 7 de Agosto que ao arrendamento de bens imóveis do domínio público das autarquias Locais se aplica a lei civil, sem prejuízo das supra transcritas exceções previstas no nºs 2 e 3 do referido normativo.

É pois assim incontornável que o controvertido diploma se limitou a estabelecer um regime especial para o arrendamento dos bens imóveis do domínio público das Autarquias Locais, prevendo-se expressamente a possibilidade das mesmas, em decorrência das suas especificidades, poderem denunciar os contratos de arrendamento antes do termo do prazo ou da sua renovação, estipulando-se como condição o prazo de 120 dias, a contar da notificação da denúncia contratual para de desocupação do prédio por parte do arrendatário.

Tendo o Município de (...), respeitado o diploma e prazos aplicáveis, e não se reconhecendo a verificação de qualquer dos vícios suscitados, designadamente no que respeita à sua Fundamentação, ou quaisquer outros, não merece assim censura a decisão recorrida ao julgar improcedente a Ação.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se o Acórdão Recorrido.

Custas pelo Recorrente

Porto, 31 de janeiro de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Isabel Costa (Em substituição)
Ricardo de Oliveira e Sousa