Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00449/09.3BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/25/2018
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:FATURAÇÃO FALSA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Cabe à Administração provar a existência de indícios sérios de que a operação faturada não corresponde à realidade (art.º 74º/1 LGT).
2. Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o encargo de provar a veracidade da transação.
3. Os indícios devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística.
4. A adequação formal da contabilidade não é garantia nem indício seguro da existência das operações documentadas. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:P..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública
RECORRIDO: P…, Lda.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por P…, Lda. contra a liquidação relativa ao exercício de 2005 no montante de € 87.133,92
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1. O Mº Juiz a quo, entendeu que a AT não provou que as facturas de compra de peixe em Outubro e Dezembro de 2005 a empresas do grupo J… não correspondem à real compra de mercadorias.
2. A AT cumpriu o seu dever de recolha e valoração dos factos, e averiguou em acção inspectiva, levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da DDF de Aveiro, ao ano de 2005, que a ora recorrida terá registado compras que não se mostram efectivamente suportadas, razão pela qual retirou-se o valor desse IVA e o valor dos custos mencionado em tais faturas.
3. A situação dos presentes autos refere-se ao ónus da prova da realização das operações descritas nas facturas que permitem o exercício do direito á dedução dos custos.
4. A jurisprudência entende que para que os pressupostos de actuação da AT estejam verificados, basta a existência de meros indícios materiais que ponham em causa os factos declarados pelo contribuinte que ponham em causa a credibilidade da documentação fiscal, sendo a aplicação da presunção de verdade afastada nos termos do nº 2 do artº 75º da LGT.
5. Cabendo ao contribuinte o ónus da prova da existência efectiva das operações tituladas nas facturas, enquanto factos constitutivos do seu direito á dedução.
6. Conforme resulta da douta sentença dos factos provados sob a alínea F), bem como do relatório de Inspecção, pág. 7, ponto II.3.5.5, em resultado da análise contabilística e documental das quantidades de peixe pescado/vendido/comprado a inspecção constatou que o S.P. registou compras de quantidades significativas de Palmeta e Solha, no entanto não consta da contabilidade, no exercício de 2005, a venda dessa mercadoria nem foi apresentado o inventário final.
7. Não obstante o contribuinte argumentar que se tratou de cedência de mercadoria ocorrida em Agosto entre empresas do grupo, o que é certo é que não comprovou documentalmente essa situação.
8. E a verdade é que o poderia fazer, nomeadamente através da exibição do documento de controle interno da movimentação da mercadoria existente na câmara frigorífica (quer se denominem guias de saída/entrada, guias de remessa, ficha de controle ou outro documento equivalente, tratado manual ou informaticamente)
9. E nem se diga que esses documentos não teriam que existir, pois a não existir quaisquer documentos que titulem essa transferência, como é que empresas cedentes da mercadoria alegadamente em Agosto, vários meses mais tarde (em Outubro e Dezembro) poderiam saber quais as quantidades e as espécies que deviam facturar á recorrente?
10. No que concerne aos pagamentos, conforme resulta dos factos provados sob a alínea F), e do relatório da pág. 10, ponto II.3.5.8 não foi possível a inspecção associar a transferência de meios financeiros a qualquer transacção comercial, geradora de proveitos ou custos, isto é não foi possível relacionar o fluxo financeiro com o fluxo económico.
11. Como claramente resulta do probatório existem indícios sérios de que as facturas são falsas, pelo que considera-se que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, interpretou mal os factos ao considerar que a AT não cumpriu o seu ónus de prova de que as facturas constantes do anexo 5 do Relatório não correspondem a transacções verdadeiras.
12. E é um dever da AT rejeitar a dedução do IVA que se encontra titulado por tais facturas, bem como a desconsideração do custo respectivo quando, após averiguações, concluiu haver sérios indícios de que aquelas titulam operações simuladas e, consequentemente, que tais compras não são reais.
13.A douta sentença considera plausível a ocorrência de cedência de mercadorias á impugnante por parte das empresas do grupo, e que tudo o resto não passa de meros formalismos.
14. Ora ao contrário do decidido na sentença recorrida, as invocas guias da “saída da mercadoria” que a impugnante nunca exibiu, não se limitam a um formalismo de natureza meramente organizativa, sem imposição legal.
15. Pois, admitindo-se que as câmaras frigorificas têm existências de pescado pertencentes a terceiros, era, no mínimo, coerente, transparente e adequado que a movimentação das existências se fizesse com base em documentos de controle interno (quer se denominem por guias de saída/entrada, guias de remessa, ficha de controle ou outro documento equivalente, tratado manual ou informaticamente), de modo a que se percepcionasse a qualquer momento “o quê”, “o quanto”, e “a quem” pertenciam os bens existentes nas câmaras;
16. E como é sabido, o aluguer de espaço a terceiros nas câmaras frigoríficas é, em conformidade com os usos e costumes da actividade piscatória, debitado ao “metro cúbico/dia”;
17. Não é crível que existam os produtos, sem se proceder a uma contagem física, o que colide e se revela inexequível face às boas práticas das condições de exigência da conservação dos mesmos dentro dos parâmetros da saúde, higiene e segurança alimentar.
18. E por último, determina o POC (Plano Oficial de Contas) aprovado pelo DL. Nº 410/89 de 21.11, no ponto 12 Notas explicativas, classe 2 – Terceiros e classe 3 – Existências, a obrigatoriedade da impugnante ser receptora de qualquer guia ou documento equivalente relativo á cedência de pescado por parte das empresas do grupo, o qual suportaria a contabilização da cedência de pescado em contrapartida da conta 228 – Fornecedores – Facturas em recepção e conferência;
19. O tribunal a quo ao limitar-se a atribuir apenas uma eventual utilidade prática á existência das aludidas “guias de saída das mercadorias”, e ao concluir que a sua omissão não permite qualquer juízo de censura jurídica ou ética, abre campo á subversão das regras, usos e costumes comerciais perpetuando-se o “caos”, e conduzindo a que não exista forma, segura, de confirmar, validar e certificar a titularidade de bens perecíveis não sujeitos a registo e, como tal, as empresas estariam legitimadas a não apresentar a sua verdadeira situação patrimonial.
20. Ora salvo o devido respeito pelo douto tribunal discorda-se da afirmação de que AT partiu do pressuposto que a impugnante comprovou o pagamento por transferência bancária do preço das mercadorias aqui em causa.
21. No relatório de inspecção tributária nunca se concluiu quer implícita quer por remissão expressa que as transferências bancárias serviram de meio de pagamento às facturas postas em causa, porquanto não foi possível associar os fluxos financeiros ao suposto fluxo económico, quer pela AT, quer pela impugnante.
22. O que é dito no Relatório de Inspecção na pág. 10, no que respeita á análise dos movimentos financeiros, é que não foi possível na grande maioria dos casos, associar a transferência de meios financeiros a qualquer transacção comercial geradora de proveitos ou custos, isto é que não foi possível relacionar o fluxo financeiro com o fluxo económico.
23. E concretamente para as facturas postas em causa é dito no relatório de inspecção na pág. 14, que quanto aos meios de pagamento utilizados a transferência bancária, não foi considerado prova suficiente da efectiva realização da transferência das mercadorias, uma vez que a transferência de meios financeiros, sem qualquer justificação económica, entre as empresas do grupo é uma prática generalizada que remonta desde a década de noventa.
24. Conforme resulta dos factos provados, os serviços fiscais realizaram todas as diligências e operações materiais que lhe incumbiam, tendo em vista o apuramento dos factos reveladores e conformadores da situação tributária da recorrida.
25. Acontece que a recorrida é que não apresentou aos serviços de inspecção, “os documentos de movimentação e/ou transporte” de existências relativas ao peixe supostamente cedido pelas outras empresas do grupo, nem conseguiu associar os fluxos financeiros ao suposto fluxo económico, apesar de tal lhe ter sido solicitado pela inspecção.
26. E o que é certo é que o efeito atribuído á não comprovação dos factos alegados pelo contribuinte, não o podem beneficiar, ao contrário do decidido na douta sentença sob recurso.
27. A douta sentença recorrida não fez uma correcta apreciação da prova e violou o artº 23º nº 1 al. a) do CIRC.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de
LEI E JUSTIÇA
CONTRA ALEGAÇÕES.
1ª Entende a Representação da Fazenda, discordando da douta sentença recorrida, que “outra deveria ter sido a decisão sobre a situação da contabilização de facturas que foram indiciadas de falsas, isto porque não foi feita uma correta apreciação da prova e da aplicação do artº23º nº 1 al.a) do CIRC”.
2ª Entende o ora recorrente, que não assiste razão ao alegado pelo Representante da Fazenda pública, pois os factos invocados não são suficientes para suportar as correções preconizadas pela Administração Fiscal (atualmente Autoridade Tributária), pelo que terá de assistir razão à douta sentença recorrida.
2ª Entende a Representação da Fazenda que “para que os pressupostos de atuação da AT estejam verificados, basta a existência de meros indícios materiais que ponham em causa os factos declarados pelo contribuinte que ponham em causa a credibilidade da documentação fiscal, sendo a aplicação da presunção de verdade afastada nos termos do nº 2 do artº 75º da LGT.”
3ª Entende o ora recorrente, na esteira de já inúmera Jurisprudência dos Tribunais Superiores, que para a verificação dos pressupostos de atuação no caso de faturação falsa, os indícios invocados pela AT terão de ser fortes e credíveis, como não poderiam deixar de ser.
4º Veja-se que quer ao longo de todo o relatório de inspeção, quer ao longo das alegações de recurso, a AT só pretende salientar o facto da empresa ora recorrente, não ter as guias de Saída do peixe da Câmara Frigorífica. Ora tal facto, não pode ser considerado indício forte e Credível, como Suficiente para se classificar determinada faturação de FALSA.
5º Não se pode assim estar mais em desacordo com a Representação da Fazenda Pública quando diz nas suas alegações que os serviços realizaram todas as diligências e operações materiais que lhe incumbiam, tendo em vista o apuramento dos factos reveladores e conformadores da situação tributária da recorrida.
6º E veja-se que ao longo de todo o seu relatório, o Srº Inspetor Tributário, não faz uma única vez referência à palavra “FATURAS FALSA”.
7ª Veja-se que para classificar uma fatura, uma venda de falsa, analisa-se o contribuinte emitente da fatura e o que aceitou a faturação dita de falsa. No caso dos autos só se teve interesse em inspecionar o comprador.
8ª Como pode assim concluir-se em sede de alegações de recurso que se reuniu indícios para tão grave correção de dita de Faturação Falsa. Veja-se que tal classificação, implica que se cometeu um CRIME FISCAL e no relatório de inspeção não se faz qualquer referência.
9ª Obviamente que o movimento nas câmaras frigoríficas leva a que possam surgir falhas, que a empresa recorrente reconhece, mas que não poderão fundamentar ou legitimar as correções pretendidas, sob pena de constituir enriquecimento sem causa para o Estado.
10º Deste modo, assentando o ato tributário numa correção que não legitima a sua validade substancial, não poderá ser mantido na ordem jurídica, e deverá manter-se a douta sentença recorrida.
Termos em que e nos mais de Direito, que Vossas Excelências Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, ser confirmada a Douta Sentença Recorrida
E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de direito e de facto ao julgar parcialmente procedente a impugnação na parte
relativas às correções efetuadas com base na falta de veracidade das compras tituladas pelas facturas constantes do anexo 5 do relatório da Inspeção Tributária (custos com a “aquisição” de pescado)

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) Em despacho de 16/11/2006, proferido na Ordem de Serviço nº OI200602755, consta “Proceda-se à inspecção externa”, relativa ao contribuinte nº 5…, P…, Lda, CAE 005011, morada em…, Gafanha da Nazaré – Ílhavo, com âmbito “parcial”, limitada aos trimestres de IVA de 2005 – fls. 146 do processo administrativo apenso aos autos.
B) Em 12/04/2007 essa Ordem de Serviço foi assinada ilegivelmente em nome do sujeito passivo e na qualidade de “gerente” – fls. 149 do processo administrativo apenso aos autos.
C) Em despacho de 20/06/2007, proferido na Ordem de Serviço nº OI200602755, consta “Proceda-se à inspecção externa”, relativa ao contribuinte nº 5…, P…, Lda, CAE 005011, morada em…, Gafanha da Nazaré – Ílhavo, com âmbito “parcial”, limitada ao IVA e IRC de 2005 – fls. 147 do processo administrativo apenso aos autos.
D) Em 12/07/2007 a Ordem de Serviço referida em C) foi assinada ilegivelmente em nome do sujeito passivo e na qualidade de “sócio gerente” – fls. 147 do processo administrativo apenso aos autos.
E) Em 27/07/2007 foi emitida a Nota de Diligência nº NDO200713380, relativa à Ordem de Serviço nº OI200602755, da qual consta que “Inspecção iniciada: 2007/04/12‖ e “Concluída; 2007/07/27” e que em nome do sujeito passivo foi assinada, na qualidade de “colaborador”, a declaração datada de 27/07/2007 que diz “Recebi a nota de diligência” – fls. 149 do processo administrativo apenso aos autos.
F) Com data de 04/09/2007, no âmbito do mencionado procedimento inspetivo foi elaborado o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 124 do processo administrativo apenso aos autos, do qual consta, além do mais, o seguinte:

[…]
II.2 — MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
A presente inspecção foi desencadeada pela divergência detectada no Sistema de Informação de Trocas Intracomunitárias (VIES). Constatou que o SP era adquirente de produtos oriundos de vários países comunitários, apesar de não incluir nas suas declarações periódicas de IVA, qualquer valor com aquisições intracomunitárias.
O objectivo da inspecção prende-se com a comprovação da efectiva realização das aquisições intracomunitárias.
O âmbito da acção definido pelo código 221.22 do PNAIT (Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária), sendo inicialmente o imposto alvo da presente inspecção o IVA, após análise dos documentos (facturas e vendas a dinheiro) comprovativas da liquidação e dedução de IVA, constatou-se a existência de incorrecções susceptíveis de gerar correcções em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), pelo que em 2007-06-20 foi alterada a ordem de inspecção passando a incluir também o IRC como imposto alvo, desta alteração e da sua justificação tomou o SP conhecimento, na pessoa do seu sócio-gerente, em 2007-07-12. A incidência temporal abrange o exercício de 2005.
II.3 — CARACTERIZAÇÃO DA ACTIVIDADE E ASPECTOS CONTABILÍSTICO-FISCAIS
II.3.1 — IDENTIFICAÇÃO DO SP E ENQUADRAMENTO FISCAL
O SP iniciou a sua actividade em 1973-09-01 e encontra-se registado no Serviço de Finanças de Ílhavo (0108), para o exercício da actividade de "PESCA MARITIMA" (CAE 005011), está enquadrado para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e no regime normal de periodicidade mensal para efeitos de IVA. Tem a sua sede em…, Gafanha da Nazaré, Ílhavo.
É sócio-gerente da sociedade (Anexo 1 - 4 folhas): - A…, NIF 1….
II.3.2 — CARACTERIZAÇÃO DA ACTIVIDADE
Trata-se de uma sociedade que se insere dentro de um grupo económico (Grupo S…), composto por diversas empresas que se dedicam à actividade de pesca e à prestação de serviços acessórios a esta actividade, de entre as quais se destacam:
• Sociedade de Pesca S…. Lda;
• Sociedade de Pesca N…, Lda;
• Empresa de Pesca J…, S.A.;
• Pescarias…, Lda;
• V…, Lda;
• A…, Lda;
• Empresa Industrial…, Lda;
• Pescas…, Lda;
• Sociedade de Pesca…, Lda.
A "P… " dedica-se principalmente à pesca costeira possuindo para o efeito, ao seu serviço, sete embarcações, sendo uma delas em regime de aluguer, possui ainda um navio-fábrica que se dedica à pesca em alto mar com uma capacidade de pesca, processamento e armazenagem (congelamento) de 1.000 toneladas, por viagem, segundo informação do sócio-gerente. Possui ainda uma câmara frigorífica destinada ao armazenamento de peixe capturado no âmbito da pesca costeira, sendo usada para a prestação de serviços de armazenamento e conservação a comerciantes deste tipo de peixe.
A pesca costeira é nos termos da legislação vigente, entregue obrigatoriamente e na sua totalidade à "DOCAPESCA", nos diversos portos existentes na costa portuguesa. Competindo a esta entidade o apuramento do valor a pagar ao SP, relativo ao pescado entregue, bem como à entrega do IVA, relativo à venda do pescado, nos cofres do Estado conforme determina o art.º 90 do Decreto-Lei n.º 122/88 de 20 de Abril.
Na pesca em alto mar, antes da descarga é previamente comunicado o resultado da pescaria através do envio do manifesto de carga do barco à Direcção Geral das Pescas e à Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, sendo neste organismo instaurado um processo de contramarca. O pescado é então, na data previamente comunicada e na eventual presença dos inspectores das pescas, descarregado para os armazéns frigoríficos pertencentes ao grupo S…, nomeadamente da empresa "Empresa de Pesca J…, S.A.".
II.3.3 — ORGANIZAÇÃO CONTABILÍSTICA E FISCAL
_ O sujeito passivo possui contabilidade informatizada e organizada nos termos dos art.ºs 17º, 115º e 117º do Código do IRC (CIRC) e art.º 28º do Código do IVA (CIVA), não registando, nesta data, qualquer atraso de escrituração.
A elaboração da contabilidade, relativa ao exercício de 2005, esteve a cargo da Técnica Oficial de Contas, Maria…, NIF 1…e do Técnico Oficial de Contas, S…, NIF 1…, sendo no entanto este que figura na declaração modelo 22 de IRC e na declaração anual de informação contabilística e fiscal como responsável.
Nos diversos contactos com o SP o interlocutor foi a TOC Maria….
II.3.4 — OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS — FISCAIS E CONTABILISTICAS
Relativamente ao comportamento declarativo do SP, nos últimos cinco exercícios (2002 a 2006) constatou-se que tem sido regular não apresentando nesta data declarações em falta.
A nível fiscal o SP foi alvo de um procedimento de inspecção externo aos exercícios de 1997 a 2001, realizado no ano de 2002 (Ordem de Serviço 27998 de 2000-08-25), do qual se realça o facto de se ter constatado a existência de uma grande quantidade de transferências de meios financeiros entre as empresas do grupo S…, movimentos estes que não tinham subjacente qualquer fluxo económico (vendas de mercadoria ou prestação de serviços).
II.3.5 — DILIGENCIAS EFECTUADAS
II.3.5.1 — DIVERGÊNCIAS NO VIES
[…]
II.3.5.2 — ANÁLISE DO ABATE DE EMBARCAÇÕES
No ano de 2005 o SP aproveitou um programa comunitário, Regulamento n° 2792/99 de 17 de Dezembro, regulado pelo DL 224/2000 e pelas Portarias 1086/2000 e 1490/2004, o qual atribuía uma compensação financeira (prémio) à imobilização definitiva de embarcações de pesca por abate e demolição.
Ao abrigo deste programa abateu seis das suas embarcações obtendo assim uma compensação financeira que rondou os € 2.900.000,00 (75% suportado por fundo comunitário e o restante pelo Estado português), além desta compensação o SP vendeu à firma “S…, S.A”, para desmantelamento, as embarcações.
Todo o proveito gerado foi contabilizado como proveitos extraordinários, mediante apuramento de mais-valias, sendo desta forma tributados em sede de IRC, No entanto, no apuramento da mais-valia (Anexo 2 – 4 folhas), e tendo em conta a ficha de imobilizado (data de aquisição), foi aplicado o coeficiente de desvalorização monetária a equipamentos cujo prazo que decorreu entre a aquisição e a alienação (realização) foi inferior a dois anos.
[…]
Não será objecto de qualquer tributação em sede de IVA.
II.3.5.3 — ANÁLISE DA DECLARAÇÃO SUMÁRIA
Não foi possível a análise física da declaração sumária nem do processo de contramarca, em virtude de o mesmo já não se encontrar arquivado na Alfândega de Aveiro, mas sim arquivado no Porto. No entanto, em contacto telefónico com o responsável pelo arquivo, apurou-se que: a descarga do pescado não foi fiscalizada; o manifesto provisório indica um peso bruto de pescado de 603.671 Kg; e o manifesto definitivo indica 538.933 Kg de peso bruto de pescado.
II.3.5.4 — ANÁLISE DO MANIFESTO "AVEIR... 1/05"
O manifesto definitivo de carga (Anexo 4 — 1 folha) do navio Aveir... reporta as quantidades de peixe pescado e descarregado por espécie. O peso líquido do pescado foi de 516.310 Kgs sendo as espécies mais representativas o "Red Fish" com 216.130 Kgs e a "Palmeta" com 201.580 Kgs, entre o restante pescado encontra-se entre outras o "Bacalhau", a "Solha", o "Granadeiro", a "Raia" e a "Abrotea".
Todo este peixe, pescado na saída para o mar que decorreu entre 15 de Fevereiro e 13 de Julho de 2005, foi descarregado para os armazéns da "Empresa de Pesca J…, S.A.", em 2005-07-18 (data de início da descarga).
II.3.5.5 — ANÁLISE DAS COMPRAS
O SP adquiriu em 2005-10-03 e 2005-12-30 (Anexo 5 — 10 folhas), a empresas do grupo S…, quantidades significativas de Palmeta e Solha, no entanto não consta da contabilidade, no exercício de 2005, a venda dessa mercadoria nem foi apresentado o inventário final.
Em resposta à notificação efectuada em 2007-06-11 (Anexo 6 - 3 folhas), na qual se solicitou o inventário inicial e final de 2005 e os documentos e datas da venda das mercadorias adquiridas, esclareceu o SP, em resposta que deu entrada nos serviços de inspecção em 2007-06-11 com o número 7193, no seu ponto 1 que "Relativamente aos inventários, inicial e final do exercício de 2005, as existências encontravam-se a “zero", e no seu ponto 2 que "A mercadoria adquirida em Outubro e Dezembro de 2005, corresponde a vendas feitas pela P… de peixe que no momento, não tinha em existências e que lhe foi dispensado pelas empresas em causa".
Para comprovar esta cedência de mercadoria não foi apresentado, apesar de solicitado diversas vezes, qualquer documento que comprove a efectiva transferência entre as empresas em causa, uma vez que as facturas de compra ocorrem muito depois das entregas da mercadoria aos clientes (ocorridas em Agosto).
Mesmo considerando que a factura possa ter sido emitida muito depois do fluxo económico se ter realizado (emitida fora de prazo) deveria, nos termos da al. f) do nº 5 do art.º 35º do CIVA (com a redacção dada pelo DL 256/2003, de 21 de Outubro, e entrada em vigor em 2004-01-01), identificar na factura a data em que a mercadoria foi colocada à disposição do adquirente o que não fez.
Não foi portanto comprovado, que de facto a transferência de mercadorias entre as empresas do grupo ocorreu de facto, até porque existiria certamente, até para o próprio controlo interno da mercadoria existente na câmara frigorífica, que segundo o sócio-gerente tem capacidade para armazenar 25.000 toneladas de mercadoria, um documento que sirva de suporte à movimentação da mercadoria. Pois seria uma anarquia total, que tornaria impossível a gestão da câmara frigorífica, a inexistência de um sistema de gestão e controlo da mercadoria armazenada até porque, segundo o sócio-gerente, vários milhares de toneladas de mercadoria não são propriedade das empresas do grupo, mas sim de terceiros nomeadamente de uma fábrica que recorre a esta câmara frigorífica para armazenar o peixe (matéria prima) que aguarda processamento.
3.5.6 - ANÁLISE DAS VENDAS
As vendas resultantes da pesca costeira são registadas na contabilidade do SP tendo por base documentos emitidos pela "Docapesca", entidade responsável pela venda em nome do SP do peixe pescado.
A pesca em alto mar é, segundo o sócio-gerente, vendida (acordada a sua venda) mesmo antes da chegada do barco. Constatou-se que a carga foi praticamente toda vendida durante o mês de Agosto de 2005, facturas 22, 23, 27, 28, 30, 31, 32, 33 e 34 emitidas de 2005-08-01 a 2005-08-23 e documentos "Guia de Saída" (Anexo 7 — 62 folhas -tabela resumo, facturas e guias de saída). Apenas relativamente à factura 37, emitida em 2005-09-26 relativa à venda de Granadeiro, à factura 41 e nota de crédito 1 ambas serviram de acerto à factura 27 emitida em 2005-08-01, à factura 44 emitida em 2005-12-20 para a firma "Congelados C…" e às facturas 47 e 48 emitidas em 30-12-2005 para duas firmas do grupo que no fundo serviu para pôr a zero o stock de peixe, não foram emitidas no mês de Agosto e não foram apresentadas as guias de saída relativas à movimentação da mercadoria.
De referir que, conforme se constata do Anexo 7, a quantidade de peixe facturado e constante das guias de saída das câmaras frigoríficas com a referência "Aveir... — 1/05", identificando assim o navio e a viagem realizada (primeira de 2005) é superior à quantidade constante do manifesto definitivo, datado de 2005-08-01, do navio Aveir... em 149.212 Kgs, principalmente nas espécies "Palmeta" e "Solha" com divergências de, respectivamente, 101.602 Kgs e 32.155 Kgs.
II.3.5.7 — ANÁLISE DAS GUIAS DE SAÍDA DE ARMAZÉM
As guias de saída de mercadoria das câmaras frigoríficas foram apresentadas em resultado da notificação efectuada em 2007-06-11 (Anexo 6), como sendo os documentos que acompanharam a mercadoria (documento de transporte/remessa) vendida pelas facturas 22, 23, 27, 28, 30, 31, 32, 33 e 34, do ano de 2005. No entanto relativamente às facturas 37, 41, 44, 47 e 48, como já referido no ponto II.3.5.6, não foram apresentados os documentos comprovativos da movimentação de mercadoria.
A guia de saída propriamente dita (Anexo 7) é timbrada com a identificação da empresa proprietária do armazém, é numerada sequencialmente e datada, identifica o cliente e na parte superior do lado direito o "N° SERVIÇO INTERNO", que segundo informação da Dr. Teresa Sardo, identifica a câmara de onde é retirada a mercadoria, na linha abaixo da identificação do cliente e do lado direito é identificada a origem da mercadoria, constando em todas as guias a identificação do navio e da viagem realizada, mediante a inscrição "AVEIR... — 1/05", consta também a identificação da viatura e/ou do contentor que efectuou o transporte. É igualmente identificada, espécie/qualidades do peixe e quantificada, em quilogramas (peso bruto, tara e peso líquido), a mercadoria transferida.
Da análise das quantidades constantes das guias, constatou-se que a mercadoria saída (vendida) entre o dia 2005-07-27 (guia de saída 5719) e o dia 2005-08-25 (guia de saída 5784), totaliza a quantidade de 665.522,00 Kgs (peso líquido).
Da análise da cadência das guias emitidas e das facturas a que dizem respeito constatou-se que existem entregas de mercadoria posteriores à emissão da factura mas geralmente a entrega é efectuada anteriormente à emissão da factura, nem sempre sendo respeitado o prazo de cinco dias úteis consagrado no nº 1 do art.º 35º do CIVA, como é o caso das guias: 5715 datada de 27-07-2005; 5724 datada de 28-07-2005; e 5734 datada de 01-08-2005. Mercadoria esta incluída na factura 30 de 2005-08-09.
II.3.5.8 — ANÁLISE DOS MOVIMENTOS FINANCEIROS
Na análise da conta 26 — Outros devedores e credores, verifica-se um movimento acumulado muito elevado (€ 13.637.003,57 a débito e € 14.686.061,89 a crédito) na sub-conta 2681 — Outros devedores e credores diversos.
A grande maioria dos documentos de suporte são comprovativos de transferências bancárias, comprovativos de depósito bancário de valores ou notas de lançamento internas, em qualquer dos casos a contraparte são empresas pertencentes ao grupo S…, sendo o registo contabilístico reflectido em uma das duas contas bancárias conhecidas (conta 121190 da CGD e conta 121 192 do BES).
Não foi possível, na grande maioria dos casos, associar a transferência de meios financeiros a qualquer transacção comercial geradora de proveitos ou custos, i.e. não foi possível relacionar o fluxo financeiro com o fluxo económico.
Questionou-se a Dr. T… sobre a razão destas transferências a qual a informou que se tratavam de transferências entre as empresas do grupo para sanear dificuldades de tesouraria. Esta justificação, face aos movimentos em causa, é vaga e pouco clara já que existem situações em que o SP recebe um valor elevado num dia e no dia seguinte, esse valor ou semelhante, é transferido/ para outra empresa do grupo.
II.3.5.9 — ASPECTOS CONTABILISTICOS E FISCAIS
Foi efectuada uma análise aos valores declarados pelo SP para algumas rubricas contabilísticas para os exercícios em análise, tendo-se elaborado o quadro a seguir apresentado:
[…]
No quadro supra apresentam-se os resultados apurados pelo SP no triénio 2003-2005, constata-se que o volume de negócios tem vindo a decrescer tendo tido a quebra mais significativa em 2005, cerca de 14%, quebra esta justificada com o facto de neste ano o SP ter abatido seis embarcações à sua capacidade de pesca costeira.
Relativamente aos custos a grande variação sofrida no exercício de 2004, comparativamente com 2003 e 2005, na rubrica Fornecimentos e Serviços Externos (FSE) e Custos com Pessoal, deve-se ao facto de em 2004 o pessoal de mar (pescadores) ser sub-contratado a uma empresa do grupo, o que gerou um aumento dos FSE e uma redução dos custos com pessoal.
Os Proveitos Suplementares registam os proveitos gerados com cedência do navio "Joana… " a uma empresa do grupo, a quebra ocorrida prende-se com a alienação deste navio em 2005.
No que respeita ao lucro tributável, após uma quebra de 58% em 2004 teve um crescimento de cerca de 16% em 2005, tendo, em ambos os casos, por base o ano de 2003. No entanto esta evolução positiva dos resultados deve-se apenas aos resultados extraordinários obtidos com a compensação financeira recebida pelo abate dos navios, pois se ao lucro tributável expurgarmos a mais valia fiscal obtida, no valor de € 674.063,29, o lucro tributável em 2005 passa a ser um prejuízo fiscal de € 580.590,85 o que representa uma quebra de cerca de 820% tendo por base o ano de 2003.
Verifica-se igualmente que a rentabilidade fiscal do SP, obtida pela divisão do lucro tributável pelo volume de negócios, é inferior à média do distrito de Aveiro para o mesmo sector de actividade (CAE), sendo no de 2003 praticamente metade, em 2005, expurgando o efeito da mais-valia fiscal, é negativa em 13,83%.
II.3.6 — RESULTADO DAS DILIGENCIAS
Em resultado das diligências efectuadas detectaram-se as seguintes irregularidades:
a) Conforme descrito no ponto II.3.5.1, o SP não declarou, nas declarações periódicas de IVA, as aquisições intracomunitárias de material que foi aplicado nas embarcações;
b) Não apurou de acordo com as normas do CIRC, nomeadamente o nº1 do art.º 44º, as mais-valias fiscais, conforme referido no terceiro parágrafo do ponto II.3.5.2;
c) Não consta das facturas de compra a data em que a mercadoria foi colocada à disposição do adquirente, não respeitando a al. f) do nº 5 do art.º 35º do CIVA, quarto parágrafo do ponto II.3.5.5;
d) Não emissão dentro do prazo legal (até ao quinto dia útil seguinte à data da colocação à disposição), conforme determina o nº 1 do art.º 35º e al. a) do nº 1 do art.º 7º ambos do CIVA, da factura 30, emitida em 2005-08-09, a qual inclui mercadoria entregue e documentada pelas guias de saída 5715, 5724 e 5734, datadas respectivamente dos dias 27 e 28 de Julho e 1 de Agosto, último parágrafo do ponto II.3.5.7;
Relativamente aos factos referidos nos pontos II.3.5.4, II.3.5.5, II.3.5.6, II.3.5.7 e II.3.5.8 supra, nomeadamente, há desconformidade entre as quantidades de peixe pescado/ vendido/ comprado, principalmente das espécies "Palmeta" e "Solha", quando analisada em termos temporais e em função dos documentos e justificações apresentados. Conclui-se que terá ocorrido uma de três situações possíveis:
a) as facturas de compras de Outubro e Dezembro de 2005 não titulam a efectiva transferência de mercadoria, servindo apenas para fazer um acerto quantitativo entre entradas e saídas, uma vez que as quantidades saídas (vendidas) eram superiores às quantidades pescadas (declaradas no manifesto definitivo, datado de 2005-08-01, do navio Aveir...);
b) as referidas facturas titularem efectivas aquisições de mercadoria, e neste caso o inventário final de 2005 não foi de valor zero como argumenta o SP no seu ponto 1 da resposta à notificação, mas sim o valor e a quantidade comprada; ou ainda
c) na eventualidade das referidas facturas titularem efectivas aquisições de mercadoria e do inventário final ser de valor zero, então o SP omitiu vendas na exacta medida das compras efectuadas.
Resulta da análise da situação económica e financeira do SP, do sector económico em que se encontra inserido, da particularidade resultante das limitações impostas pelas leis comunitárias quanto às quotas de pesca, que a primeira hipótese supra apresentada corresponde ao que realmente ocorreu no exercício de 2005. Até porque, relativamente à "Solha", as quantidades pescadas mais as "compradas" em Outubro e Dezembro é inferior em 8.348 Kgs às quantidades vendidas apesar do "acerto" que, por qualquer equívoco, foi efectuado apenas pela quantidade de 876 Kgs, em 2005-12-30.
Não foram apresentados, apesar de várias vezes solicitados, os documentos que titulam a transferência de mercadoria entre as empresas e relativas às facturas de compra de Outubro e Dezembro, já que, se como argumenta o SP, estas facturas se referem a existências dispensadas pelas outras empresas do grupo, dispensa essa ocorrida em Agosto, obrigatoriamente teriam de existir documentos (guias de saída) emitidos pelo responsável pela câmara frigorifica, em Agosto, que titulem esta transferência, caso contrário como é que as empresas cedentes da mercadoria, vários meses mais tarde, saberiam quais as quantidades e espécies a facturar ao SP.
Relativamente às facturas em causa, solicitou-se as contas correntes dos fornecedores e fotocópia dos meios de pagamento, os mesmos foram remetidos via fax em 2007-06-15 (Anexo 8 — 14 folhas), da sua análise constata-se que o meio utilizado foi a transferência bancária, no entanto a efectiva transferência destes valores não é prova suficiente da efectiva realização da transferência de mercadorias, já que a transferência de meios financeiros, sem qualquer justificação económica, entre as empresas do grupo é uma generalizada que remonta desde a década de noventa, constatada em inspecção externa realizada no ano de 2002 e novamente agora.
De facto veja-se, a título de exemplo, o documento a folhas 5 do Anexo 8, nota de lançamento 81179, a transferência bancária é feita pelo valor de € 52.000,00, no entanto a dívida ao fornecedor "Pescarias R…, Lda", era apenas de € 28.181,48, para o valor remanescente não existe qualquer razão económica. Já o documento a folhas 9 do Anexo 8, nota de liquidação nº C 1073 de 2006-10-09, relativo ao fornecedor "Empresa de Pesca J…, SA", tem por descritivo "... pagamento parcial da V/ Factura nº 5136, datada de 2005-10-03" no valor de € 152.000,00, mas não foi apresentado o respectivo meio de pagamento.
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
Tendo em conta as irregularidades detectadas nas diligências efectuadas e relatadas no capítulo II.3.5, propõem-se as seguintes correcções.
III.1 — FACTOS E FUNDAMENTOS
[…]
Constatou-se ainda que o SP não apurou de acordo com as normas do CIRC, nomeadamente o nº1 do art.º 44º, as mais-valias fiscais que apurou com a venda e compensação financeira obtida com o abate das seis embarcações de pesca costeira, conforme referido no terceiro parágrafo do ponto II.3.4.2, nomeadamente quanto aos seguintes equipamentos:

NAVIO EQUIPAMENTO DATA AQUISIÇÃO DATA VENDA VALOR AQUISIÇÃO AMORT PRATICADAS COEFICIENTE APLICADO VALOR LÍQUIDO VALOR LÍQUIDO ACTUALIZADO DIFERENÇA
STª … central telefónica 15-10-2003 01-06-2005 4.850,00 727,50 1,02 4.122,50 4.204,95 82,45
STª… maquina especifica 20-06-2003 01-06-2005 273,80 51,34 1,02 222,46 226,91 4,45
PEROLA DO … Navio 30-09-2003 01-06-2005 56.422,95 10.579,30 1,02 45.843,65 46.760,52 916,87
PEROLA DO …. Central telefónica 15-10-200 01-06-2005 4.850,00 727,50 1,02 4.122,50 4.204,95 82,45
MAR… computador 25-06-2003 01-06-2005 671,43 251,79 1,02 419,64 428,03 8,39
MAR… Aparelho localização 23-06-2003 01-06-2005 1.905,46 571,64 1,02 1.333,82 1.360,50 26,68
MAR … computador 07-07-2003 01-06-2005 535,65 200,87 1,02 3334,78 341,48 6,70
MAR…Máquina electrica 28-07-2003 01-06-2005 325,00 97,50 1,02 227,50 232,05 4,55
VIATURA PESADA Renault 11-11-2003 24-08-2005 42.398,00 12.719,40 1,02 29.678,60 30.272,17 593,57
1.726,11

Tendo por base os factos referidos nos pontos II.3.5.4, II.3.5.5, II.3.5.6, II.3.5.7 e II.3.5.8 e os fundamentos apresentadas no ponto II.3.6, conclui-se que as facturas constantes do Anexo 5, não correspondem à real compra de mercadoria, tendo servido tão só para equiparar as quantidades de mercadoria vendidas (saídas) com as entradas e ao mesmo tempo reduzir o lucro tributável ao considerar como custo das mercadorias vendidas o valor de € 299.918,35 (total das facturas) e ainda aumentar o crédito de IVA, no montante de € 14.995,92, que o SP detinha sobre o Estado e que nesta data já consumiu na totalidade.
Tratando-se de facturas que não titulam a efectiva transferência de mercadorias, não poderão, nos termos do art.º 23º nº 1 al. a) do CIRC, ser considerados os custos com mercadorias vendidas declarados pelo SP no valor de € 299.918,35, pela mesma razão agora nos termos do art.º 19º nº 1 al. a) e 20º nº 1, não poderá o SP deduzir o IVA, no valor de € 14.995,92. mencionado em tais facturas.
III.2 — CORRECÇÕES
III.2.1 — EM SEDE DE IVA
[…]
III.2.2 – EM SEDE DE IRC
Em face dos factos e fundamentos referidos nos pontos anteriores, propõe-se as seguintes correcções, em sede de IRC, ao exercício de 2005:
RUBRICAS
DECLARADO
CORRECÇÃO
CORRIGIDO
Vendas de mercadorias 2.963.111,44 2.963.111,44
Vendas de produtos 966.576,43 966.576,43
Prestações de serviços 268.273,00 268.273,00
Volume de negócios 4.197.960,87 4.197.960,87
Proveitos suplementares 153.662,63 153.662,63
Proveitos e ganhos financeiros 33.720,75 33.720,75
Proveitos e ganhos extraordinários 930.715,89 930.715,89
Total dos proveitos e ganhos 5.316.060,14 5.316.060,14
Custos das merc. vend e das mat consum: 299.918,35 - 299.918,35 0,00
Existências 0,00
Compras 299.918,35 - 299.918,35 0,00
Regularização de existências 0,00
Existências finais 0,00
Fornecimentos e serviços externos 2.328.391,05 2.328.391,05
Impostos 187.005,39 187.005,39
Custos com o pessoal 1.533.784,68 1.533.784,68
Outros custos e perdas operacionais 10.278,13 10.278,13
Amortizações e reintegrações do exercício 428.912,69 428.912,69
Custos e perdas financeiros 168.611,59 168.611,59
Custos e perdas extraordinários 43.443,52 43.443,52
Total dos custos e perdas 5.000.345,40 - 299.918,35 4.700.427,05
Imposto sobre o rendimento do exercício 26.872,39 26.872,39
Resultado líquido do exercício 288.842,35 299.918,35 588.760,70
Total a acrescer 777.572,89 1.726,11 779.299,00
Total a deduzir 972.942,80 972.942,80
Lucro tributável 93.472,44 301.644,46 395.116,90

[…]
VII - OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES
Através do ofício n.º 8307238 de 31/07/2007 foi comunicado ao SP o teor do projecto de relatório relativo à presente acção de inspecção, tendo-lhe sido concedidos 15 dias para exercer o Direito de Audição, nos termos do art.º 60º da LGT e art.º 60º do RCPIT.
Em 2007-08-27 com o número 10132, deu entrada na Direcção de Finanças de Aveiro o Direito de Audição (Anexo 9 — 15 folhas) do SP, do qual depois de devidamente analisado cumpre informar o seguinte:
1) Aquisições intracomunitárias - ponto 1 do direito de audição - O SP argumenta que existe uma incompatibilidade entre as disposições legais e as instruções de preenchimento da declaração periódica de IVA. Tal incompatibilidade não existe pois ao tratar-se de aquisições intracomunitárias de bens isentas de tributação, as mesmas devem constar do campo 10 (base tributável) da declaração periódica, por de facto serem aquisições intracomunitárias, não havendo qualquer valor a inscrever no campo 11 (imposto) da referida declaração, uma vez que não há imposto liquidado em virtude de beneficiarem de isenção. i. e. o valor do imposto que corresponde à base tributável inscrita no campo 10 é zero e para o sistema aceitar tem de se inscrever 0,00.
2) Apuramento de mais-valias - ponto 2 do direito de audição – O SP argumenta que deve ser considerado o coeficiente de 1,02 porque a aquisição do equipamento se deu em 2003 e a alienação ocorreu em 2005 e portanto existem dois anos de diferença entre estes anos.
Para fundamentar este argumento sustenta-se no nº 1 do artº 44º e do art.º 18º ambos do CIRC, efectuando uma transcrição (muito incompleta) do primeiro normativo. De facto o nº 1 do artº 44º do CIRC é claro: ¯1 – O valor de aquisição corrigido nos termos do nº 2 do artigo anterior é actualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa actualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável‖.
Facilmente se compreende que os dois anos se contam entre a data da aquisição e a data da realização (venda, alienação) e não «ano», quer seja civil ou económico. Assim, as correcções propostas dizem respeito a todos os casos em que na data da realização (dia, mês, ano) não tinham decorrido dois anos desde a aquisição (dia, mês, ano) do equipamento.
O nº 1 do artº 18º refere-se ao principio da especialização dos exercícios o qual significa que os custos devem ser reconhecidos quando geram os correspondentes proveitos, nada tendo a ver com a correcção monetária no apuramento das mais-valias, mas sim com a competência económica.
Este mecanismo fiscal pretende somente tributar apenas as mais-valias reais e não as mais-valias (ganhos) nominais (contabilísticas) resultantes da desvalorização da moeda (inflação), razão pela qual no apuramento das mais-valias fiscais se aplica o coeficiente de desvalorização da moeda ao valor de aquisição do equipamento (deduzido das amortizações praticadas).
3) Facturas de compras efectuadas em Outubro e Dezembro - ponto 3 do direito de audição — O SP insurge-se contra uma informação constante do projecto de relatório, a qual foi recolhida junto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo — DGAIEC, que refere que a descarga do peixe não foi fiscalizada. No entanto esta informação não é o fundamento para as correcções que se propõem, mas somente para enquadramento da situação em causa. O fundamento das correcções é o constante do ponto II.3.6.
As correcções propostas são a reposição da realidade tributária ocorrida no ano de 2005, a qual estava adulterada pelas facturas de compra constantes do anexo 5; de facto, devem-se em primeira linha, aos elementos objectivos como a contabilidade e respectiva documentação. Dentro desta moldura procedeu-se à reposição lógica e natural da verdade tributária, sem que contudo, antes, aquando da visita inspectiva, ter-se notificado a empresa e solicitado verbalmente, elementos. Pois a empresa, tanto naquelas ocasiões como agora, não justapôs com documentos ou elementos adicionais, e sobretudo probatórios, direccionando e orientando a sua actuação na justificação da eventual ausência de facto tributário; ao invés, como agora, circunscreve-se a projectar situações.
Quanto aos emitentes das facturas, não sendo esta a sede própria, podem sempre lançar mão dos mecanismos legais constantes nas leis tributárias (reclamação) e solicitar aos serviços competentes as rectificações que se mostrem necessárias à reposição da realidade tributária.
4) Guias da saída de armazém - ponto 4 do direito de audição — O SP refere que a indicação constante das guias "AVEIR... 1/2005" é apenas a forma como o pessoal que trabalha nas câmaras frigoríficas identifica a empresa, não sendo precisos na elaboração das guias. Mas da análise das guias verifica-se que, bem pelo contrário, existe bastante cuidado na elaboração das referidas guias, vejamos que: não existem rasuras; os mesmos campos estão preenchidos em todas as guias; com a identificação do cliente; da mercadoria; do peso bruto, tara e líquido: rubrica do conferente; e do navio, viagem e ano da viagem.
De facto; o pessoal preenche as guias de saída das câmaras frigoríficas e indica "AVEIR... 1/2005". É claro que está a identificar o barco (Aveir...), a viagem (1) e o ano da viagem (2005), i. e. está a dizer que a mercadoria de que estão a dar saída tem origem na viagem nº 1 do ano 2005 do navio AVEIR.... Há seguramente uma enorme diferença de designação e jamais se poderá confundir.
Como tal, tudo indica que todo o peixe facturado em Agosto de 2005 foi pescado na viagem realizada pelo navio Aveir... realizada entre os dias 15 de Fevereiro e 13 de Julho de 2005, não resultando, como argumenta o SP, de qualquer cedência efectuada por outras empresas.
5) Citações literais - ponto 5 do direito de audição — Refere o SP não estar em condições de confirmar a fidedignidade das declarações dos colaboradores da empresa. Sobre esta matéria apenas resta confirmar que todas as declarações e informações que se faz referencia no relatório e atribuídas aos colaboradores do SP, foram efectivamente prestadas de forma livre e clara pela Dr. T… e/ou Sr. A….
6) Organização contabilística e fiscal - ponto 6 do direito de audição — O SP refere que Maria… nada tem a ver com a elaboração dos elementos contabilísticos objecto da presente fiscalização (exercício 2005). No entanto ela consta do cadastro informático, o qual reflecte as alterações de TOC's e de Gerentes/Administradores efectuadas pelo SP através das Declarações de Alterações de Actividade, como sendo técnica oficial de contas do SP de 1998 a 2005 (Anexo 10— 1 folha). Em conclusão, da argumentação apresentada pelo SP não resulta qualquer alteração às correcções propostas no projecto de relatório, pelo que as mesmas se mantêm no presente relatório final.” – cfr. fls. fls. 1/24 do processo administrativo apenso aos autos.
H) Do referido anexo 5 do Relatório constam as seguintes faturas:
Cliente Fornecedor Nº factura Data IVA €
P… Sociedade de Pescas S…, Lda 321 2/10/2005 430,65
P… Sociedade de Pescas S…, Lda 339 30/12/2005 59,13
P…Sociedade de Pesca N…o, Lda 25 3/10/2005 88,75
P…Pescarias R…, Lda 24 3/10/2005 1.584,83
P…Emp. Pesca J…,Lda 5136 3/10/2005 12.773,43
P…Emp. Pesca J…,Lda 5171 30/12/2005 59,13
TOTAL
14.995,92

cfr. fls. 40/49 do processo administrativo apenso aos autos.
I) Em 26/09/2007 foi emitida a liquidação n.º 2007 8310016414, referente a IRC e respetivos juros compensatórios, no montante global de 88.437,83 €, com prazo de pagamento voluntário até 14/11/2007 – cfr. fls. 40/42 dos autos e 171/173 do processo administrativo apenso.
J) Em 27/12/2007 foi autuado o Processo de Reclamação Graciosa (artº 68º CPPT) nº 0108200704001567 do Serviço de Finanças de Ílhavo, com base em requerimento em nome da agora impugnante, relativo à liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2005 – cfr. fls. 158/194 do processo administrativo apenso aos autos.
K) Por decisão de 09/01/2009, a reclamação graciosa referida na alínea antecedente foi indeferida com base no projeto de decisão, do qual consta, para além do mais, o seguinte:
2.2.2 — Argumentos invocados pela Reclamante
Em síntese, os argumentos invocados na presente petição são os seguintes:
- O acto tributário está incorrectamente fundamentado:
-A AT deve invocar a norma jurídica ao abrigo da qual pratica o acto tributário;
- O acto tributário deve assentar em premissas lógicas;
-As correcções efectuadas prendem-se com a não consideração de facturas de compra de peixe em Outubro e Dezembro de 2005 a empresas do grupo;
- A invocação da fundamentação que legitimou as correcções efectuadas teve por base simples formalismos legais quanto à facturação, invocadas no ponto 11.3.6 do relatório.
- Deveria AF demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura é simulada;
- Quanto á outra correcção — mais-valias fiscais — os bens foram adquiridos em 2003 e alienados em 2005, logo deverá ser considerado o coeficiente de desvalorização para 2003— 1,02;
- Requer anulação dos actos tributários e pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do art.º 43º da LGT.
2.2.3 — Análise da reclamação
A liquidação reclamada teve por base a não consideração como custo fiscal relativo à contabilização de compras de peixe e a correspondente dedução indevida do IVA liquidado em diversas facturas emitidas por empresas do grupo em 2005-10-03 e 2005-12-30, em face da alegada existência de indícios de que as referidas facturas não titulavam a efectiva transferência de mercadorias.
Os fundamentos constantes da petição cingem-se a dois aspectos: falta de fundamentação do acto tributário e de indícios sérios de que a operação é simulada.
[…]
Ao contrário do invocado nos pontos 16 a 21 da petição, os fundamentos da correcção efectuada não se basearam somente nos formalismos da facturação mas sim na análise contabilística e documental das quantidades de peixe pescado/vendido/comprado e a desconformidade desta relação, constando a mesma do ponto II.3.6 do Relatório, e não justificação plausível da indispensabilidade deste custo, apesar da solicitação de elementos para o efeito.
- Operação simulada:
Sobre esta matéria importa citar (entre outros) o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 2001-11-20- Procº 2509/99, o qual refere: "(...) Porém, não é necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art.º 240º do C. C. (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais. Perante essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente (...) ".
Tal posição vem reforçada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2002-02-19 — Proc° n° 5810/01 :"Compete à AT a prova dos pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável (que, no caso do IVA, se confunde com a liquidação do imposto) competindo-lhe, designadamente, demonstrar os factos que lhe permitiram concluir que a operação a que se refere uma determinada factura é simulada.
Tal ónus cumpre-se com a prova dos "factos-índice" que, valorados à luz da experiência comum, permitam um juízo suficientemente sólido naquele sentido, não tendo a AT que fazer a prova dos requisitos da simulação previstos no art.º 240º, nº 1 do C. C. e, muito menos, que obter prévia declaração judicial dessa simulação.
Feita essa prova pela AT, cessa a presunção da veracidade da declaração (e da operação subjacente à factura), passando a recair sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que à factura em causa corresponde uma operação efectivamente realizada."
Neste mesmo sentido se refere a jurisprudência invocada pela reclamante, nomeadamente o Acórdão do TCAS, de 2002/10/15 – Procº nº 6455/02.
Não é necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art.º 240º do Código Civil, sendo bastante a prova dos elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais.
Tendo a AF demonstrado a existência desses indícios sérios e objectivos, compete ao reclamante o ónus de demonstrar que as mesmas correspondem a transacções reais.
Ora, não tendo a reclamante ilidido essa prova indiciária carreada pela AF nem provado, como lhe competia, a subsistir qualquer dúvida no âmbito da prova só à reclamante pode ser imputada.
Durante a acção inspectiva foi a reclamante notificada — anexo 6 a fls.77 dos autos — para apresentação dos documentos de venda e de transporte da mercadoria adquirida em 200510-03 e 2005-12-30 às empresas do grupo e que constituem objecto da presente petição. Tais documentos nunca foram apresentados em qualquer fase procedimental. Alega o reclamante, aquando da resposta à notificação efectuada, "que a mercadoria adquirida em Outubro e Dezembro de 2005, corresponde a vendas feitas pela P… de peixe que no momento não tinha em existências e que lhe foi dispensado pelas empresas em causa", a fls. 75 dos autos, sem que tenha provado documentalmente tal afirmação nem os documentos de saída do peixe da câmara frigorífica. Então, como se justifica que as facturas de compra tenham ocorrido muito depois das entregas (venda) do peixe aos clientes as quais ocorreram em Agosto, conforme anexo 7 a fls. 78 a 140 dos autos?
A título de exemplo, vejamos: adquiriu à Empresa de Pesca J… (pertencente ao grupo), em 3/10/2005 — factª 5136 — 146kgs de "granadeiro" e vendeu em 26/9/2005 — factura 37 — ao cliente "Congelados C…, Lda” 8 746 Kgs.
Quanto á dedutibilidade do custo, nos termos do art.º 23º do CIRC, compete ao sujeito passivo o ónus de prova de explicar e provar a congruência económica da operação, ou seja, o interesse societário da relevância daquele custo. Tal prova não foi feita.
Quanto à correcção do coeficiente das mais-valias, refere o n° 1 do art.º 44º do CIRC que, o valor de aquisição será corrigido mediante a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda sempre que, à data de realização tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data de aquisição. Ora, da análise entre a data de aquisição e de realização, conforme quadro elaborado a pág. 15 do Relatório de fls. 46 dos autos, verifica-se que ocorreu menos de dois anos, pelo que não poderá ser utilizado o coeficiente de 1,02, sendo de indeferir a pretensão do reclamante.
Conclusão
Perante os factos expostos, somos de PARECER que a presente petição deve ser indeferida, sendo de manter as correcções efectuadas e consequentemente a liquidação adicional ora reclamada bem como os juros compensatórios. ” – cfr. fls. 182/188 do processo administrativo apenso aos autos.
L) A presente impugnação foi apresentada, via fax, em 10/02/2009 – cfr. fls. 2 dos autos.
Mais resultou provado que:
M) Em 2005, o único navio de pesca longínqua em atividade para a impugnante era o “Aveir...” e fez uma única viagem – cfr. depoimento da testemunha M….
N) Nessa viagem, durante a faina, foi elaborado manifesto provisório e à chegada foi feito Relatório da inspeção da Direção Geral das Pescas e manifesto definitivo em conformidade com este – cfr. depoimento da testemunha M…e fls. 46/51 dos autos.
O) Todo o peixe descarregado foi separado por espécies e pesado no armazém, em espaço vedado, à entrada das câmaras frigoríficas – cfr. depoimento da testemunha J….
P) O peixe pescado pelo “Aveir...” tem boa reputação e muita procura – cfr. depoimento da testemunha M….
Q) Na altura da descarga já não havia em armazém qualquer peixe pescado em viagens anteriores pelo “Aveir...” – cfr. depoimento da testemunha M….
R) No armazém frigorífico, pertencente ao Sr. J…, conserva-se peixe de várias empresas de pesca pertencentes ao Sr. A…, além de outras – cfr. depoimentos das testemunhas M… e J….
S) Há interesse comercial em vender peixe que está há mais tempo em armazém como sendo peixe da carga mais recente, seja esta do “Aveir...” ou de navios de outras empresas do Sr. A…– cfr. depoimento da testemunha M….
T) Quando o peixe do “Aveir...” foi vendido a Impugnante também vendeu peixe pertencente a outros navios, de outras empresas de pesca do mesmo dono, com menos procura, como se fosse peixe do “Aveir...” – cfr. depoimento da testemunha M….
U) Nos casos em que se vendeu peixe de outras empresas, esse peixe foi depois faturado por estas à empresa que o vendeu – cfr. depoimento da testemunha M….
V) A referência existente nas guias a “Aveir...-1” reporta-se ao peixe pescado pelo navio “Aveir...” – cfr. depoimento da testemunha M….
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, bem como da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Os factos dados como provados elencados nas alíneas M) a V) supra resultaram da convicção formada com base no depoimento das testemunhas, que se mostrou seguro, convicto e sincero, não obstante serem trabalhadores dependentes da Impugnante.
Nessa qualidade, ambas as testemunhas conhecem os procedimentos sobre os quais prestaram depoimento.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa com incidência no exercício de 2005 que culminou com a liquidação adicional de IVA e IRC por correções técnicas. Tendo sido deduzida Reclamação Graciosa foi esta indeferida na totalidade por despacho de 9/1/2009.
Inconformada, impugnou judicialmente a liquidação de IRC no montante de € 87.133,92 judicial alegando entre o mais, não ter sido notificada da alteração da inspeção (a inspeção foi iniciada por uma divergência detetada no sistema VIES e passa “de repente para IRC, sem qualquer despacho fundamentador” Além disso, o acto de correção está incorretamente fundamentado e faltam indícios sérios para considerar que as transações tituladas pelas faturas em causa não tiveram lugar. O que aconteceu foi a cedência de peixe efetuado pelas empresas do grupo, e porque esse mesmo peixe se encontrava no mesmo frigorífico, donde só saí para a empresa externa adquirente, os indícios invocados pela AT não são suficientes (art.º 56º da petição inicial)

O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou por impugnação dizendo, em síntese, que tendo por base a contabilidade, não constava a venda dessa mercadoria nem do inventário final. Notificada para apresentar prova da efetiva transferência da mercadoria entre as empresas em causa, a resposta foi que a transferência ocorreu em agosto, em momento anterior ao das facturas.
No decurso da análise às vendas, constatou-se que a quantidade de peixe faturado e constante das guias de saída das câmaras frigoríficas diverge das quantidades constantes do manifesto definitivo.
E na maioria dos casos não era possível associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação.
Assim, procedeu-se à correção do custo das mercadorias vendidas declaradas pelo SP no valor de € 299.918,35
O que assenta na consideração de que as faturas constantes do anexo 5 não correspondem à real compra de mercadoria, tendo servido tão só para equiparar as quantidades de mercadorias vendidas (saídas) com as entradas. E ao mesmo tempo, reduzir o lucro tributável ao considerar como custo das mercadorias vendidas o valor de € 299.918,35 (total das facturas) e aumentar o crédito de IVA, no montante de € 14.995,92 que o SP detinha sobre o Estado.

Realizada a produção de prova (a prova testemunhal foi efetuada no processo 451/09.5BEVIS e aproveitada para estes autos) a MMª juiz julgou parcialmente procedente a impugnação anulando a liquidação na parte relativas às correções efetuadas com base na falta de veracidade das compras tituladas pelas facturas constantes do anexo 5 do relatório da Inspeção Tributária (custos com a “aquisição” de pescado (“Solha” e “Palmeta”).

A fundamentação radica no facto de não obstante a Impugnante ter demonstrado o pagamento das facturas por transferência bancária, a AT considera que tal é insuficiente e para comprovar a materialidade das operações a comprovação do fluxo de mercadorias (das sociedades cedentes para a Impugnante) deveriam ter sido apresentadas as “guias de saída” do armazém do peixe pertencente aos fornecedores.

Mas estas guias constituem um formalismo meramente organizativo, não resulta de imposição legal, pelo que a sua inexistência não permite qualquer juízo de censura jurídica.

Na altura dos factos as mercadorias da Impugnante e das empresas cedentes encontravam-se no mesmo armazém frigorífico.

É plausível que, ocorrendo a cedência à Impugnante em simultâneo com a venda por esta, o fluxo de saída da mercadoria seja dado unicamente pela factura de venda emitida pela Impugnante.

Embora tal cedência deva ser devidamente documentada, a emissão da factura em Outubro ou Dezembro, relativa à “cedência” ocorrida em Agosto pretérito, não é legalmente sancionada com a perda do direito de dedução do IVA liquidado.

A cedência não implicou uma verdadeira saída do armazém em que se encontravam.

Além disso, a emissão das facturas fora do prazo legal e sem algum dos formalismos previstos no artigo 35º do CIVA, podendo implicar outro tipo de sanções ou a perda do direito à dedução nos termos do nº 2 do artigo 19º do Código, não contende com a materialidade da operação facturada.

Em regra, tendo o sujeito passivo comprovado que houve fluxo de mercadorias e o respectivo fluxo financeiro, tem-se como provada a existência da própria operação económica.

No caso dos autos, o fluxo de mercadoria comprova-se pela existência das facturas relativas às vendas (feitas pela Impugnante a empresas estranhas ao Grupo S…) de peixe que não pescou em 2005 nem tinha em “existências”, logo se concluindo logica e irrefutavelmente que o peso excedente teve de ser adquirido.

O sujeito comprova a existência de fluxos financeiros compatíveis com o pagamento das transacções a que se referem as aludidas facturas. Esse fluxo traduziu-se em transferências bancárias, cuja existência não vem posta em causa.

Porém, a AT entendeu que as transferências bancárias não comprovam só por si que ocorreu o correspondente fluxo económico de mercadorias por, alegadamente, tais transferências serem habituais entre as empresas do Grupo e nem sempre terem justificação documentada contabilisticamente.

No entanto, na situação em análise estavam reunidos indícios fortes da existência da efectiva transacção do peixe facturado à Impugnante.

Por isso, competia à AT demonstrar que, não obstante a existência de facturas e os correspondentes pagamentos por transferências bancárias, tais documentos não correspondem a efectivas transmissões de bens, ou seja, que tais facturas são falsas e que as operações facturadas são fictícias, e que os fluxos financeiros não estão relacionados com aquela operação económica.

A AT discorda do decidido. Defende que não basta o contribuinte argumentar que se tratou de cedência de mercadoria ocorrida em Agosto entre empresas do grupo, se não comprovar documentalmente, nomeadamente através da exibição de documento de controlo interno da mercadoria existente na câmara frigorífica, a transferência de mercadoria entre as empresas.
Além disso, não foi possível associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação comercial.
As “guias de saída” de mercadoria não são um mero formalismo de natureza organizativa, pois admitindo-se que as câmaras frigoríficas têm existências de pescado pertencente a terceiros era, no mínimo, adequado que a movimentação de existências se fizesse com base em documentos de controlo internos.
Até porque o aluguer de espaços a terceiros nas câmaras frigoríficas é, em conformidade com os usos e costumes da actividade piscatória debitado ao “metro cúbico/dia.

A nosso ver, o Recorrente não tem razão.

Com efeito, compete à Administração provar a existência de indícios sérios de que a operação faturada não corresponde à realidade (art.º 74º/1 LGT).

Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

A AT poderá recorrer à prova indirecta, isto é, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados.

E indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (1), os quais podem ser recolhidos mediante fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes(2).

Os indícios devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística.

A adequação formal da contabilidade não é garantia nem indício seguro da existência das operações documentadas. Uma coisa é a aparência formal que se retira da documentação, outra muito diferente é a materialidade das operações que lhe subjazem.
Reversamente, eventuais erros de contabilidade não constituem indícios seguros de faturação falsa, se não forem integrados com outra factualidade que para isso aponte.

Ora em face da prova produzida, é forçoso concluir que a AT não reuniu indícios suficientes de que a faturação é falsa.

A Impugnante vendeu todo o peixe pescado pelo navio “Aveir...”. Mas vendeu também peixe (“Palmeta” e “Solha”) para além do pescado pelo “Aveir...” tendo faturado tudo em Agosto de 2005.

O peixe além do pescado pelo “Aveir...” pertencia a empresas do mesmo grupo da impugnante e encontrava-se no mesmo armazém frigorífico. No entanto, estas empresas apenas faturaram à Impugnante em outubro e dezembro de 2005.

Por conseguinte, provou-se a existência de facturação das cedentes à Impugnante– tardia é certo, mas daí não retiramos qualquer indício de faturação falsa – bem como o pagamento por transferência bancária e que a mercadoria faturada se encontrava na mesmo armazém frigorífico.

A AT solicitou as contas correntes dos fornecedores e fotocópia dos meios de pagamento.

Da sua análise constatou que “o meio utilizado foi a transferência bancária, no entanto a efetiva transferência desses valores não é prova suficiente da efetiva realização da transferência de mercadorias”. Na tese da AT a falta de documentos que titulam a transferência de mercadoria entre as empresas (guias de saída) relativas às facturas de compra de Outubro e Dezembro emitidos pelo responsável pela câmara frigorífica seria uma forma de comprovar a materialidade das operações faturadas.

Todavia, como bem salientou a MMª juiz, as mercadorias estão no mesmo armazém e as referidas “guias de saída” constituem um formalismo meramente organizativo, não resultam de imposição legal, pelo que a sua inexistência não permite qualquer juízo de censura jurídica nem pode fundar a existência de indícios sérios de que a respetiva faturação é falsa.

Por outro lado, não é totalmente verdade que não tenha sido possível associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação comercial. O que o RIT diz é que “Não foi possível, na grande maioria dos casos, associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação comercial geradora de proveitos e custos...” (fls. 10).

Ou seja, essa falta de “associação” não acontece em todos os casos, e o RIT também se dispensa de indicar quais são os casos em que tal não acontece, parecendo até, resultar que o caso em apreço é um deles (em que se consegue fazer a associação) ao mencionar que relativamente às faturas em causa “...constata-se que o meio utilizado foi a transferência bancária, no entanto a efetiva transferência destes valores não é prova suficiente da efectiva realização da transferência de mercadorias...” (fls. 14 do RIT).

No RIT diz-se ainda que “... que a transferência de meios financeiros, sem qualquer justificação económica, entre as empresas do grupo é uma generalizada que remonta desde a década de noventa, constatada em inspecção externa realizada no ano de 2002 e novamente agora” (fls. 14).

Esta conclusão dá por demonstrado o que não foi provado. E não é juridicamente aceitável dizer-se que por ter havido transferências financeiras entre as empresas do grupo detetada na fiscalização realizada em 2002, a mesma situação se repete, sem que se mobilizem indícios fortes de que foi essa a realidade detetada.

Por tudo o que fica exposto, o recurso não pode proceder.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela AT.
Porto, 25 de maio de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles

(1) Castro Mendes, citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311.
(2) Cfr. ac. do TCAS 08097/14 de 05-02-2015 Relator: CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Sumário: I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
II - Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
III - Não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”.
IV – Neste desiderato, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. ao contrario do que também defende a Recorrente, indiciam claramente que as facturas não correspondem a qualquer transação.