Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00449/09.3BEVIS |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
Data do Acordão: | 05/25/2018 |
Tribunal: | TAF de Viseu |
Relator: | Pedro Vergueiro |
Descritores: | FATURAÇÃO FALSA ÓNUS DA PROVA |
Sumário: | 1. Cabe à Administração provar a existência de indícios sérios de que a operação faturada não corresponde à realidade (art.º 74º/1 LGT). 2. Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o encargo de provar a veracidade da transação. 3. Os indícios devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística. 4. A adequação formal da contabilidade não é garantia nem indício seguro da existência das operações documentadas. * * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | Fazenda Pública |
Recorrido 1: | P..., Lda. |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública RECORRIDO: P…, Lda. OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por P…, Lda. contra a liquidação relativa ao exercício de 2005 no montante de € 87.133,92 CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: 1. O Mº Juiz a quo, entendeu que a AT não provou que as facturas de compra de peixe em Outubro e Dezembro de 2005 a empresas do grupo J… não correspondem à real compra de mercadorias. 2. A AT cumpriu o seu dever de recolha e valoração dos factos, e averiguou em acção inspectiva, levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária da DDF de Aveiro, ao ano de 2005, que a ora recorrida terá registado compras que não se mostram efectivamente suportadas, razão pela qual retirou-se o valor desse IVA e o valor dos custos mencionado em tais faturas. 3. A situação dos presentes autos refere-se ao ónus da prova da realização das operações descritas nas facturas que permitem o exercício do direito á dedução dos custos. 4. A jurisprudência entende que para que os pressupostos de actuação da AT estejam verificados, basta a existência de meros indícios materiais que ponham em causa os factos declarados pelo contribuinte que ponham em causa a credibilidade da documentação fiscal, sendo a aplicação da presunção de verdade afastada nos termos do nº 2 do artº 75º da LGT. 5. Cabendo ao contribuinte o ónus da prova da existência efectiva das operações tituladas nas facturas, enquanto factos constitutivos do seu direito á dedução. 6. Conforme resulta da douta sentença dos factos provados sob a alínea F), bem como do relatório de Inspecção, pág. 7, ponto II.3.5.5, em resultado da análise contabilística e documental das quantidades de peixe pescado/vendido/comprado a inspecção constatou que o S.P. registou compras de quantidades significativas de Palmeta e Solha, no entanto não consta da contabilidade, no exercício de 2005, a venda dessa mercadoria nem foi apresentado o inventário final. 7. Não obstante o contribuinte argumentar que se tratou de cedência de mercadoria ocorrida em Agosto entre empresas do grupo, o que é certo é que não comprovou documentalmente essa situação. 8. E a verdade é que o poderia fazer, nomeadamente através da exibição do documento de controle interno da movimentação da mercadoria existente na câmara frigorífica (quer se denominem guias de saída/entrada, guias de remessa, ficha de controle ou outro documento equivalente, tratado manual ou informaticamente) 9. E nem se diga que esses documentos não teriam que existir, pois a não existir quaisquer documentos que titulem essa transferência, como é que empresas cedentes da mercadoria alegadamente em Agosto, vários meses mais tarde (em Outubro e Dezembro) poderiam saber quais as quantidades e as espécies que deviam facturar á recorrente? 10. No que concerne aos pagamentos, conforme resulta dos factos provados sob a alínea F), e do relatório da pág. 10, ponto II.3.5.8 não foi possível a inspecção associar a transferência de meios financeiros a qualquer transacção comercial, geradora de proveitos ou custos, isto é não foi possível relacionar o fluxo financeiro com o fluxo económico. 11. Como claramente resulta do probatório existem indícios sérios de que as facturas são falsas, pelo que considera-se que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, interpretou mal os factos ao considerar que a AT não cumpriu o seu ónus de prova de que as facturas constantes do anexo 5 do Relatório não correspondem a transacções verdadeiras. 12. E é um dever da AT rejeitar a dedução do IVA que se encontra titulado por tais facturas, bem como a desconsideração do custo respectivo quando, após averiguações, concluiu haver sérios indícios de que aquelas titulam operações simuladas e, consequentemente, que tais compras não são reais. 13.A douta sentença considera plausível a ocorrência de cedência de mercadorias á impugnante por parte das empresas do grupo, e que tudo o resto não passa de meros formalismos. 14. Ora ao contrário do decidido na sentença recorrida, as invocas guias da “saída da mercadoria” que a impugnante nunca exibiu, não se limitam a um formalismo de natureza meramente organizativa, sem imposição legal. 15. Pois, admitindo-se que as câmaras frigorificas têm existências de pescado pertencentes a terceiros, era, no mínimo, coerente, transparente e adequado que a movimentação das existências se fizesse com base em documentos de controle interno (quer se denominem por guias de saída/entrada, guias de remessa, ficha de controle ou outro documento equivalente, tratado manual ou informaticamente), de modo a que se percepcionasse a qualquer momento “o quê”, “o quanto”, e “a quem” pertenciam os bens existentes nas câmaras; 16. E como é sabido, o aluguer de espaço a terceiros nas câmaras frigoríficas é, em conformidade com os usos e costumes da actividade piscatória, debitado ao “metro cúbico/dia”; 17. Não é crível que existam os produtos, sem se proceder a uma contagem física, o que colide e se revela inexequível face às boas práticas das condições de exigência da conservação dos mesmos dentro dos parâmetros da saúde, higiene e segurança alimentar. 18. E por último, determina o POC (Plano Oficial de Contas) aprovado pelo DL. Nº 410/89 de 21.11, no ponto 12 Notas explicativas, classe 2 – Terceiros e classe 3 – Existências, a obrigatoriedade da impugnante ser receptora de qualquer guia ou documento equivalente relativo á cedência de pescado por parte das empresas do grupo, o qual suportaria a contabilização da cedência de pescado em contrapartida da conta 228 – Fornecedores – Facturas em recepção e conferência; 19. O tribunal a quo ao limitar-se a atribuir apenas uma eventual utilidade prática á existência das aludidas “guias de saída das mercadorias”, e ao concluir que a sua omissão não permite qualquer juízo de censura jurídica ou ética, abre campo á subversão das regras, usos e costumes comerciais perpetuando-se o “caos”, e conduzindo a que não exista forma, segura, de confirmar, validar e certificar a titularidade de bens perecíveis não sujeitos a registo e, como tal, as empresas estariam legitimadas a não apresentar a sua verdadeira situação patrimonial. 20. Ora salvo o devido respeito pelo douto tribunal discorda-se da afirmação de que AT partiu do pressuposto que a impugnante comprovou o pagamento por transferência bancária do preço das mercadorias aqui em causa. 21. No relatório de inspecção tributária nunca se concluiu quer implícita quer por remissão expressa que as transferências bancárias serviram de meio de pagamento às facturas postas em causa, porquanto não foi possível associar os fluxos financeiros ao suposto fluxo económico, quer pela AT, quer pela impugnante. 22. O que é dito no Relatório de Inspecção na pág. 10, no que respeita á análise dos movimentos financeiros, é que não foi possível na grande maioria dos casos, associar a transferência de meios financeiros a qualquer transacção comercial geradora de proveitos ou custos, isto é que não foi possível relacionar o fluxo financeiro com o fluxo económico. 23. E concretamente para as facturas postas em causa é dito no relatório de inspecção na pág. 14, que quanto aos meios de pagamento utilizados a transferência bancária, não foi considerado prova suficiente da efectiva realização da transferência das mercadorias, uma vez que a transferência de meios financeiros, sem qualquer justificação económica, entre as empresas do grupo é uma prática generalizada que remonta desde a década de noventa. 24. Conforme resulta dos factos provados, os serviços fiscais realizaram todas as diligências e operações materiais que lhe incumbiam, tendo em vista o apuramento dos factos reveladores e conformadores da situação tributária da recorrida. 25. Acontece que a recorrida é que não apresentou aos serviços de inspecção, “os documentos de movimentação e/ou transporte” de existências relativas ao peixe supostamente cedido pelas outras empresas do grupo, nem conseguiu associar os fluxos financeiros ao suposto fluxo económico, apesar de tal lhe ter sido solicitado pela inspecção. 26. E o que é certo é que o efeito atribuído á não comprovação dos factos alegados pelo contribuinte, não o podem beneficiar, ao contrário do decidido na douta sentença sob recurso. 27. A douta sentença recorrida não fez uma correcta apreciação da prova e violou o artº 23º nº 1 al. a) do CIRC. TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de LEI E JUSTIÇA CONTRA ALEGAÇÕES. 1ª Entende a Representação da Fazenda, discordando da douta sentença recorrida, que “outra deveria ter sido a decisão sobre a situação da contabilização de facturas que foram indiciadas de falsas, isto porque não foi feita uma correta apreciação da prova e da aplicação do artº23º nº 1 al.a) do CIRC”. 2ª Entende o ora recorrente, que não assiste razão ao alegado pelo Representante da Fazenda pública, pois os factos invocados não são suficientes para suportar as correções preconizadas pela Administração Fiscal (atualmente Autoridade Tributária), pelo que terá de assistir razão à douta sentença recorrida. 2ª Entende a Representação da Fazenda que “para que os pressupostos de atuação da AT estejam verificados, basta a existência de meros indícios materiais que ponham em causa os factos declarados pelo contribuinte que ponham em causa a credibilidade da documentação fiscal, sendo a aplicação da presunção de verdade afastada nos termos do nº 2 do artº 75º da LGT.” 3ª Entende o ora recorrente, na esteira de já inúmera Jurisprudência dos Tribunais Superiores, que para a verificação dos pressupostos de atuação no caso de faturação falsa, os indícios invocados pela AT terão de ser fortes e credíveis, como não poderiam deixar de ser. 4º Veja-se que quer ao longo de todo o relatório de inspeção, quer ao longo das alegações de recurso, a AT só pretende salientar o facto da empresa ora recorrente, não ter as guias de Saída do peixe da Câmara Frigorífica. Ora tal facto, não pode ser considerado indício forte e Credível, como Suficiente para se classificar determinada faturação de FALSA. 5º Não se pode assim estar mais em desacordo com a Representação da Fazenda Pública quando diz nas suas alegações que os serviços realizaram todas as diligências e operações materiais que lhe incumbiam, tendo em vista o apuramento dos factos reveladores e conformadores da situação tributária da recorrida. 6º E veja-se que ao longo de todo o seu relatório, o Srº Inspetor Tributário, não faz uma única vez referência à palavra “FATURAS FALSA”. 7ª Veja-se que para classificar uma fatura, uma venda de falsa, analisa-se o contribuinte emitente da fatura e o que aceitou a faturação dita de falsa. No caso dos autos só se teve interesse em inspecionar o comprador. 8ª Como pode assim concluir-se em sede de alegações de recurso que se reuniu indícios para tão grave correção de dita de Faturação Falsa. Veja-se que tal classificação, implica que se cometeu um CRIME FISCAL e no relatório de inspeção não se faz qualquer referência. 9ª Obviamente que o movimento nas câmaras frigoríficas leva a que possam surgir falhas, que a empresa recorrente reconhece, mas que não poderão fundamentar ou legitimar as correções pretendidas, sob pena de constituir enriquecimento sem causa para o Estado. 10º Deste modo, assentando o ato tributário numa correção que não legitima a sua validade substancial, não poderá ser mantido na ordem jurídica, e deverá manter-se a douta sentença recorrida. Termos em que e nos mais de Direito, que Vossas Excelências Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, ser confirmada a Douta Sentença Recorrida E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA! PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. II QUESTÕES A APRECIAR. O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de direito e de facto ao julgar parcialmente procedente a impugnação na parte relativas às correções efetuadas com base na falta de veracidade das compras tituladas pelas facturas constantes do anexo 5 do relatório da Inspeção Tributária (custos com a “aquisição” de pescado) Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
Tendo por base os factos referidos nos pontos II.3.5.4, II.3.5.5, II.3.5.6, II.3.5.7 e II.3.5.8 e os fundamentos apresentadas no ponto II.3.6, conclui-se que as facturas constantes do Anexo 5, não correspondem à real compra de mercadoria, tendo servido tão só para equiparar as quantidades de mercadoria vendidas (saídas) com as entradas e ao mesmo tempo reduzir o lucro tributável ao considerar como custo das mercadorias vendidas o valor de € 299.918,35 (total das facturas) e ainda aumentar o crédito de IVA, no montante de € 14.995,92, que o SP detinha sobre o Estado e que nesta data já consumiu na totalidade. Tratando-se de facturas que não titulam a efectiva transferência de mercadorias, não poderão, nos termos do art.º 23º nº 1 al. a) do CIRC, ser considerados os custos com mercadorias vendidas declarados pelo SP no valor de € 299.918,35, pela mesma razão agora nos termos do art.º 19º nº 1 al. a) e 20º nº 1, não poderá o SP deduzir o IVA, no valor de € 14.995,92. mencionado em tais facturas. III.2 — CORRECÇÕES III.2.1 — EM SEDE DE IVA […] III.2.2 – EM SEDE DE IRC Em face dos factos e fundamentos referidos nos pontos anteriores, propõe-se as seguintes correcções, em sede de IRC, ao exercício de 2005:
[…] VII - OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES Através do ofício n.º 8307238 de 31/07/2007 foi comunicado ao SP o teor do projecto de relatório relativo à presente acção de inspecção, tendo-lhe sido concedidos 15 dias para exercer o Direito de Audição, nos termos do art.º 60º da LGT e art.º 60º do RCPIT. Em 2007-08-27 com o número 10132, deu entrada na Direcção de Finanças de Aveiro o Direito de Audição (Anexo 9 — 15 folhas) do SP, do qual depois de devidamente analisado cumpre informar o seguinte: 1) Aquisições intracomunitárias - ponto 1 do direito de audição - O SP argumenta que existe uma incompatibilidade entre as disposições legais e as instruções de preenchimento da declaração periódica de IVA. Tal incompatibilidade não existe pois ao tratar-se de aquisições intracomunitárias de bens isentas de tributação, as mesmas devem constar do campo 10 (base tributável) da declaração periódica, por de facto serem aquisições intracomunitárias, não havendo qualquer valor a inscrever no campo 11 (imposto) da referida declaração, uma vez que não há imposto liquidado em virtude de beneficiarem de isenção. i. e. o valor do imposto que corresponde à base tributável inscrita no campo 10 é zero e para o sistema aceitar tem de se inscrever 0,00. 2) Apuramento de mais-valias - ponto 2 do direito de audição – O SP argumenta que deve ser considerado o coeficiente de 1,02 porque a aquisição do equipamento se deu em 2003 e a alienação ocorreu em 2005 e portanto existem dois anos de diferença entre estes anos. Para fundamentar este argumento sustenta-se no nº 1 do artº 44º e do art.º 18º ambos do CIRC, efectuando uma transcrição (muito incompleta) do primeiro normativo. De facto o nº 1 do artº 44º do CIRC é claro: ¯1 – O valor de aquisição corrigido nos termos do nº 2 do artigo anterior é actualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa actualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável‖. Facilmente se compreende que os dois anos se contam entre a data da aquisição e a data da realização (venda, alienação) e não «ano», quer seja civil ou económico. Assim, as correcções propostas dizem respeito a todos os casos em que na data da realização (dia, mês, ano) não tinham decorrido dois anos desde a aquisição (dia, mês, ano) do equipamento. O nº 1 do artº 18º refere-se ao principio da especialização dos exercícios o qual significa que os custos devem ser reconhecidos quando geram os correspondentes proveitos, nada tendo a ver com a correcção monetária no apuramento das mais-valias, mas sim com a competência económica. Este mecanismo fiscal pretende somente tributar apenas as mais-valias reais e não as mais-valias (ganhos) nominais (contabilísticas) resultantes da desvalorização da moeda (inflação), razão pela qual no apuramento das mais-valias fiscais se aplica o coeficiente de desvalorização da moeda ao valor de aquisição do equipamento (deduzido das amortizações praticadas). 3) Facturas de compras efectuadas em Outubro e Dezembro - ponto 3 do direito de audição — O SP insurge-se contra uma informação constante do projecto de relatório, a qual foi recolhida junto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo — DGAIEC, que refere que a descarga do peixe não foi fiscalizada. No entanto esta informação não é o fundamento para as correcções que se propõem, mas somente para enquadramento da situação em causa. O fundamento das correcções é o constante do ponto II.3.6. As correcções propostas são a reposição da realidade tributária ocorrida no ano de 2005, a qual estava adulterada pelas facturas de compra constantes do anexo 5; de facto, devem-se em primeira linha, aos elementos objectivos como a contabilidade e respectiva documentação. Dentro desta moldura procedeu-se à reposição lógica e natural da verdade tributária, sem que contudo, antes, aquando da visita inspectiva, ter-se notificado a empresa e solicitado verbalmente, elementos. Pois a empresa, tanto naquelas ocasiões como agora, não justapôs com documentos ou elementos adicionais, e sobretudo probatórios, direccionando e orientando a sua actuação na justificação da eventual ausência de facto tributário; ao invés, como agora, circunscreve-se a projectar situações. Quanto aos emitentes das facturas, não sendo esta a sede própria, podem sempre lançar mão dos mecanismos legais constantes nas leis tributárias (reclamação) e solicitar aos serviços competentes as rectificações que se mostrem necessárias à reposição da realidade tributária. 4) Guias da saída de armazém - ponto 4 do direito de audição — O SP refere que a indicação constante das guias "AVEIR... 1/2005" é apenas a forma como o pessoal que trabalha nas câmaras frigoríficas identifica a empresa, não sendo precisos na elaboração das guias. Mas da análise das guias verifica-se que, bem pelo contrário, existe bastante cuidado na elaboração das referidas guias, vejamos que: não existem rasuras; os mesmos campos estão preenchidos em todas as guias; com a identificação do cliente; da mercadoria; do peso bruto, tara e líquido: rubrica do conferente; e do navio, viagem e ano da viagem. De facto; o pessoal preenche as guias de saída das câmaras frigoríficas e indica "AVEIR... 1/2005". É claro que está a identificar o barco (Aveir...), a viagem (1) e o ano da viagem (2005), i. e. está a dizer que a mercadoria de que estão a dar saída tem origem na viagem nº 1 do ano 2005 do navio AVEIR.... Há seguramente uma enorme diferença de designação e jamais se poderá confundir. Como tal, tudo indica que todo o peixe facturado em Agosto de 2005 foi pescado na viagem realizada pelo navio Aveir... realizada entre os dias 15 de Fevereiro e 13 de Julho de 2005, não resultando, como argumenta o SP, de qualquer cedência efectuada por outras empresas. 5) Citações literais - ponto 5 do direito de audição — Refere o SP não estar em condições de confirmar a fidedignidade das declarações dos colaboradores da empresa. Sobre esta matéria apenas resta confirmar que todas as declarações e informações que se faz referencia no relatório e atribuídas aos colaboradores do SP, foram efectivamente prestadas de forma livre e clara pela Dr. T… e/ou Sr. A…. 6) Organização contabilística e fiscal - ponto 6 do direito de audição — O SP refere que Maria… nada tem a ver com a elaboração dos elementos contabilísticos objecto da presente fiscalização (exercício 2005). No entanto ela consta do cadastro informático, o qual reflecte as alterações de TOC's e de Gerentes/Administradores efectuadas pelo SP através das Declarações de Alterações de Actividade, como sendo técnica oficial de contas do SP de 1998 a 2005 (Anexo 10— 1 folha). Em conclusão, da argumentação apresentada pelo SP não resulta qualquer alteração às correcções propostas no projecto de relatório, pelo que as mesmas se mantêm no presente relatório final.” – cfr. fls. fls. 1/24 do processo administrativo apenso aos autos. H) Do referido anexo 5 do Relatório constam as seguintes faturas:
cfr. fls. 40/49 do processo administrativo apenso aos autos. I) Em 26/09/2007 foi emitida a liquidação n.º 2007 8310016414, referente a IRC e respetivos juros compensatórios, no montante global de 88.437,83 €, com prazo de pagamento voluntário até 14/11/2007 – cfr. fls. 40/42 dos autos e 171/173 do processo administrativo apenso. J) Em 27/12/2007 foi autuado o Processo de Reclamação Graciosa (artº 68º CPPT) nº 0108200704001567 do Serviço de Finanças de Ílhavo, com base em requerimento em nome da agora impugnante, relativo à liquidação de IRC e juros compensatórios do ano de 2005 – cfr. fls. 158/194 do processo administrativo apenso aos autos. K) Por decisão de 09/01/2009, a reclamação graciosa referida na alínea antecedente foi indeferida com base no projeto de decisão, do qual consta, para além do mais, o seguinte: “2.2.2 — Argumentos invocados pela Reclamante Em síntese, os argumentos invocados na presente petição são os seguintes: - O acto tributário está incorrectamente fundamentado: -A AT deve invocar a norma jurídica ao abrigo da qual pratica o acto tributário; - O acto tributário deve assentar em premissas lógicas; -As correcções efectuadas prendem-se com a não consideração de facturas de compra de peixe em Outubro e Dezembro de 2005 a empresas do grupo; - A invocação da fundamentação que legitimou as correcções efectuadas teve por base simples formalismos legais quanto à facturação, invocadas no ponto 11.3.6 do relatório. - Deveria AF demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura é simulada; - Quanto á outra correcção — mais-valias fiscais — os bens foram adquiridos em 2003 e alienados em 2005, logo deverá ser considerado o coeficiente de desvalorização para 2003— 1,02; - Requer anulação dos actos tributários e pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do art.º 43º da LGT. 2.2.3 — Análise da reclamação A liquidação reclamada teve por base a não consideração como custo fiscal relativo à contabilização de compras de peixe e a correspondente dedução indevida do IVA liquidado em diversas facturas emitidas por empresas do grupo em 2005-10-03 e 2005-12-30, em face da alegada existência de indícios de que as referidas facturas não titulavam a efectiva transferência de mercadorias. Os fundamentos constantes da petição cingem-se a dois aspectos: falta de fundamentação do acto tributário e de indícios sérios de que a operação é simulada. […] Ao contrário do invocado nos pontos 16 a 21 da petição, os fundamentos da correcção efectuada não se basearam somente nos formalismos da facturação mas sim na análise contabilística e documental das quantidades de peixe pescado/vendido/comprado e a desconformidade desta relação, constando a mesma do ponto II.3.6 do Relatório, e não justificação plausível da indispensabilidade deste custo, apesar da solicitação de elementos para o efeito. - Operação simulada: Sobre esta matéria importa citar (entre outros) o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 2001-11-20- Procº 2509/99, o qual refere: "(...) Porém, não é necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art.º 240º do C. C. (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais. Perante essa elevada probabilidade, cessa a presunção de veracidade das operações constantes da escrita e respectivos documentos de suporte, passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que elas se realizaram efectivamente (...) ". Tal posição vem reforçada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2002-02-19 — Proc° n° 5810/01 :"Compete à AT a prova dos pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável (que, no caso do IVA, se confunde com a liquidação do imposto) competindo-lhe, designadamente, demonstrar os factos que lhe permitiram concluir que a operação a que se refere uma determinada factura é simulada. Tal ónus cumpre-se com a prova dos "factos-índice" que, valorados à luz da experiência comum, permitam um juízo suficientemente sólido naquele sentido, não tendo a AT que fazer a prova dos requisitos da simulação previstos no art.º 240º, nº 1 do C. C. e, muito menos, que obter prévia declaração judicial dessa simulação. Feita essa prova pela AT, cessa a presunção da veracidade da declaração (e da operação subjacente à factura), passando a recair sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que à factura em causa corresponde uma operação efectivamente realizada." Neste mesmo sentido se refere a jurisprudência invocada pela reclamante, nomeadamente o Acórdão do TCAS, de 2002/10/15 – Procº nº 6455/02. Não é necessário que a AF prove os pressupostos da simulação previstos no art.º 240º do Código Civil, sendo bastante a prova dos elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais. Tendo a AF demonstrado a existência desses indícios sérios e objectivos, compete ao reclamante o ónus de demonstrar que as mesmas correspondem a transacções reais. Ora, não tendo a reclamante ilidido essa prova indiciária carreada pela AF nem provado, como lhe competia, a subsistir qualquer dúvida no âmbito da prova só à reclamante pode ser imputada. Durante a acção inspectiva foi a reclamante notificada — anexo 6 a fls.77 dos autos — para apresentação dos documentos de venda e de transporte da mercadoria adquirida em 200510-03 e 2005-12-30 às empresas do grupo e que constituem objecto da presente petição. Tais documentos nunca foram apresentados em qualquer fase procedimental. Alega o reclamante, aquando da resposta à notificação efectuada, "que a mercadoria adquirida em Outubro e Dezembro de 2005, corresponde a vendas feitas pela P… de peixe que no momento não tinha em existências e que lhe foi dispensado pelas empresas em causa", a fls. 75 dos autos, sem que tenha provado documentalmente tal afirmação nem os documentos de saída do peixe da câmara frigorífica. Então, como se justifica que as facturas de compra tenham ocorrido muito depois das entregas (venda) do peixe aos clientes as quais ocorreram em Agosto, conforme anexo 7 a fls. 78 a 140 dos autos? A título de exemplo, vejamos: adquiriu à Empresa de Pesca J… (pertencente ao grupo), em 3/10/2005 — factª 5136 — 146kgs de "granadeiro" e vendeu em 26/9/2005 — factura 37 — ao cliente "Congelados C…, Lda” 8 746 Kgs. Quanto á dedutibilidade do custo, nos termos do art.º 23º do CIRC, compete ao sujeito passivo o ónus de prova de explicar e provar a congruência económica da operação, ou seja, o interesse societário da relevância daquele custo. Tal prova não foi feita. Quanto à correcção do coeficiente das mais-valias, refere o n° 1 do art.º 44º do CIRC que, o valor de aquisição será corrigido mediante a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda sempre que, à data de realização tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data de aquisição. Ora, da análise entre a data de aquisição e de realização, conforme quadro elaborado a pág. 15 do Relatório de fls. 46 dos autos, verifica-se que ocorreu menos de dois anos, pelo que não poderá ser utilizado o coeficiente de 1,02, sendo de indeferir a pretensão do reclamante. Conclusão Perante os factos expostos, somos de PARECER que a presente petição deve ser indeferida, sendo de manter as correcções efectuadas e consequentemente a liquidação adicional ora reclamada bem como os juros compensatórios. ” – cfr. fls. 182/188 do processo administrativo apenso aos autos. L) A presente impugnação foi apresentada, via fax, em 10/02/2009 – cfr. fls. 2 dos autos. Mais resultou provado que: M) Em 2005, o único navio de pesca longínqua em atividade para a impugnante era o “Aveir...” e fez uma única viagem – cfr. depoimento da testemunha M…. N) Nessa viagem, durante a faina, foi elaborado manifesto provisório e à chegada foi feito Relatório da inspeção da Direção Geral das Pescas e manifesto definitivo em conformidade com este – cfr. depoimento da testemunha M…e fls. 46/51 dos autos. O) Todo o peixe descarregado foi separado por espécies e pesado no armazém, em espaço vedado, à entrada das câmaras frigoríficas – cfr. depoimento da testemunha J…. P) O peixe pescado pelo “Aveir...” tem boa reputação e muita procura – cfr. depoimento da testemunha M…. Q) Na altura da descarga já não havia em armazém qualquer peixe pescado em viagens anteriores pelo “Aveir...” – cfr. depoimento da testemunha M…. R) No armazém frigorífico, pertencente ao Sr. J…, conserva-se peixe de várias empresas de pesca pertencentes ao Sr. A…, além de outras – cfr. depoimentos das testemunhas M… e J…. S) Há interesse comercial em vender peixe que está há mais tempo em armazém como sendo peixe da carga mais recente, seja esta do “Aveir...” ou de navios de outras empresas do Sr. A…– cfr. depoimento da testemunha M…. T) Quando o peixe do “Aveir...” foi vendido a Impugnante também vendeu peixe pertencente a outros navios, de outras empresas de pesca do mesmo dono, com menos procura, como se fosse peixe do “Aveir...” – cfr. depoimento da testemunha M…. U) Nos casos em que se vendeu peixe de outras empresas, esse peixe foi depois faturado por estas à empresa que o vendeu – cfr. depoimento da testemunha M…. V) A referência existente nas guias a “Aveir...-1” reporta-se ao peixe pescado pelo navio “Aveir...” – cfr. depoimento da testemunha M…. Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa. Motivação da matéria de facto A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos e do processo administrativo apenso, bem como da posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório. Os factos dados como provados elencados nas alíneas M) a V) supra resultaram da convicção formada com base no depoimento das testemunhas, que se mostrou seguro, convicto e sincero, não obstante serem trabalhadores dependentes da Impugnante. Nessa qualidade, ambas as testemunhas conhecem os procedimentos sobre os quais prestaram depoimento. IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. A Impugnante foi sujeita a fiscalização externa com incidência no exercício de 2005 que culminou com a liquidação adicional de IVA e IRC por correções técnicas. Tendo sido deduzida Reclamação Graciosa foi esta indeferida na totalidade por despacho de 9/1/2009. Inconformada, impugnou judicialmente a liquidação de IRC no montante de € 87.133,92 judicial alegando entre o mais, não ter sido notificada da alteração da inspeção (a inspeção foi iniciada por uma divergência detetada no sistema VIES e passa “de repente para IRC, sem qualquer despacho fundamentador” Além disso, o acto de correção está incorretamente fundamentado e faltam indícios sérios para considerar que as transações tituladas pelas faturas em causa não tiveram lugar. O que aconteceu foi a cedência de peixe efetuado pelas empresas do grupo, e porque esse mesmo peixe se encontrava no mesmo frigorífico, donde só saí para a empresa externa adquirente, os indícios invocados pela AT não são suficientes (art.º 56º da petição inicial) O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou por impugnação dizendo, em síntese, que tendo por base a contabilidade, não constava a venda dessa mercadoria nem do inventário final. Notificada para apresentar prova da efetiva transferência da mercadoria entre as empresas em causa, a resposta foi que a transferência ocorreu em agosto, em momento anterior ao das facturas. No decurso da análise às vendas, constatou-se que a quantidade de peixe faturado e constante das guias de saída das câmaras frigoríficas diverge das quantidades constantes do manifesto definitivo. E na maioria dos casos não era possível associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação. Assim, procedeu-se à correção do custo das mercadorias vendidas declaradas pelo SP no valor de € 299.918,35 O que assenta na consideração de que as faturas constantes do anexo 5 não correspondem à real compra de mercadoria, tendo servido tão só para equiparar as quantidades de mercadorias vendidas (saídas) com as entradas. E ao mesmo tempo, reduzir o lucro tributável ao considerar como custo das mercadorias vendidas o valor de € 299.918,35 (total das facturas) e aumentar o crédito de IVA, no montante de € 14.995,92 que o SP detinha sobre o Estado. Realizada a produção de prova (a prova testemunhal foi efetuada no processo 451/09.5BEVIS e aproveitada para estes autos) a MMª juiz julgou parcialmente procedente a impugnação anulando a liquidação na parte relativas às correções efetuadas com base na falta de veracidade das compras tituladas pelas facturas constantes do anexo 5 do relatório da Inspeção Tributária (custos com a “aquisição” de pescado (“Solha” e “Palmeta”). A fundamentação radica no facto de não obstante a Impugnante ter demonstrado o pagamento das facturas por transferência bancária, a AT considera que tal é insuficiente e para comprovar a materialidade das operações a comprovação do fluxo de mercadorias (das sociedades cedentes para a Impugnante) deveriam ter sido apresentadas as “guias de saída” do armazém do peixe pertencente aos fornecedores. Mas estas guias constituem um formalismo meramente organizativo, não resulta de imposição legal, pelo que a sua inexistência não permite qualquer juízo de censura jurídica. Na altura dos factos as mercadorias da Impugnante e das empresas cedentes encontravam-se no mesmo armazém frigorífico. É plausível que, ocorrendo a cedência à Impugnante em simultâneo com a venda por esta, o fluxo de saída da mercadoria seja dado unicamente pela factura de venda emitida pela Impugnante. Embora tal cedência deva ser devidamente documentada, a emissão da factura em Outubro ou Dezembro, relativa à “cedência” ocorrida em Agosto pretérito, não é legalmente sancionada com a perda do direito de dedução do IVA liquidado. A cedência não implicou uma verdadeira saída do armazém em que se encontravam. Além disso, a emissão das facturas fora do prazo legal e sem algum dos formalismos previstos no artigo 35º do CIVA, podendo implicar outro tipo de sanções ou a perda do direito à dedução nos termos do nº 2 do artigo 19º do Código, não contende com a materialidade da operação facturada. Em regra, tendo o sujeito passivo comprovado que houve fluxo de mercadorias e o respectivo fluxo financeiro, tem-se como provada a existência da própria operação económica. No caso dos autos, o fluxo de mercadoria comprova-se pela existência das facturas relativas às vendas (feitas pela Impugnante a empresas estranhas ao Grupo S…) de peixe que não pescou em 2005 nem tinha em “existências”, logo se concluindo logica e irrefutavelmente que o peso excedente teve de ser adquirido. O sujeito comprova a existência de fluxos financeiros compatíveis com o pagamento das transacções a que se referem as aludidas facturas. Esse fluxo traduziu-se em transferências bancárias, cuja existência não vem posta em causa. Porém, a AT entendeu que as transferências bancárias não comprovam só por si que ocorreu o correspondente fluxo económico de mercadorias por, alegadamente, tais transferências serem habituais entre as empresas do Grupo e nem sempre terem justificação documentada contabilisticamente. No entanto, na situação em análise estavam reunidos indícios fortes da existência da efectiva transacção do peixe facturado à Impugnante. Por isso, competia à AT demonstrar que, não obstante a existência de facturas e os correspondentes pagamentos por transferências bancárias, tais documentos não correspondem a efectivas transmissões de bens, ou seja, que tais facturas são falsas e que as operações facturadas são fictícias, e que os fluxos financeiros não estão relacionados com aquela operação económica. A AT discorda do decidido. Defende que não basta o contribuinte argumentar que se tratou de cedência de mercadoria ocorrida em Agosto entre empresas do grupo, se não comprovar documentalmente, nomeadamente através da exibição de documento de controlo interno da mercadoria existente na câmara frigorífica, a transferência de mercadoria entre as empresas. Além disso, não foi possível associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação comercial. As “guias de saída” de mercadoria não são um mero formalismo de natureza organizativa, pois admitindo-se que as câmaras frigoríficas têm existências de pescado pertencente a terceiros era, no mínimo, adequado que a movimentação de existências se fizesse com base em documentos de controlo internos. Até porque o aluguer de espaços a terceiros nas câmaras frigoríficas é, em conformidade com os usos e costumes da actividade piscatória debitado ao “metro cúbico/dia. A nosso ver, o Recorrente não tem razão. Com efeito, compete à Administração provar a existência de indícios sérios de que a operação faturada não corresponde à realidade (art.º 74º/1 LGT). Feita esta prova, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF. A AT poderá recorrer à prova indirecta, isto é, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. E indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (1), os quais podem ser recolhidos mediante fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes(2). Os indícios devem ser analisados de forma contextualizada e articulada entre si, nunca de forma isolada ou atomística. A adequação formal da contabilidade não é garantia nem indício seguro da existência das operações documentadas. Uma coisa é a aparência formal que se retira da documentação, outra muito diferente é a materialidade das operações que lhe subjazem. Reversamente, eventuais erros de contabilidade não constituem indícios seguros de faturação falsa, se não forem integrados com outra factualidade que para isso aponte. Ora em face da prova produzida, é forçoso concluir que a AT não reuniu indícios suficientes de que a faturação é falsa. A Impugnante vendeu todo o peixe pescado pelo navio “Aveir...”. Mas vendeu também peixe (“Palmeta” e “Solha”) para além do pescado pelo “Aveir...” tendo faturado tudo em Agosto de 2005. O peixe além do pescado pelo “Aveir...” pertencia a empresas do mesmo grupo da impugnante e encontrava-se no mesmo armazém frigorífico. No entanto, estas empresas apenas faturaram à Impugnante em outubro e dezembro de 2005. Por conseguinte, provou-se a existência de facturação das cedentes à Impugnante– tardia é certo, mas daí não retiramos qualquer indício de faturação falsa – bem como o pagamento por transferência bancária e que a mercadoria faturada se encontrava na mesmo armazém frigorífico. A AT solicitou as contas correntes dos fornecedores e fotocópia dos meios de pagamento. Da sua análise constatou que “o meio utilizado foi a transferência bancária, no entanto a efetiva transferência desses valores não é prova suficiente da efetiva realização da transferência de mercadorias”. Na tese da AT a falta de documentos que titulam a transferência de mercadoria entre as empresas (guias de saída) relativas às facturas de compra de Outubro e Dezembro emitidos pelo responsável pela câmara frigorífica seria uma forma de comprovar a materialidade das operações faturadas. Todavia, como bem salientou a MMª juiz, as mercadorias estão no mesmo armazém e as referidas “guias de saída” constituem um formalismo meramente organizativo, não resultam de imposição legal, pelo que a sua inexistência não permite qualquer juízo de censura jurídica nem pode fundar a existência de indícios sérios de que a respetiva faturação é falsa. Por outro lado, não é totalmente verdade que não tenha sido possível associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação comercial. O que o RIT diz é que “Não foi possível, na grande maioria dos casos, associar a transferência de meios financeiros a qualquer transação comercial geradora de proveitos e custos...” (fls. 10). Ou seja, essa falta de “associação” não acontece em todos os casos, e o RIT também se dispensa de indicar quais são os casos em que tal não acontece, parecendo até, resultar que o caso em apreço é um deles (em que se consegue fazer a associação) ao mencionar que relativamente às faturas em causa “...constata-se que o meio utilizado foi a transferência bancária, no entanto a efetiva transferência destes valores não é prova suficiente da efectiva realização da transferência de mercadorias...” (fls. 14 do RIT). No RIT diz-se ainda que “... que a transferência de meios financeiros, sem qualquer justificação económica, entre as empresas do grupo é uma generalizada que remonta desde a década de noventa, constatada em inspecção externa realizada no ano de 2002 e novamente agora” (fls. 14). Esta conclusão dá por demonstrado o que não foi provado. E não é juridicamente aceitável dizer-se que por ter havido transferências financeiras entre as empresas do grupo detetada na fiscalização realizada em 2002, a mesma situação se repete, sem que se mobilizem indícios fortes de que foi essa a realidade detetada. Por tudo o que fica exposto, o recurso não pode proceder. V DECISÃO. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela AT. Porto, 25 de maio de 2018. Ass. Mário Rebelo Ass. Cristina da Nova Ass. Bárbara Tavares Teles (1) Castro Mendes, citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311. (2) Cfr. ac. do TCAS 08097/14 de 05-02-2015 Relator: CATARINA ALMEIDA E SOUSA Sumário: I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. II - Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. III - Não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”. IV – Neste desiderato, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. ao contrario do que também defende a Recorrente, indiciam claramente que as facturas não correspondem a qualquer transação. |