Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01778/13.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ESPETÁCULO; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Sumário:1 – “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.

2 - A má-fé assenta ainda hoje predominantemente no que Alberto dos Reis chamava de deveres de colaboração e de probidade. As violações a esses deveres serão relevantes apenas ao nível doloso ou da negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes), tal como consagrado no atual processo civil - cfr. Artºs 542 e ss. do CPCivil.
Passou-se, na nova sistemática processual civil - na conjugação com o novo modelo processual de responsabilização e cooperação intersubjetiva -, a tipificar os comportamentos processuais passíveis de obter um juízo de reprovabilidade, abrangendo-se não só condutas dolosas como também as gravemente negligentes, determinantes de lesões na esfera jurídica das demais partes processuais bem como da simultânea violação de interesse públicos, base da multa a que dão também lugar.
Prevê-se, dessa forma, a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar, a alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão, de modo doloso ou gravemente negligente, a omissão grave do dever de cooperação, e o uso reprovável dos instrumentos processuais (cfr. Artº 542/2 do CPCivil).
Há uma correspondência entre este Artº 542.º, nº 2 e os Artºs 7º e 8º, todos do CPC, que se refere ao dever de probidade processual, àquilo que as partes não devem fazer e que constitui - por assim dizer - como que o reverso do Artº 542º - Artigos atualizados.
Também o nº 2, do Artº 542º, CPC, ajuda à sistematização, ao referir-se ao dolo ou negligência instrumentais (má fé instrumental) que se contrapõe ao dolo ou negligência substanciais (má fé material): os primeiros terão a ver com questões de natureza processual, com a relação processual, enquanto os segundos dizem respeito ao fundo da causa, à relação material.*
* Sumário elaborado pelo relator.
Recorrente:G. C. L.
Recorrido 1:Empresa Municipal de Educação e Cultura de B..., E.M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer do não provimento do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A G. C. L., no âmbito da Ação Administrativa Comum que intentou contra a Empresa Municipal de Educação e Cultura de B..., E.M. tendente à condenação desta “ao pagamento do montante de €130.000, referente à última das prestações acordadas no âmbito do contrato celebrado em 30 de Março de 2004” referente a um espetáculo de Júlio Iglésias em B... em 02.07.2004, inconformado com a Sentença proferida em 1ª instância 14 de janeiro de 2019, a qual, em síntese, julgou improcedente a ação, mais tendo condenado a Autora como litigante de má-fé, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 26/02/2019, no qual formulou as seguintes conclusões:
“1.ª O presente recurso visa suscitar a reapreciação da decisão de primeira instância que julgou totalmente improcedente a ação e, ainda, condenou a Autora como litigante de má fé.
2.ª Não obstante, a MM Juíza a quo ter entendido que resultou provado que foi celebrado entre Autora e Ré um contrato no valor de €325.000, do qual ficou por pagar a quantia de €130.000,00, entendeu dar como provado que o mesmo foi renegociado, posteriormente à realização do concerto, “ficando o contrato saldado pelo pagamento imediato da quantia de €50.000 e preferência dada à Autora na festa de passagem do ano (o que veio a suceder). Destarte, é de concluir que a quantia peticionada não está em dívida, não podendo proceder a ação.”
3.ª Com todo o respeito, entende a Recorrente que a douta juíza a quo incorreu em erro de julgamento, motivado pela desadequada valoração de toda a prova documental e testemunhal produzida pela Autora e pela insuficiente análise crítico-valorativa da mesma.
4.ª Conforme se procurou demonstrar nas alegações precedentes, a MM Juíza a quo deu como provados factos que, no entender da Recorrente, não o formou, pelo menos, não com aquele teor, desde o logo, os factos elencados em 20, 22, 23 a 25, 27, 30, 37 e 38 da matéria de facto provada, formando a sua convicção com base em puras deduções não alicerçadas na prova (documental e testemunhal) produzida, ignorando as regras de repartição do ónus da prova e as mais elementares regras da experiência e do bom senso que sempre devem ser tidas em consideração pelo julgador na apreciação critica da prova.
5.ª Com efeito, competia à Autora fazer prova dos fundamentos da ação, desde logo, a prova da origem e montante da dívida que peticiona, o que fez, cabendo à Ré provar que houve uma renegociação do contrato assinado pelas partes em 18.03.2004, da qual resultou a sua substituição por um outro que reduziu o preço contratado.
6.ª Ora, tendo a Autora impugnado o dito contrato renegociado (documento de fls. 271), bem como invocado a falsidade da assinatura do representante legal da Autora, competia à Ré, de acordo com o previsto no artigo 374º do Código Civil, a prova da genuinidade do documento de fls. 271, o que, manifestamente, não fez.
7.ª A Recorrente discorda da decisão (e, por isso, a impugna) quanto aqueles concretos pontos da matéria de facto provada, já que, no seu entender, a prova produzida não permitia dar como provados os referidos pontos ou, em alguns deles, com o teor com que o foram. A MM juíza a quo ateve-se, exclusivamente, aos depoimentos de D. A. e C. A. C. que, como bem referiu, são partes interessadas.
Vejamos, então:
8.ª Foi dado como provado no ponto 20 da matéria de facto provada que:
“Por ocasião do concerto e perante a baixa receita que o mesmo ameaçava gerar, o representante legal da Ré, D. A., assumiu que teria que haver renegociação do valor do contrato.”
Ora, o que resultou da prova produzida, nomeadamente dos depoimentos dos próprios D. A. e C. A. C., foi que, até à data do concerto, incluindo o dia, a Ré, através dos seus administradores, nunca invocou a necessidade de se renegociar o contrato, alegando a baixa receita que o mesmo ameaçava gerar.
9.ª O que resultou da prova produzida - nomeadamente das passagens transcritas nas precedentes alegações - é que nas semanas anteriores ao concerto e no próprio dia do concerto, a Ré sabia que não tinham vendido tantos bilhetes como esperado, ainda que por sua exclusiva responsabilidade, sendo que, em momento algum, abordaram a Autora ou mesma a SPE preocupados com a receita obtida e a dificuldade de honrar os compromissos contratualmente assumidos, quer com uma quer com outra empresa. Sendo que, à data do concerto, a Ré devia à Autora €130.000,00 e à SPE €118.053,95.
10.ª Como resulta evidente dos depoimentos de D. A. e C. A. C., a ideia de utilizar as reduzidas receitas de bilheteira como desculpa para não pagar o que deviam ou, pelo menos, conseguir uma redução do valor contratado, só surge, inicialmente na cabeça do Dr. D. A., em finais de Julho, já após os insistentes contactos e sucessivas interpelações telefónicas de A. B. e, mais concretamente, após receberem a segunda carta de interpelação remetida pelos Advogados da Autora, datada de 31.07.2004.
11.ª Aliás, os próprios administradores só falam entre eles sobre o assunto quando recebem a carta dos advogados, sendo por demais expressivo o comentário de C. A. C. : “fala com ele, discute com ele e vê o que dá”
12.ª Assim, e por forma a adequar a factualidade constante do ponto 20 à prova produzida, o mesmo deverá ter o seguinte teor:
20. Só após a realização do concerto e após os insistentes contactos telefónicos de A. B. e, concretamente, da receção da carta dos Advogados da Autora datada de 31.07.2004, o representante legal da Ré, D. A., assumiu que teria de haver renegociação do contrato.
13.ª Foi dado como provado no ponto 22 da matéria de facto provada que:
“22. Autora e Ré consideraram que o concerto foi um fiasco”
Todavia, não consta dos autos qualquer documento que prove quantos bilhetes foram efetivamente vendidos e qual a receita gerada com a realização do concerto do Júlio Iglésias, e tanto assim é que a Sra. Juíza deu como não provado no ponto 2 da matéria de facto não provada “O concerto gerou a receita (com IVA incluído) de €300.000”.
14.ª O que resulta da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos de A. B. e da testemunha L. T., ouvidos na sessão de julgamento do dia 05.12.2018, respetivamente aos minutos 22:00 e1:03:35), a 15 dias/3 semanas do concerto, os representantes da Ré, à data, nem sequer sabiam quantos bilhetes tinham sido vendidos, o que alarmou o representante da Autora que enviou, de imediato, uma pessoa para B... para ajudar na divulgação, colocar e controlar a venda de bilhetes, bem como propôs à Ré a divulgação na televisão.
15.ª Termos em que este ponto deve ser eliminado ou substituído o seu teor pelo seguinte:
22. O concerto não teve as receitas que a Ré e a A. esperavam.
16.ª Foi dado como provado nos pontos 23, 24, 25 e 27 da matéria de facto provada que:
“23. Em agosto de 2004, em dia que não se pode precisar, foi celebrada reunião, na sede da Ré, entre J. A. S. B., D. A. e C. A. C. (estes em representação da Ré) e foi dado sem efeito o contrato referido no ponto 8 e substituído por outro, com valor de 195.000€, tendo como contrapartida o pagamento imediato de 50.000,00€ e preferência à Autora na organização da festa de fim de ano;
24. O exemplar do aludido contrato, que estava na posse da Ré, foi de imediato rasgado;
25. O representante legal da SPE e da Autora rasgou uns papéis, como se do seu exemplar do contrato referido em 8 se tratasse;
27. Na presença da tesoureira da Ré, C. S., foi determinada a substituição das três primeiras folhas do referido contrato por outras três, em tudo semelhantes, mas com valor acordado para a realização do concerto diverso, o valor global de 195.000,00€ - cfr. Fls. 271 e seguintes dos autos em suporte físico”
17.ª Estes são os pontos relativos à renegociação do contrato e que foram considerados como provados pela MM Juíza a quo por pura crença na palavra de D. A. e de C. A. C. (partes interessadas) e da testemunha M. C. L. S. (funcionária da Ré desde 2000), que teve um discurso demasiado alinhado (ensaiado) com o dos antigos administradores da R., que referiu ter visto, em agosto, no gabinete do Dr. D. A. e reunido com este e com C. A. C., uma pessoa que disse ser A. B. mas que, na verdade, não se lembrava se o tinham apresentado.
18.ª Apesar da douta julgadora a quo ter considerado, e, nesse aspeto, bem, que, quer o representante da Autora, quer os antigos administradores da Ré (as agora testemunhas D. A. e C. A. C.) são partes interessadas na causa por o negócio em análise ter sido pelos mesmos celebrado e, nessa medida, nenhum dos depoimentos se afigurar como isentos, a verdade é que valorou acriticamente a tese desses antigos administradores da Ré, ignorando ou desvalorizando todos os demais depoimentos, factos dados como provado se as regras da experiência. Senão vejamos:
19.ª A MM Juíza desvalorizou completamente o depoimento de A. B. que afirmou, perentoriamente, que não voltou a B... depois do dia 3 de julho de 2004 e que não renegociou qualquer contrato.
20.ª Não atendeu ao facto de a Autora ter impugnado a autenticidade do documento de fls. 271 e a genuinidade da assinatura nele aposta como sendo do representante da A.
21.ª Não atendeu ao facto de existir um original do contrato (o de fls. 297), apesar dos antigos administradores da Ré terem afirmado que o mesmo foi rasgado à sua frente por A. B.;
22.ª Não foi dada relevância ao comportamento irregular e atípico da Ré de não ter registado o primeiro contrato na contabilidade, apesar de, com base nele, terem sido efetuados os pagamentos dos montantes correspondentes às duas primeiras prestações previstas contratualmente. Como referiu a testemunha, A. C. F., na sessão de julgamento do dia 05.12.2018 (entre os minutos2:01:45 e 2:05:11) do ponto de vista contabilístico e do regular funcionamento das contas, ambos os contratos deveriam ter sido registados na contabilidade, para que esta espelhasse o que efetivamente aconteceu.
23.ª Não foi valorizado o facto de a Autora nada aproveitar com a renegociação, não só porque os ditos valores transferidos em 18.08.2004 e 23.12.2004, de 50.000€ e 68.053,95 respetivamente, dizerem respeito ao contrato celebrado com a SPE, que nada tinham a ver com os honorários do artista e do seu staff, como a invocada compensação decorrente da realização pela Autora do concerto do fim do ano, afinal, segundo a tese do dito D. A., só foi colocada na equação da renegociação, já após a assinatura do contrato pela Autora (que já trazia para a suposta reunião de negociação, o contrato por si assinado) e, ainda assim, só na condição da Autora apresentar um orçamento com um preço idêntico a outras proponentes, ou seja, nem pelo preço se faria uma compensação já que este, à partida, seria o praticado no mercado.
24.ª A Sra. Juíza também não deu qualquer relevância ao facto desta alegada renegociação só ter acontecido após o concerto, após sucessivas interpelações da Autora, quer através do seu representante legal, A. B., quer através do seus mandatários, numa altura em que a Ré já não tinha a pressão do concerto, ocorrido há um mês e meio atrás, e, no entanto, os seus administradores (alegadamente) aceitaram rasgar um contrato, e substitui-lo por outro, ao invés de fazerem um aditamento ao contrato inicial, como seria normal e adequado ao modo de atuação de administradores de uma empresa municipal e do seu Presidente que, por sinal, era (ou tinha sido) advogado.
Aceder ao procedimento anómalo de rasgar um contrato só porque a outra parte que, referia-se, nesta altura tem a sua posição fragilizada, assim o exigiu, parece no mínimo uma história “fabricada” para minorar os efeitos dos erros que enquanto membros do conselho de administração da EMEC cometeram.
25.ª Também não foi valorizado o testemunho de A. C. F., que atestou que entre os dias 15 e 20 de agosto de 2004, o dito A. B. esteve hospedado na sua casa, sita em S…, Ó…, por altura do seu 75º aniversário, a 19.08.2004 (Cfr. depoimento prestado na sessão de julgamento de 09.01.2019, ao minuto 1:03:10), bem como o de P. A. que confirmou que A. B. passou os meses de julho, agosto e setembro a ligar, insistentemente, para o Dr. D. A., explicando que passou esses meses senão diariamente com ele, pelo menos, falava com ele todos os dias, pelo que sabia que não se tinha deslocado a B... (Cfr. depoimento prestado em 05.12.2018, entre os minutos1:18:44 e 1:20:14)
26.ª Entende, por isso, a Recorrente que a prova dos factos atinentes à renegociação do contrato efetivamente celebrado com a Autora, cujo original consta dos autos, e cujo ónus probatório cabia à Ré, não foi feita. Com efeito, e como se deixou patente, a MM juíza a quo bastou-se com o mero depoimento dos antigos administradores da Ré, fazendo dos mesmos uma leitura acrítica e afastada de juízos de normalidade das coisas e das mais elementares regras da experiência, razão pela qual tais pontos da matéria de facto provada deverão ser eliminados e levados à matéria de facto não provada.
27.ª Quanto ao ponto 30 da matéria de facto dada como provada
“30. A assinatura/rubrica relativa a J. A. S. da S. E. B. aposta no contrato referido em 8 e no contrato referido em 27 são semelhantes mas não iguais –cfr. fls. 271 e 297 dos autos em suporte físico”
28.ª Não entende a Recorrente como pode a MM juíza considerar semelhantes as assinaturas/rubricas atribuídas a J. A. E. B. apostas nos dois contratos quando as diferenças são visíveis a olho nu. Trata-se de um facto objetivo e notório, que terá explicado, porventura, o facto da Ré não ter pedido a realização de prova pericial à letra, o que seria expetável, tendo em conta que a A. impugnou o documento e a assinatura nele aposta, afirmando a sua falsidade.
Motivo pelo qual, propõe-se para este ponto o seguinte teor:
A assinatura/rubrica relativa a J. A. S. da S. E. B. aposta no contrato referido em 8 e no contrato referido em 27 são diferentes –cfr. fls. 271 e 297 dos autos em suporte físico
29.ª Finalmente, e no que se refere aos pontos 37 e 38, foi dado como provado pela douta sentença recorrida que:
“37. Os representantes da Ré (D. A. e C. A. C.) desconheceram que ambas as empresas (Autora e SPE) eram representadas por J. A. da S. E. B., até 2012;”
E
“38. O referido J. A. da S. E. B. apresentava-se como A. B., quando em representação da SPE, e como J.E., quando representante da Autora.”
30.ª Ora, o que resulta da prova produzida é que a Ré e os seus administradores sempre consideraram A. B. como o representante legal da Autora, e tanto assim, que nunca questionaram o dito A. B. sobre quem era J.E., nem tão pouco exigiram um reconhecimento da assinatura do J.E., o que seria normal uma vez que aqueles, supostamente, não sabiam quem era, nunca o tinham visto nem, sequer, falado com ele por telefone. Se a Ré, mormente os seus antigos administradores, nunca quiseram ou tiveram o cuidado e/ou a curiosidade de saber a identificação completa da pessoa com quem negociaram e contrataram, talvez o problema seja, afinal, deles.
31.ª Dos depoimentos de D. A. e C. A. C. resulta que, para eles, o representante da Autora e da SPE sempre foi o mesmo –A. B. (Cfr. depoimento de C. A. C., designadamente, entre os minutos1:11:23 e 1:12:04)
32.ª Por outro lado, A. B. nunca referiu à Ré, ou aos seus administradores de então, que não era o representante legal da Autora. O facto de assinar, na qualidade de representante da Autora, com dois dos seus outros nome e apelido – J.E. – deve-se à razão que o próprio explicou em sede de acareação, afirmando que em Espanha, país onde está sediada a Autora e da nacionalidade do artista Júlio Iglésias, as pessoas são conhecidas pelo apelido do pai (o penúltimo) e como tal, em Espanha, sempre o trataram por J.E. ou E., tendo este acabado por adotar esses seus nome próprio e apelido quando em representação da Autora. Em Portugal, quer pessoalmente, quer em representação da sua empresa SPE, sempre foi e continua a ser conhecido por A. B.. (Cfr. depoimento de A. B., em sede de acareação, na sessão do dia 09.01.2019, a partir do min. 1:46:10).
33.ª Motivo pelo qual, entende a Recorrente que o ponto 37 deve ser eliminado e o ponto 38 deverá ter o seguinte teor:
38. O referido J. A. da S. E. B., utilizava nos contratos que assinava, quando em representação da SPE, o nome de A. B., e quando em representação da Autora, o nome de J.E.(z).
34.ª A impugnação dos citados pontos concretos da matéria de facto provada deixa antever a discordância da Recorrente quanto à apreciação e valoração da prova feita na parte motivatória da sentença, pela douta juíza a quo, e que serviu para fundamentar os factos que considerou provados e, consequentemente, decidir nos termos em que o fez.
35.ª A douta juiz a quo aceitou como boa a tese dos antigos administradores da Ré, fazendo uma fé cega nos seus depoimentos, apesar das incongruências e inverosimilhança da “história” que apresentaram ao tribunal, que em nada vem refletida na prova documental ou testemunhal (a não ser, em parte, dos depoimentos deles próprios), descredibilizando, ao invés, as declarações do J. A. E. B.s, com base em circunstâncias que têm uma leitura bem diferente daquela que foi feita.
Desde logo, e como síntese do que se deixou dito nas precedentes alegações e conclusões:
36.ª Resulta com absoluta clareza que os contratos celebrados entre a A. e a Ré e entre a SPE e a Ré, foram-no através dos seus representantes legais, pessoas livres e esclarecidas, que sabiam bem o que queriam, plenamente conscientes das obrigações assumidas. As quantias que a MM juíza considerou avultadíssimas não o foram pela Ré, ou pelos seus antigos administradores, que negociaram e aceitaram os contratos celebrados com a Golden e com a SPE.
37.ª Atenta contra o mais elementar bom senso, afigurando-se completamente avesso às regras da experiência que os Drs. D. A. e C. A. C. (pessoas com formação superior, um deles, advogado e politico, e administradores de uma empresa pública) desconhecessem a pessoa que assina o contrato em nome da G. C. L. e, no entanto, nem sequer questionassem quem é a mesma ou exigissem o reconhecimento da sua assinatura no contrato. Bem como assumissem a obrigação, em nome da Ré, do pagamento de €325.000,00, literalmente sem saber quem estava a assinar por banda da contraparte.
38.ª A MM juíza a quo nada estranhou ou sequer retirou destas circunstâncias qualquer leitura. Pelo contrário, preferiu trilhar o caminho de uma tese paradoxal que coloca o representante da Autora como aquele que se aproveitou da inexperiência dos administradores da Ré, ignorando a circunstância de terem sido estes a contactar o Sr. A. B., de terem sido estes a negociar os termos do contrato que assinaram com a A. e com a SPE, de terem sido estes que incumpriram as obrigações que assumiram, nomeadamente no que toca à promoção do espetáculo e ao pagamento do preço pelos serviços que foram prestados à Ré.
39.ª Para o douto tribunal recorrido foi determinante para a formação da sua convicção de que houve renegociação do contrato o facto de a Autora ter celebrado com a Ré um contrato para a festa do fim do ano de 2004, quando havia um montante de €130.000,00 em dívida por conta do contrato do Júlio Iglésias.
40.ª Entendeu a MM Juíza a quo que “(…) não obstante não ter havido pagamento da quantia pedida nesta ação, o que resulta da factualidade assente, e ainda que não tivesse havido renegociação que se considerou provado, a Autora aceitou celebrar outro contrato para realização da festa de passagem de ano. Tal denota que a relação de confiança não ficou abalada pela falta de pagamento da aludida prestação. (…) pois não se consegue compreender como contrata duas vezes e, ainda por cima, seguidas, com a mesma entidade, sabendo que esta não é, como sustenta, boa pagadora. O que permite concluir que alguma circunstância mais teria havido entre a realização do concerto do artista Júlio Iglésias e a organização da festa de fim de ano, que não se prendesse apenas com a esperança de que as contas fossem saldadas nesta ocasião. Esta circunstância conduziu a que se desse por certa a existência de uma renegociação no sentido de tudo ficar saldado com a contratação para novo evento.” Ora,
41.ª Com o devido respeito, não pode a Recorrente concordar e conformar-se com este entendimento, o qual não se compadece, nem se extrai dos factos objetivamente apreciados e da normalidade das coisas.
42.ª Segundo a MM juíza a quo, a renegociação do contrato tinha duas contrapartidas para a Autora:
1. o pagamento imediato de €50.000,00;
2. a preferência da Autora na organização da festa de fim-do-ano
43.ª Pois bem, o valor de €50.000,00 que a Ré transferiu para a SPE em 18.08.2004, correspondia a parte do montante em dívida à SPE. Os restantes €68.053,95, só foram liquidados pela Ré em 23.12.2004.
44.ª Daqui resulta, com mediana clareza, que estes pagamentos não trouxeram nenhum proveito à Autora. A única entidade que se viu integralmente ressarcida do preço contratualmente estabelecido foi a SPE. Relembra-se que, de acordo com o contrato assinado em 12.04.2004, entre a SPE e a Ré, esta comprometeu-se a pagar como contrapartida dos serviços prestados, o valor de 198.000,00, até ao dia 21.06.2004, sendo certo e provado que na data do concerto a Ré devia, por conta deste contrato, €118.053,95.
45.ª Por outro lado, de acordo com os administradores da Ré, na reunião que alegadamente ocorreu em agosto de 2004, nas instalações da Ré, para a qual, o legal representante da Autora já traria o “novo contrato” assinado pela A., terá entrado nessa negociação a possibilidade da G. C. fazer a festa de fim-do-ano.
46.ª Ou seja, de acordo com esta “tese”, a Autora assinou um contrato em que abdicava de €130.000 (apesar do seu representante legal sempre ter afirmado aos representantes legais da Ré que não fazia descontos e que o Júlio Iglésias não fazia descontos) e só depois negociou a “contrapartida” de fazer o espetáculo do fim do ano (???!!!) – definitivamente, não é um comportamento negocial de quem foi considerado, pelo tribunal a quo, como uma pessoa experiente e astuta, capaz de se aproveitar da ingenuidade da contraparte negocial.
47.ª Ademais, esta “contrapartida” estava sujeita a uma condição: A Ré só contrataria a Autora para fornecer os artistas para a festa de fim do ano se estivesse em igualdade de condições com outras empresas (Cfr. depoimento de D. A., minuto28:45)
48.ª Acresce, ainda, que o contrato para o espetáculo do fim-do-ano só foi assinado, entre a A. e a Ré, em 22.11.2004, o que significa que, em agosto, a A. e, concretamente, o seu legal representante, não tinha qualquer garantia de que iria ser a G. C. L. a fornecer o artista R. L., a Escola de Samba “Bota no Rego” e o grupo “Mouna La Zambi” para atuarem na festa de fim do ano.
49.ª A conclusão parece, assim, impor-se por si mesma: A G. C. L. não obteve nenhum proveito com a invocada renegociação do contrato feita em agosto de 2004.
50.ª Por outro lado, nada tem de estranho, a Autora contratar com a Ré um outro espetáculo quando estava um montante em dívida de um contrato anterior. Trata-se de uma atuação comum aos agentes económicos.
Conforme esclareceu o legal representante da A., A. B., é comum as empresas fornecerem serviços, estando valores em dívida por serviços anteriormente prestados. Deu como exemplo o festival Sudoeste (Cfr. depoimento prestado em 05.12.2018, minuto30:10)
51.ª No caso da Autora, havia, naturalmente, a expectativa e a esperança de receber os valores atrasados - até porque os valores em dívida à SPE já tinham sido liquidados - se se mantivessem as relações comerciais entre as duas empresas. Além disso, como o Sr. A. B. realçou, nessa altura, sempre confiou que pelo facto de se tratar de uma empresa Municipal, o pagamento acabaria por ser efetuado, apesar do atraso verificado.
52.ª Ainda assim, a Autora teve cautelas acrescidas: exigiu que os pagamentos fossem efetuados, antes da data do espetáculo, através de cheque visado, o que de facto sucedeu. (Cfr. depoimento de M. da C., sessão do dia 09.01.2019, ao minuto1:02:18) Aqui chegados,
53.ª Dúvidas não poderão subsistir de que nenhuma prova consistente foi feita pela Ré de ter existido uma renegociação
54.ª Razão pela qual, nenhuma conduta reprovável ou litigância de má-fé poderá ser assacada à A.
55.ª Destarte, e alterando-se a matéria de facto conforme o proposto pela Recorrente, dando-se como não provada a factualidade referente à renegociação do contrato, como se espera que este douto tribuna Superior venha a fazê-lo, a única conduta integradora de tal instituto é a da Ré que não teve qualquer pejo em falsificar um documento e a assinatura do legal representante da A. nele aposta e “fabricar” uma história para furtar-se ao pagamento do montante em dívida.
56.ª Como, pensa-se, se deixou demonstrado, foram tantos os erros cometidos por estes antigos administradores da Ré que a única forma de “salvarem a face” foi declararem, de forma pungente, que foram enganados, fazendo crer ao tribunal que a forma irresponsável com que atuarem no desempenho das funções que lhe foram confiadas, mais não é do que pura ingenuidade e boa-fé.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ao presente recurso ser dado provimento e, consequentemente:
a) ser alterada a matéria de facto dada como provada em 20, 22, 23 a 25, 27, 30, 37 e 38 dos factos provados, passando a considerar-se a mesma como não provada ou com teor proposto, pelos fundamentos expostos;
b) em conformidade, ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene a Ré no pagamento de €130.000,00, acrescida dos juros legais, à taxa de juro comercial, desde 01.05.2007 (5 anos antes da citação da Ré para a ação cível em juízo –30.04.2012) até efetivo e integral pagamento.
c) Ser, ainda, condenada a Ré como litigante de má-fé.
Assim decidindo farão Vossas Excelências JUSTIÇA!”

Em 10 de abril de 2019 veio a Recorrida/Empresa Municipal apresentar as suas contra-alegações de Recurso, nas quais, a final, concluiu:
“I - Prima facie, não se pode cair no equívoco de recorrer à impugnação de matéria de facto e erro de julgamento sob qualquer pretexto, tornando-os num lugar-comum.
II. Nesse seguimento, alude-se ao Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, de 19 de Outubro de 2005, in Rec. 0394/05, ao qual se fez referência nas Contra-Alegações supra, "O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
III. Assim, dúvidas não podem subsistir de que a discordância da Recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal recorrido, valoração essa, livremente formada e fundamentada, razão pela qual não restará outra solução que não julgar o presente Recurso manifestamente improcedente. Isto posto,
IV. resulta desde logo do depoimento da testemunha C. A. C. - pessoa que entrou em contacto com A. B. enquanto legal representante da SPE - Sociedade Portuguesa de Espetáculos, Lda., com vista à contratação de um contrato de concerto para o artista Júlio Iglésias atuar na inauguração do estádio de B... - que este último sempre se apresentou como legal representante dessa mesma empresa. Vide, depoimento da testemunha C. A. C., Gravação Audiências 05-12-201913-50-36, aos minutos 01 :09:06 a 01 :10:58.
V. Aliás, durante muitos anos, contrariamente ao que pretende fazer crer a Recorrente, os antigos Administradores da Ré julgavam que os legais representantes da Autora e da empresa SPE - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESPECTÁCULO, LDA., correspondiam a pessoas diferentes, a saber:
- Da Autora, seria J.E.(z), pessoa que assina ambos os contratos celebrados entre a Autora e a Ré, conforme decorre, inclusive, do ponto n.º 11 da matéria de facto dada como provada;
- E da SPE - Sociedade Portuguesa de Espetáculos, Lda., seria A. B., conforme o mesmo assina no contrato de produção e resulta do ponto n.º 12 da matéria de facto dada como provada.
VI. Os antigos Administradores da Ré apenas descobriram que A. B. era a mesma pessoa que J.E.(z) em 2012 [cfr. Depoimento da testemunha D. A., Gravação Audiências 05-12-2018 13-50-36, aos minutos 14:06 a 15:47].
VII. Foi, assim, nesse conspecto, que foram celebrados os dois contratos relativos ao concerto do Júlio Iglésias, entre a Autora e a Ré. O primeiro, no valor de 350.000€, e o segundo - com o objetivo de renegociar e reduzir o preço do primeiro - no valor de 195.000€.
VIII. De facto, importa referir que a Autora, aquando das negociações do primeiro contrato, no valor de 350.000€ para venda do concerto do Júlio Iglésias, não olhou a meios para vender o céu à Ré, criando-lhe a convicção de que um concerto do Júlio Iglésias seria "chave na mão", ou seja, sucesso garantido, alimentando, assim, a confiança da Recorrida, cujos Administradores à data careciam, em absoluto, de experiência neste tipo de eventos.
IX. Ora, facilmente se compreende que, para quem é absolutamente inexperiente na organização deste tipo de eventos, a sonância deste género de publicidade logo cativa o entusiasmo e expectativa no êxito do evento.
X. A somar a isso, foi introduzida uma cláusula de success fee no contrato relativamente ao caché do artista, no valor de 100.000€, caso a receita ultrapassasse os 750.000,00€, o que ainda alimentou mais a fantasia da Ré quando ao "sucesso garantido" do concerto, porquanto só faria sentido apor uma cláusula daquele género no contrato se uma receita que chegasse àquele valor fosse, no mínimo, equacionável.
XI. Acontece, porém, que não tardou muito a que essas expectativas saíssem goradas, o que se começou a tornar evidente com a pouca afluência à compra de bilhetes.
XII. Sendo certo que, contrariamente ao que o legal representante da Autora procurou vender no seu depoimento, não podiam os ex-Administradores da Ré ter entregue a venda de bilhetes a uma empresa de ticketing porquanto em 2004 - repita-se, no ano de 2004! - Praticamente não existiam empresas de ticketing, como certamente saberá o legal representante da Autora, atenta a sua vastíssima experiência na organização de concertos, a blueticket, por exemplo, apenas foi criada em 2008.
XIII. Aliás, o próprio ex-Administrador da Recorrida, D. A., afirma ter colocado bilhetes à venda nas poucas empresas vocacionadas para a promoção de espetáculos, como era o caso, à data da agência ABEP - Associação Bem Estar de Parceiros.
XIV. Ademais, é clamorosamente falso que a Ré não tenha abordado a Autora ou a SPE - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESPECTÁCULOS. LDA., demonstrando a sua preocupação relativamente à parca afluência à compra de bilhetes.
XV. Tanto assim foi que pelo próprio legal representante da Autora foi vendida a ideia da promoção do espetáculo por parte da Sony Music, na televisão, rádio e etc. A qual, todavia, nunca chegou a aparecer, não obstante ter a Recorrida pago 23.000€ à SPE - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESPECTÁCULOS, LDA., pois na altura o gerente A. B., garantiu que a própria SPE contraria com a Sony Music a promoção do evento.
XVI. Mais: o próprio Administrador à data, D. A., viu-se forçado a engendrar meios para publicitar, a expensas suas, o concerto em causa, visto que era evidente o fracasso de bilheteira.
XVII. Efetivamente, apelando às regras da experiência comum e do bom senso, uma atitude dessas não é típica de quem não pretende honrar os seus compromissos.
XVIII. Assim, deverá ser mantida a matéria de facto provada no ponto n.º 20. tal como referida na Sentença recorrida.
XIX. Nesse seguimento, decorre da Sentença recorrida, no ponto n.º 22 da matéria de facto dada como provada que, "Autora e Ré consideraram que o concerto foi um fiasco", matéria essa que a Recorrente pretende ver alterada, mas que, no entender da Recorrida, a questão revela-se um tanto ou quanto redundante porquanto sendo o concerto considerado um fiasco, naturalmente, significa - como pretende a Recorrente demonstrar - que não terá gerado as "receitas que a Ré e a Autora esperavam".
XX. Ainda assim, e sem prescindir, alude-se a toda a publicidade efetuada pela Autora na proposta de venda do concerto do Artista Júlio Iglésias, situação essa que inclusive resulta provada na Sentença recorrida, concretamente, do ponto n.º 5 da matéria de facto provada, a qual não foi impugnada pela Recorrente, pelo que já constitui caso julgado.
XXI. Ademais, o ponto n.º 10 da matéria de facto provada exclui que a receita tenha excedido ou igualado os 750.000,00€ previstos no contrato com vista à aplicação da cláusula de success tee, o que só por si revela ter o mesmo ficado aquém das expectativas das partes.
XXII. E nem se diga que a Autora não teve conhecimento da fraca venda de bilhetes, pois, sendo o legal representante da SPE - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESPECTÁCULOS, LDA., o mesmo que o da Autora, este necessariamente teve conhecimento, quanto mais não fosse pelo exercício das suas funções na primeira empresa.
XXIII. Assim sendo, e não obstante entender a Recorrida ter este facto pouca influência na decisão da causa, desde já, pela manutenção do facto dado como provado nos exatos termos determinados na Sentença recorrida.
XXIV. Foi nesta ambiência que as partes, após a realização do concerto do Júlio Iglésias, no dia 2 de Julho de 2004, encetaram negociações para reduzir o preço que tinha sido acordado, atento o evidente fracasso do evento.
XXV. Porém, pretende a Recorrente que sejam eliminados os pontos n.º 23, 24, 25 e 27 da matéria de facto dada como provada, a qual, no entender discordante da Recorrida foi devidamente fundamentada com base nos documentos juntos aos autos, maxime, o original do segundo contrato celebrado no valor de 195.000,00€, que vinha substituir o primitivo contrato e mediante a valoração do depoimento das testemunhas D. A., C. A. C. e M. C. L. S..
XXVI. Não obstante os dois primeiros serem parte interessada na causa, tal como o legal representante da Recorrente, a verdade é que a testemunha M. C. L. S. vem corroborar a grande maioria dos factos relatados pelos mesmos, sendo que o facto de a Recorrente acusar a testemunha M. C. L. S. de ter um discurso "demasiado alinhado (ensaiado)" com o dos dois antigos Administradores da Ré apenas revela o desespero próprio de quem pretende por todos os meios fugir à verdade.
XXVII. Aliás, veja-se a ironia de ser o próprio legal representante da Autora a entrar em contradições no seu discurso, começando por afirmar, na primeira Audiência de Discussão e Julgamento que nunca mais se encontrou com os antigos Administradores da Recorrida Cfr. Depoimento do legal representante da Autora, A. B., Gravação Audiências 05-12-2018 10-19-50, aos minutos25:03 a 26:36}, para na sessão de Julgamento seguinte ter necessidade de dar o dito por não dito [Cfr. depoimento do legal representante da Autora, A. B., Gravação Audiências 09-01-2019 14-28-08, aos minutos 01:47.'47 a 01:48:00}, e como constata o Mandatário da Ré [Cfr. depoimento do legal representante da Autora, A. B., Gravação Audiências 09-01-2019 14-28-08, aos minutos 02:11:29 a 02:11:40].
XXVIII. Neste cenário, seria possível valor favoravelmente um depoimento de quem é apanhado em meias verdades? Pesados os depoimentos das testemunhas, não dará mais sentido valorizar quem teve sempre um discurso coerente do início ao fim, e, inclusive, corroborado por várias outras testemunhas?
XXIX. A somar ao exposto, não se concebe o romance fabricado trazido à colação pelo mesmo relativamente à questão do nome, pois como refere a Mm.a Juiz a quo na douta Sentença recorrida, nada lhe impedia de adotar uma identidade única sempre. Veja-se, inclusive, que o próprio legal representante da Autora afirma que durante anos procurou que lhe tratassem por "A. B." em Espanha. [Cfr. Depoimento do legal representante da Autora, A. B., Gravação Audiências 09-12-201914¬28-08, aos minutos 01 :46:05 a 01 :48:00].
XXX. Muito pelo contrário, o que fazia o legal representante da Autora? Invocava sempre o "J.E.(z)" como se uma terceira pessoa se tratasse. Tanto assim foi que no momento de assinar os contratos, entre a Autora e a Ré, o intermediário A. B. levou sempre os contratos previamente assinados pelo J.E.(z). Com que objetivo?
XXXI. Veja-se, pois, que isso já não acontecia aquando da assinatura do contrato com a SPE - SOCIEDADE PORTUGUESA DE ESPECTÁCULOS, L DA. , em que A. B. assinou o contrato em frente aos antigos Administradores da Ré.
XXXII. Como tal, deverão, desde já, ser mantidos os pontos n.º 37 e 38 da matéria de facto dada como provada tal qual enunciados na Sentença recorrida.
XXXIII. Para além disso, no que à impugnação da autenticidade da assinatura constante do segundo contrato celebrado pela Autora e pela Ré, no valor de 195.000,00€, veja-se que, como inclusive refere a 1.ª instância, as diferenças não são tão clamorosas que possam ser reveladas a uma olhar mais ou menos atento, o que por seu turno, só evidencia a confiança que os antigos Administradores da Ré depositavam no legal representante da Autora.
XXXIV. E mesmo que assim não se entendesse, em conformidade com as regras da experiência, se fosse o caso de os antigos Administradores da Ré falsificarem a assinatura do mesmo, tê-la-ia feito ao mais ínfimo pormenor, vide, depoimento da testemunha D. A., GravaçãoAudiências05-12-201813¬50-36, aos minutos 32:46 a 33:25. A essa mesma conclusão chega a Mm. a Julgadora quando refere, "Na verdade, do mesmo modo que, quanto à assinatura, a ser falsificada, haveria o cuidado de imitar plenamente o primitivo contrato, fazendo constar do mesmo todos os pontos e vírgulas que de lá constam. »
XXXV. Por conseguinte, deverá improceder a intenção da Recorrida, devendo ser mantida a matéria de facto constante do ponto n.º 30. tal qual enunciada na douta Sentença recorrida.
XXXVI. Por outro lado, a Autora chega ao cúmulo de desvendar uma testemunha, A. F., que procurasse criar na convicção do Tribunal a ideia de que nunca A. B. poderia ter estado em B... na data avançada [que, porém, não ficou fixada, contrariamente ao que procura perpassar a Recorrente].
XXXVII. A referida testemunha asseverou que entre os dias 15 e 20 de Agosto, A. B. esteve hospedado na sua casa na Sancheira, em Óbidos, por ocasião do seu 75.º aniversário.
XXXVIII. Revela-se, pois, por demais inverosímil que a testemunha tivesse o representante legal da Autora, uma pessoa que tinha acabado de conhecer, "debaixo de olho" 24h por dia, de modo a não permitir que ele se escapasse até B..., sem que a mesma tivesse conhecimento.
XXXIX. Mas acima de tudo, note-se que se tratava de uma pessoa que lhe era absolutamente desconhecida, porquanto apenas se tratava do namorado da amiga da filha da testemunha e era a primeira vez que se estavam a conhecer.
XL. Em face do retro exposto, terá de claudicar a versão da história da Recorrente de que a referida reunião não terá ocorrido e de não ter sido celebrado o segundo contrato, no valor de 195.000€, o qual veio substituir o primitivo contrato, reduzindo o seu preço.
XLI. Quando à questão de o primitivo contrato, ou melhor, as três primeiras folhas, terem sido rasgadas, note-se que a confiança dos antigos Administradores da Ré no legal representante da Autora era tanta que saíram da referida reunião na plena convicção de que o mesmo havia sido rasgado [Cfr. depoimento da testemunha D. A., Gravação Audiências 05-12-2018 13-50-36, aos minutos 33:38 a 34:54J e [Cfr. depoimento da testemunha C. A. C., Gravação Audiências 05-12-201813-50-36, aos minutos 01:27:23 a 01:28:57}.
XLII. Situação essa que efetivamente só revela mesmo a existência de premeditação por parte da Autora em arquitetar um plano com vista a, mais tarde, poder vir reclamar determinadas quantias à Ré que bem sabe não lhe serem devidas [Cfr. depoimento da testemunha D. A.. Gravação Audiências 09-01-201914-28-08, aos minutos 01:50:43 a 01:52:05].
XLIII. Se assim não fosse, por que razão não foi expedida uma única carta interpelatória por parte da Autora para a Ré, desde Agosto de 2004 a 2012 (altura em que foi intentada a presente ação) a reclamar o suposto valor em dívida de 130.000,00€? - diferença de valor entre o primeiro e o segundo contrato.
XLIV. Contrariamente, aliás, ao que já havia ocorrido anteriormente (cfr. documentos n.º 7 junto com a PI e documento n.º 4 junto com a Contestação);
XLV. Inclusive, veja-se que, quando interpelada pela própria Recorrida a questionar, através de uma circular correntemente usada por esta última, para confirmar se não havia valores em dívida, tudo o que a Ré recebeu em resposta foi um ensurdecedor silêncio por parte da Autora. [cfr. depoimento da testemunha A. C. F., Gravação Audiências 05-12-2018 10-19-50, aos minutos 01:48:43 a 01:51:09].
XLVI. Ora, apelando às mais elementares regras da experiência e do bom senso, facilmente se conclui que esta não é a atitude típica de quem se diz credor de 130.000€.
XLVII. No entanto, teima a Recorrente em acusar sucessivamente a Recorrida de revelar um comportamento "irregular e atípico" por não ter registado o contrato na contabilidade, deixando-o na tesouraria, Situação essa que foi devidamente explicada pela Revisora Oficial de Contas, A. C. F., sendo normal no caso de empresas externas, na ausência de emissão de faturas, ter de se justificar os pagamentos efetuados com base no próprio contrato [Cfr. depoimento da testemunha A. C. F.. Gravação Audiências 05-12-2018 10-19-50, aos minutos 01:45:29 a 01:48:38].
XLVIII. Por outro lado, avança a Autora não ter beneficiado em nada com a renegociação do contrato, o que, salvo devido respeito por melhor opinião em contrário, não poderá proceder.
XLIX. De facto, e na convicção de terem sido cativados pela publicidade hiperbolizada do legal representante da Autora, sentiram os ex-Administradores da Ré a necessidade de renegociar o valor do contrato de concerto no imediato, suprimindo o valor da fatura em dívida (130.000€).
L. Necessidade essa também sentida pela própria Autora porquanto, atento o fiasco que foi o concerto do Júlio Iglésias, rapidamente se apercebeu que iria ser muito difícil cobrar o montante ainda em dívida, pelo que a solução óbvia passou por fazer um desconto dissimulado, que não fosse divulgado publicamente, por um lado, para evitar exigências semelhantes por parte dos Bombeiros Voluntários de P… e, por outro, que não pusesse em causa o nome e a imagem do artista.
LI. Em contrapartida, por seu turno, a Autora beneficiaria com a contratação de um novo concerto, para a passagem de ano, vide depoimento da testemunha D. A., Gravação Audiências 05-12-201813-50-36, aos minutos 28:31 a 29:30]:
LII. E não se diga que não terá sido esse o caso, pois a contrario, não precisaria a Recorrida que uma empresa de L… se deslocasse a B... para promover o referido concerto. Note-se, pois, que o elemento omnipresente aqui é o legal representante da Autora, por representar sempre as duas empresas envolvidas: ora em representação do próprio artista, ora em representação da empresa de produção. Tudo em seu duplo benefício próprio.
LIlI. De outro modo, fará algum sentido, na hipótese meramente teórica de o primitivo contrato não ter sido renegociado, o que não se concede, que a Autora voltasse a entrar em contacto com a Ré, alegadamente mal pagadora, agora para a realização de um contrato de passagem de ano?
LIV. A própria Recorrente quanto a esta questão chama à colação festivais de Verão, como o Sudoeste, em que as empresas que fornecem serviços e que têm valores em dívida regressam no ano seguinte para garantir o pagamento dos montantes, quer presentes quer passados.
LV. Acontece, porém, que falha crassamente aqui a comparação da Recorrente. A ter sido esse o caso, teria, em tese, a Ré pago o valor para trás, ficando eventualmente em dívida quanto ao valor mais recente. Acontece que:
- Em primeiro lugar, o contrato de concerto do Roberto Leal foi integral e atempadamente pago.
- Em terceiro lugar, durante aqueles anos todos, a própria Autora não enviou uma única carta interpelatória à Ré.
LVI. Mais sopesa que, o facto de uma redução formal ao contrato não ter sido produzida, garantiu, no mínimo, a manutenção do bom nome e quota do mercado por parte da Autora, pois, caso contrário, ver-se-ia a braços com duas ações em Tribunal relativas aos dois concertos realizados pelo Júlio Iglésias em Portugal, maxime, em B... e em P… [ctr. depoimento da testemunha D. A., Gravação Audiências 05-12-2018 13-50-36, aos minutos 33:38 a 34:54].
LVII. Por tudo quando o exposto, entende a Recorrida que andou bem a Mm,a Juiz a quo no julgamento da matéria de facto que a Recorrente pretende agora impugnar, pelo que deverão os mesmos ser mantidos nos precisos termos em que foram determinados na Sentença recorrida.
LVIII. Assim sendo, dúvidas não podem subsistir de que a Autora, por algum ato de fortuna divino, lembrando-se da negligência do antigo Administrador da Ré em não pedir a devolução da fatura no valor de 130.000,00€, que terá assinado enquanto devedor (previamente à renegociação do contrato de 350.000€, com vista precisamente à eliminação desse montante em dívida, dando origem ao contrato no valor de 195.000,00€), decidiu intentar a presente ação com vista a obter pagamentos que bem sabe não lhe serem devidos.
LIX. Como tal, é evidente a má-fé da Autora presente desde o início do presente processo, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
LX. Assim, e no seguimento de tudo o quanto exposto nas presentes Alegações, bem como da matéria dada como provada na douta Sentença recorrida, resulta que a conduta da Autora preenche todas as alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, revelando assim uma postura reprovável para com a descoberta da verdade e a boa administração da justiça, desde que impulsionou os presentes autos em manifesto abuso, porquanto sabia que não tinha direito a receber qualquer quantia por parte da Ré, encontrando-se já as contas totalmente acertadas.
LXI. Por tudo quando o exposto, pugna a Recorrida pela manutenção na íntegra da decisão alcançada pela Mmª Juiz a quo.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, requer-se que seja o Recurso interposto julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra os termos da douta Sentença recorrida, como é de inteira e sã JUSTIÇAI”
Por Despacho de 23 de abril de 2019 foi admitido o recurso interposto.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 6 de maio de 2019, veio a emitir Parecer em 7 de maio de 2019, no qual, e no que aqui releva, afirmou:
“(...) Diremos desde já que em nosso entender é de concluir pela bondade e acerto da decisão judicial tomada, e consequentemente pela inconsistência jurídica do recurso interposto.
(...)
Será de considerar natural e evidente que a convicção do tribunal de primeira instância desempenhasse um papel importante na absolvição – como sempre acontece, acrescentaríamos nós – mas a validade dessa convicção resulta do facto de não se tratar de uma convicção discricionária ou arbitrária, mas antes duma convicção fundamentada, com integral respeito pelos critérios legais da experiência comum de vida e sem nunca perder de vista a lógica do homem médio colocado perante aqueles acontecimentos, como é referido de forma fundamentada e sindicável na motivação da sentença recorrida, a fls. 318 e ss., processo físico, tendo assim sido observados os contornos legais do princípio da livre apreciação da prova, tal como se encontram consagrados nas leis de processo.
(...)
Pelo que, em nosso entender, não estão verificados os erros que no recurso são apontados à sentença recorrida.
Em conformidade com o anteriormente exposto, e fazendo nossa, com a devida vénia, a profunda e detalhada argumentação constante da decisão recorrida, que só não repetimos aqui por razões de celeridade, concluímos no sentido da improcedência das objeções que lhe são feitas.
Termos em que, Somos de parecer que o presente recurso não merece provimento.”
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, a necessidade de reapreciar a decisão quanto à matéria de facto, para além de se questionar a apreciação e valoração da prova feita, mais se contestando a sua condenação como litigante de má-fé.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade como provada e não provada:
“Com relevo para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial, sediada em Gibraltar, que tem como objeto a representação exclusiva do artista Júlio Iglésias para Portugal e para outros países de expressão portuguesa;
2. A Sociedade Portuguesa de Espetáculos (SPE) é uma sociedade que se dedica à organização de espetáculos e que tem como representante legal J. A. da S. E. B.;
3. O representante legal da Autora é J. A. da S. E. B.;
4. No início do ano de 2004, a Ré contactou o referido J. A. da S. E. B., para a SPE, para obter um orçamento para a realização de um concerto do artista Júlio Iglésias, por ocasião da inauguração do Estádio Municipal de B... – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial;
5. Da proposta n.º 2 da autoria da SPE consta, entre o mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte – cfr. doc. 3 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido:
[…]
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
6. Em 04.03.2004, a Ré remeteu à Autora, comunicação em que aceitava a proposta da SPE e realização do concerto aludido, requerendo o envio das minutas dos contratos – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;
7. Com a mesma data, foi remetida pela Ré à Autora a seguinte comunicação – cfr. doc. 4 junto com a petição inicial:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
8. Em 30.04.2004, Autora e Ré realizaram um contrato de concerto, em língua inglesa, obrigando-se a Autora a fornecer à Ré os serviços do artista Júlio Iglésias, para atuação no Estádio Municipal de B..., no dia 02.07.2004, mediante pagamento do valor global de 325.000,00€, repartido em três prestações (65.000,00€ a ser paga até 20.04.2004; 130.000,00€, a ser paga até 20.05.2004, e 130.000,00€, a ser paga até 18.06.2004) – cfr. doc. 5 junto com petição inicial;
9. Ficou, também, estipulado o pagamento da quantia de 100.000,00€, caso a receita gerada pelo concerto fosse igual ou superior a 750.000,00€ – cfr. doc. 5 junto com petição inicial e fls. 294 e seguintes dos autos em suporte físico;
10. O contrato foi elaborado em duas vias originais, assinadas na última página e rubricadas nas demais, tendo ficado uma para a Autora e outra para a Ré;
11. Do contrato referido no ponto anterior consta, da parte da Autora, a assinatura de José E. – cfr. fls. 26 e 296 dos autos em suporte físico;
12. Em 12.04.2004, foi celebrado contrato entre a Ré e a SPE, o qual se dá por integralmente reproduzido – cfr. fls. 255 e seguintes dos autos em suporte físico;
13. No referido contrato, como representante da SPE, consta A. B. – cfr. fls. 259 dos autos em suporte físico;
14. A assinatura do referido A. B. é totalmente diferente da que surge no contrato celebrado em nome da Autora, constante do ponto 8, e em que surge o nome José E. – cfr. fls. 259 e 306 dos autos em suporte físico;
15. A Ré procedeu ao pagamento da prestação de 65.000,00€ e da prestação de 130.000,00€ - cfr. fls. 251 a 253 dos autos em suporte físico;
16. Os pagamentos efetuados pela Ré em virtude do concerto (quer para o contrato com a Autora quer para o contrato com a SPE) foram-no à SPE – cfr. fls. 251 a 253 dos autos em suporte físico;
17. Em 29.06.2004, foi remetida pela Autora carta à Ré a pedir o pagamento da última prestação, no valor de 130.000,00€ – cfr. doc. 7 junto com petição inicial;
18. Foi aposta em 02.07.2004, data de realização do concerto contratado, em fatura datada de 08.06.2004, declaração em como a Ré devia a última prestação, no valor de 130.000,00€ – cfr. doc. 6 junto com petição inicial:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
19. Em 02.07.2004, o concerto constante do contrato acima indicado realizou-se;
20. Por ocasião do concerto e perante a baixa receita que o mesmo ameaçava gerar, o representante legal da Ré, D. A., assumiu que teria que haver renegociação do valor do contrato;
21. O referido concerto gerou receita inferior a 750.000,00€, não tendo havido lugar ao pagamento da success fee de 100.000,00€;
22. Autora e Ré consideraram que o concerto foi um fiasco;
23. Em agosto de 2004, em dia que não se pode precisar, foi celebrada reunião, na sede da Ré, entre J. A. da S. E. B., D. A. e C. A. C. (estes em representação da Ré) e foi dado sem efeito o contrato referido no ponto 8 e substituído por outro, com valor de 195.000€, tendo como contrapartida o pagamento imediato de 50.000,00€ e preferência à Autora na organização da festa de fim de ano;
24. O exemplar do aludido contrato, que estava em posse da Ré, foi de imediato rasgado;
25. O representante legal da SPE e da Autora rasgou uns papéis, como se do seu exemplar do contrato referido em 8 se tratasse;
27. Na presença da tesoureira da Ré, C. S., foi determinada a substituição das três primeiras folhas do referido contrato por outras três, em tudo semelhantes, mas com valor acordado para a realização do concerto diverso, o valor global de 195.000,00€ - cfr. fls. 271 e seguintes dos autos em suporte físico;
28. No canto inferior esquerdo das referidas folhas do contrato, constante do ponto 8 acima, está inscrito “jiconagm.*” – cfr. fls. 297 e seguintes dos autos em suporte físico;
29. No canto inferior esquerdo das folhas substitutas referidas no ponto 27 supra, nada consta – cfr. fls. 271 e seguintes dos autos em suporte físico;
30. A assinatura/rubrica relativa a J. A. da S. E. B. aposta no contrato referido em 8 e no contrato referido em 27 são semelhantes mas não iguais – cfr. fls. 271 e 297 dos autos em suporte físico;
31. Na sequência desta reunião, em 17.08.2004, foi ordenado (e efetivado) um pagamento de 50.000,00€ para a SPE – cfr. fls. 270 dos autos em suporte físico;
32. O contrato referido no ponto 8 acima nunca chegou a ser considerado na contabilidade da Ré;
33. O apuramento contabilístico, no final do ano de 2004, foi realizado apenas considerando o contrato referido no ponto 27 e o contrato celebrado com a SPE;
34. A Autora celebrou, em 22.11.2004, novo contrato com a Ré para realização da festa de fim de ano – cfr. fls. 275 e seguintes dos autos em suporte físico;
35. Todos os valores contratados com a SPE foram pagos pela Ré;
36. Os valores relativos à festa de fim de ano foram pagos pela Ré;
37. Os representantes da Ré (D. A. e C. A. C.) desconheceram que ambas as empresas (Autora e SPE) eram representadas por J. A. da S. E. B., até 2012;
38. O referido J. A. da S. E. B. apresentava-se como A. B., quando em representação da SPE, e como J. E., quando representante da Autora;
39. No ano de 2012, a Autora intentou contra a Ré, ação executiva para pagamento da quantia de 130.000,00€, no Tribunal Judicial de B..., a qual correu termos sob o nº 1127/12.1TBBCL, a qual veio a ser extinta por incompetência material do Tribunal Judicial – cfr. fls. 165 dos autos em suporte físico;
40. Nessa altura, foram tomadas diligências pelo Município de B... para esclarecimento e apuramento de eventuais responsabilidades decorrentes dos contratos celebrados pela Autora e Ré, em 2004 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a contestação;
41. De 2004 até à propositura da ação executiva, a Autora nada havia reclamado junto da Ré;
42. A petição inicial que motiva estes autos deu entrada neste Tribunal, em 01.11.2013 – cfr. registo Sitaf.
Matéria de facto não provada
Não resultou provado que:
1. Foram dadas garantias de sucesso do concerto por parte da Autora;
2. O concerto gerou a receita (com IVA incluído) de 300.000€;
3. Foi feita circularização junto da Autora, pela auditoria contabilística, no final do ano de 2004/início de 2005.”

IV – Do Direito
Decidiu-se em 1ª Instância, julgar improcedente a presente ação, absolvendo-se a Ré do pedido, mais se condenando a Autora como litigante de má-fé.

Pela sua relevância para o enquadramento daquilo que aqui está em questão, infra se transcreverá o essencial do “direito” da Decisão Recorrida:
“A decisão que cabe proferir, considerando a factualidade assente supra, é fácil de antever.
Na verdade, releva que houve um acordo para contratação de um artista e que foi proposto e aceite um preço (325.000€); o concerto ocorreu, quando ainda não tinha sido paga a quantia de 130.000€, tendo a Ré assumido que devia tal montante; a receita gerada pelo concerto foi bastante inferior ao esperado, e Autora e Ré renegociaram o contrato inicial, substituindo-o por outro de valor inferior (195.000€), tendo como contrapartida o pagamento imediato da quantia de 50.000€ e a preferência da Autora na organização da festa de fim de ano.
Portanto, o que aqui cabia determinar era se a Ré havia cumprido o contrato celebrado ou não, ficando, como alega a Autora, a dever a quantia de 130.000€. E se a Ré, ficando a dever tal quantia, a havia “saldado” de outra forma, nomeadamente por via de uma renegociação do contrato.
Princípio jurídico inerente a todo este processo é o que decorre do artigo 406º do Código Civil e que impõe que o contrato seja pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por acordo dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. É o princípio pacta sunt servanda, que impõe o cumprimento, ponto por ponto, dos contratos celebrados.
Perante a factualidade assente, à qual se chegou por via das provas produzidas e da valoração das mesmas pelo Tribunal (como supra se expendeu), verifica-se que, não obstante ter havido um primeiro contrato no valor de 325.000€, do qual ficou por pagar a quantia de 130.000€, a verdade é que tal quantia em dívida veio a ser renegociada, ficando o contrato saldado pelo pagamento imediato da quantia de 50.000€ e preferência dada à Autora na festa de passagem de ano (o que veio a suceder).
Destarte, é de concluir que a quantia peticionada pela Autora não está em dívida, não podendo proceder a ação.
E por ser assim, fica prejudicada a questão do conhecimento da exceção atinente à prescrição dos juros (ao abrigo do artigo 608º, n.º 2, 1ª parte do C.P.C.).
Da litigância de má fé
Ambas as partes pedem a condenação da parte contrária como litigante de má-fé.
A litigância de má fé encontra-se regulada nos artigos 542º e seguintes do C.P.C.. Para melhor se compreender este instituto, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 30010-A/1995.P1, em 20.10.2009, que ensina, no sumário, do seguinte
“I – A condenação de uma parte como litigante de má-fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, com o marcado intuito de moralizar a atividade judiciária.
II - O instituto da litigância de má-fé não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça - destina-se a combater a específica virtualidade da má-fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial.
III - A litigância de má-fé não pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida; o fundamento ético do instituto exige que tal manifesta improcedência acarrete ainda, para lá da improcedência da pretensão, desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça (imputável à parte a título de culpa - dolo ou negligência grave).
IV - O critério para apreciação da negligência pressuposta no instituto da litigância de má fé não pode deixar de ser referenciado ao padrão de conduta exigível ao agente, ajustado às suas carências pessoais e particulares inaptidões. ”.
E, outro, mais recente (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.2015, proferido no processo 1120/11.1TBFR.P1.S1):
“I - A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta.
II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
III - Atuam como litigantes de má-fé, os réus que, no articulado contestação, alegam uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conheciam, o que significa terem eles alterado a verdade dos factos a fim de deduzirem intencionalmente, portanto, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podiam deixar de conhecer, assim integrando o estatuído nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 456.º do CPC, na redação anterior, que corresponde ao atual art. 542.º do NCPC (2013).”.
Atenta a factualidade provada acima, a Ré agiu dentro dos limites processuais pela atuação em processo judicial, nada podendo assacar-se-lhe ao nível da litigância de má-fé.
Ao invés, o comportamento processual da Autora, em paralelo com a decisão de improcedência que ora se profere, não pode ser tido como processualmente adequado (neste domínio da boa fé).
Importa relevar que a Autora sabia, desde o início, que a sua pretensão não tinha fundamento, porquanto tal falta de fundamento decorreu de atuação sua, livre e espontânea, aquando da renegociação do primitivo contrato. As circunstâncias de negar a renegociação e ter-se vindo a provar que a mesma ocorreu; de ter alegadamente sido rasgado o primitivo contrato (quando, afinal, não foi); as assinaturas diferentes nos contratos e a dupla personalidade que o representante legal da Autora assumia, consoante a entidade que representava, são tudo elementos que permitem ao Tribunal censurar a atuação processual da Autora.
A sua atuação foi, intencionalmente, contra os parâmetros da boa-fé processual.
Além disso, a sua atuação constitui abuso do direito, pois que sabia que não tinha qualquer valor a receber por parte da Ré mas não se coibiu de vir a Tribunal pedir o pagamento de 130.000€.
Em suma, a Autora não litigou no âmbito dos limites substantivos e processuais em direito permitidos, devendo ser condenada em multa como litigante de má-fé, a qual se fixa em 10UC (artigos 542º, n.º 1 e 27º, n.º 3 do R.C.P.).
Porque a má-fé processual que se julga ter ocorrido diz respeito à totalidade do processo e não apenas a uma fase processual determinada, condena-se a Autora, ainda, em indemnização, nos termos do artigo 543º do C.P.C., a qual se fixa no valor correspondente aos honorários do mandatário da Ré que não estejam abrangidos pelas custas de parte (ie, metade da soma das taxas de justiça pagas no processo).
Deste modo, improcedendo as alegações da Autora, improcede a presente ação, absolvendo-se a Ré do pedido e condenando-se a Autora como litigante de má-fé.
Por ser improcedente a ação, é a Autora responsável pelo pagamento das custas, nos termos dos artigos 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil e 6º e 13º do Regulamento das Custas Processuais.”

Vejamos:
Invoca a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, decorrente de "desadequada valoração de toda a prova documental e testemunhal produzida, bem como pela insuficiente análise crítico-valorativa da mesma".
Em qualquer caso, o Tribunal a quo, fundamentou a decisão aqui recorrida na prova documental disponível, e nas declarações de parte do representante da Autora, e da prova testemunhal, o que lhe permitiu fixar a sua convicção.
Não obstante, entende a Recorrente que o tribunal a quo "terá dado como provados factos que não o foram, ou foram-no de forma diversa, formando a sua convicção com base em puras deduções não alicerçadas em toda a prova (documental e testemunhal) produzida, desvalorizando as regras de repartição do ónus da prova e as mais elementares regras da experiência e do bom senso que sempre devem ser tidas em consideração pelo julgador na apreciação crítica da prova."
Em qualquer caso, e como se verá, a alteração da matéria de facto reveste natureza excecional.
Como se sumariou, entre muitos outros no acórdão deste TCAN nº 00126/12.8BEMDL, de 12-06-2019, “Determina o artigo 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, no seu n.º 1, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa”.
Na interpretação deste preceito, já na anterior versão (Artº 712º CPC), tem sido pacífico o entendimento segundo o qual em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Isto porque o Tribunal de recurso está privado da oralidade e da imediação que determinaram a decisão de primeira instância. A gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade do testemunho.
Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.”
Sem prejuízo do referido, é patente que a discordância da Recorrente relativamente ao dado como provado, assenta predominantemente no facto de questionar conclusivamente a valoração da prova efetuada pelo tribunal, a qual se não vislumbra merecer censura.
Entende desde logo a Recorrente que o tribunal não deveria ter dado como provado que o originário contrato celebrado entre a Autora e a Ré, no valor inicial de 350.000,00€ foi renegociado, "ficando o contrato saldado pelo pagamento imediato da quantia de €50.000,00€ e preferência dada à Autora na festa de passagem do ano (o que veio a suceder). Destarte, é de concluir que a quantia peticionada não está em dívida, não podendo proceder a ação.”
Não obstante a clareza do decidido, entende a Recorrente que o decidido "padece de erro de julgamento, motivado pela desadequada valoração de toda a prova documental e testemunhal produzida pela Autora e pela insuficiente análise crítico-valorativa, formando a sua convicção com base em puras deduções não alicerçadas na prova (documental e testemunhal) produzida, ignorando as regras de repartição do ónus da prova e as mais elementares regras da experiência e do bom senso que sempre devem ser tidas em consideração pelo julgador na apreciação crítica da prova."
Entende ainda a Recorrente que competia à Ré demonstrar que houve uma renegociação do contrato assinado pelas partes da qual resultou a sua substituição por um outro que reduziu o preço contratado.
Em qualquer caso, a prova dada como provada pelo tribunal a quo assentou e resultou do conjunto da prova produzida em Julgamento, pelo que se não reconhece a invocada insuficiência na apreciação da prova.
É incontornável o facto do tribunal a quo ter reconhecido que as partes acordaram no não pagamento da última prestação, reduzindo assim o preço originariamente acordado, ao que acresceu a desde logo assente, preferência da aqui Recorrente na organização da festa de final de ano em B..., por conta do que foram desde logo avançados 50.000€, sendo que a Recorrente não logrou demonstrar o contrário.
Em qualquer caso e sem prejuízo do precedentemente afirmado, para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, proceder-se-á a uma análise mais pormenorizada da factualidade dada como provada, que a Recorrente entende dever ser alterada, sendo que, na generalidade das situações, as sugeridas alterações não teriam a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida.
Vejamos:
PONTO 20 DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
“Por ocasião do concerto e perante a baixa receita que o mesmo ameaçava gerar, o representante legal da Ré, D. A., assumiu que teria que haver renegociação do valor do contrato."
Em contraponto, entende a aqui Recorrente que apenas na data do concerto, a Ré mostrou vontade de renegociar os termos do contrato, em função da baixa receita resultante da venda dos ingressos no espetáculo.
Não se vislumbram razões que justifiquem a alteração do referido facto, pois que decorre da prova produzida que era manifesta a insuficiência de vendas de bilhetes para o referido evento o que comprometeria a sua viabilidade.
Se é certo que a falta de experiencia dos responsáveis pela Empresa Municipal para a realização de eventos desta envergadura poderão ter contribuído para a insuficiência de vendas de ingressos, esse facto não escamoteia a prova feita, de acordo com a qual o contratualizado terá sido renegociado.
PONTO 22 DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
"Autora e Ré consideraram que o concerto foi um fiasco".

Entende a Recorrente que o referido ponto deveria ser alterado para:
"O concerto não teve as receitas que a Ré e a A. esperavam."
Refira-se desde logo que se é certo que o facto 22 tem uma componente conclusiva, que poderia ter sido evitada, o que é facto é que a alteração sugerida também não teria a virtualidade modificar os pressupostos em que assentou a decisão proferida, pois que se limita a transmitir a mesma ideia, em termos eufemísticos.
PONTOS 23 a 25 e 27 da MATÉRIA DE FACTO PROVADA
23: "Em agosto de 2004, em dia que não se pode precisar, foi celebrada reunião, na sede da Ré, entre J. A. S. B., D. A. e C. A. C. (estes em representação da Ré) e foi dado sem efeito o contrato referido no ponto 8 e substituído por outro, com valor de 195.000€, tendo como contrapartida o pagamento imediato de 50.000€ e preferência à Autora na organização da festa de fim de ano;"
24: "O exemplar do aludido contrato, que estava na posse da Ré, foi de imediato rasgado"
25: "O representante legal da SPE e da Autora rasgou uns papéis, como se do seu exemplar do contrato referido em 8 se tratasse"
27: "Na presença da tesoureira da Ré, C. S., foi determinada a substituição das três primeiras folhas do referido contrato por outras três, em tudo semelhantes, mas com valor acordado para a realização do concerto diverso, o valor global de 195.000€ - cfr. Fls. 271 e seguintes dos autos em suporte físico"
Entende a Recorrente que os transcritos factos dados como provados deveriam ser eliminados da matéria de facto dada como provada, por estrem em contradição com o depoimento prestado pelo representante da Autora, aqui Recorrente, A. B..
Como sumariado, entre muitos outros, no Acórdão deste TCAN nº 2570/14.7BEBRG, de 01-03-2019 “1 – O tribunal a quo ao fixar a materialidade controvertida, terá de assentar na prova disponível, recorrendo ao princípio da livre apreciação da prova produzida, como resulta dos artigos 366.º do Código Civil e 607.º, n.ºs 4 e 5, do novel Código de Processo Civil.
É pois evidente que a convicção a que o tribunal chega em qualquer processo resulta do conjunto da prova produzida e não de um elemento de prova isolado, sendo que, perante depoimentos divergentes, essa convicção assentará na prova que entender mais credível.
O que importa sublinhar, independentemente da argumentação aduzida pelas partes, é que a aqui Recorrente, também face aos factos que aqui estão em causa, não logrou demonstrar que se não teriam verificado os factos e circunstâncias dadas com provadas e aqui analisadas, sendo que descrição circunstancial feita pelo tribunal não evidencia qualquer erro, muito menos palmar, evidente ou manifesto, que permitisse concluir pela necessidade de alterar os factos dados como provados.
Em face do que precede, resulta pois que não se reconhece a necessidade de proceder a qualquer das invocadas alterações à matéria de facto, pois que os factos assentes aqui em questão em função da prova produzida, quer documental quer testemunhal, não impõem decisão diversa.
PONTOS 37 e 38 DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
37 "Os representantes da Ré (D. A. e C. A. C.) desconheceram que ambas as empresas (Autora e SPE) eram representadas por J. A. da S. E. B., até 2012;"
38 "O referido J. A. da S. E. B. apresentava-se como A. B., quando em representação da SPE, e como J.E., quando representante da Autora."
Em função de tudo quanto se expendeu supra, é aqui evidente que os referidos facto fixados se limitaram singelamente a sintetizar a prova feita nos autos.
No que concerne à dupla e equivoca identificação de J. A. da S. E. B., uma vez se identificando como A. B. e outras como J.E., “jogando” com os seus nomes próprios e apelidos, cruzando-os, referiu a propósito e justamente o tribunal a quo que “Não mereceu acolhimento a sua explicação de quem em Espanha as pessoas são identificadas pelo primeiro nome e pelo nome do pai (que não vem em último) e que os espanhóis não viam com bons olhos que uma figura como o Júlio Iglésias fosse representado por um português. É que sendo que tal pudesse justificar que o mesmo se assumisse como J.E.(z), nada impedia que se assumisse como tal sempre, quer quando agia em nome da Autora, quer quando agia em nome da SPE. "
Assim sendo, também aqui se não reconhecem razões justificativas para proceder às alterações propostas pela Recorrente face aos factos 37 e 38 da matéria de facto dada como provada.
Da Litigância de má-fé da Recorrente
Foi a Autora, aqui Recorrente condenada como litigante de má-fé em resultado de ter sido entendido pelo tribunal a quo que “A sua atuação foi, intencionalmente, contra os parâmetros da boa fé processual.
Além disso, a sua atuação constitui abuso do direito, pois que sabia que não tinha qualquer valor a receber por parte da Ré mas não se coibiu de vir a Tribunal pedir o pagamento de 130.000,00€.
Em suma, a Autora não litigou no âmbito dos limites substantivos e processuais em direito permitidos, devendo ser condenada em multa como litigante de má fé, a qual se fixa em 10UC (artigos 542º, n.º 1 e 27º, n.º 3 do R.C.P.).”

Por outro lado, entende a Recorrente que “A condenação (...) como litigante de má é a consequência de ter sido dada como provada, pelo tribunal recorrido, a factualidade concernente à renegociação do contrato.
O que a Autora/Recorrente se propôs demonstrar nesta Apelação é que houve, de facto, erro de julgamento, tendo sido considerada como provada, nomeadamente, a factualidade atinente à renegociação do contrato, que não deveria ter sido, já que todos os meios de prova produzidos, valorados à luz das regras da experiência e da normalidade ditaria decisão diversa.”

Importa analisar o suscitado, não perdendo de vista que a controvertida condenação da Recorrente como litigante de má-fé assentou, no essencial, na divergência quanto à verificação, ou não, da renegociação do contrato controvertido.

Em qualquer caso, sempre se dirá que a má-fé assenta ainda hoje predominantemente no que Alberto dos Reis ("Comentário ao CPC", III, 4 e ss. e "CPC Anotado", I, 366) chamava de deveres de colaboração e de probidade. As violações a esses deveres serão relevantes apenas ao nível doloso ou da negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes), tal como consagrado no atual processo civil - cfr. Artºs 542 e ss. do CPCivil.

Passou-se, na nova sistemática processual civil - na conjugação com o novo modelo processual de responsabilização e cooperação intersubjetiva -, a tipificar os comportamentos processuais passíveis de obter um juízo de reprovabilidade, abrangendo-se não só condutas dolosas como também as gravemente negligentes, determinantes de lesões na esfera jurídica das demais partes processuais bem como da simultânea violação de interesse públicos, base da multa a que dão também lugar.

Prevê-se, dessa forma, a dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar, a alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão, de modo doloso ou gravemente negligente, a omissão grave do dever de cooperação, e o uso reprovável dos instrumentos processuais (cfr. Artº 542/2 do CPCivil).

A uma previsão da "utilização maliciosa e abusiva do processo" (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, 356), juntou-se agora um juízo de reprovação de atitudes processuais gravemente imprudentes, numa procura de elevação dos padrões éticos judiciários.

Para melhor concretização ainda, diga-se que há uma correspondência entre este Artº 542.º, nº 2 e os Artºs 7º e 8º, todos do CPC, que se refere ao dever de probidade processual, àquilo que as partes não devem fazer e que constitui - por assim dizer - como que o reverso do Artº 542º - Artigos atualizados - (Cfr. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 3º, 1946, 4; Manuel de Andrade, ob. loc. cit.; Elício de Cresci Sobrinho, “Dever de Veracidade das Partes no Processo Civil”, 1992, 86/90; e Ac. da RE de 20/10/1977, CJ, 1246).

Também o nº 2, do Artº 542º, CPC, ajuda à sistematização, ao referir-se ao dolo ou negligência instrumentais (má fé instrumental) que se contrapõe ao dolo ou negligência substanciais (má fé material): os primeiros terão a ver com questões de natureza processual, com a relação processual, enquanto os segundos dizem respeito ao fundo da causa, à relação material.

Na verdade, as partes têm o dever de comportar-se em juízo com lealdade e probidade, valores esses acompanhados de verdadeiro sancionamento legal em face de eventuais situações de violação - Ugo Rocco, “Tratado de Derecho Procesal Civil”, Vol. II, Parte General, 1983, trad. cast., Temis - Bogotá e Depalma - Buenos Aires, 175.

Todavia, numa relação adequada entre os direitos, ónus e deveres da parte processual, não se poderá instituir um sistema tal de responsabilidade processual que implique àquela um complexo de deveres incompatível com o interesse privado que a mesma persegue com a sua litigância. Assim, o dever de dizer a verdade, de cooperar com a efetiva realização da justiça nunca significaria impor à mesma parte um comportamento processual contrário ao seu interesse.

Mas, por outro lado, não será lícito agir ou contraditar em juízo com má-fé ou grosseira negligência. Nesta hipótese, terá sempre lugar o ressarcimento dos danos ou prejuízos daí resultantes.

Neste sentido, Salvatore Satta e Carmine Punzi, “Diritto Processuale Civile”, 1994, undicesima edizione, CEDAM, Padova, 128/131, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1997, 62/64, e Acs. do STJ de 16/4/1991, ActJ 18 (1992), 17, e da RP de 26/2/1990, BMJ 394, 528, e de 14/11/1994, CJ t5, 264.

Como quer que seja, a decisão sobre a existência ou não de litigância de má-fé, dependerá do critério do julgador, com base na perceção adquirida à face da factualidade disponível.

Objetivando, refere o n.º 2 do artigo 542.°, do Código Processo Civil:
"Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão".

Sem prejuízo das cambiantes que o regime da litigância de má-fé foi sofrendo, sempre se poderá aludir ao acórdão deste TCAN de 10/03/2005, no Processo n.º 00913/04.0BEBRG, no qual paradigmática e lapidarmente se afirma que "(...) Para não caírem no âmbito de aplicação do normativo ora acabado de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 8° do CPTA, 266° e 266°-A do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da justiça no caso concreto que constitui objeto do litígio.
Daí que no caso de alguma das partes num litígio atuar com malícia e quiser levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, não observando o dever de cooperação a que por lei está vinculada ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a ação da justiça protelando, sem fundamento sério, o trânsito da decisão, estará a agir de má-fé e impor-se-á então a sua condenação como litigante de má-fé.
Para que possa falar-se de litigância de má-fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que essa aplicação só é de pôr quando se concluir que a atuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
Decorre do exposto que a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má-fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave e não abrange assim situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência (...)”.

Efetivamente, a litigância de má-fé traduz-se, e no que aqui releva, designadamente, na violação do dever de retidão imposto às partes, consubstanciado no dever de não articular factos contrários à verdade.

Em concreto, e ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, não se vislumbra que a Recorrente tenha deixado de pautar o seu comportamento pela lealdade processual, não denotando que tenha intencionalmente falseado a verdade dos factos e/ou praticado quaisquer atos tendentes a entorpecer a ação da justiça tendo-se, dentro dos limites do aceitável, a pugnar pela aceitação da sua perspetiva.

Mesmo admitindo-se, como se admitiu, que se terá verificado a renegociação do inicialmente contratualizado, sempre a recorrente poderia legitimamente pugnar no sentido de entender que aquela não tinha cumprido com os seus devidos trâmites, em face do que não poderia operar.

Em face do que precede, não se demonstrou que a Recorrente tenha atuado com o intuito de iludir e desrespeitar o tribunal e os princípios que regem a sua atividade, traduzidos na busca da verdade material e na realização da justiça.

Assim, quando o tribunal a quo afirmou que a atuação da Recorrente “constitui abuso do direito, pois que sabia que não tinha qualquer valor a receber por parte da Ré mas não se coibiu de vir a Tribunal pedir o pagamento de 130.000€”, esta afirmação sempre pressuporia que a verificação dos termos em que ocorreu a renegociação contratual, não era suscetível de ser discutida, o que não é exato.

Em face do que precede, julgar-se-á procedente o Recurso no que concerne à condenação da Recorrente como litigante de má-fé.
* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao Recurso, anulando-se a condenação da Recorrente como Litigante de má-fé, confirmando-se, no demais, a decisão Recorrida.

Custas pelo Recorrente (3/4) e Recorrido (1/4)

Porto, 31 de outubro de 2019

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa