Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00575/15.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:IVA; SIMULAÇÃO; ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - O exercício do direito à dedução limita-se ao imposto devido, ou seja, àquele que respeite a uma operação sujeita a imposto ou pago na medida em que era devido, não se estendendo ao imposto que seja tão-somente mencionado em factura, sem qualquer correspondência com uma operação determinada.

II - A Fazenda Pública sustentou as correcções efectudas na existência de indícios de simulação de negócio com o intuito de enganar terceiros.
III – São elementos do conceito de simulação: (i) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; (ii) acordo simulatório; (iii) intuito de enganar terceiros, nos termos do artigo 240º, nº 1 do CC.

III - Os factos recolhidos pela AT não permitem, ainda que indiciariamente de modo suficiente, sério e objectivo, suportar a conclusão de que entre a Impugnante, aqui Recorrida, e a referida fornecedora, foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:T, Lda
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - Relatório

A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “T., Lda” contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios do ano de 2011.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“1.ª Para a Administração Tributária - e Ministério Público, conforme Douto Parecer junto aos autos, nos termos do artigo 121º do Código do Procedimento e Processo Tributário – foram apurados indícios suficientes de que a contabilidade e escrita da impugnante não reflectia a realidade comercial da mesma, identificando-se, no Relatório de Inspeção, duas facturas emitidas por empresa fornecedora, que terão resultado de operação simulada quanto ao valor, o que determinou a exclusão da dedutibilidade do IVA suportado nestas facturas, conforme estabelece o artigo 19º n.º3 do Código do IVA.

2.ª No âmbito execução de projecto de instalação fabril, subsidiado com fundos comunitários e controlado pelo IAPMEI - programa operacional regional do norte - ON.2, sistema de incentivos, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, a impugnante subcontratou a empresa terceira, em 22 de Março de 2011, a instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de pelets, pelo preço global de 1.650.000 euros. Contudo, nas posteriores vistorias às instalações em acompanhamento do projecto, o IAPMEI constatou a inexistência física dos equipamentos de fabrico de pelets, e “o desfasamento existente entre o grau de realização físico do projecto e da execução financeira do mesmo”. Assim, a 14 de Novembro de 2012, o IAPMEI realizou uma auditoria física, financeira e contabilística completa ao projecto de investimento, com subsequente resolução do contrato.
Ou seja, em primeira linha a desconfiança quanto ao grau de efectiva materialidade, desta subcontratação e posterior facturação, foi suscitada pela entidade que acompanhou a execução do projecto, IAPMEI, IP.

3ª A segunda vaga de desconfiança foi também (ainda que indirectamente), gerada pelo IAPMEI, que solicitou a colaboração da Inspeção Geral de Finanças (IGF) para proceder a averiguações junto da fornecedora dos bens e serviços, subcontratada. A IGF concluiu que o processo de selecção da subcontratada não estava devidamente fundamentado. Pois, não se demonstrou que as aquisições efectuadas no âmbito do projecto, tenham sido efectuadas em condições de mercado; a subcontratada não dispunha de uma ficha de obra associada ao projecto, o que inviabilizou a análise da razoabilidade de preços contratualizada com o promotor. Também não foi possível apurar compras e subcontratos do projecto, efectuadas pela subcontratada, no montante de 3.945.848 euros.

4ª Outro indício foi aportado pela Direção de Serviços de Investigação da Fraude e das Ações Especiais (DSIFAE) da Autoridade Tributária que promoveu procedimentos inspectivos, com alerta para relações especiais da impugnante, com outras entidades, com intuitos de obtenção de fundos comunitários ao abrigo do programa FEDER. Assim, também a fornecedora da impugnante foi inspeccionada pela Direção de Finanças de Aveiro apurando-se que, diversas empresas agiram em conluio com o objectivo de conseguirem o pagamento de projectos QREN, sem disporem de fundos próprios obrigatoriamente necessários para financiamento dos mesmos. O modus operandi consistia na emissão de facturas sobrevalorizadas em relação aos bens transaccionados e ainda facturas sem que tivessem sido concretizada qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, baseadas em contratos que previam o adiantamento de uma parte substancial do valor acordado pelas partes, com o objectivo de servirem de base a pagamentos antecipados por parte dos fundos comunitários.

5ª Por último, a Direção de Finanças de Bragança em procedimento inspectivo e deslocação às instalações da impugnante, relativamente à parte da unidade industrial que se destinaria à fabricação de peletes, não encontrou nenhum equipamento instalado no local destinado ao efeito. Pelo que, também o procedimento inspectivo reforça a desconfiança da entidade promotora e demais auditores de indícios de sobrefacturação do projecto, com intuito de financiamento sem recurso de capitais próprios, com obtenção de liquidez através dos adiantamentos dos subsídios comunitários.

6ª A impugnante procura rebater, sem sucesso, estes indícios alegando que ao tempo das auditorias do IAPMEI os equipamentos ainda não estavam instalados. E depois de instalados, ao tempo do procedimento inspectivo, já haviam sido penhorados por credores e removidos das instalações. Tese que é perfilhada e valorada na Douta Sentença, com a qual - sempre com o devido respeito – não se pode concordar, como a seguir se resume.

7ª A questão da total ausência de instalação dos equipamentos industriais não está apenas relacionada com atrasos pontuais devidos, por exemplo, ao mau tempo. A questão é estrutural e prende-se, desde logo, com as condições de pagamento do contrato outorgado com a subcontratada. A saber: pagamento 35% com adjudicação, mais 35% com a aprovação dos projectos de engenharia. E, não estamos na presença de montantes insignificantes ou irrisórios! Estes 70% do contrato, correspondem aos pagamentos das facturas n.º18 de 5 de Abril de 2011, no montante total de 710.325 euros e n.º26 de 4 de Julho de 2011, no montante de 710.325 euros, agora em crise. Assim, a subcontratada recebeu um milhão quatrocentos e trezentos e vinte e cinco euros antes do início da construção, instalação e colocação em funcionamento de qualquer equipamento! Ora, qualquer gestor avisado, empresário comum, bom pai de família, teria o cuidado de indexar os pagamentos à progressiva construção e execução integrada do projecto. Pelo que tal desvio aos princípios e melhores práticas da boa gestão empresarial, de pagamento adiantado de 70% do valor, só encontra justificação na necessidade da apresentação de custos e adiantamento do pagamento dos fundos comunitários que permitem a liquidez e viabilizam a aquisição dos equipamentos, pelo seu valor real, conforme o procedimento fraudulento apurado pela Direção de Finanças de Aveiro.

8ª O facto dos equipamentos da unidade industrial que se destinaria à fabricação de peletes não se encontrarem nas instalações, ao tempo do procedimento inspetivo, é totalmente desvalorizado na Douta Sentença, aceitando-se erradamente – com devido respeito – como justificação a existência de penhoras de credores (entre os quais se inclui a AT, ainda que sem remoção de qualquer bem). Contudo, no auto de penhora são discriminados os equipamentos e valor atribuído aos mesmos, tudo no valor de 100.000 euros… Ora, a instalação da unidade de peletização foi contratualizada pelo preço de 1.650.000 euros! Ou seja, também o auto de penhora acaba por reforçar os indícios de inflacionamento do projecto em confronto com os custos efectivamente suportados.

9ª É evidente que Autoridade Tributária não pode - porque nem é da competência da mesma – acusar a impugnante de qualquer conduta fraudulenta fiscal e/ou de obtenção irregular de subsídios. Existem indícios sustentados que geraram a desconfiança e a dúvida quanto ao grau de materialidade das operações objecto de liquidação e dedutibilidade do IVA em crise. Mas não existem certezas, porque não há equipamentos, documentos fidedignos e as testemunhas inquiridas – funcionárias da impugnante e subcontratada, também não sabem quantificar, são vagas quanto aos valores dos serviços e bens prestados efectivamente prestados.

10.ª Assim, a Administração Tributária fez prova indirecta relativamente às operações simuladas, com o auxílio dos factos indiciantes, acima referidos. E era o que competia fazer, à AT, em regra do ónus da prova. Competia à impugnante provar a existência dos factos, ou seja, que os montantes titulados nas facturas que utilizou na sua contabilidade, correspondiam a valores reais, prova, que não logrou fazer, nem nos autos, nem em sede de audiência do contraditório.

11.ª Como supra se refere, a sentença recorrida viola as normas previstas nos artigos 74º e 75º da Lei Geral Tributária e, consequentemente, no artigo 19º nº. 3 do Código do IVA e 123º nº. 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

12ª e última conclusão – Acresce que, na douta sentença, aqui em crise, também não se discrimina a matéria de facto não provada, o que, só por si, também configura uma nulidade da sentença - conforme o Ac. do TCAN n.º 0329/05.1BEMDL de 08-03-2012 - por violação das norma previstas no artigos 123º nº. 2 e 125º n.º1 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V. Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com manutenção das liquidações adicionais de IVA de 2011 e respectivos juros compensatórios.”
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A Recorrida apresentou contra-alegações, finalizando-as com as seguintes conclusões:

A. “Entende a Recorrente que a douta sentença recorrida não fez uma correcta ponderação dos meios de prova, alegadamente por não ter levado em conta os “diversos indícios recolhidos pela Autoridade Tributária”, que mais não são que opiniões pessoais, juízos conclusivos e considerações desgarradas e sem reflexo com a realidade.
B. O artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA exclui a dedução de imposto que que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente; todavia, a Recorrente não demonstrou qualquer falta de correspondência entre as declarações da Recorrida e a verdade tributária, permanecendo indemonstrado que a Recorrida não podia deduzir o IVA de acordo com o artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, pelo facto de tal dedução ter origem numa operação alegadamente simulada.
C. De acordo com o n.º 1 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, presumem-se verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
D. Mais, inexiste qualquer fundamento para a inversão do ónus da prova, tendo em conta a debilidade probatória de que enfermam as liquidações impugnadas e o relatório de inspecção a elas subjacente, inexistindo quaisquer indícios minimamente sérios passíveis de desencadear o mecanismo da inversão do ónus da prova; sendo que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Autoridade Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
E. Aliás, é jurisprudência pacífica, reiterada e uniforme, que quando a liquidação adicional de IVA tem por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, compete à Administração Tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua actuação constantes do artigo 82.º, n.º 1 do CIVA, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas. Feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que as operações económicas que estiveram subjacentes à dedução do imposto (cfr. artigo 19.º do CIVA) se realizaram efectivamente – cfr. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 17/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 0591/15 (sublinhado e carregado nosso).
F. E, reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à Autoridade Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da Administração mas como fundamento de toda a sua actividade, sublinhando-se que a Recorrente não logrou demonstrar quaisquer indícios sérios de simulação passíveis de inverter o ónus da prova.
G. Deve salientar-se, porém, que a acima descrita regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a Administração Tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu, ou seja, depois de a Administração Tributária ter emitido um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo, no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução que a lei não permite.
H. Isto significa que se impõe à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da Lei Geral Tributária), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a ora Recorrida logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
I. Na verdade, compulsado o Relatório de Inspecção Tributária não se detecta um único facto recolhido pela Autoridade Tributária que permita, ainda que indiciariamente, suportar a conclusão de que a Recorrida fez um qualquer acordo simulatório com vista a enganar terceiros (cfr. artigo 240.º do Código Civil), o que quer dizer que a Recorrente não fez prova do bem fundado da formação do seu juízo, pelo que a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, mantendo-se, por este motivo e com esta fundamentação, a sentença recorrida, impondo-se seja negado provimento ao presente recurso, tendo andado bem o Tribunal a quo ao entender que caberia à Fazenda Pública a demonstração da falta de correspondência entre a escrita da Recorrida e a realidade, e que lhe permitiria corrigir aritmeticamente a matéria tributável desta.
J. Seja como for, a própria Recorrida provou amplamente a existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou, nos termos do artigo 19.º do Código do IVA, pelo que, fosse qual fosse o entendimento do douto Tribunal a quo relativamente ao ónus da prova, sempre teriam de ser consideradas conformes com a lei as deduções efectuadas.
K. Nestes termos, não tem qualquer cabimento legal ou factual a requerida nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, tanto assim é que, conforme uniformemente entende o Supremo Tribunal Administrativo, a nulidade arguida só existirá quando ocorra a absoluta falta de fundamentação, pelo que desde já se requer seja julgada improcedente a nulidade arguida pela Recorrente. – cfr. Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06-06-89, proc. 26268; de 10-10-90, recurso n.º 11946; de 31-01­90, recurso n.º 11921; de 29-05-91, recurso n.º 24722; de 12-07-2000, processo n.º 25056, Ap-DR de 17-01-2003, página 3139; de 21-01-2003, processo n.º 633/02; de 14-07-2008, processo n.º 510/08; e de 03-12-2008, processo recurso n.º 540/08.
L. Apenas é causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, o que, conforme a própria Recorrente admite, o tribunal a quo fez de forma ampla, pelo que, de acordo com o próprio Acórdão citado pela Recorrente (Acórdão do TCANorte n.º 329/05.1BEMDL, de 08-03­2012), o juiz apenas está obrigado a discriminar os factos não provados que reputa relevantes para a decisão, pelo que, se não existem factos não provados relevantes para a decisão, não está o juiz obrigado a pronunciar-se relativamente a eles, procedendo-se a sua discriminação por exclusão.
M. Como se disse no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12-01­2012, proc. n.º 820/06.2BEVIS, que assim também concluiu: “(...) importa questionar se o referido comando legal se reporta a toda a factualidade alegada ou apenas à factualidade alegada com relevo para a decisão. É que dos artigos resulta que juiz só tem que levar à base instrutória a matéria relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. É essa a matéria que, depois, será objecto de resposta à matéria de facto, e não a matéria alegada. Sendo que, nos processos que não comportam base instrutória (como sucede com a impugnação judicial, onde o saneamento da matéria de facto com relevo para a decisão é feito a final) devem também ser reportados à fase da decisão. E o que se extrai do segmento transcrito da douta sentença recorrida é que, no entendimento do Tribunal “a quo”, não havia factos a incluir ali e a dar como não provados, porque não havia outros factos a considerar com interesse para a decisão.”
N. Assim sendo, a douta sentença recorrida não padece de falta de especificação dos factos, tanto que especificou com critério todos os factos provados com relevo para a causa, elencando os factos dados como provados de forma extensa e especificada, subsumindo-os ao direito aplicável, em função das regras do ónus da prova; aliás, é a própria Recorrente quem, nas suas alegações de recurso, refere que “os factos são sobejamente conhecidos”, prendendo-se a nulidade que a Recorrente imputa à sentença recorrida com o facto de esta discordar da análise probatória da matéria de facto provada, e não por existir algum facto com relevo para a causa que tenha sido desconsiderado.
O. O vertido nos pontos VII. e XII. a XVI. das alegações de recurso da Recorrente, encontra-se devidamente vertido e analisado na sentença recorrida, conforme decorre do Ponto 3 dos factos provados, sendo certo que se discorda da conclusão, uma vez que, conforme decorre do ponto 19. dos factos provados, 35% do preço seria pago com a adjudicação, outros 35% com a aprovação dos projectos de engenharia dos trabalhos, sendo certo que a empreitada já se encontrava bem mais avançada, mais concretamente na fase seguinte, da instalação de equipamentos e sistemas, inexistindo qualquer normal legal ou sequer algum costume da área que imponha que o valor pago seja directamente correspondente ao andamento da empreitada.
P. Tanto assim é que o normal em projectos chave-na-mão, existir um pagamento substancial no início da empreitada, de forma a custear todas as despesas que o empreiteiro tem de suportar por força da concretização do projecto, tendo sido o próprio IAPMEI quem aceitou e não se opôs, ab initio, a que os pagamentos fossem estruturados da forma como vieram a ser, pois, como é referido pela própria Recorrente (cfr. Ponto VIII das alegações de recurso), “o projecto de instalação fabril da impugnante sustentou-se em projecto europeu, subsidiado com fundos comunitários e controlado pelo IAPMEI - programa operacional regional do norte – ON.2, sistema de incentivos, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (...).
Q. Por isso, impõe-se referir que, contrariamente ao que decorre do Ponto VII das alegações de recurso da Recorrente, inexistia uma qualquer regra de correspondência necessária entre o contratualizado e a evolução do projecto, o que, todavia, não significa que cerca de 70% do projecto não estivesse já implementado, conforme foi amplamente demonstrado pela prova documental e testemunhal produzida nos autos. Neste mesmo sentido, R., funcionário da B. à data dos factos, afirmou que cerca de 70% do equipamento necessário à laboração da fábrica da Recorrida já estava instalado.
R. Seja como for, ficou demonstrado que a Unidade de Peletização se encontrava próxima da conclusão, bastando para o efeito a instalação de todos os equipamentos que iriam ser entregues em 2012, sendo certo que, à data de 15 de Maio de 2012, estavam presentes, ou na fábrica de Mogadouro ou nas Fábricas dos respectivos fabricantes, os elementos constituintes da “espinha dorsal” da Unidade de Peletização, faltando apenas - para que esta pudesse começar a laborar – a entrega do Subsistema de Prensas e da máquina ensacadora, o transportador pneumático e silos exteriores, e a subsequente operação de integração, instalação e colocação em funcionamento da Unidade de Peletização como um todo.
S. Caso nada tivesse sido feito pela B., não existiriam quaisquer bens a penhorar na Unidade de Peletização, o que consubstancia apenas mais uma das contradições da Recorrente, que procura transmitir a ideia de que os serviços contratados não foram prestados e de que os bens a fornecer não teriam sido instalados ou sequer encomendados; e, tanto assim é, que dos Pontos 33, 34 e 36 dos Factos Provados, decorre a existência de um conjunto de equipamentos da Unidade de Peletização Instalados, a saber: tolvas/ depósitos do subsistema de preparação, ensacadora automática, equipamentos complementares, etc.
T. No dia 10 de Novembro de 2011, foi feita uma vistoria ao local de instalação da Unidade Industrial em Mogadouro por parte do IAPMEI, sendo que, à data da referida vistoria, não se encontravam no local da Obra em Mogadouro, quaisquer equipamentos referentes à Unidade de Peletização, porque esses equipamentos só estariam fabricados nos primeiros meses do ano de 2012, como desde sempre previsto, caindo por terra o argumento da falta de correspectividade entre os pagamentos e a progressividade da implementação da Unidade de Peletização, impondo-se referir que, no que respeita ao Ponto VIII das alegações de recurso, o mesmo está devidamente tratado nos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 27, 28, 29, 30, 31 a 36 dos factos provados da sentença recorrida.
U. O próprio IAPMEI, na auditoria que conduziu em 14-11-2012, não identificou quaisquer irregularidades das que constam no Relatório de Inspecção Tributária, nem sequer considera existir um negócio simulado, como resulta da prova documental produzida nos presentes autos.
V. A Recorrida, quando confrontada com a intenção de resolução do contrato de financiamento, por parte do IAPMEI, e conforme se lhe impunha, averiguou todas as circunstâncias que serviam de base a uma tal decisão e, não se conformando com a mesma, e de forma a demonstrar que essa assentava em pressupostos de facto absolutamente distorcidos, elaborou, em Fevereiro de 2014, um Relatório de escolha de fornecedores para projecto Tira Chuva, que se encontra junto aos autos e que reflecte todo o procedimento que conduziu à adjudicação à B..
W. O vertido no Ponto IX das alegações de recurso da Recorrente encontra-se devidamente analisado e escalpelizado nos pontos 15 e 27 a 36 da douta sentença recorrida, sendo certo que, qualquer uma das circunstâncias ali aventadas não é suficiente para demonstrar que, em concreto, as facturas 18 e 26, datadas, respectivamente, de 05-04-2011 e de 04-07-2011, não correspondem a serviços prestados e a bens efectivamente fornecidos.
X. Pois que se encontra devidamente demonstrado, seja qual for o motivo subjacente à resolução contratual operada pelo IAPMEI, que a B. cumpriu a sua parte nos termos contratualizados, o que sempre motivaria o pagamento das facturas emitidas e, por via disso, a possibilidade de a Recorrida deduzir o imposto suportado.
Y. De resto, a Inspecção Geral de Finanças jamais notificou a aqui Recorrida para demonstrar como foi feita a selecção da B., o que poderia e deveria ter sido levado a efeito ao abrigo do princípio do contraditório.
Z. O ponto X das alegações de recurso da Recorrente é analisado na sentença recorrida nos pontos 12 e 13 dos factos provados, dos quais decorre que a Recorrida e a B. são sociedades independentes entre si e não mantêm quaisquer relações especiais entre si, permanecendo indemonstrado qualquer conluio com o objectivo de beneficiar de quaisquer empréstimos, seja em sede de inspecção tributária, seja nos presentes autos, sendo falso que tenha existido qualquer “esquema”, pois que todas as operações que a Recorrente descreve como fraudulentas, têm substância e configuram serviços e fornecimentos efectivamente prestados, ficando por demonstrar as relações especiais ou sequer o conluio que a Fazenda Pública levianamente imputa à Recorrida.
AA. O que está em causa nos presentes autos passa por verificar se o contrato celebrado entre a Impugnante e a B. foi efectivamente cumprido e se as facturas que originaram os presentes autos têm subjacente serviços e fornecimentos efectuados, o que se encontra largamente demonstrado nos presentes autos.
BB. Quanto ao mais, e apesar de serem invocadas fraudes e outras condutas passíveis de constituir crime fiscal, a verdade é que, quer a Recorrida, quer o seu sócio-gerente não foram até à data sequer acusados – quanto mais condenados - de quaisquer crimes relacionados com os factos em discussão nos presentes autos, pois que o procedimento criminal foi arquivado em tempo devido, o que a Recorrida se esquece, convenientemente, de referir.
CC. No que ao Ponto XI das alegações da Recorrente se refere, importa referir que também esta imputação permanece indemonstrada, uma vez que, conforme decorre do Ponto 15 dos Factos Provados na Sentença recorrida, a Impugnante recebeu no período compreendido entre 2006 e 2011, várias propostas de orçamento das seguintes empresas:
g) H. – 9 de Novembro de 2006;
h) S. – 1 de Abril de 2008;
i) T. – 25 de Junho de 2008;
j) T. - 6 de Novembro de 2009;
k) K.– 12 de Março de 2009;
l) B. – 4 de Fevereiro de 2011;
DD) Do que resulta, evidentemente, que foram auscultados diversos agentes nesta área e que a B. apresentava a solução mais ajustada e financeiramente mais em conta para a Recorrida, tendo uma vasta experiência na implementação de soluções industriais chave na mão, como afirmou a testemunha S. que, perante a sua própria aposentação, passou uma série de clientes à referida B..
EE) Exemplo de que efectivamente estava em curso a implementação de um projecto e a instalação de uma Unidade de Peletização é também o facto de terem sido instaladas as infraestruturas, de muito significativo valor, para suportar um subsistema de armazenamento a granel da produção de peletes situado no lado nascente do exterior da fábrica, subsistema esse a ser fornecido pela B. como parte integrante do âmbito da Unidade de Peletização, e que foi parcialmente faturado pela PEMEL, tendo obrigado a alterações ao projecto de arquitectura, nomeadamente no que respeita ao acesso ao dito sistema de armazenamento, tal como foi atestado pelo Exm.º Sr. Arquitecto L..
FF) Sendo a própria Recorrente quem assume, no ponto XXIII das suas alegações de recurso, que “se verificou a instalação de alguns equipamentos; que a B. realizou obras e fabricou equipamentos ao abrigo do contrato celebrado com a impugnante”, o que se aceita.
GG) No que respeita aos Pontos XVI, XVII, XVIII e XIX das alegações de recurso da Recorrente, cabe referir que, conforme decorre do ponto 35 dos factos provados da sentença recorrida, o contrato foi resolvido pelo IAPMEI em Junho de 2013, e não em 10 de Novembro de 2011, carecendo de prova cabal tudo quanto resulta dos referidos pontos das alegações, que mais não são declarações de fé e juízos conclusivos sem qualquer base séria.
HH) Carecendo também de fundamento sério o alegado nos pontos XX e XXI das alegações de recurso, estando a existência e ausência dos bens devidamente demonstrada por força da prova documental produzida nos autos, para a qual remete a douta sentença recorrida.
II) O vertido no ponto XXII das alegações de recurso da Recorrente, mais não é do que uma manobra de diversão sem sentido sério, na medida em que aquela procura valorar os bens instalados na Unidade de Peletização por apelo ao auto de penhora do Agente de Execução, que não tem conhecimento dos valores pelos quais foram adquiridos os bens, qual a sua utilidade ou valor de mercado, importando referir que tal auto de penhora não foi efectuado por um perito avaliado, mas por um leigo, sendo absolutamente comum que os valores atribuídos em autos de penhora não tenham qualquer correspondência com o valor de aquisição ou sequer com o valor de mercado dos bens, o que nada prova relativamente a um putativo inflacionamento do projecto.
JJ) Caso assim não se entenda, e sem prescindir, sempre existiria uma dúvida efectiva e fundada sobre a inexistência do facto tributário, nos termos e para os efeitos do artigo 100.º do CPPT, sendo indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal.
KK) Finalmente, no que respeita à nulidade arguida no Ponto XXXIV das alegações de recurso da Recorrente, impõe-se referir que, pese embora a jurisprudência citada, a Recorrente olvidou-se de analisar todo o aresto referenciado e o seu regime legal.
LL) Nesse sentido, impõe-se citar o lapidar Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-11-2013, proferido no proc. N.º 00331/05.3BEMDL, do qual resulta que a omissão da indicação expressa dos factos não provados só constituirá nulidade da sentença quanto tenha sido alegada factualidade relevante para a decisão da causa que deveria ter sido considerada no julgamento de facto e o não foi, o que, como se demonstrou de forma cristalina supra, a Recorrente não logrou provar.
MM) Assim, toda a matéria de facto foi ponderada em sede de julgamento de facto, pois que a decisão de não dar como provados factos se fundou numa análise dos factos alegados e num juízo de interesse para a decisão desses factos, face à causa de pedir, não tendo o juiz o dever de tomar posição sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão da causa.

Nestes termos, e nos que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão, com os fundamentos expostos, deve ser considerado totalmente improcedente, por não provado, o Recurso apresentado, confirmando-se a sentença recorrida que determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2011, com as legais consequências.
Assim se fazendo inteira e sã
JUSTIÇA!”
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Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista ao Exmo Procurador-Geral Adjunto que emitiu Parecer no sentido de negar provimento ao recurso.
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Dispensados os vistos legais, com a concordância das Exmas Juizes Desembargadoras Adjuntas, nos termos do artigo 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), vem o processo à Conferência, para julgamento.
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I.I Do Objecto do Recurso - Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT - são saber se a sentença incorreu em (i)nulidade por falta de fundamentação (ii) erro de julgamento de direito por violação das regras do ónus da prova. (iii) erro de julgamento de direito por violação do artigo 20º do CIVA.

II - Fundamentação
II.1 – Dos Factos
II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
“1. A Impugnante tem como actividade principal a valorização de resíduos não metálicos (CAE 38322); e como actividades secundárias a recolha de outros resíduos não perigosos (CAE 38112) e fabricação de briquetes e aglomerados de hulha e lenhis (CAE 10203) – fls. 6 do Relatório de Inspecção;
2. A Impugnante é uma sociedade por quotas, enquadrada em sede de IRC no regime geral de tributação desde 01/01/2010 e em sede de IVA, no regime normal, de periodicidade trimestral no período de 01/01/2010 até 31/12/2010, de periodicidade mensal no período de 01/01/2011 até 31/12/2014 e, de novo, de periodicidade trimestral desde 01/01/2015 – art.º 15 da contestação, não impugnado;
3. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu em IVA dos anos de 2010 a 2013 e que teve início em 18/2/2014, cujo Relatório aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque (doc 4 da PI):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. Nesta sequência, e para o que interessa realçar, a Impugnante foi notificada a 4 de Novembro de 2014 das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos trimestrais de 04 e 07 do exercício de 2011, com data limite de pagamento voluntário de 31/12/2014 e da correspondente liquidação de juros compensatórios, nos valores respectivos de 132.825,00€ + 17.773,08 de juros; e 132.825,00 + 16.448,47 de juros – Doc.. 1 e 2;
5. Em 29/4/2015 a Impugnante apresentou reclamação graciosa, que foi indeferida por despacho de 4/8/2015 – docs 5, 6 e 7da PI;
6. Em 9/11/2009, e para concretizar a construção de uma unidade industrial que contivesse duas Unidades de tratamento dos resíduos do azeite (águas ruças e bagaços de azeite); uma unidade de "peletização" (Doravante UP); e uma unidade (que mais tarde, devido a contingências do desenvolvimento do próprio projecto, acabou por não se concretizar) que serviria para a produção de energia eléctrica para autoconsumo, a Impugnante candidatou-se em a um financiamento do IAPMEI, no âmbito do Sistema de Incentivo à Inovação do PROVERE - doc 8 da PI;
7. A sua candidatura foi aprovada pela autoridade de gestão, in casu a Comissão Directiva do Programa Operacional do Norte – doc 9 da PI;
8. Tendo resultado, a final, e perante o montante de investimento total de C 5.937.500,00, sido considerada uma despesa elegível na quantia de C 5.524.828,00 e um incentivo reembolsável de C 4.143.621,00. – doc 10 da PI;
9. Apenas em 25 de Novembro de 2010 veio a ser assinado, entre a Impugnante e o IAPMEI, o Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros n.º 2010/12069 doc 11 da PI;
10. A Impugnante celebrou, em 22 de Março de 2011, com a Sociedade Comercial B., 4 contratos de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidades industriais e sistemas logísticos complementares – doc 12 da PI;
11. A B. é uma sociedade comercial constituída em 01/08/2008, que se dedica a actividades de engenharia e equipamentos industriais e bem assim de comércio por grosso de máquinas, equipamentos e ferramentas, incluindo importação, exportação e representação de marcas;
12. A Impugnante e a B. são sociedades comerciais totalmente independentes entre si;
13. A Impugnante e a B. não mantêm quaisquer relações especiais;
14. Os representantes legais da Impugnante e da B. não mantêm quaisquer relações especiais entre si;
15. A Impugnante recebeu no período compreendido entre 2006 e 22 de Março de 2011, (data em que viria a ser assinado o contrato de fornecimento em crise) as seguintes propostas, das seguintes empresas: a) HRV- (DoC.13) - 9 de Novembro de 2006; SALMATEC- (DoC.14) - 1 de Abril de 2008; Torbel- (DoC.1S) - 25 de Junho de 2008; Termeck/ Chamagás (Doc.16) - 6 de Novembro de 2009; KAHL (Doc.17) - 12 de Março de 2009; BIOCUTIER (Anexo I ao DoC.12) - 4 de Fevereiro de 2011;
16. Em 22/3/2011 a Impugnante e a B. celebraram o contrato de “Fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de pelets – doc 12 da PI;
17. Como decorre do próprio Contrato, pela sua assinatura, a B. obrigou-se a)Elaborar o Layout da unidade; b)Fornecer, instalar, testar e colocar em funcionamento todos os equipamentos, maquinaria e sistemas que deviam integrar a UP; c)Realizar todos os trabalhos adicionais necessários à conclusão e entrada em funcionamento da unidade, fornecendo e transportando para o local de implantação da unidade os materiais, os equipamentos e a mão-de-obra necessárias;
18. A Impugnante obrigou-se a pagar o preço total global de 1.650.000,00€.
19. Ficaram estabelecidas as seguintes condições de pagamento: 35% Do preço com a adjudicação; 35% Do preço com a aprovação dos projectos de engenheira dos trabalhos; 20% Do preço com o início dos trabalhos de instalação dos equipamentos e sistemas; 5% Do preço com o certificado de aceitação prévia; 5% do preço com o certificado de aceitação definitiva;
20. Na sequência desta adjudicação foi emitida pela B. no dia 5 de Abril de 2011, a Factura n.º018/2011, no montante de €577.500,00 acrescido de IVA a 23%, no valor de 132.825,00 € perfazendo o total de € 710.325,00, aqui em causa;
21. A qual a Impugnante pagou a 13.05.2011 – doc 23;
22. No dia 4 de Maio de 2011, o IAPMEI comunicou à Impugnante, juntamente com o envio da primeira parcela do co-financiamento, o deferimento do pedido de adiamento da data de fim do projecto – Doc 25 e doc 26 da PI;
23. O início oficial do projecto de instalação da Unidade industrial em Mogadouro ocorreu, efectivamente, no início do mês de Abril de 2011, data da primeira factura de despesas elegíveis do investimento - Doc 27 da PI;
24. No dia 4 do mês de Julho, tendo sido aprovados os projectos de engenharia apresentados relativamente à UP e cumprindo o contratualmente estabelecido com a B., foi emitida pela B. a Factura nº 26/2011, aqui em apreço, no montante de €577.500,00 acrescido de IVA a 23%, no valor de I32.825,00€, perfazendo o total de €710.325,00, e que Impugnante pagou no dia 3 de Agosto desse ano – doc 28 da PI;
25. No dia 27 do referido mês de Julho de 2011, a Impugnante recebeu do IAPMEI, no seguimento de solicitação nesse sentido) e da devida certificação de despesas, uma segunda parcela do co financiamento. Doc 29 da PI
26. No dia 14 de Outubro de 2011, a Impugnante apresentou o Pedido de Pagamento n.º 5, tendo em vista a obtenção da terceira parcela do co-financiamento - Doc.30;
27. No dia 10 de Novembro de 2011, foi feita uma vistoria ao local de instalação da Unidade Industrial em Mogadouro por parte do IAPMEI – confissão do art.º 160 da PI;
28. À data da referida vistoria não se encontravam no local da Obra em Mogadouro, quaisquer equipamentos referentes à UP porque esses equipamentos só estariam fabricados nos primeiros meses do ano de 2012, como desde sempre previsto;
29. De todo o modo, mesmo que por hipótese, estivesse prevista já nesta data, a presença desses equipamentos no local de instalação do complexo industrial, não poderia ter sido concretizado devido a atrasos na construção civil e paragens por devidas a mau tempo – doc 31, página 11.
30. Já nessa altura estavam muitos equipamentos presentes em obra - relativos às unidades as quais foi dada primeira prioridade de instalação-, uns instalados e outros em instalação – doc 28 e 23,
31. Por decisão do dia 30 de Dezembro de 2011, o IAPMEI não obstante ter validado a despesa efectuada, optou por não proceder ao pagamento de qualquer quantia, relativamente a este pedido, com fundamento "no desfasamento existente entre o grau de realização físico do projecto e da execução financeira do mesmo".
32. Aquando do pedido de adiamento do fim de concretização do projecto - Constante da carta ao IAPMEI junta como Doc.24 - e no que toca em concreto à UP, o IAPMEI foi novamente alertado de que a mesma só deveria ser implementada numa fase posterior do projecto, nunca antes do fim do primeiro trimestre de 2012;
33. Nos dias 13 e 14 de Fevereiro de 2012, conforme previsto, foram entregues, em Mogadouro, uma série de equipamentos referentes à UP, designadamente: "Sem Fins" ; b)Tolvas/Depósitos que iriam integrar, tanto o Subsistema de Preparação recebendo e temporariamente armazenando matéria-prima proveniente das Unidades de processamento de resíduos, colocando-as em posição de serem "peletizadas"; c) ensacadora automática; d) equipamentos complementares – docs 20, 33, 24, 35 , 34, 22, 24;
34. A 25 de Maio de 2012 a impugnante enviou, depois de já ter enviado ao IAPMEI um documento evidenciando o grau de execução física do projecto, ao IAPMEI novo pedido de certificação de despesas e de pagamento de nova parcela do co-financiamento, - docs 39 e 40;
35. Nesta sequência o IAPMEI realizou no dia 14 de Novembro de 2012 uma auditoria física, financeira e contabilística completa ao projecto de investimento, comunicando-lhe, em Junho de 2013, a intenção de resolver o contrato – art.ºs 211 e 218 da PI;
36. No dia 17 de Junho de 2013, teve lugar Auto de Penhora no âmbito do Processo de Execução n.º 49/13.3TBMGD-B, no qual consta como Exequente a Sociedade R. e como executada a Impugnante;
37. No âmbito do qual foram penhorados e retirados do Local de Instalação do projecto parte dos equipamentos da UP, encontrando-se actualmente na posse da Exequente.
38. Quanto a este processo a B. apresentou, no dia 10 de Outubro de 2011 embargos de terceiro, por nessa sede terem sido, erradamente, penhorados equipamentos cuja propriedade detinha - Cfr. Doc. 41.
39. Onde se incluiriam equipamentos relativos à UP, cuja propriedade ainda pertencia à B., em razão da já aludida cláusula de reserva de propriedade aditada ao contrato de fornecimento entre si e a Impugnante – Doc 41;
40. No dia 28 de Março de 2014 teve lugar um Auto de Penhora, no âmbito do processo de execução nº 1323/13 13.4YVPRT, no qual constava como Exequente a Sociedade N., Lda. Executada a aqui Impugnante – Doc 42 da PI;
41. Foram nesta sede penhorados, entre outros: a)Uma Máquina de tratamento de bagaços de azeite (Equipamento de mistura dos bagaços sólidos), como consta da verba 3 do referido Auto de Penhora; b)Uma série de "Sem fins", como consta das verbas n.ºs 4, 5, e 10 do referido auto de penhora;
42. No âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 054020140102234, no qual a Impugnante consta como executada em virtude de uma dívida ao IAPMEI, resultante da já supra referida resolução do contrato de incentivos celebrado;
43. No âmbito deste processo teve lugar no dia 09.09.2014, Auto de Penhora levado a cabo pelo Serviço de Finanças de Mogadouro, - Doc.43;
44. No qual se penhorou, entre outros bens, os seguintes: 9 "Sem-Fins"// 2 Tolvas/Silos - que viriam a integrar a UP (ver supra).
45. A B. adquiriu vários equipamentos a instalar na fábrica da Impugnante – doc 1 a 21 das alegações da Impugnante, não impugnados;”

No sentido pugnado pela Impugnante, de que o material facturado foi efectivamente entregue, confrontar, de forma conjugada, os depoimentos das testemunhas L., autor do projecto da fábrica da Impugnante e coordenador de todas as especialidades envolvidas, que esteve na obra/unidade da Impugnante por diversas vezes, e que afirmou que 1/3 a 1/2 dos equipamentos a fornecer pela B. estavam em falta; M., TOC da Impugnante, que disse conhecer a B. como fornecedora da Impugnante, e que afirmou que todos os documentos de contabilidade existente entre as duas sociedades estavam de acordo com a lei; J. que verificou que a fábrica da Impugnante já possuía equipamento para a produção de pelets; R., funcionário da B. à data dos factos, afirmou que ajudou a instalar o equipamento produzido na B. na fábrica da Impugnante em Mogadouro e que cerca de 70% do equipamento necessário à laboração da fábrica da Impugnante já estava instalado; e também respondeu no sentido invocado pela Impugnante, transposto para os pontos 12 a 14 dos factos provados ; H., desenhador e trabalhador da B. à data dos factos, e afirmou que, apesar de nunca ter estado em Mogadouro, foi autor do projecto dos materiais na vertente metalo-mecânica para a fábrica do Impugnante, afirmando que contactou com outras empresas para fornecer materiais necessários ao fabrico das máquinas a instalar na fábrica do Impugnante. Afirmou também que em termos percentuais o que a B. fabricou directamente para a fábrica do Impugnante era de valor diminuto em relação ao que foi subcontratado; J., que foi funcionário da B. à data dos factos (chefe de exteriores) e que afirmou que instalou na fábrica da Impugnante, em Mogadouro, material fornecido por aquela sociedade, e que faltaria cerca de 50 a 60% do equipamento para a fábrica começar a laborar; Américo de Sousa Pinto, que negociava em pelets e que se prontificou a angariar clientes para a Impugnante (designadamente em Roma), que afirmou conhecer a fábrica da Impugnante em Mogadouro já em fase avançada de construção e instalação de máquinas; Neste sentido ( de que havia empresas prontas para consumir as pelets produzidas pela Impugnante), cfr, também, depoimento de J..
O testemunho de S. não foi relevante porque apenas afirmou, essencialmente, que reparava lagares de azeite em inox para a B.;”


II.2 - O Direito

II.2.1 da nulidade da sentença

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada nas conclusões de recurso, é a de saber se a sentença recorrida padece de nulidade por falta de indicação dos factos não provados com relevância para a decisão da causa. [conclusão 12ª]
A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, agora recorrida, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela agora Recorrida, “T., Lda”, contra a liquidação adiconal de Imposto sobre o valor Acrescentado (IVA) do ano de 2011.
A Recorrente imputa nulidade à sentença recorrida, nos termos do artigo 125º, nº 2 do CPPT, por a sentença recorrida ao ter fixado a matéria de facto, não ter indicado factos não provados com relevância para a decisão da causa. Alega que a ausência da fixação de factos não provados equivale à nulidade nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT. Tratando-se de um vício de que decorre a validade formal da sentença tem o mesmo prioridade sobre os demais.
Apreciemos.
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.T. (Código de Procedimento e de Processo Tributário), norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.6871/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7508/14).
A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razões no momento do julgamento.
Deste modo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT.
Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida.
“Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
Não podemos deixar de sublinhar, como é doutrina e jurisprudência maioritária, que tal nulidade só ocorre quando faltem em absoluto os fundamentos de facto em que assentou a decisão. Apenas a total e absoluta ausência de fundamentação de facto afecta o valor legal da sentença, acarretando a sua nulidade, o que não ocorre quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada - cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, pág. 687.
Tal exigência de fundamentação reflecte-se, ainda, e de acordo com o artigo 123º, nº 2 do CPPT, em a sentença efectuar a discriminação dos factos provados dos não provados, fundamentando tais decisões. A fixação de factos não provados decorre de uma exigência suplementar de fundamentação de facto, não prevista no processo civil. A discriminação da matéria de facto não provada cumulativamente com a provada, decorre de no contencioso tributário ser na própria sentença que o juiz faz o julgamento da matéria de facto, havendo, por isso de elencar e separar os factos provados dos não provados, bem como indicar os meios de prova criticamente analisados que lhe permitem consubstanciar, por um lado, os factos provados e, por outro, os factos não provados.
Daí que a não discriminação dos factos não provados seja suscetível de integrar nulidade da sentença, prevista no n.º1 do art. 125º do CPPT.
No caso dos autos, desde logo, não foi observado tal dever de discriminar os factos não provados, pelo tribunal recorrido, porquanto nenhuma alusão é feita, na sentença, à matéria de facto não provada.
Todavia, tal omissão apenas constituirá nulidade da sentença, nos termos do aludido nº 1 do artigo 125º do CPPT, se as partes tiverem alegado factualidade relevante segundo as várias soluções plausíveis de direito, que deveria ter sido considerada no julgamento de facto e não o foi.
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença corresponderá ainda à falta de fundamentação da sentença, no que respeita à matéria de facto, nos termos do nº2 do artigo 123º do CPPT, que conjuntamente com a apreciação crítica da prova integram a fundamentação do julgamento de facto que se destina a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação.
Relendo, nos presentes autos, a matéria de facto dada como provada, e sem entrarmos na apreciação da existência de eventuais erros de julgamento suscitados no recurso, constata-se que a sentença não fixou factos não provados.
Verifica-se, ainda, do compulsar dos autos, que não foram alegados outros factos relevantes para a decisão da causa, que não tenham sido ponderados em sede de julgamento de facto. Nem a Recorrente indica, em sede de alegações de recurso, a existência desses factos alegados e não ponderados. Limita-se nas alegações de recurso a formular um juízo conclusivo, repetido “ipsis verbis” nas respectivas conclusões.
Como aponta Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª edição, Áreas Editora, pág. 358, "...só existirá nulidade de sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não se tenham sido dados como provados nem como não provados e que possam relevar para a decisão da causa",
Nos presentes autos a decisão sobre o julgamento de facto encontra-se fundamentada com a indicação dos meios de prova que foram considerados para formar a convicção do juiz e com a motivação de tal decisão. Não se verifica assim a nulidade da sentença, por falta de fundamentação, sucumbindo as conclusões de recurso, quanto a este segmento.


II.2 Do erro de julgamento
De acordo com o constante nos autos, na sequência de uma acção de fiscalização realizada à Impugnante, ora Recorrida, a Administração Tributária (AT) efectuou correcções meramente aritméticas, em sede de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) e respectivos juros compensatórios, por haver concluído que havia sido indevidamente deduzido IVA respeitante a duas facturas por existência de simulação relativa, dado que os serviços constantes de tais facturas não tinham sido efectivamente prestados, e tinham como única finalidade enganar terceiros, neste caso o IAPMEI.
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, neste segmento, por entender, em síntese, que a AT não logrou comprovar a existência de simulação na operação.
A Recorrente, Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, alegando que demonstrou indicios suficientes de que as faturas não titulavam efectivas prestações de serviços. Que o 1º indício decorreu de no âmbito da execução de projecto de instalação fabril, subsidiado com fundos comunitários e controlado pelo IAPMEI, a impugnante ter subcontratado a empresa terceira, em 22 de Março de 2011, a instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de pelets, pelo preço global de 1.650.000 euros. Contudo, nas posteriores vistorias às instalações em acompanhamento do projecto, o IAPMEI constatou a inexistência física dos equipamentos de fabrico de pelets, e “o desfasamento existente entre o grau de realização físico do projecto e da execução financeira do mesmo”. Assim, a 14 de Novembro de 2012, o IAPMEI realizou uma auditoria física, financeira e contabilística completa ao projecto de investimento, com subsequente resolução do contrato. Que o 2º indício decorreu das averiguações efetuadas pela Inspeção Geral de Finanças (IGF), a pedido do IAPMEI, junto da fornecedora dos bens e serviços, subcontratada, tendo concluído que o processo de selecção da subcontratada não estava devidamente fundamentado. Pois, não se demonstrou que as aquisições efectuadas no âmbito do projecto, tenham sido efectuadas em condições de mercado; a subcontratada não dispunha de uma ficha de obra associada ao projecto, o que inviabilizou a análise da razoabilidade de preços contratualizada com o promotor. Também não foi possível apurar compras e subcontratos do projecto, efectuadas pela subcontratada, no montante de 3.945.848 euros. Que o 3º indício decorreu de a fornecedora da impugnante ter sido inspeccionada pela Direção de Finanças de Aveiro apurando-se que, diversas empresas agiram em conluio com o objectivo de conseguirem o pagamento de projectos QREN, sem disporem de fundos próprios obrigatoriamente necessários para financiamento dos mesmos. O 4º e último indício decorreu de a Direção de Finanças de Bragança em procedimento inspectivo e deslocação às instalações da impugnante, relativamente à parte da unidade industrial que se destinaria à fabricação de peletes, não encontrou nenhum equipamento instalado no local destinado ao efeito. Pelo que, também o procedimento inspectivo reforça a desconfiança da entidade promotora e demais auditores de indícios de sobrefacturação do projecto, com intuito de financiamento sem recurso de capitais próprios, com obtenção de liquidez através dos adiantamentos dos subsídios comunitários. Que a Administração Tributária fez prova indirecta relativamente às operações simuladas, com o auxílio dos factos indiciantes, acima referidos. E era o que competia fazer, à AT, em regra do ónus da prova. [Conclusões 2ª a 11ª].
Sublinhe-se, antes de prosseguirmos, que a AT, no presente recurso, não colocou em causa a matéria de facto dada como provada, mas tão só as ilações de facto retiradas pela sentença.
Avançando para a apreciação do que nos vem pedido, diga-se que, o direito à dedução tem como pressuposto que o sujeito passivo que suportou o IVA nas respectivas aquisições a montante irá realizar, a jusante, operações que irão conferir, nos termos do CIVA, o direito à dedução. Mas, para que tal direito à dedução possa ser exercido é necessário o preenchimento de pressupostos ínsitos no Código do IVA, sendo um deles, fundamental para a apreciação do presente caso, o referido no nº 3 do artigo 19º, onde se refere: “Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”.
E de acordo com a jurisprudência emanada pelo TJCE, o exercício do direito à dedução limita-se ao imposto devido, ou seja, àquele que respeite a uma operação sujeita a imposto ou pago na medida em que era devido, não se estendendo ao imposto que seja tão-somente mencionado em factura, sem qualquer correspondência com uma operação determinada Acórdão Genius Holdings . (…)”.
Por outro lado e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT) “ O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Também a maioria da jurisprudência - cfr., entre outros, os Acórdãos do TCA de 27/01/04, no Proc. nº 6646/02 e de 11/03/03, no Proc. nº 6915/02 e os Acórdão do STA de 24/04/02, no Proc. nº 102/02, de 17/04/02, no Proc. nº 26.635, de 09/10/02, no Proc. nº 871/02 e 20/04/03 no Proc. nº 241/03 - , afirma que é à Administração Fiscal que cabe o ónus de prova da existência dos pressupostos do acto de liquidação adicional, ou seja, de demonstrar a factualidade que a levou a desconsiderar as aquisições cujo IVA foi deduzido. Só, então, passará a pertencer ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
Vem-se, ainda, entendendo, de modo uniforme que, estando em causa a correcção de liquidações de IVA, por desconsideração das facturas reputadas de falsas ou “de favor” pela AT, onde aquele IVA foi liquidado, as regras de repartição do ónus da prova têm dois momentos distintos.
Assim, compete, num primeiro momento, à Administração Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, sendo o juízo desta firmado na consideração de que as operações e/ou o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas, em si mesmas ou nalgum dos seus elementos, nomeadamente no preço, foram simuladas. Nesta tarefa, pode a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
Ora, o conforme João de Castro Mendes, os indícios são definidos como sendo aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (cfr. citação de José Luís Saldanha Sanches in “ A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.)
Logo, feita que seja essa prova, num segundo momento, compete ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir o IVA supostamente suportado, nos termos do artigo 19º, nº 1 do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois, neste caso, o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação.
Na verdade, o ónus consagrado no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a AT (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a administração tributária: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação das aquisições cujo IVA alega ter suportado e que pretende deduzir em conformidade. Veja-se, neste sentido e sobre esta questão os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24 01. 2008, proferido no Processo 01834/04 e do Supremo Tribunal Administrativo de 07.05. 2003 (Pleno), proferido no Processo 1026/02, e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 24.01.2008, proferido no Processo 2887/04.
É certo a Administração Tributária não se pode limitar a uma fundamentação meramente formal do juízo que formula quanto à indevida dedução do IVA por parte do sujeito passivo (impugnante), constante das facturas desconsideradas. Exige-se-lhe, ainda, que demonstre o bem fundado desse juízo, provando os indícios que o sustentam, possibilitando, dessa forma, a conclusão de que é correcta a sua fundamentação material. Neste sentido e sobre esta matéria vide, ainda, o acórdão deste TCA Norte de 24.01.2008 proferido no recurso 01834/04, entre outros.
Mas, também é jurisprudência unânime do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que a prova dos indícios é suficiente para que a AT satisfaça o ónus da prova que sobre si impende.
Veja-se neste sentido, por todos, o recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 27.02.2019, no processo 01424/05 onde se determinou que “como decidido nos Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 16.03.2016, Acórdão 587/15, de 16.11.2016, recurso 600/15 e de 17.02.2016, recurso n.° 591/15 (acórdão fundamento), no qual se consignou:
«(...)Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções qtte considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do n° 3 do art. 19° do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.
E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele principio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.
O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2° edição, pág, 269: “há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verflcação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. n° 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.)
Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75° da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a A T a existência de indícios sérios e credíveis de qite tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.(..)”

A AT não tem, assim, de fazer a prova directa da simulação, isto é, a prova dos pressupostos exigidos pela lei civil para que se verifique a simulação (cfr. artigo 240º do Código Civil), sendo suficiente a prova indirecta de “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova ” (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Coimbra, 1972, pág. 154).
Cumpre, pois, indagar se a AT fez prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objectivos, susceptíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela impugnante não correspondem a reais operações - no caso, a AT considerou que a simulação decorre de a sociedade comercial que figura nas facturas como vendedor não ter procedido à venda das mercadorias referidas nas facturas-, para que pudesse liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas.
Nos termos do artigo 240º, nº 1, do Código Civil se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiro, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
São, assim, elementos do conceito de simulação: (i) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; (ii) acordo simulatório; (iii) intuito de enganar terceiros.
Ora, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou procedente a impugnação judicial ao concluir que o “intuito de enganar” terceiros não havia ficado provado, em face da matéria de facto levada ao probatório .
A apreciação efectuada na sentença foi como se transcreve:”(…) é à FP que incumbe provar que a Impugnante não pagou, que pagou intencionalmente em excesso, ou que pagou sem que os bens e serviços tenham sido entregues ou prestados, e, como tal, ao IVA devido não podia a Impugnante deduzir o imposto pago.
A AT chega à conclusão de negócio simulado, consubstanciado nas facturas n.ºs 18/2011 e 26/2011 emitidas pela B. à Impugnante em Abril e Julho de 2011, através de visita ao local das instalações da Impugnante em 2014; e através das conclusões do Relatório inspectivo realizado à contabilidade da B., uma vez que aí é dito que existiram operações entre esta sociedade e a “Vista de Alegria”, servindo as facturas que titulam esses pretensos negócios como canal de transmissão de dinheiro entre elas, para, a partir daí, municiarem outros promotores de forma a sobrevalorizarem a aquisição de máquinas que entrariam na Impugnante a um custo muito superior – o que não sucederia se o negócio fosse directamente realizado pela Impugnante. Ou seja, segundo percebemos, a “Vista de Alegria” seria um intermediário que apenas serviria para inflacionar o preço dos materiais necessários à fábrica da Impugnante que, por sua vez, os apresentaria a pagamento ao IAPMEI.
Ora, com todo o respeito, sendo notório que em muitos negócios efectuados existem intermediários, a AT não comprovou a intenção subjacente dessas sociedades em defraudar o IAPMEI, e, por esta via, sendo uma operação simulada ( ou melhor, de simulação de preço), ao IVA devido não podia a Impugnante deduzir o imposto pago.
Por outro lado, o facto de em 2014 a AT não ter encontrado os materiais titulados por aquelas facturas, não significa que três anos antes eles não tivessem sido entregues nas instalações da Impugnante, com as vicissitudes descritas nos factos provados, designadamente nos pontos, 28 a 32, 35, 36, 38, 39, 41, 42 e 43, 45, 46 e 47.
(…)”
E assim é. Compulsados os factos dados como provados que, como referimos, não foram colocados em causa pela Recorrente, os factos recolhidos pela AT não permitem, ainda que indiciariamente de modo suficiente, sério e objectivo, suportar a conclusão de que entre a Impugnante, aqui Recorrida, e a referida fornecedora, foi feito um acordo simulatório com vista a enganar terceiros.
Perscrutado o probatório, decorre que os índicios trazidos pela AT são por demais insuficientes e sobretudo conclusivos e opinativos. A AT limita-se a formular juízos conclusivos e opinativos, no que concerne ao negócio de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de pelets celebrado entre a Impugnante e aquela fornecedora, sem carrear factos que pudessem consubstanciar um indício sério da simulação de negócio no que concerne à operação supra referida.
Não pode, por isso, deixar de se concluir que a administração tributária não demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados entre si e apreciados à luz das regras da experiência comum a legitimavam a corrigir as liquidações de IVA com fundamento em simulação relativa das operações tituladas pelas facturas em causa.
Só após se desembaraçar de tal prova, é que caberia à impugnante, aqui Recorrida, a prova veracidade das operações subjacentes à dita factura, ao contrário do defendido na conclusão 10ªde recurso.
Não tendo afastado o ónus que sobre si impendia, bem andou a sentença recorrida em julgar procedente a impugnação, também, quanto a este segmento.

Em face de todo o exposto, sucumbem todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento.

III.Decisão

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.
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Custas pela Recorrente.
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Porto, 11 de Março de 2021


Cristina Travassos Bento
Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais