Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01092/08.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/18/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONSTRUÇÃO DE UM SEGUNDO PISO NO EDIFÍCIO EXISTENTE, CONFINANTE COM OUTRO; ARTIGO 59.º DO REGIME GERAL DA EDIFICAÇÕES URBANAS;
ARTIGOS 3º, 5º , 6º ,6º-A, 44º, 102º, 124º,125º 133º N.º 2 ALÍNEA D) E F), 134º, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO;
ARTIGOS 334º E 473º E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 19º, N.º 1, 24º N.º 1, DO DECRETO-LEI 555/99, DE 16.12, N.º 2 DO ARTIGO 9º DO DECRETO-LEI 196/89, DE 14.06, OU OS ARTIGOS 3º, 17º,18º, 62º, 266º E 268, N.º 3 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Sumário:1. Não se pode falar em acto administrativo revogatório do deferimento tácito relativamente ao pedido de licenciamento da construção de um 2º piso num edifício, se pela primeira vez foi tal pedido formulado.

2. Está devidamente fundamentado o acto que ordena a demolição do 2º piso invocando a existente de um prédio confinante e a violação do disposto no artigo 59.º do Regime Geral da Edificações Urbanas.

2. Pelo que não existe enriquecimento ilegítimo, nem abuso de poder, nem violação do princípio da proporcionalidade ou da ponderação de interesses se na celebração de um acordo entre o Município e o interessado nunca a cedência de parte do prédio do Autor ao Réu ficou condicionada à autorização pelo Réu da construção de um segundo piso.

3. Assim como não viola o disposto nos artigos 3º, 5º , 6º ,6º-A, 44º, 102º, 124º,125º 133º n.º 2 alínea d) e f), 134º, do Código de Procedimento Administrativo, os artigos 334º e 473º e seguintes do Código Civil, o artigo 19º, n.º 1, 24º n.º 1 do Decreto-Lei 555/99, de 16.12. no n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei 196/89, de 14.06, ou os artigos 3º, 17º,18º, 62º, 266º e 268, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:I., S.A.
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I., S.A. veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença de 12.07.2019, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi julgada a presente acção administrativa especial que a Recorrente move contra o Recorrido Município de (...), improcedente e, em consequência, absolvida a Entidade Demandada dos pedidos formulados de que se decrete a nulidade da decisão proferida em 18.04.2008, pelo Vereador do Município de (...) e notificada ao Requerente em 23.04.2008, consubstanciada no indeferimento do pedido de licenciamento/legalização das obras de ampliação de uma moradia unifamiliar e se condene a Administração a praticar o acto legalmente devido para licenciar a obra e emitir as respectivas licenças e demais actos necessários à pretensão do Autor e, se assim, não se entender, defende a aplicação do disposto no artigo 134º, nº 3, do Código de Procedimento Administrativo, e ser a situação de facto considerada consolidada e ter a respectiva protecção jurídica.

Invocou, para tanto e em síntese, que há matéria de facto alegada na petição inicial que deve ser aditada à matéria factual dada como provada na sentença recorrida, que existe erro na aplicação do direito, consubstanciado em: 1. o comportamento do Réu que levou o Autor a alterar a sua inicial pretensão, ou seja, a de só fazer obras de conservação; 2. a incompetência de quem praticou o acto de revogação de um acto constitutivo de direito, a licença para as obras, designadamente, e as em causa na presente acção, as referentes ao “segundo andar” ; 3. a falta de fundamentação desse acto de revogação; 4. a falta da audiência de interessados no procedimento de revogação do acto; 5. efeitos putativos.

O Recorrido Município de (...) apresentou contra-alegações em que pugna pela manutenção do decidido.

O Ministério Publico neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Não obstante, acharmos que a matéria dada como provada é suficiente para que a presente acção tivesse sido e venha a ser julgada totalmente procedente, entendemos, sempre com o devido respeito, que também a decisão sobre a matéria de facto merece ser alterada, nos termos dos artigos 662º do Código de Processo Civil, não dando como provada toda a matéria alegada que consubstancia a causa de pedir. Deve ser alterada a matéria de facto nos termos expresso no ponto I das alegações.

2. Não pode haver qualquer tipo de dúvida que ao A. foi deferido o projecto de arquitectura por despacho proferido por quem de direito em 21 de Novembro de 2005, notificado ao A. em 2 de Dezembro de 2005 e que na sequência de tal acto foi notificado para apresentar vários documentos.

3. Para que tivesse havido revogação do acto referido no artigo anterior, teria que ser praticado por quem de direito, facto que nunca ocorreu. A revogação do acto foi feita pela directora de departamento sem poderes para o acto. Só o vereador, o que tinha deferido as obras, que tinha poderes delegados do Presidente da Câmara, é que o poderia fazer

4. Um parecer técnico, não fundamentado, notificado ao A. não pode revogar um acto de competência de um presidente de câmara ou de um vereador com poderes delegados. Pelo que só por esta falta de competência para prática de revogação de um acto constitutivo de direitos é nulo

5. Um acto revogatório de um outro acto, ainda por cima constitutivo de direitos, o mesmo teria que ser devidamente fundamentado para que produzisse os seus efeitos.

6. O que não aconteceu com o despacho da arquitecta que serve de fundamentação para a revogação do acto por quem não tem esse poder. Estamos assim perante a insuficiência, a obscuridade da fundamentação o que equivale à falta de fundamentação, porque essas insuficiências, obscuridade impedem o devido esclarecimento, as devidas razões de ser da retirada de direito já constituídos.

7. O “desordenamento urbanístico “não é conceito jurídico, nem existente na lei urbanística e, se fosse um conceito indeterminado a indicação de um número de 21 uma norma sem que haja a concretização de factos que posso preencher não constitui fundamentação suficiente. Meros juízos conclusivos, sem concretização da factualidade que lhes serviu de base, são insuficientes, para a fundamentação do acto.

8. Pelo que o acto revogatório não estava fundamentado, o que viola o artigo 124. n.º 1 alínea a), c) e e) e 125º do CPA e o artigo 268, n.º 3 da Constituição da República.

9. Assim, por tudo quanto se disse, dúvidas não pode haver quanto ao facto de se estar perante actos nulos, pois são nulos os actos a que falte qualquer um dos elementos essenciais ou para os quais a lei atribua expressamente essa forma de invalidade. E são, designadamente, actos nulos os actos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental, e os que, entre outros, careçam em absoluto de forma legal, sob pena de violarem o artigo 133º, n.º 1 alínea d) e f) do CPA.

10. A audiência de interessados não teve lugar, pelo que porque assim, e porque a mesma constituiu uma formalidade essencial a violação da referida norma procedimental ou a sua incorrecta realização tem como consequência normal a ilegalidade do próprio acto final e a sua consequente anulabilidade.

11. Mais uma vez podemos concluir que o Réu nunca actuou orientado sob os critérios de “razoabilidade e de boa-fé”. Dúvidas não pode haver quanto à violação dos mais básicos princípios de direito administrativo, pois todo o seu comportamento ao longo desta já longa saga de reconstrução da casa do A. o Réu sempre se comportou de forma indigna de um órgão da administração pública, que tem por fim a prossecução dos interesses públicos, mas sempre numa permanente ponderação entre estes e os direitos dos particulares, caso contrário violará o princípio da ponderação dos interesses e da ponderação.

12. Perante a análise concreta da situação, dúvidas não pode haver quanto ao facto de estarmos perante um nítido abuso de direito, com o recurso a uma lei que está a ser utilizada com fins para a qual não foi criada, e está a ser violado o princípio da proporcionalidade, uma vez que numa ponderação dos interesses dos particulares e nos da prossecução do interesse público há uma violação exagerada dos 22 interesses daqueles.

13. A presente decisão viola os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da imparcialidade, da justiça, da discricionariedade, violando expressamente os artigos 3º, 5º, 6º, 6º-A, 44º, 102º, 124º, 125º, 133º n.º 2 alíneas d) e f), 134º do Código de Procedimento Administrativo, o artigo 334º e 473º e seguintes do Código Civil, o artigo 19, n.º 1, 24º n.º 1 do DL 55/99, de 16 de Dezembro, o n.º 2 do artigo 9º do DL 196/89, de 14 de Junho e os artigos 3º, 17º,18º,62º, 266º e 268, n.º 3 da Constituição da República.

14. Por último, nunca nos podemos esquecer que o nosso sistema jurídico consagra a possibilidade da atribuição de efeitos jurídicos a situações decorrentes de actos nulos de harmonia com os princípios da boa-fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade, designadamente quando associados ao decurso do tempo.

15. A sentença recorrida ao dar como improcedente a acção está a violar princípios fundamentais do direito administrativo; designadamente o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos particulares; o princípio da igualdade e da proporcionalidade; da justiça e da imparcialidade e da boa-fé.

16. O princípio da proporcionalidade impõe à Administração a obrigação de, a par com o interesse público, alcançar os objectivos visados pelo legislador pela forma que represente menor sacrifício para as posições jurídicas dos particulares, sendo por isso que as decisões administrativas devem ser adequadas, necessárias e equilibradas ou proporcionais em sentido estrito.

17. Será de concluir pela invalidade do acto, e da sentença, nomeadamente por violação do princípio da proporcionalidade e da boa fé.

18. Há abuso de direito por parte do Réu com toda a sua actuação.

19. O regime legal vigente admite a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força, designadamente, do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito, do qual o A. deve beneficiar, ou seja, deve beneficiar dos direitos putativos.

20. Ao decidir da forma como decidiu a sentença, dúvidas não pode haver, salvo o devido respeito por opinião contrária, que esta viola os princípios da legalidade da proporcionalidade e da boa-fé, da imparcialidade, da justiça, da discricionariedade e da igualdade, violando expressamente os artigos referido do Código de Procedimento Administrativo e do DL 55/99 e os artigos 13º, 26º, 37º, 266º, 268º da Constituição da República.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e assim considerando-se procedente a acção e condenando-se o Réu no peticionado.
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II –Matéria de facto.

Nada do que é invocado no relatório da sentença recorrida é relevante para a decisão da causa.

Indefere-se, por isso, o recurso com fundamento em erros de relatório da sentença recorrida.

O Recorrente pretende que seja aditada à matéria de facto o seguinte:

Existia entre Autor e Réu um acordo urbanístico, em que o Autor alterava a sua pretensão, a de fazer obras de conservação, com o objectivo de beneficiar gratuitamente o domínio público e os interesses públicos”.

Concluindo que tal matéria deve ser aditada à matéria dada como provada, porque é importante para a decisão da causa e porque da forma como está redigida se torna enganosa.

Estamos perante duas conclusões que não se extraem dos factos que o Autor alega, nem dos factos cujo aditamento pede.

Não podem, por isso, ser levadas à matéria factual dada como provada ou não provada, em primeiro lugar, porque são conclusões, em segundo porque as mesmas não constam dos factos alegados pelas partes e em terceiro porque não são importantes ou relevantes para a boa decisão da causa.

Assim, indefere-se o aditamento requerido pelo Autor, não merecendo provimento o recurso nesta parte.

Pretende ainda o Autor que seja dada como provada a seguinte matéria por si alegada:

A referida obra foi objecto de um embargo por a construção não estar a ser edificada segundo os projectos apresentados na Câmara Municipal e também nessa data, em 1 de Setembro de 2005, foi notificada para se pronunciar sobre a intenção da CMA demolir o segundo piso.

Em 8 de Setembro de 2005, o A. veio fazer uma exposição na qual explica que pelo facto de ter cedido área para o domínio público e de ter alterado a composição da sua casa, a “actual casa” estava mais pequena, tinha menos uma divisão que era importante, mesmo fundamental, para o A..

Mas que já tinha suspendido a obra e que iria tratar de tudo para que se procedesse à alteração do projecto por forma a que as referidas alterações que deram origem ao embargo fossem legalizadas.

Em 20 de Setembro de 2005, o A. apresentou o projecto relativo às ampliações que era relativo ao aumento da cércea em um piso, numa parte da construção.

Em 2 de Dezembro de 2005 o A. foi notificado do despacho de 21 de Novembro de 2005, o qual deferia as referidas alterações e juntava um parecer técnico da arquitecta R., datado de 10 de Novembro de 2005, no qual é dito que entende que o projecto em causa não é uma reconstrução, mas sim uma obra nova,

Mas, caso quem de direito para decidir não entendesse no mesmo sentido, deveria o A. apresentar, no prazo de 6 meses, os projectos das especialidades.

Ora, estando o A. a ser notificado do despacho de aprovação do projecto das alterações à construção, não concordando, quem de direito, com a designação dada pela Exmª Srª Arquitecta R., e, a nosso ver muito bem, pois temos que ter em conta todo o passado desta construções e a colaboração por parte do A. no desenho urbanístico do local, tendo para isso deitado a baixo a frente da casa para recuar e ceder uma grande área de terreno ao domínio público, cerca de 25,18 m2, o A estava, também, a ser notificado para apresentar os referidos projectos.

Em 5 de Janeiro de 2006 o A. apresentou os projectos das especialidades e os restantes documentos solicitados.

Por último, e não menos importante, muito pelo contrário, não há razão nem fundamento para que o juiz a quo tire conclusões que onde se disse “deferimento” se quis dizer “indeferimento”, muito menos por o Réu ter aceite os projectos pedidos e por toda a história que levou o Réu a fazer a obra que fez.

Pelo que deve ser corrigido, por não ter qualquer validade o juízo de valor que condiciona toda a sentença.”

Sem razão.

A matéria que o Autor pretende ver aditada à matéria factual nenhum relevo apresenta para as possíveis soluções de direito preconizadas para a decisão da questão em litígio e o Autor também não fundamenta tal relevância, pelo que não pode decidir-se no sentido pelo mesmo pretendido.

Quanto ao juízo de valor que o Tribunal formulou sobre a verificação de lapso de escrita, pois onde se referiu “deferimento” se quis dizer “indeferimento”, esse lapso de escrita resulta do teor de folhas 254 e 255 do processo administrativo, pelo que encontra-se correctamente dado como provado o 11º facto da matéria factual dada como provada, que contém factos e não juízos de valor.

Assim, também não merece provimento o recurso nesta parte.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) O Autor é proprietário do prédio misto, composto por casa de habitação, com logradouro e quintal, sito na (...), a confrontar do Norte e Nascente com A., do Sul com a Rua Pública e do Poente com M., na freguesia de (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º 418 e matriz predial rústica sob o artigo n.º 1392 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 04258, cfr., entre outras, as primeiras 13 folhas, bem como fls. 38 a 41, todas do processo administrativo que aqui se dá por reproduzido.

2) O mencionado prédio é um prédio antigo pois foi construído nos princípios do século passado, nos primeiros anos de 1900, idem anterior.

3) O Autor, em 02.01.2003 deu entrada nos serviços municipais de obras particulares, de um projeto de obras de conservação que pretendia levar a cabo no referido imóvel, vide fls. 14 e seguintes do processo administrativo.

4) Autor e Réu acordaram, entretanto, após a apresentação do referido projecto de obras acabado de mencionar, que a parte da frente do imóvel do prédio do requerente onde este pretendia realizar as obras, confinante com a rua, fosse totalmente destruída e recuada na sua reconstrução através das obras a realizar e que o espaço correspondente ao recuo para alinhamento nessa parte fosse cedido para o domínio público e, assim, que o Autor construísse divisões maiores e fosse dada uma estrutura interna diferente às divisões do imóvel anteriormente existente, cfr. processo administrativo, mormente até folhas 54.

5) Em face do acordo, agora mencionado, o Autor comprometeu-se a apresentar um novo projeto para as obras que pretendia realizar no seu prédio, contemplando o acordo referido e, assim, em 01.09.2003, o Autor deu entrada nos mencionados serviços municipais do Réu, desse novo projeto, onde se previam as cláusulas do mencionado acordo e nomeadamente a cedência de um espaço para o domínio público na parte em que o mesmo imóvel confina com a via pública, vide folhas 55 e 56 do processo administrativo.

6) Na sequência da apresentação do novo projeto acabado de mencionar, o Autor foi notificado, em 04.11.2003, do despacho proferido em 14.10.2003 no sentido de apresentar a memória descritiva respetiva às alterações apresentadas com o mesmo novo projeto e a nova estimativa de custos, o que apresentou em 09.12.2003, cfr. folhas 58 a 62 do processo administrativo.

7) E, em 16.02.2004, foi o Autor notificado pelo requerido do despacho de aprovação do projeto de arquitetura relativo àquele novo projeto e, assim, apresentar no prazo de 6 meses os projetos de especialidades, o que o requerente apresentou no referido prazo, tendo em 30.06.2004 recebido a notificação de que lhe tinha sido aprovado o licenciamento da obra em causa, por despacho de 18.06.2004 e, consequentemente, tinha o prazo de um ano para requerer a licença para a respetiva execução das obras para além de ter de apresentar outros elementos, designadamente a apólice de seguro, o alvará de construção civil do construtor e o livro de obra, tendo o respetivo alvará sido deferido pelo Presidente do executivo do Réu em 07.08.2004, vide folhas 65 a 226 do processo administrativo.

8) Todavia, o Autor deu início à construção licenciada, mas não respeitou integralmente o projeto aprovado com as referidas alterações, tendo construído um segundo piso que não estava previsto naquele projeto, cfr. folhas 228 a 236 do processo administrativo.

9) Em consequência foram as obras em causa embargadas pelo Réu por não respeitarem o projeto aprovado, precisamente pela construção do referido 2.º piso, vide fls. 235 a 243 do processo administrativo.

10) Todavia, o Autor apresentou um pedido de licenciamento, em 20.07.2005, para a legalização da construção do mencionado segundo piso, cfr. folhas 245 a 253 do processo administrativo.

11) Pedido que foi objeto de informação do Departamento de Gestão datado de 10.11.2005 onde se aludiu, para além do mais, à distinção entre obras de reconstrução e obras de construção, informação que foi objeto de despacho “concordo c/ informação…”, datado de 21-11-2005, despacho que na notificação do mesmo ao Autor, através do ofício 4768 de 02.12.2005 passou do mencionado concordo para “Deferido…”, vide folhas 254 e 255 do processo administrativo.

12) O Autor apresentou, no início de 2006, vários projetos de especialidade relativos à obra em causa, incluindo o 2º piso, cfr. folhas 259 a 377, 383 a 408 do processo administrativo.

13) O Réu foi informado, em 13.03.2006, do “impacto urbanístico” decorrente da construção pelo Autor do 2º piso, informação que veio a originar o despacho de 16.03.2006 o qual ratificou a proposta de “revogar a decisão que recaiu sobre o tomo 3834/2005”, que assentou nas seguintes conclusões:

“11. No seguimento da informação Técnica DGU 10.11.2005, a pretensão diz respeito a obras de ampliação (cércea e volumetria)
12. O corpo respeitante a esta operação urbanística apresenta-se fronteiro a uma edificação existente com o Processo de Obras n.º 434/1981.
13. Considerando que a pretensão para além de constituir desordenamento urbanístico, vem violar o disposto no art.º 59º Regulamento Geral de Edificação Urbana…
14. Ainda em face das áreas ampliadas deve pronunciar-se a Comissão da Reserva Agrícola Nacional, apesar de não existir aumento de área afecta ao solo.” Informação e despacho comunicados ao A. através do ofício nº 1398 de 04-04-2006.”
Vide folhas 379 a 382 e 409 a 411 do processo administrativo.

14) Respondeu o Autor através de requerimento apresentado em 22.06.2006 onde mencionou, entre outros, o deferimento acima aludido e terminou requerendo lhe seja emitida a respectiva licença de obras, cfr. folhas 414 a 416 do processo administrativo.

15) O requerimento vindo de mencionar foi apreciado pelo Réu, com proposta de indeferimento, pelas razões acima mencionadas, proposta que obteve superior ratificação, por despacho proferido em 04.09.2006, ali se mencionando também a revogação da informação acima mencionada, vide fls. 418 do processo administrativo.

16) O Autor requereu novamente em 29.12.2006 a emissão de licença que originou o despacho de 12.03.2007 a manter a informação e despacho acabados de referir, despacho comunicado através do ofício 1505 de 30-03-2007, cfr. fls. 420 a 422 do processo administrativo.

17) O Autor, apreciando os despachos e requerimentos descritos nos dois n.ºs anteriores, apresentou novo requerimento em 20.04.2007 a pugnar sejam declarados nulos os referidos despachos; se considere tacitamente deferido o pedido de licenciamento devendo o Réu emitir o competente alvará e notificar o Autor para a efetivação do pagamento das taxas devidas, vide fls. 424 a 433 do processo administrativo.

18) O Requerido, após informação técnica datada de 30.05.2007 a solicitar parecer do Departamento jurídico, solicitação que obteve acolhimento e, por isso o referido Departamento emitiu Informação Final a qual, por sua vez, determinou informação do DGU-DGUOP, uma e outra alicerçadoras do despacho de indeferimento proferido em 22.10.2007, e comunicado ao Autor em 09.11.2007, cfr. folhas 434 a 444 verso do processo administrativo.

19) O Autor foi notificado para, em 10 dias, se pronunciar sobre a intenção do Réu em indeferir tal pedido de licenciamento mas, solicitando que a sua audição fosse oral no âmbito do mencionado pedido de licenciamento, tendo essa solicitação de audiência oral lhe sido indeferida, por despacho do Vereador com competência delegada, de 04.03.2008 foi-lhe concedido novo prazo para se pronunciar, o que fez por escrito em 18.03.2008, apesar de entender que devia ser ouvido oralmente por entender que essa solicitação havia sido tacitamente deferida, vide fls. 444 a 454 do processo administrativo.

20) Por despacho de 18.04.2008, notificado ao requerente em 23.04.2008, e com fundamento na informação n.º 428/DCC/08, de 17.04.2008, foi indeferido o pedido de licenciamento das obras de ampliação da moradia unifamiliar em causa do A., seja o seu pedido de legalização da construção do referido 2.º piso dessa construção e, ainda, no mesmo despacho, decidido da intenção do Réu em proceder à demolição do 2.º piso construído e, assim, se pronunciar no prazo de 15 dias, cfr. fls. 456 a 463 do processo administrativo.

21) Por despacho do mesmo Sr. Vereador com competência delegada para efeito, foi ordenado e emitido mandado de notificação do Autor para proceder à demolição do referido 2.º piso da construção, no prazo de 20 dias úteis, sob pena de os próprios serviços do Réu tomarem posse do imóvel e os mesmos procederem a essa demolição, notificação verificada em 02.07.2008 fls. 464 a 466 do processo administrativo.

22) Em 23.07.2008 foi apresentada a petição inicial que originou os presentes autos, cfr. carimbo de entrada na primeira folha dos autos.
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III – Enquadramento jurídico.

1. Da necessidade de audição de testemunhas.

Alega o Autor que a sentença recorrida foi inesperada por, depois de se ter alegado a necessidade de audição das testemunhas e de se ter procedido ao julgamento, pois os compromissos e garantias dadas pela técnica do Réu, ou seja, pelo Réu, e as expectativas criadas só através daquele meio de prova poderiam ser determinadas. Assim, deveria ter sido marcada audição das testemunhas e não ter sido dada a sentença objecto do presente recurso.

Sem razão.

O Autor não fundamenta a razão da necessidade de audição de testemunhas, nem se vislumbra qualquer razão para tal, já que os factos necessários para boa decisão da causa não foram impugnados e ou estão documentados, daí que devam, mesmo sem audição das testemunhas, ser dados como provados, tornando essa audição desnecessária.

Assim, indefere-se nesta parte o recurso do Autor.

2. Erro na aplicação do direito.

Alega o Autor que há que ter em conta várias situações sobre as quais houve erro na aplicação do Direito:

a) O comportamento do Réu que levou o Autor a alterar a sua inicial pretensão, ou seja, a de só fazer obras de conservação;
b) A incompetência de quem praticou o acto de revogação de um acto constitutivo de direito, a licença para as obras, designadamente, e as em causa na presente acção, as referentes ao “segundo andar”;
c) A falta de fundamentação desse acto de revogação;
d) A falta da audiência de interessados no procedimento de revogação do acto;
e) Efeitos putativos.

Mais alega o Autor que não pode haver qualquer tipo de dúvida que ao Autor foi deferido o projecto de arquitectura por despacho proferido por quem de direito em 21.11.2005, notificado ao Autor em 02.12.2005, e que, na sequência de tal acto, foi notificado para apresentar vários documentos.

Para que tivesse havido revogação do acto referido no artigo anterior, teria que ser praticado por quem de direito, facto que nunca ocorreu. A revogação do acto foi feita pela directora de departamento sem poderes para o acto. Só o vereador, o que tinha deferido as obras, que tinha poderes delegados do Presidente da Câmara, é que o poderia fazer.

Um parecer técnico, não fundamentado, notificado ao Autor não pode revogar um acto de competência de um presidente de câmara ou de um vereador com poderes delegados. Pelo que só por esta falta de competência para prática de revogação de um acto constitutivo de direitos é nulo.

Por isso, defende, não temos qualquer acto revogatório.

Sem razão.

Da matéria factual dada como provada, única que pode ser considerada para apreciação do erro de aplicação de Direito que o Autor invoca, resulta, nos pontos 10º e 11º factos dados como provados:

“10. Todavia, o A. apresentou um pedido de licenciamento, em 20 de Julho de 2005, para a legalização da construção do mencionado segundo piso, cfr. fls. 245 a 253 do PA;

11. Pedido que foi objeto de informação do Departamento de Gestão datado de 10 de Novembro de 2005 onde se aludiu, para além do mais, à distinção entre obras de reconstrução e obras de construção, informação que foi objeto de despacho “concordo c/ informação…”, datado de 21-11-2005, despacho que na notificação do mesmo ao A., através do ofício 4768 de 02-12-2005 passou do mencionado concordo para “Deferido…”, vide fls. 254 e 255 do PA;

Desses factos conclui-se que o pedido de licenciamento do segundo piso foi indeferido e não se trata de um acto administrativo revogatório de anterior pedido, já que pela primeira vez foi tal pedido formulado.

Quanto à notificação de deferido conduz à ineficácia da notificação do indeferimento e não à sua validade.

Indefere-se, como tal, o recurso nesta parte.

Alega ainda o Autor que acto revogatório de um outro acto, ainda para mais constitutivo de direitos, o mesmo teria que ser devidamente fundamentado para que produzisse os seus efeitos.

Também aqui sem razão.

Já vimos que não estamos perante um acto revogatório de outro, quanto a ser fundamentado, o acto administrativo em questão foi fundamentado, de uma forma sucinta, mas que permitiu ao Autor fundamentar a sua oposição a tal acto.

Com efeito, alega o Autor que nenhuma das razões apresentadas é fundamentação do que quer que seja, pois perante todo o historial em causa, as classificação das obras não está correcta, o que só por mero lapso se entende; o facto de o corpo em causa se apresentar fronteiro a uma edificação existente, não é motivo impeditivo de se poder construir, a expressão “desordenamento urbanístico”, salvo o devido respeito que é muito, não é absolutamente nada. Estes chavões têm que ser devidamente concretizados e fundamentados para que possam ser limitativos de direitos.

Tem razão o Autor quando alega que:

“a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto e visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado, no presente caso do A. ora recorrente, procurando-se através dela obter toda a informação do seu itinerário cognoscitivo e valorativo que lhe permite conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.”

Também concordamos com o Autor quando alega que:

a fundamentação dos actos administrativos traduz a exigência de externação das razões ou motivos determinantes da decisão administrativa, tendo como objectivos essenciais os de dar ao particular as razões para que este possa reagir eficazmente contra o acto que está a ser produzido e que lhe retira direitos constituídos, pois só assim se assegura a transparência e imparcialidade das decisões administrativas.

Um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, e das razões que a sustentam.”

Vejamos então.

Face ao teor do 13º facto dado como provado:

“13.O Réu foi informado, em 13-03-2006, do “impacto urbanístico” decorrente da construção pelo A. do 2º piso, informação que veio a originar o despacho de 16-03-2006 o qual ratificou a proposta de “revogar a decisão que recaiu sobre o tomo 3834/2005”, que assentou nas seguintes conclusões:

“11. No seguimento da informação Técnica DGU 10.11.2005, a pretensão diz respeito a obras de ampliação (cércea e volumetria).
12. O corpo respeitante a esta operação urbanística apresenta-se fronteiro a uma edificação existente com o Processo de Obras n.º 434/1981.
13. Considerando que a pretensão para além de constituir desordenamento urbanístico vem violar o disposto no art.º 59º Regulamento Geral de Edificação Urbana…
14. Ainda em face das áreas ampliadas deve pronunciar-se a Comissão da Reserva Agrícola Nacional, apesar de não existir aumento de área afecta ao solo.” Informação e despacho comunicados ao A. através do ofício nº 1398 de 04-04-2006”.

Vide fls. 379 a 382 e 409 a 411 do processo administrativo.

Dúvidas não subsistem de que a fundamentação do acto em questão foi expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão tomada, fundamentação que não apresenta dificuldade na percepção desses fundamentos, que, como tal, não é obscura, contraditória ou insuficiente, pelo que cumpridos foram os artigos 124º e 125º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991) e o artigo 268, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

Não se está, por isso, perante acto nulo, como pretende o Autor, pois que não ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, tendo forma legal, não violando o disposto no artigo 133º, n.º 1 alíneas d) e f) do Código de Procedimento Administrativo, como, erradamente, alega o Autor.

Assim como não se verifica neste ponto qualquer causa de anulabilidade pois que o acto está devidamente fundamentado.

Refere-se uma construção já existente, em frente.

E o disposto no artigo 59.º do Regime Geral das Edificações Urbanas, de acordo com o qual:

“A altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os planos verticais perpendiculares à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior.”

O que permite perceber perfeitamente o acto: com a construção do 2º piso, o edifício do autor não respeita o distanciamento legalmente devido para o prédio fronteiro.

O acto em questão produz, pois, todos os seus efeitos jurídicos.

3. A audiência do Autor sobre o acto de indeferimento do licenciamento.

Alega o Autor que quanto à notificação efectuada em 08.11.2007 para o ora A. se pronunciar em sede de audiência prévia, nos termos e que a mesma foi feita, ou seja:

“ Assunto: Audiência prévia, nos termos dos art.º 100 e seguintes do CPA , no âmbito do processo de obras n.º 1221/55 “ e na parte final diz “ Em face do exposto, e em conformidade com o disposto nos art. 100 e segs do Código do Procedimento administrativo, dispõe do prazo de 10 dias úteis, a contar da recepção da presente notificação, para se pronunciar sobre a intenção da Câmara Municipal de (...) indeferir o pedido de emissão da licença de construção, sob pena de a decisão de indeferimento se tornar definitiva” .

O Autor optou por exercer o direito consagrado no artigo 102.º, por audiência oral. Mas tal foi-lhe negado, sem qualquer fundamentação para o acto.

Sem razão.

O artigo 100º, nºs 1 e 2, foi literalmente cumprido como o demonstram os factos 13 e 14 da matéria factual dada como provada.

Pelo que não é o acto anulável ou, menos ainda, nulo, por falta de audiência do Autor.

Não, tem, por isso, também razão o Autor quando conclui que o Réu nunca actuou orientado sob os critérios de “razoabilidade e de boa-fé” ou que violou os mais básicos princípios de direito administrativo, pois que todo o seu comportamento expresso nos factos provados, não constitui forma indigna de um órgão da administração pública, que tem por fim a prossecução dos interesses públicos, mas sempre numa permanente ponderação entre estes e os direitos dos particulares. Assim como não violou o princípio da ponderação dos interesses.

4. A violação do direito de propriedade do Autor

Alega o Autor que, com o comportamento do Réu, o Autor não pode utilizar a sua casa, estando assim a ser limitado no seu direito de propriedade.

O direito de propriedade encontra-se configurado como direito fundamental, análogo aos direitos, liberdades e garantias. Aplica-se-lhe o regime previsto para os mesmos, nomeadamente o artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, por força do artigo 17º do mesmo diploma fundamental.

Assim sendo, o direito de propriedade é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas.

Consequentemente, só pode ser restringido “nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, e não podem as leis restritivas “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.

Qualquer pessoa tem o direito de não ser privada arbitrariamente de qualquer direito patrimonial que esteja na sua esfera (artigo 17º, n.º 2, da Declaração Universal ), ou arbitrariamente condicionada no seu exercício.

Concordamos em absoluto com o sustentado pelo Autor, mas o acordo efectuado entre as partes no sentido de cessão gratuita pelo Autor de uma ínfima parte do seu domínio sobre o prédio em questão, é legal – artigo 1316º do Código Civil – aquisição, por contrato, de direito de propriedade por parte do Réu – 4º facto dado como provado.

E na celebração de tal acordo nunca a cedência de parte do prédio do Autor ao Réu ficou condicionada à autorização pelo Réu de um segundo piso, pelo que não existe enriquecimento ilegítimo, nem abuso de poder, nem violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que numa ponderação dos interesses dos particulares e nos da prossecução do interesse público não há uma violação exagerada dos interesses do Autor.

Alega ainda o Autor que é inconstitucional a aplicação da lei, quando o Réu fez um acordo com o Autor, no sentido de ceder área para o domínio público gratuitamente e de ter sido convencido a não fazer obras de conservação tendo- -lhe sido garantido que iria edificar casa com áreas e divisões maiores e, depois de tudo, querer que o Autor fique com uma casa mais pequena, da qual se vê impedido de a utilizar há mas de15 anos. Não podendo, na sequência de tudo quanto foi alegado, o Autor ver o seu direito de propriedade restringido.

Mas também aqui sem razão.

Na celebração de tal acordo, como se referiu, nunca a cedência de parte do prédio do Autor ao Réu ficou condicionada à autorização pelo Réu de um segundo piso.

Pelo que não existe enriquecimento ilegítimo, nem abuso de poder, nem violação do princípio da proporcionalidade, ou da ponderação dos interesses, pois na celebração de tal acordo nunca a cedência de parte do prédio do Autor ao Réu ficou condicionada à autorização pelo Réu de um segundo piso.

Isto porque a alegação de tais vícios parte de um pressuposto que, como se viu, não se verifica. O acordo dado para a construção mediante a cedência de uma parcela de terreno.

Alega ainda o Autor que o acto de indeferimento da licença de construção do segundo piso, notificado ao Autor, em 23.04.2008, viola as mais elementares regras e princípios do direito do urbanismo.

Vejamos:

Um dos motivos de indeferimento do pedido de legalização do 2.º piso foi a violação do artigo 59.º do Regime Geral da Edificações Urbanas, de acordo com o qual “A altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os planos verticais perpendiculares à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior.”.

Reitera o Recorrente que tal facto é passível de ser corrigido e de ser apresentada uma outra solução, sem referir desde então e até hoje qual a solução, sendo certo que numa edificação já construída na totalidade, não se vislumbra qualquer alteração que não implique a demolição.

Relativamente às limitações impostas pelo facto de a construção estar inserida em zona de RAN, a pretensão do Autor apenas poderia ser enquadrável, em abstracto, na al. c) do n.º 2 do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 16.06 desde que o mesmo fizesse prova dos seus restritos requisitos, o que nunca aconteceu e só pode ser demonstrado pelo interessado.

Esses requisitos são:

a) de que se trata de habitação para utilização própria e exclusiva dos seus proprietários e respectivos agregados familiares;
b) quando se encontrem em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados pelo presente diploma.

Ora, o Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31.03. veio revogar o citado diploma, dispondo o artigo 22.º que as utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN só podem verificar-se quando não exista alternativa viável fora das terras ou solos da RAN, no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural, devendo localizar-se nas terras e solos classificadas como de menor aptidão, e quando estejam em causa as situações enunciadas nas suas diversas alíneas.

Ou seja, as construções e obras de ampliação em área de RAN obedecem a requisitos estritos, que o Requerente nunca alegou nem provou como lhe competia.

Por outro lado, subsiste sempre a violação do n.º 2 do art.º 40.º do PDM pois, não definindo este os alinhamentos e cérceas nem existindo qualquer outro plano ou estudo nesse sentido, aplica-se o disposto no art.º 6.º do PDM de acordo com o qual as edificações a licenciar ficam definidas pelo alinhamento das fachadas e pela cércea dominante dos edifícios contíguos ou da unidade operativa em que se inserem.

5. Dos efeitos putativos dos actos nulos.

A proteção jurídica que Recorrente solicita de extrair efeitos putativos de um acto ilegal que ele mesmo praticou, quando construiu ilegalmente o segundo piso que não estava previsto no projeto licenciado e pretende agora, perante um “mal consumado”, obter a legalização de uma situação que não é possível legalizar, para além de dever decorrer da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, depende, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que directa, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados.” – in Ac. do TCAN no âmbito do processo 00841/09.3BEAVR, datado de 03-05-2019.

Só que, no caso, estamos perante um acto de 11/2005, cujo teor veio sendo reiteradamente repetido ao Recorrente até 23/4/2008, tendo sido proposta a presente acção em Julho desse mesmo ano.

Não se verificam, pois, os pressupostos para a aplicação do n.º 3 do art.º 134.º do então CPA de 1991 (atual n.º 3 do art.º 162.º do CPA de 2015), já que não existiu qualquer relação jurídica consolidada entre o Recorrido e o Recorrente e que, entre o pedido de licenciamento da construção do 2º piso e a data de instauração da presente acção, não decorreram sequer três anos.

Assim, por tudo quanto se deixa alegado dúvidas não há de que a decisão recorrida não viola os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da boa-fé, da imparcialidade, da justiça, da discricionariedade, não violando os artigos 3º, 5º , 6º ,6º-A, 44º, 102º, 124º,125º 133º n.º 2 alínea d) e f), 134ºdo Código de Procedimento Administrativo, o artigo 334º e 473º e segs do Código Civil, o artigo 19, n.º 1, 24º n.º 1 do DL 555/99, de 16 de Dezembro, o n.º 2 do artigo 9º do DL 196/89, de 14 de Junho e os artigos 3º, 17º,18º, 62º, 266º e 268, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

Improcede, assim, totalmente o presente recurso jurisdicional, impondo-se manter a decisão recorrida.
*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.
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Porto, 18.09.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco