Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00156/04
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/07/2004
Relator:Valente Torrão
Descritores:FACTURAS FALSAS - IVA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:1. Tendo a Administração Tributária recolhido indícios credíveis de que as operações tituladas em certas facturas constantes da contabilidade do contribuinte não tiveram lugar e procedendo esta a liquidação adicional do IVA naquelas deduzido, cabe ao contribuinte provar a existência das operações comerciais (entregas de bens ou prestações de serviços tituladas pelas facturas).
2. Se tal não suceder, limitando-se o contribuinte a apresentar testemunhas que se referem de modo vago e impreciso aquela matéria, mas sem que do seu depoimento se possa concluir com segurança que a entrega de bens ou prestação de serviços teve, efectivamente, lugar, não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 100º do CPPT.
3. Com efeito, este só tem aplicação nos casos em que, produzida toda a prova possível oferecida pelas partes e aquela que ao juiz cabe recolher oficiosamente, não se possa concluir pela existência do facto tributário ou sobre a sua verificação existam fortes dúvidas e não quando se verifique défice de prova da responsabilidade de qualquer das partes, no caso, do contribuinte que não apresentou prova suficiente para destruir os indícios de falsidade recolhidos pela Administração Tributária.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. M .., contribuinte fiscal nº , residente , veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª instância do Porto, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação adicional do IVA dos anos de 1992 e 1993 no montante de 1.961.680$00 e juros compensatórios montante de 738.687$00, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1. A douta sentença proferida não considerou a prova produzida, não fundamentou a razão da sua não consideração ou a sua não aceitação.
2. A prova foi produzida, provando-se a materialidade das operações, os locais das obras e a sua razão de ser.
3. As facturas foram emitidas ao ora recorrente e titulam as operações realizadas.
4. Desconhece o recorrente se o emitente é ou não cumpridor, se é prevaricador ou não.
Mas o recorrente nada podia saber ao tempo em que lhe foram entregues os documentos, apenas sabendo que as que lhe foram emitidas correspondem ao real verificado.
5. Há falta de fundamentação, tanto da Administração Fiscal, como na douta sentença proferida.
6. Havendo violação do disposto, entre o mais, dos artigos 100º CPPT, 62° e 104° CRP e 668° CPC.
Termos em que considerando nula a douta sentença proferida e, se assim se não entender, ordenando decisão que considere procedente a impugnação se fará justiça.

2. O MºPº emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (v. fls. 139).

3. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

4. São os seguintes os factos relevantes para a decisão dados como provados em 1ª instância:

a) O impugnante na sequência de uma inspecção tributária foi alvo de uma correcção de IVA relativa ao exercício dos anos de 1992 e 1993 (cfr. docºs. de fls. 14 a 16 dos autos).

b) Foi corrigido o IVA no valor de 1.191.680$00 nos exercícios de 1992 (PTE: 926.080$00) e de 1993 (PTE: 265.600$00), acrescido de juros no valor de PTE: 738.687$00.

c) O impugnante é empresário em nome individual (categoria C), exercendo a actividade de carpintaria - CAE 20302, pela qual se encontra enquadrado para efeitos de IVA no regime normal, de periodicidade trimestral (cfr. doc. de fls. 20 dos autos).

d) As correcções efectuadas resultam do facto de a administração fiscal considerar a existência de facturação falsa relativamente às facturas nº 121, 192 e 284, emitidas pela “Sociedade, Ldª” (cfr. doc. de fls. 14 a 16 dos autos, fls. 42 e 44 do apenso do IVA/92, fls. 35 do apenso do IVA 93).

5. A questão a decidir nos autos, tal como está claramente exposto na sentença recorrida, é a da divergência entre a Administração Tributária, que considera as facturas como correspondendo a operações simuladas, atendendo aos indícios por ela apurados e a recorrente, que considera estar efectuada a prova da materialidade das operações.

Na sentença recorrida, o Mmº Juiz “a quo”, após expor a fundamentação de direito que, em seu entender justifica a liquidação, em sede de fundamentação de facto escreveu o seguinte:
“ Desta feita, no caso “ sub judice” existem fortes indícios de terem sido utilizadas facturas falsas, de não terem existido operações reais.
Resulta da fiscalização efectuada pela Administração Tributária não existir prova do pagamento das importâncias facturadas, encontrando-se registada em caixa como pagamentos em dinheiro. Também não foram fornecidos quaisquer contratos de empreitada, orçamentos de medição ou qualquer sistema de custeio relativo às obras facturadas pela “Sociedade , Ldª”.
Inexistem na contabilidade folhas de presença de operários que realizaram as obras, talões de restaurantes, ou outros elementos que indiquem deslocações dos operários aos locais de realização dos serviços facturados.
Da comparação entre as facturas em arquivo na “Sociedade , Ldª” e no impugnante resultam diferenças, não nos valores, que são os mesmos, mas no que respeita à própria impressão e a tipografia. Assim, as facturas 121 e a 284, embora com os mesmos valores são diferentes quanto à impressão e tipografia. Quanto à factura 121 a tipografia impressora é a “Artegráfica” arquivada na P.., e a tipografia “La .., Ldª” arquivada no impugnante.
No que concerne à factura 192 em arquivo na “Sociedade, Ldª”, emitida em 14/11/1992, a mesma mostra-se emitida em nome da Junta de Freguesia da Rebordosa, nada tendo a ver com o impugnante.
Ora, estas divergências expostas pela administração tributária não foram contestadas pelo impugnante, não tendo este aduzido qualquer tipo de explicação quanto às ditas divergências.
Por outro lado, ... o impugnante não logrou fazer a prova da materialidade das operações.
No que concerne à factura 284 ... nem o impugnante fez prova do pagamento da importância facturada, não existem documentos comprovativos (contratos, autos de medição, orçamentos de trabalho realizado, provas de compra de materiais aplicados nas obras, folhas de presença de operários, facturas de restaurantes) que apontem para a materialidade da operação.
Do depoimento das testemunhas nada de útil se pode retirar no que respeita à concretização ou especificação e custo dos serviços que lhe diz terem sido prestados, bem como do material fornecido.”
E concluindo o Mmº Juiz escreveu ainda: “ Estas divergências de registos entre o impugnante e a emitente das facturas, as discrepâncias assinaladas entre as facturas arquivadas por um e por outra e a falta de correspondência de montantes e de datas entre facturas e recibos, por si, alicerçam a não consideração das facturas e a decisão de as considerar como falsas”.

A apreciação da matéria de facto oferecida pelos autos, em nosso entender, encontra-se correctamente efectuada.
Com efeito, as testemunhas inquiridas a fls. 51/53 e 95 limitaram-se a referir aspectos genéricos, como a realização de trabalhos de carpintaria e o local onde os mesmos teriam sido prestados, sem qualquer outro esclarecimento, nomeadamente sobre os indícios de falsidade das facturas; também não foram pelo recorrente juntos aos autos quaisquer outros elementos probatórios capazes de destruir aqueles mesmos indícios colhidos que levam à convicção da inexistência de operações comercias subjacentes às facturas.
Ao contrário do pretendido pelo recorrente nas conclusões 1ª a 3ª das suas alegações, a sentença recorrida - tal como a Administração Tributária já o havia feito anteriormente - fundamentou a razão da não aceitação das facturas como válidas para efeitos de IVA. E fê-lo nos termos acima descritos
É que, como já foi referido, os elementos oferecidos probatórios oferecidos pelo recorrente não permitem concluir com convicção pela existência da materialidade das operações.

Em situações com a dos autos e tal como decorre dos Acórdãos citados na sentença - e muitos outros se poderiam citar, quer do STA, quer do TCA -, perante indícios credíveis de falsidade das facturas recolhidos pela Administração Tributária, cabe ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transacções respectivas, sob pena de os valores delas constantes não poderem ser aceites para efeitos de IVA. Uma vez que, como se referiu, a prova apresentada pelo contribuinte não é de molde a inverter os indícios recolhidos pela a Administração Tributária da falsidade das facturas, a impugnação não pode proceder.

Refere o recorrente que a sentença violou o disposto nos artigos 100º do CPPT, 62° e 104° CRP e 668° CPC.

Ora, quanto ao primeiro preceito, este não se mostra violado, já que só releva para tal, a dúvida que surja após produzida toda a prova possível, quer oferecida pelas partes, quer ordenada oficiosamente pelo juiz. No caso em apreço, existe défice probatório da responsabilidade do recorrente, pelo que não está em causa dúvida sobre a existência do facto tributário, antes incumprimento do ónus probatório por parte do recorrente.

Quanto à violação dos artigos 62º e 104º da CRP o recorrente limita-se a referir no nº 17 das suas alegações que o acto de liquidação viola o direito de propriedade, sem dizer porquê e que a tributação não incide sobre o rendimento real.
Quanto a esta matéria e quanto ao artigo 62º citado, uma vez que o recorrente não concretiza em que é que o acto viola o seu direito de propriedade, não cabe a este tribunal estar a debruçar-se genericamente sobre se o dever de pagar impostos viola ou não o direito de propriedade.
Quanto ao artigo 104º, não tendo o recorrente feito a prova que lhe era exigida, não pode argumentar-se que a tributação não teve por base o rendimento real do contribuinte, porque outro não foi apurado.

Finalmente, quanto ao artigo 668º do Código de Processo Civil, estará o recorrente a invocar a nulidade da decisão por falta da especificação dos elementos de facto em que a mesma se baseou. Ora, como já se referiu, entende-se que a decisão está abundantemente fundamentada de facto e de direito.
Em face do que ficou dito improcedem todas as conclusões das alegações, merecendo integral confirmação a decisão recorrida com a consequente improcedência do recurso.

6. Nestes termos e pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e julgando-se improcedente a impugnação.
Custas pelo recorrente com quatro UC de taxa de justiça.
Porto, 07 de Outubro de 2004
João António Valente Torrão
Moisés Moura Rodrigues
Dulce Manuel Conceição Neto