Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01036/21.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA; ÓNUS DA PROVA; IDONEIDADE DO MEIO DE PROVA
Sumário:I. Tal e como vem sendo esclarecido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, uma vez demonstrados pela ATA os pressupostos da aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova de que corresponde à realidade a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património em causa.

II. Não é idóneo para a prova de que a transferência bancária em causa é proveniente do “reembolso de um empréstimo” (Loan Repayment) o documento contendo o descritivo da operação bancária, preenchido pelo respetivo ordenante, que em declarações prestadas aos SIT expressamente nega essa proveniência.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório

N. e R., inconformados com a sentença proferida em 2021-11-30 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente o recurso que nos termos do disposto nos arts. 89.º-A n.º 7 e 8 e 146.º-B do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) interpuseram da decisão do Diretor de Finanças do Porto datada de 2021-04-06, que determinou a fixação do seu rendimento tributável em sede de IRS do ano de 2016 com recurso a métodos indiretos, incluindo na Categoria G o montante de EUR 178.700,00 enquanto incremento patrimonial não justificado, vêm dela interpor o presente recurso.
Os Recorrentes encerram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

Em conclusão;
1) A inscrição no documento, da transferência bancária, de que era um “reembolso de empréstimo” e como tal não era sujeito a tributação em IRS, no período do reembolso.
2) A digna Juíza do tribunal a quo não se pronunciou sobre o ónus da prova, que impedia sobre a AT para eliminar a presunção de verdade do inscrito no documento, de que se tratava de um “reembolso de empréstimo”, n.º 1, do Art.º 125º do CPPT, e como tal não sujeito a tributação.
3) Por outro lado, a digna Juíza do tribunal a quo errou, quando considera o “reembolso de empréstimo”, como sujeito a tributação como incremento patrimonial, Categoria G, do IRS, quando o mesmo, a ser sujeito a tributação era enquadrável na Categoria E, dos rendimentos do IRS, pelo n.º 1, do Art.º 5, do CIRS.

Terminam pedindo:
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os erros e vícios alegados, com efeitos na anulação da decisão de aplicação de métodos indiretos, assim se fazendo JUSTIÇA.
***
A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

1. O presente recurso vem intentado contra a sentença de 30/11/2021 que julgou improcedente o recurso e, consequentemente, manteve o ato de fixação do rendimento tributável dos Recorrentes respeitante ao ano de 2016.
2. Os Recorrentes alegam que:
1) A inscrição no documento, da transferência bancária, de que era um “reembolso de empréstimo” e como tal não era sujeito a tributação em IRS, no período do reembolso.
2) A digna Juíza do tribunal a quo não se pronunciou sobre o ónus da prova, que impedia sobre a AT para eliminar a presunção de verdade do inscrito no documento, de que se tratava de um “reembolso de empréstimo”, n.º 1, do Art.º 125º do CPPT, e como tal não sujeito a tributação.
3) Por outro lado, a digna Juíza do tribunal a quo errou, quando considera o “reembolso de empréstimo”, como sujeito a tributação como incremento patrimonial, Categoria G, do IRS, quando o mesmo, a ser sujeito a tributação era enquadrável na Categoria E, dos rendimentos do IRS, pelo n.º 1, do Art.º 5, do CIRS.”.
3. A Recorrida, por sua vez, entende que o presente recurso carece de sustentação nos factos e na lei, sendo de manter na ordem jurídica a parte da sentença ora objecto de impugnação.
Senão vejamos,
4. Os Recorrentes fazem uma errada interpretação do ónus probatório em sede de manifestações de fortuna, a qual afasta quer a boa interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice, quer o entendimento jurisprudencial que de forma pacífica, considera que, verificados os pressupostos legais do recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável que suporta o acto posto em crise, passa então a recair sobre a Recorrida o ónus da prova da inexistência dos factos tributários ou de erro ou excesso na quantificação da matéria tributável efectuada.
5. Se assim não fosse, as manifestações de fortuna, enquanto factos indiciadores de fraude ou evasão fiscal perderiam grande parte da sua eficácia, pois, sempre que o contribuinte se colocasse numa situação de dúvida, que só a si o favorecia, não sendo o mesmo razoável, lógico ou legalmente sustentável, estaria sem mais justificada a origem da manifestação de fortuna.
6. O que é absolutamente inadmissível, atendendo ao facto destes procedimentos serem instrumentos de combate à fraude e evasão fiscais.
7. Tendo a AT demonstrado a existência de um influxo financeiro sem motivo comprovado, traduzidos pela entrada de 178.700,00€ na conta bancária do Recorrente face à não existência de rendimentos líquidos declarados em sede de IRS referentes ao ano de 2016 e que correspondem a uma divergência não justificada, encontravam-se reunidas as condições legais para, de acordo com a alínea f) do nº. 1 do art.º 87º e nº 5 do art.º 89º-A da LGT, para se proceder à fixação do rendimento tributável naquele montante, o qual, de acordo com a alínea d) do nº 1 do art.º 9º do Código do IRS (CIRS), é considerado como rendimento da categoria G nos termos previstos no n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT.
8. Porquanto, cabendo à AT (art. 74.º, n.º 1, da LGT e art. 342.º, n.º 1, do C. Civil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna é ao sujeito passivo que cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada, ou seja, ocorre uma inversão do ónus da prova.
9. Cabia, então, ao Recorrente a comprovação de que correspondem à verdade os rendimentos declarados e de que outra é a fonte do acréscimo de património em causa detectado pela A. Fiscal (cfr. artº.89-A, nºs.3 e 5, da L.G.T.), entendendo a jurisprudência mais recente que a fonte do rendimento não se afigura suficiente para ilidir a presunção da manifestação de fortuna do mesmo.
10. O ordenamento jurídico exige uma prova razoável, fundamentada e determinante que demonstrasse a origem da transferência, e que a mesma não tivesse que ser declarada ou que já tinha sido tributada.
11. Não tendo o Recorrente logrado provar a origem dos acréscimos patrimoniais, nem tendo aventado qualquer elemento probatório capaz de afastar o juízo pelo art.º 89.º-A da LGT.
12. É notório que o Recorrente pretende subverter o sentido da lei, no entanto, não é demais sublinhar que quem pratica a evasão e a fraude fiscal está a infringir os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da justa repartição do rendimento e da riqueza, da concorrência leal, da justiça entre os cidadãos, da solidariedade social e da solidariedade fiscal.
13. Inexistindo qualquer critério racional, lógico ou objetivo que permita formular outro tipo de conclusão daquela que é efectuada pelo Tribunal a quo e que se encontra plenamente justificado na sentença objecto do presente recurso.
14. O Recorrente alega em abstrato, sem concretizar os factos que de forma racional, lógica ou objetiva, comprovariam as razões que levariam à convicção e valoração da mesma de forma credível, o que não acontece face às meras ilações conclusivas, subjectivas, sem qualquer evidência ou suporte probatório.
15. Inexistindo qualquer comprovação das ilações factuais que retira das suas alegações, cuja valoração foi bem fundamentada pelo Tribunal a quo, não existe, salvo o devido respeito, qualquer nova apreciação que possa permitir a formulação de um juízo que permita a revogação da sentença ora recorrida.
16. Estando devidamente justificado que o Recorrente não logrou convencer o Tribunal por falta de concretização e de produção de prova adequada a demonstrar a sua veracidade, não pode ser imputável à decisão qualquer erro de julgamento.
17. Fazendo a sentença do Tribunal a quo, uma correcta aplicação do direito aos factos, uma vez que nada é concretamente alegado pelo Recorrente que permita considerar justificado o acréscimo patrimonial, deve manter-se o juízo de convicção formado por este tribunal o qual se encontra plenamente justificado na sentença.
18. A lei ao dizer que o sujeito passivo tem de provar que “é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciada” pretende que o sujeito passivo indique a “fonte”, o mesmo é dizer, a origem da manifestação de fortuna, como é que ela se materializou, facto que, não se basta com a indicação da sua origem, impondo-se a afirmação do circuito em causa para afastar a afirmação de que tais rendimentos estão sujeitos a tributação.
19. O entendimento pugnado pelo Recorrente do ónus probatório em sede de manifestações de fortuna, é efectuado ao arrepio da boa interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice.
20. Como assinala a melhor doutrina, “a tributação dos rendimentos inferidos das manifestações de fortuna tem como fundamento o dever fundamental de pagar impostos e a necessidade, daí decorrente, de combater a evasão fiscal [que] visa evitar que certo tipo de rendimentos, actuais ou passados, que tenham escapado ao controlo legal, deixem de ser tributados” - nestes termos, João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Almedina, 2010, pág. 273.
21. Pelo que, a Autoridade Tributária encontrava-se legitimada para proceder à avaliação indireta do rendimento tributável, por métodos indiretos, por não ter o Recorrente logrado efetuar a prova prevista no n.º 3 do art.º 89.º – A da LGT
22. Considerou assim, e bem, o Tribunal a quo que o Recorrente não demonstrou a origem da transferência efectuada para si, proveniente da conta bancária nº (...) cujo titular é J., cuja conta remetente está domiciliada no Habib Bank Limited, do Dubai, com o detalhe “Loan Repayment”.
23. A sentença é clara quando determina que:
(…) dos elementos apreciados em sede de inspeção tribuária e vertidos no RIT, concluiu a AT, que, não obstante o Recorrente ter colaborado no âmbito da ação inspetiva, não resulta inequívoco a justificação do acréscimo patrimonial em relevo não declarado, pois não foram apresentadas provas e factos concretos que permitissem a formação de uma convicção segura da natureza e da realidade envolvente da transferência bancária de 19/09/2016. Por conseguinte, a AT concluiu que, passando a impender sobre o Recorrente o ónus de comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património, ou que os valores em causa não carecem de ser declarados, sob pena de ser tributado por este acréscimo não justificado, ao abrigo do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT, o contribuinte não apresentou prova suficiente para demonstração concreta e contextualizada do alegado, estabelecendo a sua insuficiência ou incoerência para demonstrar a concreta origem do acréscimo patrimonial em questão.
Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspeção dado por integralmente reproduzido, nomeadamente no ponto “IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS”, constata-se que a Administração fiscal concretizou, quais os motivos que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta da matéria tributável, e as razões pelas quais não considerou terem sido supridas as informações e elementos em falta, depois de ter sido dada essa oportunidade aos sujeitos passivos.
Concretizou ainda, face aos elementos fornecidos e produção de prova em sede de ação inspetiva, por que razão a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aos métodos indiretos, se tornou a única forma de calcular o imposto.
Assim, especificados os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e bem assim indicados os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, ao abrigo do art. 77.º n.º 4 da LGT, a AT fez cessar, de forma eficaz, a presunção consagrada no art. 75.º n.º 1, da LGT, passando a estar legitimada a recorrer, a métodos indiretos, para efetuar a determinação da matéria tributável dos Recorrentes.
Invertido o ónus da prova quanto ao acréscimo patrimonial em apreço, quanto a saber se o Recorrente conseguiu efetivamente justificar a transferência proveniente do Banco Habib Bank- Limited, do Dubai, datada de 19/09/2016, de J., como vimos, a lei impõe uma demonstração da realidade subjacente ao acréscimo patrimonial evidenciado, não bastando, para o efeito, a demonstração de factos que façam duvidar da existência do facto tributário ou da respetiva quantificação nos termos declarados pelo sujeito passivo.
Com efeito, o Recorrente alega que a transferência se deve ao reembolso de um empréstimo feito a J., há vários anos atrás, motivo pelo qual não tem documentos por “ultrapassagem legal de prazos de conservação ou arquivo dos documentos”, acrescentando não ter memória concreta para os reproduzir, remetendo a justificação do empréstimo para o “foro íntimo”.
É forçoso constatar que, face aos argumentos do Recorrente, e à carência de documentação que comprove o alegado, este não logrou fazer a respetiva demonstração da realidade subjacente ao acréscimo patrimonial em crise, de razões para que o valor em referência não tivesse de ser declarado, cabendo-lhe a prova dos motivos desse “empréstimo”.
Ante o exposto, esta será a única ilação a retirar do RIT e da análise dos documentos e declarações apresentadas Q., S.A., e J., assim como, da restante documentação junta ao procedimento inspetivo e aos presentes autos, e ainda, da prova testemunhal produzida, concluindo-se que o Recorrente não provou a proveniência da transferência cujo valor não declarou para efeitos de tributação de rendimento.
24. Resultando também evidenciado na sentença do Tribunal a quo, que da fixação do rendimento tributável no montante da transferência, implica o seu enquadramento, de acordo com a alínea d) do nº 1 do art.º 9º do Código do IRS (CIRS), na categoria G nos termos previstos no n.º 5 do art.º 89.º-A da LGT:
Por outro lado, quanto à circunstância invocada pelo Recorrente, de que a transferência bancária em causa, se poderia enquadrar nos rendimentos de aplicação de capitais, inserindo- se na Categoria E do IRS, julga-se que da prova produzida também não resulta demonstrado que o tipo de rendimentos em causa se reportavam a lucros, juros ou outros, não sendo possível aferir se essa quantia estava relacionada com rendimentos de capitais, e, como bem diz a Entidade Recorrida, “também seria de justificar a razão para que transferência de 19/09/2016, tenha tido origem na conta pessoal e a natureza da intervenção do titular da mesma (J.) na geração dos tais rendimentos de capitais.”.
25. Concluindo, e bem, que: “não colhem os argumentos dos Recorrentes, por insuficiência de prova, não se podendo assacar qualquer violação de lei ou preterição de formalidades legais ao ato de fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, pelo que se deve manter a decisão recorrida.”.
26. Resulta assim, do exame crítico da prova efectuada pelo Tribunal a quo, que não existe qualquer interpretação ilógica, que implique a alteração da decisão do Tribunal a quo.
27. Sucumbindo integralmente os argumentos esgrimidos pelo Recorrente em prol da ambicionada anulação da douta sentença, deve o presente recurso improceder, assim se fazendo JUSTIÇA.

Termina pedindo:

Termos em que, e nos doutamente supridos, deverá ser negado provimento ao recurso, por manifestamente infundado, e em consequência manter-se a douta sentença sindicada, com o que V. Exas. farão a costumada Justiça!
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
***
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo [cf. art. 36.º, n.º 2, do CPTA, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT, e art. 278.º, n.º 3, do CPPT].
***
Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, ou de erro de julgamento de facto por incorreta apreciação da prova, e de erro de julgamento de direito por ter sancionado o que os Recorrentes entendem ser uma qualificação incorreta para efeitos de IRS do rendimento de EUR 178.309,73, que a Entidade Recorrida enquadrou na categoria G (incrementos patrimoniais) como acréscimos patrimoniais não justificados, e que defendem tratar-se de rendimento de capitais, enquadrável na categoria E.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.A. DE FACTO
Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1) Os Recorrentes em 2016, entregaram declaração de rendimentos de IRS, na qual apresentaram:
(i) Rendimentos da categoria B, no montante de € 9.600,00, que foram auferidos por N. pelos serviços prestados para a sociedade Q., S.A., com o NIPC (...),
(ii) Rendimentos da categoria A, no montante de € 23.565,53 (pagos pelo Agrup. De Escolas (...), com o NIPC (…)), que foram auferidos pela cônjuge R., com o NIF (…), e
(iii) Rendimentos da categoria F, no montante de € 8.175,00, que foram auferidos pela filha M., com o NIF (…).
(cfr. declaração a fls. 15 e RIT a fls. 244/263 do PA);
2) Em 23/10/2020, os Recorrentes, foram sujeitos a ação inspetiva, em cumprimento da Ordem de Serviço externa OI201905599, de forma a serem analisados os valores declarados em sede de IRS e de IVA no ano de 2016. (cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial (PI) e fls. 1 do processo administrativo (PA));
3) A ação inspetiva foi despoletada por remissão à Direção de Finanças do Porto de uma certidão extraída no Processo Comum n.º 658/13.0TAVNG, em que o Recorrente é arguido, no qual consta documentação que permitiu constatar a existência de indícios de pratico de crime de fraude fiscal ou, pelo menos de uma contra-ordenação fiscal. (cfr. fls. 1 do processo administrativo (PA));
4) Em 23/10/2020, no âmbito dessa ação inspetiva, através de declaração escrita, o Recorrente autorizou “… o acesso…a elementos de natureza bancária, junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, relativos às contas de que seja titular bem como aceder a outras contas que possua autorização para movimentar ... incluindo a consulta e solicitação junto do Banco de Portugal da informação constante da base de dados de contas bancárias...” (cfr. fls. 14 do procedimento inspetivo);
5) Em 06/04/2021, foi elaborado Relatório da Inspeção Tributária (RIT), do qual resulta o seguinte:
“I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
Em resultado de acção inspectiva dirigida a N. (doravante designado apenas por N.), detentor do NIF (...), com domicílio fiscal na Rua (…), com incidência no IRS do ano de 2016, apurou-se:
- a existência de rendimentos da categoria B que não foram objecto de facturação nem foram sujeitos a tributação em sede de IRS e de IVA, conforme fica demonstrado e fundamentado no Capitulo III do presente relatório, e
- a existência de transferência bancária, proveniente do exterior, com destino a conta bancária do Banco …, que é titulada por N., e cuja natureza ficou por justificar pelo que, por imposição do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 87º da Lei Geral Tributária (LGT) a mesma é considerada como incremento patrimonial não justificado, conforme fica demonstrado e fundamentado nos Capítulos IV e V do presente relatório.
(…)
IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
IV.I VALORES DECLARADOS - ANO DE 2016 IV.1.1 – EM SEDE DE IRS
Para o ano de 2016, o agregado familiar de N. inscreveu na declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS os seguintes valores:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Como se percebe, os rendimentos declarados, no ano de 2016, resultam de:
- rendimentos da categoria B, no montante de € 9.600,00, que foram auferidos por N. pelos serviços prestados para a sociedade .Q, S.A., com o NIPC (...)
- rendimentos da categoria A, no montante de € 23565,53 (pagos pelo Agrup. De Escolas (…), com o NIPC (…)) que foram auferidos pela cônjuge R., com o NIF (…), e
- rendimentos da categoria F, no montante de € 8.175,00, que foram auferidos pela filha M., com o NIF (…).
Deve referir-se que, quando não haja opção pelo seu englobamento (no 8 do artigo 72º do CIRS como ocorreu neste caso, os rendimentos da categoria F são tributados à taxa autónoma de 28% (alínea e) do no 1 do artigo 72º do CIRS) e não têm impacto ao nível do rendimento colectável do exercício.
Desta forma, com base nos rendimentos declarados apura-se, para o ano em causa, rendimento líquido no montante de € 26.356,97.
IV.2 AUTORIZAÇÃO PARA ACESSO A CONTAS BANCÁRIAS
No âmbito da acção inspectiva e através de declaração escrita, com a data de 23/10/2020, N. autorizou “…o acesso…a elementos de natureza bancária, junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, relativos às contas de que seja titular bem como aceder a outras contas que possua autorização para movimentar…incluindo a consulta e solicitação junto do Banco de Portugal da informação constante da base de dados de contas bancárias…”.
Através de resposta escrita, de 27/10/2020, com a referência n o CRI/2020/00022825, o Banco de Portugal comunicou que N. constava como titular nas seguintes contas bancárias:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

IV.3 - ANÁLISE DOS ELEMENTOS BANCÁRIOS RECOLHIDOS
IV.3.1 RESUMO DOS VALORES MOVIMENTADOS
Da análise aos extractos bancários, relativos às contas bancárias tituladas por N., verificaram-se os seguintes movimentos associados ao ano de 2016:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Constata-se que, nas 8 contas bancárias conhecidas, N. possuía depositado, à data de 01/01/2016, o montante de € 268,29.
E que, durante o ano de 2016 foram registados movimentos de entrada e de saída nas contas, nos valores globais de €517.179,69 e de €516.151,44 respectivamente, Quanto a estas contas deve notar-se que:
- as contas bancárias no (…), do Banco……, e no (…), da Caixa, não apresentam movimentos,
- a conta bancária no (...), da CaixaA…., apresenta movimentos de entrada (a crédito) provenientes, quase na totalidade, de transferências da conta bancária n o (...), da CaixaA….., pertencente à cônjuge R..
- a conta bancária no (...) da Caixa …..respeita à cônjuge R. e apenas registou movimentos a crédito provenientes de depósitos a prazo,
- a conta bancária no (...) do Banco N, apresenta movimentos de transferências da conta de serviço, do reembolso do IRS, da Q., de outras contas de N. e de contas de familiares,
- a conta bancária no (...), do Banco N…., apresenta valores reduzidos, e
- a conta bancária no (...) do Banco Gl, apresenta apenas dois movimentos de entrada, sendo um deles, no montante de €177.806, 50 proveniente da conta bancária n o (...)
Em função do descrito, as análises efectuadas visaram, principalmente, a conta bancária no (...), do Banco G….
Contudo, uma vez que se mostra relevante para a matéria em análise, nomeadamente ao nível do apuramento dos acréscimos patrimoniais (ver item IV.3.3.2), salienta-se que:
- em resultado dos elementos apresentados por N. em resposta à notificação pessoal do dia 05/02/2021 (ver item IV.41), teve-se acesso ao extracto dos movimentos ocorridos na conta bancária n o (...), da CaixaA, cuja titular é R. ( cônjuge e foi possível verificar que constam 12 movimentos de entrada, no valor total de € 16.558,70, relativos aos rendimentos da categoria A auferidos no ano de 2016 (ver item IV.I.I) conforme segue :
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
- na conta bancária n o (...) do Banco N, cujo titular é N., constam 12 movimentos de entrada, no valor total de € 9.408,00, relativos aos rendimentos da categoria B auferidos no ano de 2016 (ver item 111.1 e item IV. 1.1 conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

IV.3.2 - RESUMO DOS MOVIMENTOS NA CONTA BANCÁRIA NO (...) Analisados os elementos remetidos pelo Banco G possível constatar que, no ano de 2016, apenas ocorreu um mofinento de entrada na conta bancária n o (...), e que respeita a transferência do conforme se resume:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

IV.3.3 ACRÉSCIMO PATRIMONIAL VERIFICADO IV.3.3.1 TRANSFERÊNCIA DO EXTERIOR
No dia 19/09/2016 foi processada, a crédito, entrada na conta bancária no (...), no valor de 200.000 USD (€178.700,00 ao cambio do dia 22/09/2016), conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Trata-se de transferência proveniente na conta bancária no (...) cujo titular é J..
De acordo com o Banco de Portugal “…o IBAN (Internationat Bank Account Number) é uma estrutura normalizada de número de conta de pagamento… “que”… é construído a partir do BBAN (em inglês, Basic Bank Account Number) adotado em cada país, precedido do respetivo código de país e dois dígitos de controlo…”.
Nesse sentido, por consulta ao site https://pt.iban.com, constatou-se que a conta remetente da transferência do dia 19/09/2016 está domiciliada no Habib Bank Limited, do Dubai, conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Naquela operação de transferência consta, ainda, no campo destinado aos Detalhes a indicação de que a mesma estaria associada a Reembolso de Empréstimo (“Loan Repayment”), conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

IV.3.3.2 CONCLUSÃO
(…)
A análise aos valores de entradas, no ano de 2016, na conta bancária no(...)1 da Caixa A, de R. e nas contas bancárias no (...), do Banco N, e no (...), do Banco G, ambas pertencentes a N., permitiu identificar acréscimos patrimoniais, provenientes de:
entradas relativas aos rendimentos da Categoria no valor de € 16.558,70, e aos rendimentos da Categoria B, no valor de € 9.408,00, e
- transferência do exterior, no valor de € 178.700,00.
O que perfaz o valor global de € 204.666,70.
Este montante excede e diverge significativamente daquele que foi fiscalmente declarado, no ano de 2016, pelo agregado familiar de N. e, sendo superior ao valor de € 100.000,00 mencionado na alínea f) do no 1 do artigo 87º da Lei Geral Tributária, determina a verificação do pressuposto legal para que se proceda à investigação da origem do acréscimo de património.

IV.4 - NOTIFICAÇÃO PARA JUSTIFICAÇÃO DOS MOVIMENTOS NA CONTA BANCÁRIA Nº (...)
(…)
IV.4.1 – RESPOSTA ÀS NOTIFICAÇÕES
A estas notificações e através de emails, remetidos por (...)@qmail.com, nos dias 10/02/2024, 12/02/2021 e 08/03/2021, N. informou que a transferência do exterior do dia 19/09/2016:
- “…resulta de aplicação de capitais, rendimentos da Categoria E, que devem ter sido referidos no Anexo J da Modelo 3 do CIRS…” e que
- “…dispõe o art. 5º do IRS no seu n o 1 “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer quo seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias" ... pelo que os rendimentos recebidos em dólares no Dubai deviam ter sido declarados nesta categoria, por não caberem noutra qualquer categoria de rendimentos…”.
Apesar de atribuir à transferência do exterior do dia 19/09/2016 a natureza de rendimento de capitais, enquadrável em sede de IRS na Categoria E, N. não fez juntar qualquer documento comprovativo das suas alegações» apesar de ter sido instado nesse sentido, por três vezes.
O que descredibiliza a justificação apresentada e não permite conferir-lhe suficiente força para cumprir, de forma cabal, com ónus probatório que legalmente lhe está atribuído.
IV.5 - DILIGÊNCIAS DESENVOLVIDAS
Apesar de, como ficou exposto, N. ter cingido a sua justificação à mera alegação de que estariam em causa rendimentos de capitais, enquadráveis na Categoria E do IRS, sem que, como se impunha, a mesma tivesse sido complementada e comprovada através de prova documental, entendeu-se desenvolver diligências com vista a serem recolhidos elementos e/ou documentos que permitissem comprovar a justificação apresentada ou, em alternativa, revelar, de forma segura e inequívoca, outra realidade com enquadramento tributário diferente.
Sendo certo que o dever de a Administração Tributária descobrir, por si própria, a verdade factual no âmbito do procedimento tributário, não se sobrepõe ao ónus da prova dos factos que cabem aos contribuintes, nem exclui ou limita o dever de colaboração dos contribuintes para com a administração tributária, dentro do espírito da boa-fé, conforme resulta do artigo 59.º da LGT…” (acórdão do TCAN, de 27/10/2016, proferido no processo n.º 00957/09.6BEVIS).
Nesse sentido, foram contactados:
- a N. e
- J.
IV.5.1 – Q, S.A.
Conforme já ficou dito a transferência do exterior do dia 19/09/2016 teve origem em conta bancária do banco Habib, sedeado no Dubai, e na qual surge como titular “J.”.
Tendo-se realizado consulta, por nome, à base de dados da AT - Autoridade Tributária foi possível verificar a existência de contribuinte com idêntico nome, de J. com o NIF (…), e domicilio fiscal na Avenida (…).
Dessa consulta constatou-se ainda que o mesmo assume posição no capital e na gerência de diversas empresas, dentre as quais a sociedade C. S.A., com o NIPC (…) e com sede na Rua (…).

E que: no ano de 2016, esta sociedade adquiriu, à Q., diversos imóveis pelo valor de € 2.082,000, 00, conforme segue:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Importa relembrar que ambos, N. e a Q. já haviam sido questionados nesse sentido e esclarecido que o primeiro apenas teve intervenção em duas operações de arrendamento (ver item 111.1).
No entanto, porque se impunha conhecer em pormenor os detalhes envolventes a estes negócios, a Q. foi contactada - novamente no sentido de se aferir se N. teve alguma participação nos mesmos e se essa participação deveria ou teria resultado no pagamento de qualquer remuneração.
Nessa conformidade, através de email de 05/02/2021, solicitou-se à Q,SA.:
- “…cópia das escrituras da venda dos artigos (…) à empresa C., S.A., com o NIPC (…)
- cópia dos documentos de pagamento dos valores dessas escrituras e
- esclarecer as circunstâncias associadas a esses negócios de alienação, nomeadamente como se manifestou o interesse/angariação do cliente, como e com quem se processaram as negociações e se foram intermediadas por alguém, juntando documentos comprovativos…”.
Através de emails do dia 25/02/2021 e do dia 04/03/2021, a Q,SA. informou que N. “…apenas interveio…na qualidade de procurador da Q., S.A., não tendo sido remunerado por qualquer intervenção no(s) negócio(s). Importa ainda sublinhar que a iniciativa de manifestação de interesso e de negociação partiu da parte compradora…”.
IV.5.2 - J.
(…)
No dia 16/03/2021, através do endereço (...)@icloud.com, J. informou que
- “…procedi a uma transferência da conta de que sou titular no Dubai, no valor de USD$200.000,00 no dia 19/09/2016 para a conta da titularidade de N., junto ao Banco Gl S.A

- a transferência em causa destinou-se ao pagamento de serviços prestados por aquele no âmbito da prospecção e acompanhamento de negócios em Portugal (vulgo procurement) para o ora signatário e para as empresas a que se encontra ligado, tendo ficado de emitir o respectivo recibo de quitação,
- no âmbito dessa prestação de serviços, N. apresentou, nos anos de 2016 e 2017, vários projectos, entre eles, o de aquisição faseada de um empreendimento na (…), o de aquisição de um terreno para construção denominado Encosta (…), a aquisição de uma loja no Parque (…) e a compra de uma fracção autónoma nas (…), tendo-se vindo e concluir estas duas últimas.
- N. fez a prospecção de mercado, propôs, projectou, negociou e acompanhou, entre outros, estes negócios, tendo o valor transferido consistido na remuneração acordada entre as partes para o seu pagamento.
- a transferência em causa nada teve a ver com a aplicação de capitais referida na comunicação a que se responde, que o signatário desconhece em absoluto
Face a esta resposta, J. foi instado, por email de 16/03/2021, para proceder ao envio dos documentos que comprovem o teor da mesma nomeadamente:
- “…contrato ou acordo escrito onde esteja identificada a natureza da prestação de serviços, - outros elementos (troca de correspondência, emails, propostas, procurações, etc ) que comprovem a existência da relação de prestação de serviços e a sua abrangência,
(…)
- documentos que demonstrem o acordo quanto ao valor a pagar e de que forma o mesmo foi calculado.
(…)
- “…elementos/documentos que comprovem as tentativas realizadas para que fosse emitido o recibo de quitação do valor pago…”.
No dia 18/03/20161 através do endereço (...)@icloud.com, J. informou que:
- “…o acordo foi verbal e fixou-se no valor global e final de USD 200.000, tendo em conta os serviços a prestar e os investimentos projectados…”,
- “…os pedidos para emissão do recibo (que seria em meu nome) foram, segundo recordo, verbais, não garantindo, no entanto, que não possa ter havido algum email sobre o assunto…”,
- “…dado que decorreram quase 5 anos desde a ocorrência dos factos, não disponho dos mails trocados…”,
- “…o entanto, envio os emails que consegui obter, trocados com o Dr. A., que se relacionam com os serviços prestados no âmbito dos negócios apresentados, dois dos quais concluídos (loja (…)) e dois que não chegaram a seu termo ((…))…”.
Nesta resposta, J. não juntou nenhum dos documentos solicitados.
Apenas juntou:
- cópia do contrato promessa de compra e venda, de 08/07/2016, respeitante ao imóvel U-31.. cuja escritura de venda foi celebrada em 04/08/2016 (ver item IV.5.1),
- email de 12/10/2016 entre (...)@sapo.pt e (...)@qmail.com com o assunto Negocio em ……Empreendimento….”, e
- email de 13/02/2017 entre (...)@csconsulting.pt e (...)@gmail.com com o assunto “()”.
IV.5.3 ANÁLISE ÀS INFORMAÇÕES E AOS ELEMENTOS RECOLHIDOS
(…)
Nesse sentido, em matéria documental e de prova:
a) quanto à justificação de que se trataria de reembolso de empréstimos haveria que, pelo menos:
ü demonstrar a necessidade e a razão motivadora de tal empréstimo,
ü indicar as datas em que teria ocorrido e
ü apresentar o fluxo financeiro de saída, da esfera pessoal de N., de montante igual ao da transferência do dia 19/0912016,
b) quanto à justificação de que se trataria de rendimentos da aplicação de capitais enquadráveis na Categoria E do IRS haveria que, pelo menos:
ü identificar o tipo de rendimentos que estaria em causa (lucros, juros ou outros),
ü identificar o montante aplicado e o fluxo financeiro relativo à aplicação que estaria na génese de tal rendimento e
ü identificar as entidades envolvidas.
No presente caso, haveria também que se justificar a razão para que a transferência de 19/09/2016 tenha tido origem em conta pessoal e a natureza da intervenção do titular da mesma (J.) na geração dos tais rendimentos de capitais.
c) quanto à justificação de que se trataria de rendimentos de prestação de serviços (enquadráveis na Categoria B do IRS e sujeitos a IVA) haveria que, pelo menos:
ü apresentar acordo ou contrato escrito que permitisse identificar$ entre outros as partes efectivamente envolvidas, o seu objecto: campo de acção e delimitação, a duração, os factores definidores do preço a pagar, as datas e a forma de processamento dos pagamentos e as salvaguardas em caso de incumprimento das partes,
ü apresentar outros elementos ( troca de correspondência, emails ou outros ) que confirmem a conexão da transferência de 19/09/2016 com a alegada prestação de serviços e

ü tendo sido alegada a não emissão de recibo de quitação por parte de N., apresentar elementos que identificassem e atestassem as diligências efectuadas no sentido de suprir tal falta, quer fosse pela via voluntária quer fosse pela via judicial.
O que, contrariamente ao que legalmente se impõe não foi feito em nenhum dos casos.
Para além disso, dado que os negócios dos dias 04/08/2016 e 04/10/2016 foram realizados pela empresa C., S.A., sempre seria necessário justificar a razão para que a transferência em causa (ou pelo menos parte dela que estivesse relacionada com aqueles negócios) não tivesse proveniência em contas bancárias da dita empresa uma vez que as operações em causa ocorreram na sua esfera empresarial.
Devendo, por isso, ser considerada a beneficiária da alegada prestação de serviços e, consequentemente, a responsável pelo seu pagamento.
A ser como ficou relatado, o procedimento de transferência adoptado implicaria que a empresa C., S.A. teria tomado, deliberadamente, a opção de abdicar de incluir na sua contabilidade um documento (recibo ou outro) comprovativo de gasto fiscalmente relevante e que teria implicações ao nível dos resultados fiscais e da sua carga fiscal, o que não se coaduna com as regras contabilístico-fiscais e careceria de justificação plausível.
Por outro lado, da consulta ao sistema informático da AT - Autoridade Tributária (opção actos por outorgante) verificou-se que J. não se encontra colectado e apenas interveio numa operação de aquisição de imoveis, no ano de 2004 sendo esta de valor significativamente inferior ao dos dois do ano de 2016} o que fragiliza a justificação apresentada de que a transferência de 19/09/2016 assenta numa relação profissional de prestação de serviços desenvolvida em torno da sua esfera pessoal.
Pelo que, seria essencial e necessário esclarecer e justificar a razão para que a transferência do dia 19/09/2016 tivesse origem em conta pessoal domiciliada em instituição Bancária do Dubai.
Noutra vertente, a prestação de serviços em causa foi enquadrada, em termos temporais, nos anos de 2016 e 2017.
Devendo, desde logo, questionar-se a razão que justifica que uma relação profissional com esta extensão temporal tivesse gerado apenas uma operação de pagamento e em data muito anterior ao seu término.
Data essa que não apresenta qualquer correlação com as datas envolvidas nos negócios de 04/08/2016 e 04/10/2016.
(…)
Em suma, como ficou evidenciado, as diligências desenvolvidas levaram à recolha de determinadas justificações que se revelaram contradizentes, imprecisas, difusas e inconsequentes.
Não tendo sido possível recolher nem tendo sido disponibilizada prova documental que corroborasse qualquer uma delas e, dessa forma, tivesse contributo, decisivo, para a formação de convicção segura e inequívoca da natureza e da realidade envolvente à transferência de 19/09/2016
Em função do que ficou exposto, as ditas justificações revelam-se incoerentes e de circunstância, evidenciando o propósito de que as mesmas sejam as adequadas a uma determinada ocasião elou solicitação.
Nesse sentido, as mesmas não merecem colhimento nem abarcam valor probatório suficiente para:
- por um lado, comprovar as alegações apresentadas por N. a quem incumbe o ónus da prova da realidade dos rendimentos declarados e
- por outro lado, aclarar em pleno a realidade e a natureza da transferência de 19/09/2016,
- que inviabiliza que se estabeleça conexão entre o valor da transferência do dia 19/09/2016 e alguma das justificações apresentadas elou que estas sirvam para justificar a sua natureza ou proveniência.
IV.6 – CONCLUSÃO
Por tudo quanto ficou exposto, haverá que como factos fundamentais para formular uma conclusão, os seguintes elementos:
1. tendo-se tido acesso no âmbito da presente acção inspectiva, à informação relativa aos movimentos bancários, houve oportunidade de constatar a existência, no ano de 2016, de movimentos de entrada nas contas bancárias, no valor total de € 204.666, 70 (ver item IV,3.3.2);
2. tais movimentos configuram acréscimo do património de N., cabendo, assim, no disposto na alínea f) do no 1 do artigo 87º da LGT;
3. parte desse valor, no montante de € 25.966,701 respeita a transferências relativas aos rendimentos da Categoria A, auferidos pelo cônjuge R., e aos rendimentos da Categoria B, auferidos por N., peio que se considera justificado,
4. no âmbito da justificação prestada por N. para responder à notificação efectuada, o mesmo informou tratar-se de rendimentos resultantes da aplicação de capitais e, por isso, enquadráveis na Categoria E do IRS;
5. contudo, quer essa justificação, quer outras que foram apresentadas por outras partes não se mostraram coerentes e não foram comprovadas no âmbito do ónus probatório que impende sobre N. que, por isso, não logrou demonstrar que correspondem à realidade os rendimentos declarados ou de que é outra a fonte do acréscimo de património verificado,
6. pelo que, apesar de se conhecer a sua proveniência, não foi possível determinar a real e efectiva natureza subjacente à transferência que deu entrada na conta bancária de N.;
em razão do que será de dar por concluído que o acréscimo de património, representado pela transferência do exterior, de 19/09/20162 não foi justificado por N. e, nessa medida, será de tributar por enquadramento na alínea f) do no 1 do artigo 87º da Lei Geral Tributária.

V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORREGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
No que concerne à quantificação a desenvolver, haverá que atender ao que dispõe o no 5 do artigo 89º-A da Lei Geral Tributária, que estabelece como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação… “considerando-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos…”.
A dedução do valor dos rendimentos declarados prevista na lei justifica-se pelo pressuposto de que o acréscimo de património ou despesa tem origem, em parte, naqueles rendimentos.
No caso em apreço, face às diligências efectuadas ao nível bancário, é certo que parte alguma do acréscimo de património, resultante da transferência do exterior do dia 19/09/2016, no valor de € 178.700,00, foi obtida à custa dos rendimentos declarados em sede de IRS no ano de 2016, já que estes foram depositados noutras contas sob a forma de transferências bancárias (ver item IV.3.1).
Desta forma, entende-se que o acréscimo de património a considerar para o ano de 2016 deverá ser dado pelo somatório do valor da transferência bancária do dia 19/09/2016, que foi creditada na conta bancária n o (...), do Banco Gtitulada por N., (€ 178.700,00) com o valor das entradas referentes aos rendimentos da categoria A (16.558,70) e da categoria B (€9.408,00) que foram concretizados por transferência bancária, perfazendo o total de € 204.666$70.
Abatendo-se a tal acréscimo patrimonial, em obediência ao n o 2 do artigo 87º e ao n o 5 do artigo 89º -A, ambos da LGT, os rendimentos líquidos, no montante de € 26.356,97 (ver item IV. 1.1) declarados pelo agregado familiar de N..
Desta forma, o incremento patrimonial apurado ascende a € 178.309,731 valor que deverá ser englobado na categoria G do IRS para apuramento do cômputo dos rendimentos líquidos do ano de 2016.
Face ao exposto, apura-se, para o ano de 2016, o rendimento coletável de € 207.103,00, conforme se demonstra:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Os acréscimos patrimoniais injustificados são tributados à taxa prevista no no 11 do artigo 72º do CIRS. (…)”
(cfr. RIT a fls. 244/263 do PA);
6) Em 06/04/2021, o Relatório Inspeção Tributária mencionado no ponto anterior, mereceu despacho de concordância do Diretor de Finanças Adjunto dos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças do Porto. (cfr. fls. 243 do PA);
7) Em 06/04/2021, foi proferido ato de fixação de rendimentos “IRS – Artigos 87.º alínea f) e 89.º-A da Lei Geral Tributária – Nota de Decisão”, que se dá por integralmente reproduzido:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. a fls. 266/267 do PA)
8) Em 07/04/2021, foi entregue ao Recorrente por notificação pessoal, o Ofício n.º 2021S000046456, de 06/04/2021, do Relatório Final de Inspeção e respetivos anexos. (cfr. fls. 264/266 do PA);
9) Em 19/04/2021, foi apresentada o presente recurso. (cfr. comprovativo entrega via SITAF);
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir, atenta a causa de pedir.
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efetuou-se mediante a apreciação dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as soluções plausíveis de direito (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 4, do CPC ex vi art. 2, alínea e), do CPPT), tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, e atendendo aos documentos juntos aos autos, bem como, aos que integram o processo administrativo instrutor e que sustentam o relatório de inspeção tributária. Indicando-se expressamente, a propósito de cada facto, o documento que, em concreto, serviu de base à sua prova.
Foi ainda produzida prova testemunhal, que se revelou de escassa relevância para os presentes autos, porquanto a testemunha H., admitiu ser próximo de J., administrador e acionista da C. S.A., tendo sido representante deste num negócio desta sociedade, com a .Q,SA, sendo o Recorrente procurador desta última, no citado negócio.
Quando questionado sobre a factualidade subjacente ao incremento patrimonial em causa nos presentes autos, afirmou não ter conhecimento, direto ou indireto, da transferência em apreço e do circunstancialismo que a precedeu, demonstrando não ter conhecimento sobre se o Recorrente foi remunerado por serviços de intermediação no citado negócio, ou se se tratou de um “prémio” ou “comissão” no âmbito de um outro negócio que desconhece, ou ainda, se se deveu a uma relação pessoal entre J. e o Recorrente.
*
II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, ou dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelos Recorrentes.
Recorde-se que em causa está a sentença proferida pelo TAF do Porto no âmbito do recurso interposto pelos aqui Recorrentes nos termos do disposto nos arts. 89.º-A n.º 7 e 8 e 146.º-B do CPPT da decisão da decisão do Diretor de Finanças do Porto de 2021-04-06, que determinou a fixação do seu rendimento tributável em sede de IRS do ano de 2016 com recurso a métodos indiretos, incluindo na Categoria G, nos termos do disposto na alínea f) do art. 87.º da LGT, o montante de EUR 178.309,73 (USD 200.000,00) enquanto incremento patrimonial não justificado referente à transferência bancária ocorrida em 2016-09-19, quantia essa que, recorde-se, não foi declarada pelos Recorrentes.
Alegam os Recorrentes que a sentença sob recurso padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 125.º do CPPT, porque na sua tese o Tribunal a quo não se terá pronunciado “… sobre o ónus da prova, que impedia sobre a AT para eliminar a presunção de verdade do inscrito no documento, de que se tratava de um “reembolso de empréstimo”, … e como tal não sujeito a tributação” (cf. conclusão 2, das suas alegações de recurso).
Não têm, no entanto, razão.
Com efeito, e como tem sido repetida e exaustivamente esclarecido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, a omissão de pronúncia diz respeito, tão só, às situações em que falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão.
É o que resulta, por exemplo, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido em 2020-04-20, no proc. 02145/12.5BEPRT 01190/17 (disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta), no qual se sumaria “Nos termos do preceituado no citado art. 615, n.º 1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões (que não as meras “razões” ou “argumentos”) que devesse apreciar (seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei)”.
Com efeito, nesta matéria, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores afirma reiteradamente que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cf. Acórdão do STA proferido em 2012-09-19, no proc. 0862/12, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Por conseguinte, só haverá omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cf. Acórdão do STA proferido em 2014-05-28, no proc. 0514/14, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Sucede que, e como é, aliás, explicitado no despacho proferido nos autos pela Senhora Juíza do Tribunal de primeiro conhecimento da causa [cf. n.º 1 do art. 617.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT] sobre a nulidade que os Recorrentes imputam à sentença, esta questão foi amplamente endereçada a fls. 21 a 25 da mesma, nos seguintes termos, que se passam a reproduzir:
(…)
A partir do momento em que a Administração Tributária demonstre que a capacidade declarada/não declarada, está desfasada da capacidade real, pois compete-lhe a si prová-lo, atenta a repartição do ónus da prova constante do art. 74.º, n.º 3, da LGT, estão reunidos os pressupostos para o recurso à avaliação indireta, ou seja, fazendo cessar a presunção de veracidade das declarações do contribuinte consagrada no art. 75.º da LGT, fica a Administração Tributária legitimada a recorrer à avaliação indireta.
“Nos casos previstos nas alíneas c) a f), a avaliação indireta só poderá ser levada a cabo se não for apresentada ou encontrada justificação aceitável para o afastamento em relação aos valores apontados pelos indicadores, ou para as manifestações de fortuna evidenciadas ou para os resultados nulos ou prejuízos ou para a divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou despesa evidenciados pelo sujeito passivo. Na apreciação desta justificação, a administração tributária deve ter em conta que é a ela e não ao contribuinte que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos da utilização de métodos indiretos (art. 74.º n.º 3 da LGT), (…)” – cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, Encontro da Escrita, pág. 762.
Desta forma, quando a AT prova estarem reunidos os pressupostos para recurso à avaliação indireta, passa a recair sobre o contribuinte, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, o ónus de comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte de manifestações de fortuna ou acréscimo do património, melhor dizendo, tem de demonstrar que detinha proventos suficientes para assegurar a manifestação de fortuna ou que os mesmos não tinham de ser declarados para efeitos de imposto sobre o rendimento (ob. cit. Lei Geral Tributária Anotada, pág. 784).
Todavia, no seguimento do supra exposto, “(…) Feita a prova que não existe a ocultação ilegal de rendimentos, não estarão reunidos os pressupostos para corrigir os valores declarados pelo contribuinte. Manifesta-se, também aqui, a primazia da tributação pelo rendimento real. Note-se que, nestes casos, não basta fazer a contraprova (gerar dúvidas sobre a existência do facto tributário), exige-se a prova em contrário, devendo ficar demonstrado que não existe uma ilegal substração à tributação devida. (…)” (José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág. 943 e ss).
Quando o sujeito passivo careça de fazer essa prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a diferença entre o acréscimo de património e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, enquadrando-se na categoria G, atento o disposto no art. 89.º-A n.º 5, alínea a) da LGT.
Para efeitos da alínea f) do art. 87.º da LGT, o n.º 5 do art. 89.º-A da LGT determina:
“a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;
b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efectuada;
c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado;
d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos. (…)”
Como ensina o Acórdão do TCA Norte (Proc. n.º 0095/13.5BEAVR, de 26/03/2015): “ (…) 2) São pressupostos da fixação da matéria tributável pelo método indirecto, a que alude o disposto no artigo 87.º, nº 1 alínea f) da Lei Geral Tributária: a) existência de acréscimo de património ou de consumo (de valor superior a €100.000,00), evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa; b) a divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou de consumo do sujeito passivo no mesmo período de tributação; c) e que tal divergência não tenha justificação.
3) O n.º 3 do artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária deve ser interpretado no sentido de que, quando o sujeito passivo se proponha demonstrar que correspondem à realidade os rendimentos declarados provando que tinha outros meios financeiros para efectuar a aquisição ou realizar a despesa (não sujeitos a tributação nesse ano), deve fazê-lo demonstrando também que mobilizou esses proventos para a realização da operação em causa.
4) A visada alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT nenhuma diferenciação/exclusão faz de tipos de bens ou de natureza das despesas, para além de que, tendo sido aditada quando já se encontrava, entre outras, prevista a alínea d), objectivamente, representou a vontade do legislador em aumentar o número das situações de facto legitimantes da efectivação, por parte da Administração Tributária, de avaliação indirecta da matéria tributável, no âmbito de uma estratégia pública de ataque, o mais abrangente possível, à fraude e evasão fiscal.”.
Feito este enquadramento legal, passemos ao caso concreto.
Da violação da lei e da preterição de formalidades legais
Compulsados os autos, a Autoridade Tributária, para fundamentar o recurso à avaliação por métodos indiretos, baseou-se nos fundamentos vertidos no relatório de inspeção tributária, reproduzido no probatório, em concreto:
- Os Recorrentes declararam no ano de 2016, rendimentos da categoria B, no montante de € 9.600,00, que foram auferidos por N. pelos serviços prestados para a sociedade Q., S.A., rendimentos da categoria A, no montante de € 23.565,53 auferidos pela cônjuge R., rendimentos da categoria F, no montante de € 8.175,00, que foram auferidos pela filha M..
- Autorizado o acesso a contas bancárias, foi apurado, da análise dos extratos bancários das contas tituladas por N., concretamente a conta bancária nº do Banco Gapresenta apenas dois movimentos de entrada, sendo um deles, no montante de €178.700,00 (200.000,00 USD), proveniente da conta bancária nº (...);
- Esta transferência foi proveniente da conta bancária nº (...) cujo titular é J., cuja conta remetente está domiciliada no Habib Bank Limited, do Dubai, com o detalhe “Loan Repayment”;
- Notificado, o Recorrente, para esclarecer “a que título foi efectuada a transferência no valor de 200.000 USD, juntando os competentes documentos comprovativos”, respondeu atribuindo à transferência do exterior de dia 19/09/2016, a natureza de rendimento de capitais, enquadrável em sede de IRS, na Categoria E, não fazendo juntar qualquer documento para o efeito;
- Das diligências e contactos realizados com Q,S.A., e J., relativamente à transferência para a conta do Recorrente, foram prestadas justificações de diferente natureza e enquadramento pelo ordenante J. - na data da transferência (reembolso de empréstimo) e na resposta do dia 08/03/2021 (prestação de serviços / compra de imóveis dos dias 04/08/2016 e 04/10/2016), e pelo beneficiário N., na resposta dos dias 10/02/2021, 12/02/2021 e de 08/03/2011 (rendimentos de capitais - Categoria E do IRS).
Em suma, dos elementos apreciados em sede de inspeção tribuária e vertidos no RIT, concluiu a AT, que, não obstante o Recorrente ter colaborado no âmbito da ação inspetiva, não resulta inequívoco a justificação do acréscimo patrimonial em relevo não declarado, pois não foram apresentadas provas e factos concretos que permitissem a formação de uma convicção segura da natureza e da realidade envolvente da transferência bancária de 19/09/2016.
Por conseguinte, a AT concluiu que, passando a impender sobre o Recorrente o ónus de comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património, ou que os valores em causa não carecem de ser declarados, sob pena de ser tributado por este acréscimo não justificado, ao abrigo do n.º 5 do art. 89.º-A da LGT, o contribuinte não apresentou prova suficiente para demonstração concreta e contextualizada do alegado, estabelecendo a sua insuficiência ou incoerência para demonstrar a concreta origem do acréscimo patrimonial em questão.
Com efeito, do teor completo do Relatório de Inspeção dado por integralmente reproduzido, nomeadamente no ponto “IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS”, constata-se que a Administração fiscal concretizou, quais os motivos que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta da matéria tributável, e as razões pelas quais não considerou terem sido supridas as informações e elementos em falta, depois de ter sido dada essa oportunidade aos sujeitos passivos.
Concretizou ainda, face aos elementos fornecidos e produção de prova em sede de ação inspetiva, por que razão a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso aos métodos indiretos, se tornou a única forma de calcular o imposto.
Assim, especificados os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e bem assim indicados os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, ao abrigo do art. 77.º n.º 4 da LGT, a AT fez cessar, de forma eficaz, a presunção consagrada no art. 75.º n.º 1, da LGT, passando a estar legitimada a recorrer, a métodos indiretos, para efetuar a determinação da matéria tributável dos Recorrentes.
Invertido o ónus da prova quanto ao acréscimo patrimonial em apreço, quanto a saber se o Recorrente conseguiu efetivamente justificar a transferência proveniente do Banco Habib Bank Limited, do Dubai, datada de 19/09/2016, de J., como vimos, a lei impõe uma demonstração da realidade subjacente ao acréscimo patrimonial evidenciado, não bastando, para o efeito, a demonstração de factos que façam duvidar da existência do facto tributário ou da respetiva quantificação nos termos declarados pelo sujeito passivo.
Com efeito, o Recorrente alega que a transferência se deve ao reembolso de um empréstimo feito a J., há vários anos atrás, motivo pelo qual não tem documentos por “ultrapassagem legal de prazos de conservação ou arquivo dos documentos”, acrescentando não ter memória concreta para os reproduzir, remetendo a justificação do empréstimo para o “foro íntimo”.
É forçoso constatar que, face aos argumentos do Recorrente, e à carência de documentação que comprove o alegado, este não logrou fazer a respetiva demonstração da realidade subjacente ao acréscimo patrimonial em crise, de razões para que o valor em referência não tivesse de ser declarado, cabendo-lhe a prova dos motivos desse “empréstimo”. Ante o exposto, esta será a única ilação a retirar do RIT e da análise dos documentos e declarações apresentadas Q,S.A., e J., assim como, da restante documentação junta ao procedimento inspetivo e aos presentes autos, e ainda, da prova testemunhal produzida, concluindo-se que o Recorrente não provou a proveniência da transferência cujo valor não declarou para efeitos de tributação de rendimento.
Por outro lado, quanto à circunstância invocada pelo Recorrente, de que a transferência bancária em causa, se poderia enquadrar nos rendimentos de aplicação de capitais, inserindo-se na Categoria E do IRS, julga-se que da prova produzida também não resulta demonstrado que o tipo de rendimentos em causa se reportavam a lucros, juros ou outros, não sendo possível aferir se essa quantia estava relacionada com rendimentos de capitais, e, como bem diz a Entidade Recorrida, “também seria de justificar a razão para que transferência de 19/09/2016, tenha tido origem na conta pessoal e a natureza da intervenção do titular da mesma (J.) na geração dos tais rendimentos de capitais.”.
Em consequência, há que concluir que não colhem os argumentos dos Recorrentes, por insuficiência de prova, não se podendo assacar qualquer violação de lei ou preterição de formalidades legais ao ato de fixação da matéria coletável com recurso a métodos indiretos, pelo que se deve manter a decisão recorrida.
(…)
Ou seja, e em síntese, entendeu o Tribunal de primeiro conhecimento da causa que, recaindo o ónus da prova sobre os aqui Recorrentes e não tendo os mesmos logrado provar a origem da transferência bancária em causa, nada havia que censurar ao despacho recorrido.
Com efeito, nada há a censurar à aplicação do direito que a sentença recorrida assim efetua, pois, e como vem sendo esclarecido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, “demonstrados pela AT os pressupostos da aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada (artigos 74.º, n.º 3 e 89.º-A, n.º 3 da LGT)(cf. neste sentido, designadamente, o Acórdão proferido pelo TCAS em 2018-09-27, no proc. 2868/14.4BELRS, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Ora, resultando demonstrados pela ATA os pressupostos da aplicação dos métodos indiretos ao caso em apreço - a existência da quantia não declarada; a insuficiência dos esclarecimentos prestados pelos Recorrentes quanto à respetiva origem; e a inconclusividade das diligências instrutórias efetuadas pelos SIT junto da NQ,, S.A., e do ordenante da transferência J. -, cabia aos Recorrentes a prova da concreta proveniência do montante referente à transferência bancária, que, repita-se, não declararam na respetiva declaração de rendimentos de IRS referente ao ano de 2016 em causa.
Donde é manifesto que não se verifica a alegada nulidade por falta de pronúncia, sendo certo que, e como foi já aqui explicitado, tanto implicaria a falta em absoluto da indicação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão, e não, como é o caso, uma pronunciação em sentido diverso do pretendido pelos Recorrentes.
Questão diferente seria a da verificação de um eventual erro na apreciação das provas, ou seja, de um erro de avaliação de um concreto meio de prova, ou, dito de outro modo, de um erro sobre os factos representados por um dado meio de prova (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 31).
De facto, e se bem se interpretam as suas alegações de recurso, os Recorrentes entendem ter-se verificado um erro de avaliação em concreto do documento bancário “comprovativo de operação”, contendo o “detalhe” da transferência bancária de USD 200.000,00 (EUR 178.700,00), documento esse reproduzido na imagem n.º 2 constante a fls. 16 do Relatório da Inspeção Tributária (cf. ponto 5, da fundamentação de facto) e do qual pretendem dever retirar-se a comprovação de que em causa esteve o reembolso de um empréstimo (“Loan repayment”).
Não têm, no entanto, razão.
Com efeito, o documento em questão não é idóneo para a prova que pretendem, pois o que reflete é tão só o descritivo da operação efetuado pelo ordenante da transferência bancária.
A transferência bancária em causa proveio da conta bancária domiciliada no Habib Bank Limited, do Dubai, cujo titular era J..
Ora, decorre das regras de experiência comum, constituindo presunção judicial (cf. artigos 349.º e 351.º do Código Civil - CC), ou ainda que assim não se entendesse, sempre deveria ser considerado facto notório, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT -, que é o titular da conta que preenche o descritivo das operações através das quais a movimenta. Estando em causa uma operação de transferência bancária a partir de uma conta titulada por J., há, pois, que concluir que foi o este que preencheu o descritivo referente a essa mesma transferência bancária.
Sucede que, e como é explicitado na sentença sob recurso, nas declarações recolhidas pela ATA junto de J. este refutou expressamente que a operação em questão tivesse tido origem na “aplicação de capitais” invocada pelos Recorrentes, tendo antes apontado como explicação que a mesma se teria destinado “ao pagamento de serviços prestados” pelo aqui Recorrente (cf. p. 24-25 do RIT, cf. ponto 5 da fundamentação de facto), alegação para a qual também não ofereceu qualquer prova.
Perante esta discrepância, e não tendo os Recorrentes logrado provar, como lhes cabia, que em causa esteve o reembolso de um empréstimo, a quantia em causa não podia ser qualificada, como pretendem, para efeitos de IRS como um rendimento de capitais, enquadrável na categoria E, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 5.º do Código do IRS (cf. conclusão 3, das alegações de recurso) e “não sujeito a tributação em IRS” (cf. conclusão 1, das alegações de recurso).
Com efeito, e à mingua de qualquer outra prova relevante sobre a origem da referida transferência bancária, nada há que censurar ao despacho do Diretor de Finanças do Porto objeto do recurso perante o Tribunal a quo, não padecendo o mesmo de qualquer ilegalidade, revelando-se adequada a qualificação do rendimento em questão para efeitos de IRS como incremento patrimonial não justificado, enquadrado na categoria G para efeitos de IRS.
Pelo que, e consequentemente, nada há a censurar à sentença recorrida, que fez uma correta apreciação dos factos e do direito aplicável ao caso concreto, devendo por isso o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
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Atendendo ao seu total decaimento no presente recurso, os Recorrentes são condenada em custas [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Tal e como vem sendo esclarecido pela jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, uma vez demonstrados pela ATA os pressupostos da aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova de que corresponde à realidade a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património em causa.

II. Não é idóneo para a prova de que a transferência bancária em causa é proveniente do “reembolso de um empréstimo” (Loan Repayment) o documento contendo o descritivo da operação bancária, preenchido pelo respetivo ordenante, que em declarações prestadas aos SIT expressamente nega essa proveniência.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Porto, 3 de fevereiro de 2022 - Margarida Reis (relatora) – Cláudia Almeida – Paulo Moura.