Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01267/233.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:EXECUÇÃO DE DECISÕES PROCESSUAIS PENAIS; COMPETÊNCIA; TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS; REMESSA PARA O TRIBUNAL COMPETENTE; N.º3 DO ARTIGO 4º DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS;
N.º2 DO ARTIGO 14.º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:
1. Face ao disposto no n.º3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais é cristalino e inequívoco que estão excluídas da jurisdição administrativa matérias que tenham a ver com a execução de decisões tomadas em processo penal.

2. No caso em que a competência para apreciar o pedido deduzido é de um tribunal que não pertence à jurisdição administrativa e fiscal, como é o caso presente em que a competência pertence ao Tribunal de Execução de Penas, deve ser o interessado, no prazo de 30 (trinta) dias que começará a correr após o trânsito em julgado da decisão recorrida, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, face ao disposto no n.º2 do artigo 14.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Juízo Administrativo Social -, de 21.06.2023, pela qual foi decidido serem os tribunais administrativos incompetentes para conhecer da intimação deduzida pelo Recorrente contra a Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (Ministério da Justiça) com vista a que se ordene a nomeação de curadoria provisória e a sua transferência, sob pena de sanção pecuniária compulsória, para estabelecimento adequado à sua situação clínica ou, na indisponibilidade de condições de execução de pena compatíveis com a sua deficiência, ordenar a imediata suspensão da sentença ou, pelo menos, a sua substituição pela prisão em regime de permanência na habitação, ou a conduta que o Tribunal entender como adequada ao caso específico dos autos.

Invocou para tanto, em síntese, que: a sentença recorrida, ao decidir não ser nenhum dos pedidos formulados pelo Recorrente na petição de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias da competência da jurisdição administrativa, em face do disposto no artigo 4.º, 3 c) do ETAF, declarando a incompetência absoluta do tribunal recorrido padece de inconstitucionalidade material, por violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 212.º, 3, viola o disposto no artigo 268.º, 4 da Constituição, bem como do direito à tutela jurisdicional efetiva para proteção de direitos fundamentais do Recorrente, que se encontram a ser violados pela entidade demandada, assim como o desrespeito pela dignidade da pessoa humana e do direito à integridade pessoal, decorrentes dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 5, e 25.º, 2 da Lei Fundamental, bem como dos artigos 3.º e 6.º, 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; o Tribunal recorrido, antes de ordenar a remessa do recurso ao TCAN, deve o tribunal dar cumprimento ao artigo 143.º, 4 do CPTA, e providenciar pela salvaguarda dos direitos fundamentais do Recorrente, intimando a Entidade Demandada a transferir o mesmo para unidade hospitalar prisional adequada à sua situação clínica, a título provisório, pondo termo a violação dos direitos fundamentais a que o Recorrente se encontra sujeito, em conformidade com a jurisprudência do TEDH.

A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer também no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I. O Recorrente encontra-se em cumprimento de pena de prisão no estabelecimento prisional ....

II. No pretérito dia 15 de maio de 2023, o Recorrente foi internado no serviço de ortopedia do Centro Hospitalar ....

III. Em 16 de maio de 2023, o Recorrente foi sujeito a amputação do membro superior direito, por condrossarcoma em estado avançado.

IV. O Recorrente esteve internado no CHUHSA até ao pretérito dia 2 de junho de 2023, quando teve alta hospitalar.

V. As condições de detenção do Recorrente, e demais reclusos, são más, e incompatíveis com as recomendações internacionais do Conselho da Europa, e da Organização das Nações Unidas, e motivaram a condenação sistemática do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por violação sistemática do artigo 3.º da Convenção.

VI. Após o regresso do Recorrente ao estabelecimento prisional, a entidade demandada não providenciou pala colocação do Recorrente em espaço adequado à sua deficiência superveniente, nem cuidados apropriados à sua situação concreta.

VII. Desde a data da alta, e o retorno do Recorrente ao estabelecimento prisional, o Recorrente está numa cela com mais reclusos.

VIII. O Recorrente não se consegue vestir, despir, lavar, sendo que são os reclusos que, por humanidade, lhe prestam o auxílio possível, que o estabelecimento prisional nunca prestou (nem sequer se disponibilizou par esse efeito).

IX. Quando o Recorrente defeca, e porque ainda não se habituou a usar a mão esquerda, tem dificuldade em limpar adequadamente o ânus, o que implica que a sua higiene íntima não seja adequada.

X. A irmã do Recorrente requereu junto do TEP a modificação da execução da pena de prisão, pois que o mesmo não consegue assinar a procuração forense.

XI. Até à data, não foi notificada da decisão do TEP sobre o requerimento apresentado.

XII. Face ao silêncio da jurisdição comum, o Requerente intentou junto do tribunal recorrido processo administrativo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, que foi objeto de rejeição liminar, por o TAF do Porto se ter considerado absolutamente incompetente, em razão da matéria.

XIII. Apesar disso, a Mma. Juiz a quo absteve-se de ordenar a remessa dos autos ao tribunal competente, e de praticar os atos processuais urgentes, como lhe era permitido pelo artigo 139.º, 2 do CEPMPL.

XIV. Para decidir pela incompetência absoluta da jurisdição administrativa, a sentença recorrida fundamenta o ato decisório no disposto no artigo 219.º, 2 da Constituição, no artigo 4.º, 3 c) do ETAF e nos artigos 135.º, 1 a) e b); 138.º, 1,3 e 4 g) do CEPMPL e artigo 78.º, i) da LOFTJ.

XV. Salvo melhor opinião, os fundamentos vertidos na sentença recorrida carecem de fundamento, pois que estamos perante a violação de direitos, liberdade e garantias fundamentais do Recorrente, e o processo urgente de intimação é o adequado, especificamente no que concerne à adoção de conduta que o Tribunal entender como adequada ao caso.

XVI. Com efeito, ciente da fronteira entre a jurisdição comum e administrativa e especial o Recorrente fez uso de um meio rápido, e expedito, de proteção dos seus direitos fundamentais mais básicos.

XVII. Ao recusar a sua competência material, o tribunal recorrido fez uma incorreta aplicação do vertido nos artigos 4.º, 1 e 3 c) do ETAF, bem como não teve em consideração o disposto nos artigos 133.º, 138.º, 1 e 4 e 139.º, 2 do CEPMPL.

XVIII. O tribunal recorrido aplicou erroneamente o disposto no artigo 4.º, 3 c) do ETAF, pois que o legislador, ao referir-se à exclusão da competência material da jurisdição administrativa dos atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões não limita a competência material dos tribunais administrativos no que concerne com as condições de detenção do Recorrente, que não se reconduzem à execução da decisão penal.

XIX. A doutrina administrativa tem considerado ser de incluir no contencioso administrativo, as relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais, nas quais se incluem as relações jurídicas entre a administração e os particulares, incluindo as relações entre as organizações administrativas e os utentes ligados às mesmas, nas denominadas “relações fundamentais” no contexto de “relações especiais de direito administrativo”, como é aqui o caso.

XX. A sentença recorrida, ao decidir não ser nenhum dos pedidos formulados pelo Recorrente na petição de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias da competência da jurisdição administrativa, em face do disposto no artigo 4.º, 3 c) do ETAF, declarando a incompetência absoluta do tribunal recorrido padece de inconstitucionalidade material, por violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 212.º, 3, viola o disposto no artigo 268.º, 4 da Constituição, bem como do direito à tutela jurisdicional efetiva para proteção de direitos fundamentais do Recorrente, que se encontram a ser violados pela entidade demandada, assim como o desrespeito pela dignidade da pessoa humana e do direito à integridade pessoal, decorrentes dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 5, e 25.º, 2 da Lei Fundamental, bem como dos artigos 3.º e 6.º, 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que se suscita.

XXI. O Tribunal recorrido, antes de ordenar a remessa do recurso ao TCAN, deve o tribunal dar cumprimento ao artigo 143.º, 4 do CPTA, e providenciar pela salvaguarda dos direitos fundamentais do Recorrente, intimando a entidade demandada a transferir o mesmo para unidade hospitalar prisional adequada à sua situação clínica, a título provisório, pondo termo a violação dos direitos fundamentais a que o Recorrente se encontra sujeito, em conformidade com a jurisprudência do TEDH proferida nos casos Petrescu contra Portugal, de 3 de dezembro de 2019, e Badulescu contra Portugal, de 20 de janeiro de 2021.

XXII. Atenta a relevância social da questão em apreciação, o Recorrente vem solicitar, nos termos do artigo 148.º, 2 do CPTA, que o julgamento seja efetuado com a intervenção de todos os juízes da seção, atenta a jurisprudência do TEDH citada nas motivações, que a sentença recorrida não acolheu.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser determinado o julgamento ampliado do recurso, sendo ordenada a intimação da entidade demandada a adotar a conduta que o tribunal reputar como adequada ao caso, que consiste em ordenar a colocação do Recorrente em estabelecimento hospitalar prisional adequado à sua situação clínica, assim fazendo cessar imediatamente o tratamento degradante a que se encontra sujeito, em particular desde a amputação do membro superior direito.

*

1. Questões prévias.

1.1. O efeito devolutivo do recurso.

Pretende o Recorrente que seja ordenada a sua transferência para unidade hospitalar prisional adequada à sua situação clínica, nos termos do disposto no n.º4 do artigo 143.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Dispõe este preceito que:

“Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.”.

Este normativo pressupõe que o Tribunal seja competente para “adoptar as providências adequadas”, quando o recurso tem efeito devolutivo.

No caso o efeito devolutivo fixado por lei para os recursos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias – alínea a), do n.º1 do mesmo preceito.

Ora está aqui em causa precisamente a decisão que julgou os tribunais administrativos incompetentes para adoptar as providências requeridas, ou seja, para conhecer a matéria dos autos.

Decisão que, de resto, se confirma.

Em todo o caso, ainda que se reconhecesse competência para adoptar as providências a que alude o preceito acima citado, não haveria que decidir nada nesse sentido porque a decisão recorrida nada determinou que pudesse causar prejuízo ao Recorrente, evitável por esse meio.

Pelo que se impõe nada determinar a propósito do efeito devolutivo resultante da lei para este recurso.

1.2. A competência dos tribunais administrativos.

Fundamentou-se a decisão recorrida, no seguinte, de essencial:

“(…)

A definição do âmbito das competências da jurisdição administrativa parte do quadro Constitucional – artigo 212.º, n.º 3, da nossa Lei Fundamental – para a delimitação estabelecida no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo a matéria de repartição de competências de ordem pública e precede o seu conhecimento o de qualquer outra (cf. artigo 13.º do CPTA).

Estabelece o artigo 4.º do ETAF, no seu n.º 3: “Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de: (...) c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da acção penal e à execução das respetivas decisões”. Em total sintonia com Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, diploma aplicável aos litígios gerados no âmbito da execução das penas e medidas privativas da liberdade nos estabelecimentos prisionais dependentes do Ministério da Justiça e nos estabelecimentos destinados ao internamento de inimputáveis.

Com efeito, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, no artigo 135.º, n.º 1, preceitua: “ Os serviços prisionais garantem, nos termos da lei:

a) A execução das penas e medidas privativas da liberdade, de acordo com as respetivas finalidades; e

b) A ordem, segurança e disciplina nos estabelecimentos prisionais”.

Acrescentando o artigo 138.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Competência material”, que:

“1 - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei.
(...)
3 - Compete ainda ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a execução da prisão e do internamento preventivos, devendo as respetivas decisões ser comunicadas ao tribunal à ordem do qual o arguido cumpre a medida de coação.

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
(...)
g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais;
(...)»

Os tribunais de execução das penas são de competência especializada, mas estão integrados e funcionam na jurisdição dos Tribunais Judiciais (art. 78.º, al. i) da LOFTJ).

Da conjugação das mencionadas disposições legais, resulta que está vedado aos tribunais desta jurisdição administrativa ordenar (i) nomeações de curadoria provisória; (ii) transferência de reclusos para estabelecimento adequado à sua situação clínica; (iii) suspensão de sentenças ou (iv) substituição de pena de prisão em regime de permanência na habitação, ou qualquer outra pena mais adequada ao caso específico dos autos.

Tendo em conta o pedido formulado e relação jurídica tal como configurada pelo Autor, forçoso será concluir que este litígio, em concreto, não pode ser dirimido pelos Tribunais Administrativos, antes a decisão estará entregue ao Tribunal de Execução de Penas da área do estabelecimento prisional, nos termos dos referidos normativos, verificando-se, assim, a incompetência absoluta em razão da matéria, conducente - nesta fase de controlo liminar - à rejeição da requerida intimação.
(…)”.

A decisão recorrida é de manter por ter decidido com acerto serem os tribunais administrativos e fiscais incompetentes para apreciar o pleito.

A questão do meio processual é uma questão que se resolve depois de resolvida a questão da competência.

Só o tribunal competente para decidir o pleito pode declarar qual o meio processual adequado ao dissídio em concreto.

Sendo certo que a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação n.º2 do artigo 2º do Código Civil.

E não se pode retirar a lei um sentido que não tenha um mínimo de correspondência com a letra da lei – n.º 2 do artigo 9º do Código Civil.

Ora o n.º3 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais é cristalino e inequívoco a excluir da jurisdição administrativa matérias que tenham a ver com a execução de decisões tomadas em processo penal.

O que sucede no caso presente, em que se pede a alteração da situação prisional do Requerente.

Como se sustenta no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 15.07.2016, no processo 948/16.7 BRG, aplicável ao caso com as devidas adaptações:

(…)
Com efeito, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (aprovado pela Lei n.º 115/2009, com as alterações posteriores, adiante CEPMPL) enuncia um princípio de “jurisdicionalização da execução” (artigo 133.º do CEPMPL) e atribui aos tribunais de execução das penas a competência para “garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei” (artigo 138.º/1). Essa competência é enumerada, de forma não exaustiva, nos n.ºs 2 a 4 deste artigo 138.º, onde figura expressamente a competência para decidir “processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais” (artigo 138.º/ 4-f) do CEPMPL).

Isto significa que os tribunais de execução de penas, incluídos na hierarquia dos tribunais judiciais, são os tribunais especializados em matéria de execução de penas, assim se configurado como o “foro próprio e natural para a proteção dos direitos do recluso”, como já foi salientado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 20/2012.

Os tribunais de execução de penas são, assim, os tribunais “naturalmente” (em função da matéria em causa) competentes para apreciar a impugnação de atos que, não obstante a sua natureza administrativa, estejam estreitamente conexionados com o modo como está a ser executada a pena, como é o caso evidente do ato aqui em causa, que “indefere a concessão do regime aberto no interior” (cfr. artigo 14.º do CEPMPL).

E sendo o tribunal de execução de penas o competente para apreciar a legalidade de um tal ato, é também a esse tribunal que compete a apreciação de quaisquer medidas cautelares destinadas a acautelar a utilidade da ação que vise a sua impugnação.

(…)”.

Como o próprio Recorrente acaba por reconhecer nas suas alegações, a matéria objecto do dissídio é da competência do Tribunal de Execução de Penas:

“Até que o TEP profira uma decisão transitada em julgado sobre a pretensão do Recorrente, o TAF tinha o poder-dever de intimar a administração a respeitar os direitos fundamentais do Recorrente”.

Na verdade, não pode o Tribunal de Execução de Penas ser materialmente competente para decidir o pedido a título principal e os tribunais administrativos materialmente competentes para decidir o pedido a título provisório.

É pela matéria que se fixa a competência e não pelo meio processual.

Sendo certo, por outro lado, que o procedimento cautelar se caracteriza, além da sumariedade e provisoriedade, pela sua instrumentalidade, ou seja, pela dependência da acção principal (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, páginas 228 a 231).

Não há qualquer inconstitucionalidade neste entendimento, designadamente violação da reserva de jurisdição prevista no artigo 212.º, 3, ou do disposto no artigo 268.º, 4 da Constituição, do direito à tutela jurisdicional efetiva para protecção de direitos fundamentais do Recorrente, nem qualquer o desrespeito pela dignidade da pessoa humana e ou pelo direito à integridade pessoal, decorrentes dos artigos 1.º, 2.º, 20.º, 5, e 25.º, 2 da Lei Fundamental, bem como dos artigos 3.º e 6.º, 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Na verdade, todos os tribunais estão sujeitos, nas suas decisões, à lei e em particular a essas normais constitucionais.

As normas de competência destinam-se, de resto, a melhor tutelar os direitos e interesses, fundamentais ou não, dos cidadãos, entregando cada causa a cada tribunal de acordo com a sua “vocação natural” para apreciar determinadas matérias.

Improcede, pois, o recurso.

1.3. O julgamento ampliado do recurso – n.º2 do artigo 148º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Decidido que os tribunais administrativos são incompetentes para conhecer do presente pedido de intimação, fica prejudicada a questão do julgamento ampliado do recurso.

Sendo os tribunais administrativos incompetentes para conhecer do pleito, também o plenário da Secção Administrativa deste Tribunal é incompetente para conhecer do recurso.

2. O mérito do pedido de intimação: a nomeação de curador provisório e a alteração da sua situação prisional.

O mesmo se diga em relação ao conhecimento de mérito do pedido.

Julgada verificada a excepção da incompetência absoluta dos tribunais administrativos para conhecer do pleito, fica este Tribunal impedido de, em sede de recurso jurisdicional, conhecer de mérito do pedido, por tal se traduzir numa contradição nos termos e, portanto, numa nulidade –alínea c) do n.º 1, do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Termos em que não se conhece do mérito do pedido.

3. A remessa para o tribunal competente.

Na jurisdição administrativa existe, neste capítulo, uma norma especial que, como tal, afasta a aplicação de qualquer outra norma geral ou especial.

A norma que consta do n.º2 do artigo 14.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa e fiscal, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo”.

No caso, como o presente, em que a competência para apreciar o pedido deduzido é de um tribunal que não pertence à jurisdição administrativa e fiscal, deve ser o interessado, no prazo de 30 (trinta) dias que começará a correr após o trânsito em julgado da decisão recorrida, requerer a remessa do processo ao tribunal competente.

Não se trata, portanto, de uma remessa oficiosa, mas sim a requerimento do interessado e que apenas ocorre após o trânsito em julgado da decisão que julgou serem os tribunais administrativos e fiscais incompetentes para decidir o pleito, o que ainda não ocorreu.

Termos em que não se impunha, como não impõe, atender ao alegado a este propósito, de remeter o processo ao tribunal competente e, menos ainda, de decretar qualquer medida provisória urgente, ao abrigo de normas processuais penais ou de execução de penas.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Porto, 13.09.2023


Rogério Martins
Nuno Coutinho
Antero Pires Salvador