Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00137/07.5BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/30/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:DUP – DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA; HIERARQUIA DE PLANOS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL;
Sumário:1 – Não é aceitável que uma qualquer infraestrutura viária de âmbito Nacional, inserida até no Plano Rodoviário Nacional – PRN, no qual se estabelecia inclusivamente um espaço canal, tivesse, município a município, que ir contornando terrenos em função dos respetivos PDM, ziguezagueando o seu traçado, em função da classificação dos terrenos em cada município atravessado.

2 - Os Planos Diretores Municipais ou por maioria de razão, qualquer outro Plano Municipal de Ordenamento do Território - PMOT, cederão necessariamente perante o Plano Rodoviário Nacional - PRN, plano sectorial hierarquicamente superior ao plano municipal, uma vez que a hierarquia é o mais importante dos princípios jurídicos que disciplinam o relacionamento entre os vários instrumentos de gestão territorial. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A. e Outros
Recorrido 1:Ministério do Planeamento e das Infraestruturas
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A. e outros, devidamente identificados nos autos, no âmbito da Ação Administrativa Especial, que intentaram contra o Ministério de Obras Públicas, a que sucedeu o Ministério da Economia, e depois o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas (MPI), indicando como contrainteressada a Estradas de Portugal, E.P.E., tendente, em síntese, à declaração de nulidade do Despacho n.º 26324-D/2006, de 30 de novembro, que determinou a utilidade pública da expropriação, designadamente, de uma parcela de terreno da sua propriedade, inconformados com a Sentença proferida em 4 de abril de 2018, no TAF de Mirandela, que julgou totalmente improcedente a Ação, por não provada, mais tendo absolvido a Entidade Demandada do pedido, vieram apresentar Recurso Jurisdicional para esta instância em 8 de maio de 2018, no qual concluíram:
“I. A decisão do anterior juiz de direito titular do processo, em que relaciona o conjunto de temas de prova a submeter a julgamento, foi a nosso ver a melhor decisão, e deveria ter sido respeitada pela decisão sindicada.
II. A douta julgadora recorrida confunde-se quer quanto ao ato impugnado (o ato administrativo, e não o Plano Rodoviário Nacional) e confunde-se quanto à natureza das coisas.
III. De facto o RPDM de (...) limita-se a reconhecer a situação concreta do terreno, realidade que não desaparece nem pelo ato expropriativo impugnado, nem pela abrangência do prédio pelo PRN.
IV. Este plano para as vias previstas não contém o seu traçado; donde, a concretização do traçado, por via de ato administrativo, tem de respeitar a lei, tal qual os PDM’s têm de respeitar.
V. Se a inserção num plano superior estivesse dispensada do cumprimento da lei estava encontrado o meio para se driblar a legalidade.
VI. O ponto 4 dos factos provados deve ter a seguinte redação: A parcela do terreno identificada em 1 encontra-se em área de salvaguarda estrita-área agro-florestal, realidade que o PDM reconhece
VII. E deve ser aditado o ponto 5 nos factos provados, com o seguinte teor: E não foi efetuada a sua desanexação desta área de salvaguarda estrita.
VIII. Na sentença recorrida, a digna julgadora espraia-se na análise da compatibilidade entre o Plano Rodoviário Nacional e o PDM de (...) para concluir que este deve ceder perante aquele por se tratar de um plano hierarquicamente inferior.
IX. Os apelantes nunca invocaram qualquer nulidade do Plano Nacional Rodoviário, nem consequentemente, alguma vez alegaram, em concreto, qualquer incompatibilidade entre o Plano Rodoviário Nacional e o PDM de (...).
X. Pois que, como é sabido, este plano não aprova a localização concreta, no terreno, do IP3,/A24 pois que se limita a definir a estratégia de toda a rede viária nacional.
XI. O que impugnaram foi o despacho 26324-D/2006 de 30.11.2006, (e não de 17.10.1998, como refere a sentença recorrida) publicado no DR, II Série, nº 248 de 28 de Setembro de 2006, o qual materializa a resolução do conselho de administração da EP-Estradas de Portugal que aprovou a planta parcelar e o mapa das expropriações das parcelas de terreno, necessárias à execução da SCUT interior Norte-IP3.
XII. Tanto assim que na parte dispositiva da sentença é identificada como questão a decidir:”… apreciar a procedência do vício que os Autores imputam ao ato impugnado e que acima se encontra identificado”.
XIII. A digna julgadora ignorou a questão decidenda e resolveu cingir-se à apreciação da interação entre o Plano Rodoviário Nacional e o PDM de (...), sem nunca se preocupar, minimamente que seja, de inserir o ato impugnado, no conjunto da argumentação exposta.
XIV. Pelo que a sentença recorrida é nula pois que deixa de pronunciar-se sobre a questão da nulidade do ato administrativo impugnado, estando assim simultaneamente, ferida também por falta de fundamentação, pois que nada refere relativamente à validade/invalidade do ato administrativo impugnado.
XV. A sentença recorrida louva-se no acórdão do STA de 07/02/2006, proc. nº 047545, para concluir que “deve considerar-se o PDM de (...) revogado na parte em que resulta contrariado pelo traçado da autoestrada resultante da implementação do Plano Rodoviário Nacional”.
XVI. Porém, em lado nenhum do mencionado aresto se diz que um plano hierarquicamente superior revoga o inferior, pelo que se desconhecem as razões pelas quais entende a digna julgadora que o PDM de (...) deve ser considerado revogado.
XVII. Como não se alcança de que forma a previsão do art. 47º, nº 1 al. a) do RPDM de (...) reitera a conclusão da sua revogação, pois que se limita a definir quais as áreas adstritas às infraestruturas viárias que constituem o espaço canal - rede rodoviária fundamental, fazendo referência ao IP3, mas não o IP3/A24, mencionado no despacho impugnado
XVIII. Ao contrário do que se diz na sentença os apelantes não defendem a autorização prévia do órgão municipal, para legitimação do traçado do IP.3/A.24, mas antes que o ato impugnado não podia ser executado sem que previamente estivesse compatibilizado com o plano municipal, nos termos, do disposto no artº 10, nº 5 da Lei nº 48/98, e art.s 3.º/2 e 20/2 do DL nº 380/99.
XIX. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, em lado nenhum destes diplomas se estipula que os planos setoriais posteriores revogam os hierarquicamente inferiores, o que o legislador não deixaria de consagrar caso fosse essa a sua pretensão.
XX. Os planos setoriais têm uma força vinculante superior à dos planos municipais, segundo o princípio da hierarquia, desde que sejam respeitados os princípios da articulação e da compatibilidade entre os diversos planos, o que pressupõe que qualquer análise da interação entre planos não prescinde de uma visão integrada dos diversos princípios que enformam o ordenamento do território, designadamente os arts. 4º, 5º, al. c), 16º, 17º, e 20º, nº 6 da Lei nº 48/98, e 20º, 22º, 25º, nº 1, do RJIGT (DL nº 380/99, de 22/09,) devendo, in casu, apelar-se ainda ao art. 10º, nº 1, al. d), do Código das Expropriações, mas também ao artºs 102º, nº 1 e 103º do RJIGT que consideram inválidos os planos e atos que violem qualquer instrumento de gestão territorial.
XXI. Ora de acordo com a sentença recorrida tudo se resolve, simplisticamente pela prevalência do princípio da hierarquia, de tal modo que quando os planos forem divergentes e inconciliáveis as opções de ordenamento, a harmonização normativa se deve fazer à custa dos planos municipais que devem ser considerados revogados.
XXII. Para os apelantes esta conclusão não é a que melhor resolve a aparente incongruência do sistema legal nem interpreta corretamente a arquitetura legal existente.
XXIII. Com efeito, e em primeiro lugar, os planos hierarquicamente superiores não se impõem automaticamente aos planos inferiores pré-existentes, caso os não revoguem expressamente.
XXIV. O princípio da hierarquia não funciona de modo automático até porque um plano inferior pré-existente pode impor-se a um plano nacional.
XXV. E caso se entendesse, como na sentença recorrida, que os planos hierarquicamente superiores revogam tacitamente os inferiores, - aqui incluindo os atos administrativos que são equiparados a planos setoriais - então era completamente inútil a previsão do disposto no art. 102º, nº 1, do RJIGT.
XXVI. Contrariamente ao defendido na sentença recorrida a incongruência (aparente) do sistema legal, não poderá ser resolvida apenas com apelo ao princípio da hierarquia, conferindo-lhe um primado absoluto mas também ao da contracorrente e da articulação e da compatibilidade e harmonização entre os diversos planos.
XXVII. Por isso, o legislador prescreve, por um lado, a obrigação de identificação e ponderação pelos novos planos da realidade planificatória existente (de acordo com o princípio da contracorrente),
XXVIII. E por outro, a obrigação de compatibilização dos planos hierarquicamente inferiores ainda que preexistentes com os planos hierarquicamente superiores indicando estes de forma clara os precisos termos em que essa obrigação de compatibilização se deve processar - art. 25º, nº 1 da Lei 48/98.
XXIX. Assim, o sistema só estará em condições de funcionar de modo pleno e satisfatório quando os diversos responsáveis pelos distintos níveis planificatórios decisionais tiverem esta “circularidade de obrigações” bem interiorizada.
XXX. Deste modo, considerar, como se faz na sentença recorrida a superioridade hierárquica do Plano Rodoviário Nacional, como se nada mais fosse exigido pelo sistema legal, não é com certeza a decisão mais acertada.
XXXI. Entendem os apelantes que o quadro legal apenas permite concluir que quando os planos forem divergentes e inconciliáveis as opções de ordenamento, a harmonização normativa deve-se fazer à custa dos planos municipais desde que aqueles tenham não só tomado em consideração o que estes prescrevem como indicado concretamente quais os modos de compatibilização que devem adotar.
XXXII. Por isso se compreende que o legislador, para estes casos, tenha um regime de procedimento simplificado - artº 97, nº 1 al. b) e nº 3 do D.L 380/99 para as alterações dos instrumentos de gestão territorial
XXXIII. Considerar como na sentença recorrida que os planos setoriais não devam ter em atenção a força e o sentido dos instrumentos de ordenamento territorial de âmbito mais restrito, como os de ordenamento municipal, e que é totalmente despiciendo que concretamente identifiquem e ponderem os planos, programas e projetos com incidência na área a que respeitam, já existentes, como irrelevante é que indiquem quais as formas de adaptação dos planos municipais, é defender o caos e a inutilidade do arquétipo legislativo existente.
XXXIV. Pelo contrário, parece-nos que o legislador obriga efetivamente a Administração a realizar um planeamento integrado e racional, que não se pauta apenas por critérios de hierarquia ou de precedência.
XXXV. Por isso se o plano setorial concretizador do Plano Rodoviário Nacional não cumprir com estas obrigações deve ser considerado nulo - art. 102, nº 1 do RJIGT
XXXVI. Não podem, em suma, os recorrentes concordar com a sentença recorrida, de modo que pelos motivos expostos deve a mesma ser revogada e declarada nula a DUP impugnada- artº 103 do RJIGT.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências que mui doutamente suprirão deve ser julgada procedente, por provada, a presente apelação e, em conformidade, revogada a decisão de 1.ª instância, substituindo-se por outra que, considerando os vícios assacados, declare a nulidade do ato administrativo impugnado retirando-se daí os devidos efeitos legais.”

Em 4 de junho de 2018 é proferido o seguinte Despacho:
“Notificado da sentença proferida nos autos, a fls. 626 e ss, vem o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas requerer a correção de um erro material da sentença, uma vez que do fundamento de direito da decisão consta a referência à responsabilidade da Entidade Demandada pelas custas, em contradição com o segmento decisório e quando a ação foi considerada totalmente improcedente.
Ora, compulsada sentença em causa, constata-se que a referência à condenação em custas constante da fundamentação de direito da sentença contém efetivamente um lapso, uma vez que a ação foi considerada totalmente improcedente. Tal lapso resulta ainda patente do facto de tal referência contrariar o próprio segmento decisório, em que os Autores vão condenados em custas.
Assim, sendo, constata-se a existência de um manifesto lapso de escrita, pelo que, ao abrigo dos arts. 614.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 1.º do CPTA, onde, no final da fundamentação de direito da sentença, se lê “Custas pela Entidade Demandada, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.”, deve antes ler-se “Custas pelos Autores, nos termos do art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.”
Notifique.
Da admissibilidade do recurso apresentado pelos Autores:
Os Autores, ora Recorrentes, vêm interpor recurso da sentença proferida a fls. 626 e ss dos presentes autos.
Por ser o recurso admissível, considerando que os Autores são dotados de legitimidade, por terem ficado vencidos, e estão em tempo, recebo o recurso por eles interposto da sentença de fls. 626 e ss dos autos para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, o qual deve subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos conjugados dos arts. 141.º, 143.º, n.º 1, e 144.º, todos do CPTA.
Notifique o Recorrente, para conhecimento, e os Recorridos, nos termos e para os efeitos do art. 145.º, n.º 1, do CPTA. “

O Recorrido Ministério do Planeamento e das Infraestruturas (MPI) veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 6 de julho de 2018, nas quais concluiu:
“I. Através do Recurso sub judice vêm os ora Recorrentes impugnar a Douta Sentença que, em 04-04-2018, foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou “totalmente improcedente, por não provada” a ação administrativa especial nela em apreço e absolveu do pedido a Entidade Demandada.
II. Pretendem agora os Recorrentes que a decisão judicial, proferida pelo Tribunal a quo, seja revogada “substituindo-se por outra que, considerando os vícios assacados, declare a nulidade do ato administrativo impugnado retirando-se daí os devidos efeitos legais”.
III. Mas os argumentos expendidos pelos Recorrentes não colhem porquanto os mesmos não lograram provar que a Sentença sob impugnação se encontre ferida de qualquer vício que a invalide.
IV. A Sentença ora sob impugnação julgou, e bem, totalmente improcedente, por não provada, a AAE instaurada pelos então Autores, ora Recorrentes que, pretendiam que fosse reconhecida a ilegalidade, por violação de lei, gerador de nulidade da Declaração de Utilidade Pública (DUP) formalizada no Despacho n.º 26324-D/2006, de 30 de Novembro de 2006, do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações - SEAOPC (publicada no DR, 2.ª série, n.º 248, de 28-12-2006), que determinou a expropriação, por utilidade pública, das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da SCUT Interior Norte – IP 3 – Sublanço E2 – Pedras Salgadas/EN 103 (Km 0+000 a Km 7+100) – Aditamento 3, que teve por base a resolução do Conselho de Administração da (então) EP – Estradas de Portugal, E.P.E.
V. A DUP então em apreço foi emitida, por S. Exa. o SEAOPC, no uso e ao abrigo da delegação de competências conferida por S. Exa. o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC) através do seu Despacho n.º 16229/2005 (2.ª Série), de 07-07-2005 (publicado no DR, II Série, n.º 142, de 26-07-2005) e “ao abrigo do art.º 161 do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei n.º 2037, de 19-08-1949”, atendendo ao interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projetada, e identificada no ponto anterior.
VI. Da DUP consta um prédio rústico - Parcela identificada com o n.º 107/N, inscrito na matriz “Rústica” sob o n.º 116, da freguesia de (...), concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 33369, a fls. 152v.º do Livro B-78, com área total de 6462 m2 (cfr. art.ºs 3.º e 4.º da PI e extrato do DR, inserto a fls. 105 do PA, e reproduzido a fls. 4 da Sentença), propriedade dos ora Recorrentes que impugnaram a DUP alegando a sua nulidade, por alegada violação do art.º 101.º n.º 2 do DL 380/99, e pelo facto da parcela a expropriar se destinar à construção de uma área de serviço estando em zona classificada - no PDM de (...) - como «espaço agro-florestal» que: “… nestas áreas não se pode edificar o posto de serviço que justifica esta expropriação”
VII. Na Sentença sob impugnação, o Tribunal a quo teve em devida consideração o que foi alegado pelas partes, quer pelas Autoras, quer pela Entidade Demandada e pelas Contra interessadas, e bem assim a documentação que foi carreada aos mesmos autos (incluindo o respetivo P.A.).
VIII. Os Autores invocaram a existência de violação de lei, por alegada violação do n.º 2 do art.º 101.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22-09 (diploma que aprovou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – adiante RJIGT) e ainda o facto da parcela a expropriar se encontrar localizada em zona classificada como “espaço agro-florestal” e a mesma se destinar à construção de uma área de serviço o que, no seu entender, não seria permitido pelo Plano Diretor Municipal aplicável (o PDM de (...)).
IX. O Tribunal a quo apreciou devidamente o caso concreto à luz dos normativos que entendeu aplicáveis (designadamente o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (o RJIGT – aprovado pelo DL 380/99, de 22-09,) o Plano Rodoviário Nacional (PRN - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 222/98, de 17-07, e bem assim a Jurisprudência emanada dos nossos Tribunais e as decisões por eles emitidas em situações análogas à dos autos, nas quais se sublinhou que “… a construção das estradas integradas na rede nacional obedece ao estabelecido no Pano Rodoviário Nacional, plano sectorial que se sobrepõe ao PDN, plano Municipal”.
X. Em sede do PRN o IP3 é descrito quer como itinerário principal, quer como parte da rede nacional de autoestradas, com a seguinte indicação: “Vila Verde da Raia-Viseu. Coimbra-Figueira da Foz” (cfr. art.º 5.º, n.º 2 do citado diploma, em conjugação com as listas I e IV anexas ao mesmo).
XI. Acresce que a relação existente entre os diferentes instrumentos de gestão territorial, se encontra expressamente estabelecida por lei, que define os de âmbito nacional, ou regional, e os de âmbito municipal, (cfr. no artigo 24.º do DL n.º 380/99, de 22-09 (o RJIGT, diploma em vigor à data da prolação DUP sob impugnação na ação que ali se apreciou) cujo art.º 35.º define igualmente a noção de ”planos sectoriais”.
XII. O art.º 69.º do mesmo diploma, define em que consistem os “Planos Diretores Municipais” (PDM) como planos municipais de ordenamento do território, de natureza regulamentar que “estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental”.
XIII. Cumpre salientar que entre os diferentes instrumentos de gestão territorial vigora “um princípio de hierarquia” que determina que os planos nacionais prevaleçam sobre os planos municipais, pelo que, existindo incompatibilidade entre um plano municipal e um plano nacional, como no caso o plano sectorial (consubstanciado no Plano Rodoviário Nacional) e o plano municipal (PDM) - é este último que deve ceder.
XIV. A Sentença sob impugnação fazendo apelo ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no citado Acórdão de 07-02-2006, no âmbito do Proc.º 047545, transcreveu as respectivas conclusões onde é referido:
”I - A hierarquia é o mais importante dos princípios jurídicos que disciplinam o relacionamento entre os vários instrumentos de gestão territorial.
II - Nos termos previstos no art.º 35°/2/c) do DL no 380/99 de 22 de Setembro, para efeitos deste diploma, são considerados planos sectoriais as decisões sobre a localização e a realização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial.
III - Tais decisões estão submetidas às regras das relações dos planos entre si e não ao regime da sujeição dos atos administrativos aos instrumentos de gestão territorial.
IV- Sendo divergentes e inconciliáveis as opções de um plano sectorial e de um plano diretor municipal preexistente, prevalece o plano sectorial, devendo a harmonização normativa fazer-se através da alteração do plano municipal”.
XV. No caso concreto impunha-se também dar, como se deu, prevalência ao plano sectorial (PRN) face ao PDM respetivo (PDM de (...)), porquanto tendo este a natureza de regulamento sempre teria de ceder face à norma de valor superior, ou seja, o Plano Rodoviário Nacional, que consta de Decreto-Lei…(isso mesmo foi aliás o entendimento que foi assumido no Acórdão do TCA Norte, de 09-07-2010, proferido no Proc.º n.º 00016/09.1BEBRG, e no Acórdão do Pleno do STA, proferido sobre o proc.º n.º 047545)
XVI. Daí que, a final, se imponha concluir que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, no presente caso não se não se mostram violados os artigos 3.º; 9.º; 16.º; 23; 25.º e 102 do RJIGT.
XVII. Acresce que como se sublinha na Sentença sob impugnação “em nada altera o facto de estar em causa uma área de serviço ou o respetivo acesso,” E isto porque “De facto resulta do n.º 2 da Base V da concessão designada por Interior Norte – tal como aprovada pelo Decreto-Lei n.º 323-G/2000, de 19 de dezembro que «O traçado da Autoestrada será o que figurar nos projetos aprovados nos termos da Base XXXI”.
XVIII. Referindo, e bem, ainda a Sentença que “… tais projetos, incluem-se as áreas de serviço, quer ao nível dos estudos prévios, quer ao nível dos projetos de execução (cfr. Base XXXI, n.º 2. Al. H) e 4, al. V) das Bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 323-G/2000)”.
Por fim refere ainda a Sentença sub judice que “… os terrenos para implantação das áreas de serviço integram o domínio público do concedente, nos termos da Base IX, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 323-G/2000)
XIX. Donde se conclua, como e bem se concluiu na Sentença nada na lei permitia (ou permite) concluir no sentido pretendido pelos Autores, porquanto não se verifica qualquer ilegalidade na DUP sob impugnação na AAE em apreço na Sentença impugnada pelos Recorrentes.
XX. Em face do exposto, e considerando que a Sentença ora sob impugnação não merece qualquer censura - por se encontrar devida, legal e fundamentadamente tomada – o que deverá determinar que, por esse Venerando Tribunal, venha a ser decidida a respetiva manutenção, com as legais consequências.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, e sempre com o Douto suprimento de V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores, que se pede e espera, deverá o Recurso ora em apreço ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e mantida a Sentença do Douto Tribunal a quo, tudo com as inerentes consequências legais.
Assim se cumprindo o Direito e feita a costumada, JUSTIÇA!”

Em 9 de julho de 2018 veio a contrainteressada Estradas de Portugal EPE apresentar as suas contra-alegações de Recurso, nas quais concluiu:
“1) Considerando que, brevitatis causae, os Recorrentes entendem que a expropriação seria ilegal, porque o PDM de (...) qualifica a zona como sendo agro-florestal e, assim, mais opinando que este plano é (em nulidade) violado, na medida em que os solos, de acordo com o ato impugnado, se destinam a construção;
2) O raciocínio constante da douta sentença recorrida vai no sentido de atribuir natureza de plano sectorial ao ato (cfr. fls 15 da sentença), que por isso se sobreporia ao PDM de (...) e, mesmo considerando que pode entender-se que é esta decisão administrativa enquanto plano que é criticada em função do princípio da contracorrente (fls 15 in fine e 16 do aresto criticado), entendeu a sentença que, por força da hierarquia dos planos, sempre o ato se deveria manter na ordem jurídica, pois este plano sectorial teria, entre o mais que a seguir se pondera, revogado aquele (cfr. fls. 17 e 18 da sentença).
3) Depois, no limite já do absurdo, para pior não dizer, adiantam os Recorrentes que em lado nenhum da sentença se diz que um plano hierarquicamente superior revoga o inferior.
4) Só que sentença diz a este respeito, depois de citar a doutrina constante do acórdão do STA o seguinte: "Ora, isto visto, há que concluir que os planos diretores municipais devem ceder perante o Plano rodoviário Nacional, plano sectorial hierarquicamente superior ao plano municipal."
5) Finalmente, quanto ao art. 47.º, n.º 1, ali. a) do PDM de (...) é ostensivo que o que a este respeito se diz na página 24 da sentença é perfeitamente acertado e expresso, sustentando-se, pois, no aresto que aquele normativo, acolhendo a rede rodoviária fundamental, de acordo com o que estatui o plano rodoviário nacional, sempre com que a crítica dirigida ao ato seja irrelevante.
6) Logo, ao contrário do que é dito, não há esgar de nulidade na sentença.
7) No que ao fundo diz respeito, liminarmente e como a sentença bem disse, temos que os Recorrentes levaram a efeito uma inflexão de raciocínio, alterando ou quase alterando a causa de pedir - cfr. fls. 17 parte final: avante!
8) Se existe uma norma que refere, como refere (art. 24.º do RJIGT), que em caso de incompatibilidade - se é que a há... tomando em linha de conta o art. 47.º, n.º 1, ali a) do PDM de (...) - é o PDM que deve ceder, então, de jure, não só temos a inequívoca certeza que não é possível anular um ato que concretize este comando, como é legítima ainda, neste inarredável pressuposto, a asserção da revogação do PDM a esse respeito - tudo como se sustenta no acórdão, tudo como a doutrina que o mesmo cita sustenta.
9) O princípio do bem comum geral, digamos assim, a existência de uma via estruturante que interessa a todos, tem de prevalecer sobre os interesses municipais (supostamente) antagónicos; caso se dissesse o oposto, ou se interpretativamente, o concluíssemos, então teríamos que a norma seria, nesta hermenêutica medida, inconstitucional, por afronta ao estatuído, entre o mais, no art. 6.º da Constituição da República supra mencionado.
10) Pior...diríamos mesmo que, se norma não existe com o conteúdo do art. 24.º do RJIGT, sempre teríamos de sustentar a cedência do PDM em virtude de só esta ser uma interpretação em conformidade com a Constituição da República Portuguesa.
11) Aliás, é manifesto que, se olharmos para a qualificação do espaço, não vemos na mesma, nem uma realidade física, nem um interesse municipal de tal jaez que fosse capaz de tocar sequer o interesse público maior que é o do País e que exige a existência da via - a qual, note-se, o art. 47.º do PDM de (...), como é patente, não pode deixar de ver como um interesse maior do município...
12) Finalmente, basta olhar para o art. 47.º do PDM de (...) para concluirmos que ponderação houve, prévia é certo, mas de conteúdo inequívoco, ao acolher o traçado da rede rodoviária fundamental ou mesmo, pode ler-se do normativo, uma implícita autorização para a ocupação dos espaços necessários do território municipal no sentido de contemplar este tipo de vias fundamentais, independentemente de uma dada qualificação do espaço em função de um determinado uso; autorização esta que sempre, a não se entender que expressamente ocorreu, dispensaria ou privaria de sentido uma ponderação específica.
13) Para terminar, no que concerne às alegações relativas ao art. 97.º do RJIGT, a consequência da falta de previsão em plano municipal de interesses gerais nunca poderia ser a da ilegalidade ou da falta de cumprimento do ato sectorial, não só porque o interesse comum não poderia jamais ceder a uma falta de atuação do município (a iniciativa é de terceiro), como, por outro lado, jamais se poderia deixar de aplicar o art. 24.º do RJIGT que, justamente, impõe a cedência do suposto interesse municipal.
Termos em que, deve o presente recurso ser improvido, sendo que só mantendo a sentença recorrida se fará JUSTIÇA!”

Em 25 de setembro de 2018 é proferido no TAF de Mirandela o seguinte Despacho de Admissão do Recurso e sustentação da decisão proferida:
“Da nulidade da sentença:
Os Autores, ora Recorrentes, vêm interpor recurso da sentença proferida a fls. 626 e ss dos presentes autos, em 04.04.2018, imputando-lhe um vício de nulidade.
Por força do art. 617.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, cumpre apreciar tal questão.
Segundo alegam os Autores, estes nunca invocaram a nulidade do Plano nacional Rodoviário, mas sim do despacho n.º 26324-D/2006, publicado no diário da república de 28.09.2006. Contudo, o tribunal ignorou a questão decidenda e resolveu cingir-se à apreciação da interação entre o Plano Rodoviário Nacional e o PDM de (...), sem se preocupar em inserir o ato impugnado no conjunto da argumentação exposta.
Sustentam assim que a sentença recorrida é nula, por deixar de pronunciar-se sobre a questão da nulidade do ato administrativo impugnado.
Está em causa uma eventual situação de omissão de pronúncia, que se reconduz, abstratamente, a uma causa de nulidade. Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, “É nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Vejamos então se procede a invocada nulidade.
O ato que vem impugnado nos presentes autos constitui o Despacho n.º 26324- D/2006, que procede à declaração de utilidade pública de determinados imóveis, com vista à expropriação dos mesmos para construção da obra da “SCUT interior norte – IP 3 – sublanço E2 – pedras Salgadas – EN 103” (cfr. ponto 1 do probatório da sentença).
A invalidade que vem imputada a tal ato ancora-se no facto de “(…) a parcela a expropriar [se] encontra[r] no PDM vigente em área de salvaguarda estrita – área agro-florestal”, o que, segundo propugnam os Autores, gera o vício de nulidade (cfr. arts. 14.º a 19.º da p.i.).
Na sentença recorrida considerou-se, entre outros, que o PDM de (...) se deve considerar revogado na parte em que resulta contrariado pelo traçado da autoestrada resultante do Plano Rodoviário Nacional, o qual descreve a IP 3, quer como parte do itinerário principal, quer como rede nacional de autoestradas (cfr. pp. 6 e 17 da sentença).
Perante tal constatação, considerou-se ser irrelevante para o ato impugnado o facto de a parcela em causa se encontrar em área de salvaguarda estrita no PDM, razão pela qual é de improceder o invocado vício de nulidade (cfr. pp. 17 e 18 da sentença).
Assim sendo, compulsada a sentença, constata-se que a exegese cuja falta vem invocada pelos Recorrentes foi efetivamente levada a cabo por este tribunal, que fez constar dos fundamentos da decisão a razão pela qual soçobrava o vício de nulidade imputado ao ato impugnado.
Uma vez que o tribunal não deixou de se pronunciar sobre a questão suscitada, indefere-se a nulidade da sentença que vem invocada pelos Autores, aqui Recorrentes, mantendo-se a decisão proferida.
De todo o modo, V. Exas., apreciando e decidindo farão, como sempre, Justiça!
Subam os presentes autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, nos termos do art. 145.º, n.º 2, do CPTA, juntamente com o suporte informático da decisão recorrida.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de outubro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Vêm suscitados relativamente ao Acórdão recorrido, a nulidade da decisão e erros de julgamento na interpretação de aplicação do direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
1. Em 17.10.1998, foi exarado pelo Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações despacho de declaração de utilidade pública da expropriação de bens imóveis e direitos a eles inerentes necessários à execução da obra da SCUT interior norte – IP 3 – sublanço E2 – pedras Salgadas-EN 103, incluindo a parcela identificada da seguinte forma:
(…)
Número da parcelaNomes e moradas dos proprietáriosIdentificação do prédioNatureza das parcelasÁreas totais (…)
MatrizFreguesiaDescrição predialConfrontações
TipoNúmero
107NA.
F.
(…)
Outros interessados:
E.,
M.,
F. e R.
Rústica116Vilarinho (…)33369, 152 Vº B-78(…)Terreno Benfeitorias (V.G.)6 462

(cfr. extrato do diário da república a fls. 105 do p.a.).
2. O despacho referido no ponto anterior foi publicado na 2.ª série do Diário da República de 28.12.2006 (cfr. extrato do diário da república a fls. 105 do p.a.).
3. Os Autores foram notificados, entre outros, do despacho referido no ponto 1, através de três ofícios datados de 15.01.2007 (cfr. ofícios e avisos de receção a fls. 115 e ss do p.a.).
4. A parcela de terreno identificada em 1 encontra-se localizada em “espaço agro-florestal”, de acordo com o regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), tal como aprovado pela Assembleia Municipal de (...) do dia 26.10.1994 e ratificado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 12/95, de 12 de janeiro (cfr. relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” a fls. 124 do p.a. e acórdão de arbitragem a fls. 177 do p.a.).

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o invocado.
Peticionou-se na presente Ação a declaração de nulidade do Despacho n.º 26324-D/2006, de 30 de novembro, do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações – SEAOPC, publicado no DR, 2.ª série, n.º 248, de 28-12-2006 o qual determinou a Utilidade Pública da Expropriação de uma parcela de terreno, propriedade dos então Autores, aqui Recorrentes.

Imputam os Recorrentes ao ato objeto de impugnação, designadamente, a verificação de um vício de violação de lei, por violação do art. 101.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 380/99, e pelo facto da parcela a expropriar, destinada à construção de uma área de serviço, se encontrar localizada em zona classificada como “espaço agro-florestal” no Plano Diretor Municipal (PDM) de (...).

No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª Instância:
“(...)
O Plano Rodoviário Nacional, aprovado pelo Decreto-lei n.º 222/98, de 17 de julho, descreve, de facto, a IP 3, quer como itinerário principal, quer como parte da rede nacional de autoestradas, com a seguinte descrição: “Vila Verde da Raia-Viseu. Coimbra-Figueira da Foz.” (cfr. art. 5.º, n.º 2 daquele diploma, em conjugação com listas I e IV anexas ao mesmo).
Ora, nos termos do art. 35.º do Decreto-lei n.º 380/99, de 22 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), e que se encontrava em vigor à data do ato impugnado:
“1 - Os planos sectoriais são instrumentos de programação ou de concretização das diversas políticas com incidência na organização do território.
2 - Para efeitos do presente diploma, são considerados planos sectoriais:
a) Os planos, programas e estratégias de desenvolvimento respeitantes aos diversos sectores da administração central, nomeadamente nos domínios dos transportes, das comunicações, da energia e dos recursos geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do comércio, da indústria, das florestas e do ambiente (…)”
Os Planos Diretores Municipais (PDM), por seu turno, são planos municipais de ordenamento do território, de natureza regulamentar, que “estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental” (cfr. art. 69.º do RJIGT).
Ora, conforme resulta do art. 2.º, n.º 1, do RJIGT, “A política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se organiza, num quadro de interação coordenada, em três âmbitos:
a) O âmbito nacional;
b) O âmbito regional;
c) O âmbito municipal.”
Resulta do n.º 2 deste mesmo preceito que o âmbito nacional é concretizado, entre outros instrumentos, através dos planos sectoriais com incidência territorial. E, conforme decorre do respetivo n.º 4, o âmbito municipal é concretizado, entre outros, através dos planos municipais de ordenamento do território, compreendendo os planos diretores municipais.
O art. 24.º do RJIGT, por seu turno, vem definir a relação entre os vários instrumentos de gestão territorial ...
(...)
Vigora, pois, neste âmbito um princípio de hierarquia, prevalecendo os planos nacionais sobre os planos municipais. Ou seja, existindo incompatibilidade entre um plano municipal e um plano nacional - como vimos ser o caso do plano sectorial a que corresponde o Plano Rodoviário Nacional -, é o plano municipal que deve ceder.
Neste sentido, vejam-se as doutas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, proferidas numa situação muito semelhante à situação dos presentes autos, que aqui inteiramente subscrevemos:
“Como se disse no acórdão, a propósito da recorribilidade, o ato administrativo impugnado incorpora a decisão de” localização do troço de autoestrada A 11-IP 9 entre os nós de ligação de Celeirós e Guimarães Oeste”. E o comportamento reativo da recorrente justifica-se pelo facto assente — vide, supra, ponto 5. de 2.1. — de a localização daquele segmento da via não respeitar “em parte, os espaços — canais definidos pelo PDM de Braga, para a passagem de tal infraestrutura”
(…)
Para melhor compreensão passamos a transcrever o discurso justificativo da decisão:
“(…)
Adiante-se, desde já, que a verificação, ou não verificação de tal vício, depende da possibilidade de um PDM poder, ou não, ser violado por um Plano Rodoviário.
É o que se passa a analisar.
O art° 65° da Constituição da República no seu n° 4 refere que “o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade urbanística”.
E acrescenta-se no n° 2 do artigo seguinte que “para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos «ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento sócio económico e a valorização da paisagem»” (al. b).
Esta política de ordenamento do território, consagrada nestes e noutros preceitos constitucionais, foi primeiramente desenvolvida pela Lei n° 48/98, de 11/8, onde foram estabelecidas as bases da política do ordenamento do território e do urbanismo.
(…)
As bases da política de ordenamento do território e de urbanismo foram posteriormente desenvolvidas pelo DL. n° 380/99, de 22/9.
E diz-se no art° 2° deste último diploma que a política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se organiza, num quadro de interação coordenada, em três âmbitos: o nacional, o regional e o municipal.
O âmbito nacional é concretizado através do programa nacional da política de ordenamento do território, dos planos sectoriais com incidência territorial e dos planos especiais de ordenamento do território, compreendendo os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira.
O âmbito regional é concretizado através dos planos regionais de ordenamento do território. O âmbito municipal é concretizado através dos seguintes instrumentos: os planos intermunicipais de ordenamento do território e os planos municipais de ordenamento do território, compreendendo estes últimos: a) os planos diretores municipais; b) os planos de urbanização; c) os planos de pormenor.
Embora, todos estes instrumentos de gestão territorial identifiquem os interesses públicos prosseguidos (art° 8°) e vinculem as entidades públicas (art° 3° do DL. no 380/99), devem assegurar uma harmonização entre eles.
Esta mesma ideia de harmonização está expressa no art° 22 nº 2 ao referir que “o Estado e as autarquias locais têm o dever de promover, deforma articulada entre si, a política de ordenamento do território ...”.
Pode, todavia, acontecer que não seja possível tal harmonização entre estes vários instrumentos e, por isso, o art° 24° deste DL. nº 380/99 consagra uma hierarquia entre eles.
(…)
De tudo o que se acaba de transcrever resulta claramente que os planos municipais de ordenamento não devem colidir com o plano nacional, cedendo quando tal aconteça, representando antes, e no que for compatível, um desenvolvimento do mesmo.
(...)
Por sua vez, os planos municipais do ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar e estabelecem a tradução, no âmbito local, do quadro de desenvolvimento do território estabelecido nos instrumentos de natureza estratégica de âmbito nacional e regional (arts. 69º e 70°).
Como se referiu supra, o programa nacional da política de ordenamento do território estabelece as grandes opções com relevância para a organização do território nacional, designadamente, quanto às redes de comunicações e infraestruturas.
Ora, nesta matéria o primeiro plano rodoviário constava do Decreto n° 33.916 de 4/9/1944, que devido aos lapsos contidos, tanto no texto como no mapa que o acompanhavam, foi substituído, menos de um ano depois, por novo plano rodoviário, constante do DL. nº 34 593, de 11/5/1945.
(...)
Todavia, como já acima se referiu, quando não for possível a compatibilização de um PDM com um Plano Nacional de Ordenamento do Território, aquele tem que ceder perante este, dado a maior importância deste.
Aliás, assim o impõe o art° 60 da Constituição da República, que consagra o princípio constitucional geral da unidade do Estado (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República de 18/2/2003, DR, II Série, de 7/3/2003).
(...)
Aliás, tendo um PDM a natureza de um regulamento, sempre teria de ceder perante uma norma de valor superior como é aquela que aprova um Plano Rodoviário que é um decreto-lei. Assim, e por estas razões, o ato contenciosamente impugnado não sofre de nulidade ao violar o PDM de Braga”
(…)
Entrando na apreciação das questões a resolver, cumpre dizer, antes de mais, que, pelas razões supra transcritas e como decorre, ainda, com clareza, do disposto nos artigos 10º da Lei nº 48/98 de 11 de Agosto e 23° a 25° do DL nº 380/99 de 22 de Setembro, está certa a ideia do acórdão recorrido de que a hierarquia é o mais importante dos princípios jurídicos que disciplinam o relacionamento entre os vários instrumentos de gestão territorial (...).
Acertada, também, a asserção de que o legislador estabeleceu uma relação de inferioridade hierárquica dos planos municipais em relação aos restantes instrumentos de gestão territorial.
Vejam-se, no DL n° 380/99 o art. 24°, n° 1 e n° 2, 1ª parte, que estabelece a relação entre o programa nacional de política do ordenamento do território e com os planos regionais; o art. 24°, n°2, 2ª parte que fixa o relacionamento com os planos intermunicipais, o art. 24°, nº 3 que determina a superioridade dos planos sectoriais e o art. 24°, nº 4, que define a relação com os planos especiais de ordenamento do território.
Mas, afirmada a hierarquia, não pode esquecer-se que a mesma convive com a obrigatoriedade legal — artigos 10º/5 da Lei nº 48/98 e 20º/2 do DL nº 380/99 — de “na elaboração de novos instrumentos de gestão territorial” deverem “ser identificados e ponderados os planos, programas e projetos com incidência na área a que respeitam, já existentes ou em preparação, e asseguradas as necessárias compatibilizações”. A lei determina, portanto, uma certa circularidade de influência recíproca entre as normas dos diversos planos, numa interação que, quando em sentido ascendente, a nossa doutrina (Alves Correia, in “Manual de Direito do Urbanismo”, p. 311 e “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, p. 194, nota 52) denomina de princípio da contracorrente.
Dito isto, é tempo de responder, com mais pormenor, à argumentação da recorrente.
(…)
Porém, nos termos do disposto no art. 35°/2/c) do DL nº 380/99, “para efeitos deste diploma são considerados planos sectoriais” “as decisões sobre a localização e a realização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial”. Isto é, a lei designa estas decisões, que são atos administrativos, como planos sectoriais e submete-as às regras das relações dos planos entre si (cfr. art. 102°/1) e não ao regime da sujeição dos atos aos instrumentos de gestão territorial (cfr. art. 103°) [vide, neste sentido, Fernanda Paula Oliveira in “Direito do Ordenamento do Território”, cadernos CEDOUA, p. 81].
No caso em apreço, não há, pois, lugar à aplicação da norma do art. 52°/1/b) do DL n° 445/9 1 de 20 de Novembro que sanciona com nulidade os atos que violem um plano diretor municipal de ordenamento do território.
Feito este percurso, à primeira vista fica a ideia que a solução a perfilhar será, ainda assim, a declaração de nulidade da decisão de localização, agora enquanto plano, uma vez que, primeiro, o citado princípio da contracorrente, consagrado no art. 10°/5 da Lei n° 48/98, exige, na elaboração do novo plano sectorial no domínio dos transportes e das comunicações (cfr. arts. 8°/c e 9°/3 da Lei nº 48/98) a ponderação do PDM já existente e que se assegurem as necessárias compatibilizações e, segundo, nos termos previstos no art. 102°/1 do DL n° 380/99, “são nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão urbanística com o qual devessem ser compatíveis”.
Contudo, num olhar mais penetrante, aquela ideia dificilmente se harmoniza com a coerência do sistema. É que nos termos previstos no art. 25°/1 do DL nº 380/99 “os planos sectoriais e os planos regionais de ordenamento do território devem indicar as formas de adaptação dos planos especiais e dos planos municipais de ordenamento do território preexistentes determinadas pela sua aprovação”. E não pode a lei, sem fratura da unidade da regulamentação, por um lado, afirmar a supremacia hierárquica dos planos sectoriais sobre os planos de ordenamento do território, consagrando que, quando forem divergentes e inconciliáveis as opções de ordenamento, a harmonização normativa se deve fazer à custa dos planos municipais, com a correspetiva alteração destes, ainda que anteriores (cf. art. 97°/1/b do DL 380/99 na redação do DL n° 310/2003 de 10.12) e, por outro lado considerar, no art. 102°/1 do mesmo diploma, que aqueles planos da administração central são nulos por não se terem harmonizado com os planos municipais, de âmbito territorial mais restrito e em situação de inferioridade hierárquica.
Consideramos, assim, que, no caso em apreço, não há lugar à aplicação do regime de nulidade previsto no art. 102°/1 do DL n° 380/99. Sem outras razões, a mera consagração, no plano sectorial, mais amplo, de relevância supramunicipal, de uma medida que conflitue com os interesses mais restritos da comunidade local, não implica, por si só, a invalidade do ato de localização da autoestrada. Para resolução deste conflito de interesses, a lei, escolheu como instrumento jurídico mais importante o princípio da hierarquia, a determinar, no caso concreto, a prevalência do plano sectorial e a rejeição da aplicação do PDM por ser hierarquicamente inferior.
Nestes termos, concluímos pela improcedência da alegação da recorrente, devendo manter-se a decisão do acórdão recorrido, nesta parte.” (in Ac. do STA de 07.02.2006, proc. n.º 047545, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, isto visto, há que concluir que os planos diretores municipais devem ceder perante o Plano Rodoviário Nacional, plano sectorial hierarquicamente superior ao plano municipal. Nessa medida, deve considerar-se o PDM de (...) revogado na parte em que resulta contrariado pelo traçado da autoestrada resultante da implementação do Plano Rodoviário Nacional.
Se assim é, torna-se irrelevante para o ato aqui sindicado que o PDM de (...) localizasse a parcela de terreno expropriada aos Autores em espaço agro-florestal (cfr. pontos 1 e 4 do probatório).
De resto, tal resulta do próprio Regulamento do PDM de (...), que prevê, no art. 47.º, n.º 1, al. a), que a categoria de rede rodoviária fundamental é constituída, entre outros, pelas áreas adstritas às “Estradas existentes ou futuras integradas na rede rodoviária nacional, de acordo com o Plano Rodoviário Nacional”.
(...)
Na verdade, conforme decorre do douto acórdão que vem citado, quando sucede serem divergentes e inconciliáveis as opções de ordenamento, a harmonização normativa deve-se fazer à custa dos planos municipais, com a correspetiva alteração destes, ainda que anteriores.
Finalmente, cumpre referir que em nada altera o que vem dito o facto de estar em causa uma área de serviço ou o respetivo acesso.
De facto, resulta do n.º 2 da Base V da concessão designada por Interior Norte, tal como aprovadas pelo Decreto-lei n.º 323-G/2000, de 19 de dezembro, que “O traçado da Autoestrada será o que figurar nos projetos aprovados nos termos da base XXXI.”
Ora, em tais projetos incluem-se as áreas de serviço, quer ao nível dos estudos prévios, quer ao nível dos projetos de execução (cfr. Base XXIX, n.ºs 2, al. h), e 4, al. v) das Bases aprovadas pelo Decreto-lei n.º 323-G/2000).
Por outro lado, os terrenos para implantação das áreas de serviço integram o domínio público do concedente, nos termos da Base IX, n.º 2, do Decreto-lei n.º 323-G/2000.
À luz do que vem dito, há que concluir que nada na lei permite concluir pela nulidade do ato de declaração de utilidade pública em causa nos autos, conforme preconizado pelos Autores, devendo improceder o vício invocado.”

Aqui chegados, vejamos o suscitado em sede de recurso jurisdicional.

Vêm os Recorrentes recorrer da Sentença proferida em 4 de abril de 2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou “totalmente improcedente, por não provada” a ação aqui em reapreciação, a qual determinou a absolvição da Entidade Demandada do pedido formulado.

Em síntese, pretendem os Recorrentes que a decisão judicial, proferida em 1.ª instância seja revogada “substituindo-se por outra que, considerando os vícios assacados, declare a nulidade do ato administrativo impugnado retirando-se daí os devidos efeitos legais”.

Há desde logo aqui uma questão incontornável e que se prende com a circunstância de no Recurso se estarem a confundir dois planos distintos.

Por um lado, o controvertido terreno dos aqui Recorrentes foi objeto de uma DUP e correspondente expropriação, no âmbito da concretização da identificada e edificada SCUT, o que significa que o terreno foi efetivamente utilizado para o fim que havia justificado a expropriação, o que determina que a mesma, do ponto de vista formal se mostre inatacável.

Por outro lado, se o terreno não estivesse em condições de receber, como recebeu, uma infraestrutura relacionada com o fim que determinou a expropriação, em função da sua classificação legal e regulamentar, essa circunstância teria de ser aferida em termos de legalidade estrita, sem que, no entanto, colocasse necessariamente em causa quer a DUP quer a expropriação, a qual, como se referiu cumpriu os fins que a determinaram.

Em qualquer caso, sempre se dirá que mal se compreenderia que uma qualquer infraestrutura viária de âmbito Nacional tivesse, município a município, que ir contornando terrenos em função dos respetivos PDM, ziguezagueando o seu traçado, em função da classificação dos terrenos em cada município atravessado, ao que acresce que na situação em apreciação existia já um espaço canal previamente estabelecido para a referida via.

Analisemos pois o suscitado.
Desde logo e no que concerne à nulidade suscitada da sentença Recorrida, não se reconhece a sua verificação, ratificando-se tudo quanto a esse respeito se afirmou na sustentação da Sentença, em 1ª instância.

Com efeito, alegam os Autores que nunca invocaram a nulidade do Plano Nacional Rodoviário, mas sim do despacho n.º 26324-D/2006, publicado no diário da república de 28.09.2006, em face do que a decisão proferida ao se ter supostamente cingido à apreciação da interação entre o Plano Rodoviário Nacional e o PDM de (...), sem se preocupar em inserir o ato impugnado no conjunto da argumentação exposta, terá incorrido em omissão de pronúncia.

Em qualquer caso, o facto da Sentença Recorrida ter colocado em evidência a supremacia do Plano Rodoviário Nacional relativamente ao PDM, mais não procurou demonstrar que o Despacho objeto de impugnação (Despacho n.º 26324- D/2006) não se consubstanciava num ato ilícito.

Uma vez que se está perante uma via rodoviária de âmbito Nacional, como se afirmou já, mal se compreenderia que o seu traçado tivesse se soçobrar perante um qualquer PDM vigente ao longo do seu traçado, pois que se assim fosse, tal inviabilizaria a prevalência dos traçados estabelecidos em todas as vias rodoviárias nacionais, que teriam de ziguezaguear, município a município, o que se mostraria incomportável, incompreensível.

O tribunal a quo pretendeu pois e singelamente, como lhe competia, demonstrar que o estabelecido no Plano Rodoviário Nacional sempre terá de prevalecer quando possa aparentemente conflituar com qualquer dos PDM vigentes.

Por outro lado, e ao contrário do invocado no Recurso, é manifesto que o tribunal a quo não deixou de se pronunciar expressamente face à controvertida questão, pois que, tendo transcrito e acompanhado o entendimento constante de identificado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 07-02-2006, no âmbito do Proc.º 047545), acabou expressivamente por afirmar que “(...) há que concluir que os planos directores municipais devem ceder perante o Plano rodoviário Nacional, plano sectorial hierarquicamente superior ao plano municipal", o que só por si desmente a verificação da imputada nulidade.

Efetivamente, como se referiu já, a presente Ação tinha por objeto a verificação da suscitada nulidade da Declaração de Utilidade Pública – DUP, constante do Despacho n.º 26324-D/2006, de 30 de Novembro de 2006, do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no DR, 2.ª série, n.º 248, de 28-12-2006, que determinou a expropriação, por utilidade pública, das parcelas de terreno necessárias à execução da SCUT Interior Norte – IP 3 – Sublanço E2 – Pedras Salgadas/EN 103 (Km 0+000 a Km 7+100) – Aditamento 3.

A referida e controvertida “Declaração de Utilidade Pública – DUP” foi pois declarada pelo SEAOPC, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º e do n.º 2 do art.º 15.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18-09-1999, tendo por base a resolução do Conselho de Administração da então EP - Estradas de Portugal, E.P.E, que aprovou a planta parcelar e o mapa de expropriações das parcelas de terreno necessárias à execução da já referida obra - SCUT Interior Norte – IP3 – Sublanço E2 – Pedras Salgadas - EN 103, em resultado do interesse público subjacente à célere execução da obra projetada, tendo a referida declaração revestido carácter urgente, “atendendo ao interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projetada”.

Os prédios a expropriar foram devidamente identificados no “Mapa de Expropriações” e na “Planta Parcelar”, devidamente publicados, com a necessária identificação das parcelas a expropriar.

De entre os prédios expropriados, constava a aqui em causa Parcela n.º 107/N, inscrito na matriz “Rústica” sob o n.º 116, da freguesia de (...), concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 33369, a fls. 152v.º do Livro B-78, com área total de 6462 m2.
Os Autores, aqui Recorrentes, desde logo alegaram que a DUP era nula, por entenderem que se verificaria violação de lei, decorrente da violação do art.º 101.º n.º 2 do DL 380/99, e pelo facto da parcela a expropriar se destinar à construção de uma área de serviço estando em zona classificada - no PDM de (...) - como «espaço agro-florestal»

Em qualquer caso, a decisão aqui objeto de Recurso, procedeu, como lhe competia, à delimitação dos factos dados como provados e relevantes para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções de direito plausíveis, tendo adequadamente identificado o ato objeto de impugnação, o que não invalidou que tenha justificado a sua licitude em função da supremacia do Plano Rodoviário Nacional relativamente ao PDM vigente no local de implantação do prédio aqui em questão.

O referido não obstou a que o tribunal a quo tenha dado como provado que a parcela de terreno em causa se encontrará “localizada em «espaço agro-florestal», de acordo com o regulamento do Plano Diretor Municipal de (...), tal como aprovado pela Assembleia Municipal de (...) do dia 26.10.1994 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/95, de 12 de Janeiro”.

O Tribunal a quo deu ainda conta de que os então Autores invocaram a existência de violação de lei, por suposta violação do n.º 2 do art.º 101.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22-09, e o facto da parcela a expropriar se encontrar localizada em zona classificada como “espaço agro-florestal”.

É certo que os Recorrentes não impugnaram o PRN, mas tão só a DUP, mas tal não obsta, naturalmente, a que o tribunal possa argumentativamente demonstrar que é exatamente a prevalência do PRN relativamente ao PDM que evidencia a licitude do ato objeto de impugnação, afirmando sugestivamente que “… a construção das estradas integradas na rede nacional obedece ao estabelecido no Pano Rodoviário Nacional, plano sectorial que se sobrepõe ao PDN, plano Municipal”.

Na realidade, não é escamoteável a existência de uma necessária hierarquia os instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional, e os de âmbito municipal, como decorre expressamente do estatuído no artigo 24.º do então em vigor DL n.º 380/99, de 22-09, pois que assim não fosse, e como reiteradamente se afirmou já, tal colocaria em causa qualquer traçado das vias de comunicação de índole nacional.

Como referido na Sentença Recorrida, o n.º 1 do art.º 2.º também do RJIGT define que:
“1 - A política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se organiza, num quadro de interação coordenada, em três âmbitos:
a) O âmbito nacional;
b) O âmbito regional;
c) O âmbito municipal”.

Mais se refere no n.º 2 do referido normativo “que o âmbito nacional é concretizado, entre outros instrumentos, através dos planos sectoriais com incidência territorial”, sendo que “O âmbito municipal é concretizado, entre outros, através dos planos municipais de ordenamento do território, compreendendo os planos diretores municipais …” (nº 4)

Mais se referia no Artº 24.º do RJIGT que a relação existente entre os instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e os instrumentos de âmbito municipal, se fazia da seguinte forma:
“1 - O programa nacional da política de ordenamento do território e os planos regionais definem o quadro estratégico a desenvolver pelos planos municipais de ordenamento do território e, quando existam, pelos planos intermunicipais de ordenamento do território.
2 - Nos termos do número anterior, os planos municipais de ordenamento do território definem a política municipal de gestão territorial de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo programa nacional da política de ordenamento do território, pelos planos regionais de ordenamento do território e, sempre que existam, pelos planos intermunicipais de ordenamento do território.
3 - Os planos municipais de ordenamento do território e, quando existam, os planos intermunicipais de ordenamento do território, devem acautelar a programação e a concretização das políticas de desenvolvimento económico e social e de ambiente, com incidência espacial, promovidas pela administração central, através dos planos sectoriais.
4 - Os planos especiais de ordenamento do território prevalecem sobre os planos intermunicipais de ordenamento do território, quando existam, e sobre os planos municipais de ordenamento do território.

O referido evidencia incontornavelmente vigorar no nosso sistema o “princípio de hierarquia” determinando que os planos nacionais prevalecerão sobre os planos municipais, em face do que, verificando-se incompatibilidade entre um plano municipal e um plano nacional, será este último, naturalmente, a prevalecer.

Aliás, a sentença recorrida assenta em boa medida em entendimento precedentemente adotado já no STA em 07-02-2006, no acórdão proferido no processo n.º 047545, no qual se sumariou que:
”I - A hierarquia é o mais importante dos princípios jurídicos que disciplinam o relacionamento entre os vários instrumentos de gestão territorial.
II - Nos termos previstos no art.º 35°/2/c) do DL nº 380/99 de 22 de Setembro, para efeitos deste diploma, são considerados planos sectoriais as decisões sobre a localização e a realização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial.
III - Tais decisões estão submetidas às regras das relações dos planos entre si e não ao regime da sujeição dos atos administrativos aos instrumentos de gestão territorial.
IV- Sendo divergentes e inconciliáveis as opções de um plano sectorial e de um plano diretor municipal preexistente, prevalece o plano sectorial, devendo a harmonização normativa fazer-se através da alteração do plano municipal”.

A Hierarquia é pois e incontornavelmente o mais importante dos princípios jurídicos que disciplinam o relacionamento entre os vários instrumentos de gestão territorial (cfr, a propósito e neste sentido, Alves Correia, “Manual de Direito do Urbanismo”, p. 310 e Fernanda Paula Oliveira, “Os Princípios da Nova Lei do Ordenamento do Território: da hierarquia à coordenação” in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente”, Ano III, n° 1, p.21 e segs).

É certo pois que o próprio legislador estabeleceu uma relação de inferioridade hierárquica dos planos municipais em relação aos restantes instrumentos de gestão territorial, como resulta desde logo do referido DL n° 380/99, no seu art. 24°, n° 1 e n° 2, 1ª parte, que estabelece a relação entre o programa nacional de política do ordenamento do território e com os planos regionais; o art. 24°, n°2, 2ª parte que fixa o relacionamento com os planos intermunicipais, o art. 24°, nº 3 que determina a superioridade dos planos sectoriais e o art. 24°, nº 4, que define a relação com os planos especiais de ordenamento do território.

Em face do que precede, está, por natureza, justificada a opção de não ser aplicado o regime de nulidade prevista no art.º 102/1 do DL 380/99, atenta a prevalência, em concreto, do Plano Rodoviário Nacional.

Tendo na Sentença Recorrida sido dada justamente prevalência ao Plano Rodoviário Nacional (PRN), enquanto plano sectorial, face ao PDM respetivo, enquanto conjunto regulamentar, sempre teria este de ceder face à norma de valor superior, como resultou já do discorrido no Acórdão deste TCAN, de 09-07-2010, proferido no Proc.º n.º 00016/09.1BEBRG, no qual lapidarmente se afirmou que “(...) conforme decorre do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (...), a administração central não está vinculada à observância dos PDMs, quanto á aprovação de um Plano Rodoviário, dependendo a sua concretização de opção estratégica, designadamente em matéria de redes viárias estruturantes do território nacional, que define o traçado definido, mesmo que diferente do traçado previsto no PDM”.

É pois patente que, sendo o Plano Rodoviário Nacional um plano sectorial, em caso de divergência sempre prevalecerá sobre um Plano Diretor Municipal.

O referido não colide com o facto da localização em questão corresponder a uma área de serviço e respetivo acesso, uma vez que o que está em causa é globalmente o projeto que determinou a DUP, ao que acresce que, como referido em 1ª instância, resulta do n.º 2 da Base V da concessão designada por Interior Norte, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 323-G/2000, de 19 de dezembro, que “O traçado da Autoestrada será o que figurar nos projetos aprovados nos termos da Base XXXI”.

Como se refere ainda na decisão recorrida “(...) em tais projetos, incluem-se as áreas de serviço, quer ao nível dos estudos prévios, quer ao nível dos projetos de execução (cfr. Base XXXI, n.º 2. Al. H) e 4, al. V) das Bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 323-G/2000)”.

Em face de tudo quanto precedentemente se expendeu, improcederá o Recurso interposto.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª Instância.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 30 de abril de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa