Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02479/21.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/04/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DO ACTO PROCESSUAL;
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte - Subsecção Social -:

RELATÓRIO
«AA», com domicílio na Rua ..., no Porto, veio instaurar acção administrativa contra o Ministério da Educação, com sede na Avenida ..., ..., em ..., através da qual peticiona a sua condenação no pagamento à compensação devida pelo direito a férias nos anos de 2016 e 2017.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada verificada a excepção de intempestividade da acção e absolvido o Réu da instância.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:


I. Entende o Recorrente que o douto Saneador/Sentença se reveste de uma interpretação e fundamentação de Direito dada pelo Tribunal a quo verdadeiramente contraditória com o entendimento apresentado por aquele, acompanhado do entendimento quer da mais elevada Jurisprudência quer da mais elevada Doutrina.
II. O Tribunal a quo considerou, erradamente, declarar procedente a exceção dilatória de intempestividade da ação arguida pela Ré, aqui Recorrida, pelo suposto motivo de caducidade do direito de ação pela adoção do meio processual que consistiu em demandar a Ré/Recorrida na ação de condenação à prática de ato devido e, nessa medida, não conheceu do mérito da causa absolvendo a Ré da instância.
III. O Recorrente demonstrou cabalmente, através da enunciação de factos claros, objetivos e precisos, confirmados por elementos de prova cabais que a ação administrativa de condenação à prática de ato devido deveria proceder, configurando-se como meio processual adequado e correto à pretensão do Recorrente.
IV. Tal adequação do meio processual funda-se no facto de o aqui Recorrente ter apresentado requerimento ao órgão competente no dever de decidir – Direção do Agrupamento de Escolas ... – tendo este órgão, em resultado, notificado o recorrente em julho de 2020 sobre o indeferimento do requerimento, o qual se configurava como uma outra defesa do seu direito ao gozo das férias referentes aos anos de 2016 e 2017.
V. Por tal, reside na esfera jurídica do Recorrente o direito a pedir a condenação à prática de ato devido por se verificar o pressuposto residente na alínea b), n.° 1 do artigo 67.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
VI. Ademais, o Tribunal a quo deu provados os seguintes factos que, aliás, sustentam a legitimidade e veracidade da pretensão do Recorrente:
“A) O Autor exerce funções de docente, sendo professor do Quadro de Nomeação Definitiva desde o ano letivo de 1990/1991 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 1);
B) Nos anos lecivos de 2015/2016 e 2016/2017, o Autor foi colocado no Agrupamento de Escolas ..., no Porto (cf. fls. 1 e seguintes do PA);
C) A 31/08/2017, o Autor ficou colocado no Agrupamento de Escolas ... (cf. idem);
D) De 04/04/2016 a 27/07/2017, o Autor esteve de baixa por razões médicas (cf. fls. 5 e seguintes do PA);
E) A 19/12/2017, o Autor dirigiu à Directora do Agrupamento de Escolas ... um requerimento, do qual consta, designadamente, o seguinte: “(...) Face ao exposto, vem o signatário requerer junto de V. Exa. o seguinte: A) Seja realizado o apuramento total dos dias de férias não gozados nos anos civis de 2016 e 2017; B) Sela ressarcido dos valores correspondentes aos dias de férias não gozadas; C) Seja realizado o apuramento do valor total correspondente ao "subsidio de refeição" relativo ao período compreendido entre 28 de Julho de 2017 e 31 de Agosto de 2017; D) Seja ressarcido dos valores de "subsídio de refeição" correspondente ao período compreendido entre 28 de Julho de 2017 e 31 de Agosto de 2017.” (cf. fls. 9 e seguintes do PA);
F) A 18/06/2018, a Directora do Agrupamento de Escolas ... comunicou ao Autor o seguinte: “(...) Pela presente informamos que, relativamente ao pedido de esclarecimento por nós solicitado à DGESTE no âmbito da matéria em Assunto, aqueles serviços «aguardam esclarecimentos superiores». Assim que os recepcionarmos daremos conhecimento dos mesmos.(...)” (cf. fls. 11 do PA);
G) A 27/05/2020, o Delegado Regional de Educação enviou uma missiva ao Agrupamento de Escolas ..., com conhecimento ao Sindicato Independente de Professores e Educadores, na qual consta, designadamente, o seguinte: “(...) Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, e na sequência do nosso ofício ...18, de 14/06/2018, informa-se V.ª Exa. de que o n.° 1 do art.° 278.° da LTFP, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho, determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, com os efeitos do art.° 129.° do citado diploma legal, enquadramento que de acordo com as orientações da Direcção Geral da Administração do Emprego Público, que é transversal a toda a Administração Pública, se aplicou até à emissão da Circular n.° 01/DGAEP/2020, de 21 de Fevereiro. Neste contexto e no caso em apreço, o docente venceu as férias a que tinha direito em 01/01/2016 e não venceu as férias em 01/01/2017, por se encontrar com o vínculo suspenso. (...)” (cf. fls. 12 do PA);
H) A 16/07/2020, o Agrupamento de Escolas ... comunicou ao Autor, por via da sua Ilustre Mandatária, a resposta indicada supra (cf. fls. 13 do PA);
I) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 04/11/2021 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).”
VII. Portanto, o Saneador/Sentença proferido pelo Tribunal a quo faz uma apreciação jurídica dos factos desacertada.
VIII. Como demonstrado, a relação jurídica de emprego público existente entre o Recorrente e a Recorrida em momento algum se suspendeu – inclusive no decorrer da baixa médica a que esteve sujeito o aqui Recorrente, entre 4 de abril de 2016 e 27 de julho de 2017.
IX. Tal se deve ao facto de “os trabalhadores da Administração Pública, que ingressaram em regime público, até 31 de Dezembro de 2005 ficam integrados no regime de protecção social convergente, ou seja, num regime de protecção social similar ao da Segurança Social, daí se chamar de convergente (Lei 4/2009 de 29/01)., emanado pelo Acórdão do STA, no âmbito do processo n.º 0109/17, datado de 28 de setembro de 2017.
X. Regime este que se aplica ao caso concreto do aqui Recorrente, por tal “a ausência de norma especial que se refira aos efeitos das faltas por motivo de doença dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente relativamente ao direito a férias, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que é especificamente dedicado às faltas por doença, impõe, de acordo com os ditames da interpretação jurídica, a conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias.”, emanado pelo Acórdão do STA, no âmbito do processo n.° 0109/17, datado de 28 de setembro de 2017.
XI. O Recorrente aquando do seu regresso ao Agrupamento de Escolas ... decidiu dirigir um requerimento à Diretora daquele Agrupamento a solicitar o pagamento correspondente às férias não gozadas nos aludidos dois anos.
XII. Em resultado dessa apresentação, o aqui Recorrente viu o seu requerimento ser alvo de um indeferimento, consubstanciado num novo ato administrativo nulo por violar de forma manifesta o conteúdo essencial do direito a férias, consubstanciando este um direito análogo a um direito fundamental.
XIII. Sendo as férias de um Trabalhador, como é o aqui Recorrente, um direito irrenunciável, pacificamente aceite quer pela Douta Jurisprudência que sobre a matéria já se versou, quer ainda pela mais vasta Doutrina, o seu não reconhecimento concretizado num ato administrativo configura, naturalmente, a violação de um direito.
XIV. O direito a férias é, sem margem para dúvidas ou inquietações, um direito análogo a um direito fundamental.
XV. Como tal, o seu não reconhecimento contemplado num ato administrativo só pode contaminar o ato da invalidade mais grave, a nulidade, nos termos do artigo 161° n.° 2 alínea d) do Código do Procedimento Administrativo.
XVI. E, neste seguimento, e nos termos do disposto no artigo 162° do Código do Procedimento Administrativo, a nulidade pode ser requerida a todo o tempo.
XVII. Por tal, o Autor e aqui Recorrente socorreu-se da ação administrativa de condenação à prática de ato devido com a finalidade de ver a sua pretensão tutelada, isto é, decretada a nulidade do ato administrativo com a pretensão de ser emanado outro ato administrativo que reconhecesse este direito fundamental.
XVIII. Assim, e ao contrário daquilo que é proferido pelo Tribunal a quo no Saneador / Sentença, o meio processual adotado de condenação à prática de ato devido é adequado a tutelar a pretensão do Recorrente.
XIX. Nesse sentido, elucida-nos a mais elevada Jurisprudência que “I - A condenação à prática de actos devidos pode ocorrer quer nas situações em que exista uma omissão por banda da Administração, quer exista uma recusa da prática de um acto, exigindo, o n.° 1 do artigo 66.° do CPTA, como requisito para a condenação à prática de acto devido, que a recusa ou omissão sejam ilegais. II - O meio processual adequado para reagir contra actos administrativos de indeferimento é a acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido, e não o processo de impugnação com vista à mera anulação ou declaração de nulidade do acto em causa.” conforme o Acórdão do TCA Norte, no âmbito do processo n.° 00584/14.6BEPRT, datado de 15 de setembro de 2016. (sublinhado e negrito nossos)
XX. Por tal, o douto Saneador/Sentença prevarica o disposto no artigo 67.°, n.° 1, alínea b) do CPTA, e que nos elucida que pode a ação administrativa de condenação à prática de ato devido ser pedida quando tenha sido apresentado requerimento ao órgão competente no dever de decidir e “tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento.”, o que desde já se releva e requer os consequentes e devidos efeitos legais.
XXI. Ademais, o Tribunal a quo proferiu um Saneador / Sentença que na sua generalidade compatibiliza um flagrante aniquilamento e ofensa do conteúdo essencial de um direito análogo a um direito fundamental, o direito a férias.
XXII. Tal se demonstra através do facto de a proibição sucessiva de o Recorrente gozar as férias relativas aos anos 2016 e 2017 colidir diretamente com a sua dignidade pessoal, de tal modo que obstou à normal manutenção da sua vida familiar e social, que se mostra constitucionalmente reconhecida.
XXIII. Desta feita, não se concebe que o Saneador/Sentença emanado pelo Tribunal a quo não se debruce sobre esta matéria, enveredando por uma completa anuência para com a Recorrida.
XXIV. Ao Recorrente nada mais lhe resta a não ser discordar com o douto Saneador/Sentença.
XXV. Mais se acrescenta que a decisão vertida no Saneador / Sentença dá procedência a uma exceção dilatória de intempestividade do direito de ação infundada e num claro erro sobre a interpretação de variados normativos legais aplicados ao caso concreto do Recorrente.
XXVI. O que não se pode compreender e muito menos aceitar.
XXVII. Resulta do artigo 69.°, n.° 2 do CPTA que “nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º.”
XXVIII. Desta feita, a douta Sentença funda-se num erro sobre a interpretação de Direito obstando, por fim, ao conhecimento do mérito da causa.
XXIX. Contudo, e como nos elucida a mais elevada Doutrina, na qual se adere na integra:
"A atual versão do n.º 2 do artigo 69.º configura uma alteração significativa da anterior versão, suprimindo a menção ao prazo de propositura da ação (de três meses), e remetendo, em bloco, para o artigo 58.º, que carece de ser lido em conjugação com a revogação do n.º 3 do artigo 69.º.
Note-se, a propósito, que a versão entregue ao Governo pelo Grupo de Trabalho para a Reforma da Jurisdição Administrativa (que também não previa a revogação do n.º3 do artigo 69.º), apostava numa versão diferente, mais comedida: “Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, o prazo de propositura da ação é de três meses, sendo aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º”.
Esta proposta destinava-se, assim, a corrigir uma omissão da disposição no que respeitava ao modo de contagem do prazo – ou lapso, considerando que, do ponto de vista sistemático, a aplicação do n.º 2 do artigo 58.º decorria, também, da remissão para o n.º 3 do artigo 58.º, que já constava da anterior versão – acrescentando-se a referência ao n.º 2 do artigo 58.º, assumindo, pois, o carácter substantivo do prazo, com todas as implicações daí decorrentes, nomeadamente a contagem do prazo durante as férias judiciais, e as regras especiais relativas ao cômputo do prazo, constantes do artigo 279.º do CC.
XXX. E nesta linha, aborda esta Doutrina o impacto da remissão unitária para o artigo 58º do CPTA, dizendo o seguinte:
Ora, o impacto da remissão em bloco para o artigo 58.º, compreende o efeito supra descrito, nos termos do seu n.º 1; contudo, a remissão, em conjugação com a supressão da referência ao prazo da propositura da ação, assume um carácter mais complexo: o efeito mais óbvio, e que resulta também da revogação do n.º 3 do artigo 69.º, é estabelecer uma previsão específica de prazo para a proposição de pedido de condenação à prática de ato devido quando esteja em causa um ato nulo, que passa a poder ser intentado a todo o tempo, nos termos, aliás, do regime geral da nulidade dos atos administrativos, previsto no n.º 2 do artigo 162.º do CPA, e do prazo de impugnação dos atos nulos, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA.
Todavia, o impacto menos óbvio, mas nem por isso isento de interesse, é a previsão, por efeito da remissão, de um prazo legal de três meses para a proposição da ação, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º, e de um prazo especial de um ano para o MP para a proposição de pedido de condenação à prática do ato devido, quando anteriormente este se encontrava sujeito ao prazo geral de três meses, o que podia, eventualmente, configurar uma antinomia sistemática com o prazo de 1 anos previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 58.º para a impugnação de atos administrativos.
Note-se, contudo, que esta alteração não foi acompanhada de qualquer cambiante na estrita regra de legitimidade ativa do Ministério Público no âmbito do pedido de condenação à prática de ato devido, que pode ser proposto, sem necessidade de apresentação de requerimento, quando o dever de praticar o ato resulte diretamente da Lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, a defesa de interesses públicos especialmente relevantes, ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 68.º.
O n.º 3 do artigo 69.º previa que, quando estivesse em causa um ato nulo, nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo , o pedido de condenação à prática de ato devido tinha de ser deduzido no prazo de dois anos, contado da data da notificação do respetivo ato.
Contudo, se estivéssemos perante um ato de conteúdo positivo que o interessado pretendia ver substituído por outro, aquele tinha a possibilidade, em alternativa, da impugnação do ato de conteúdo positivo, sem qualquer dependência de prazo, nos termos do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, que estipula que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo, e do n.º 2 do artigo 162.º do CPA, que estipula salvo disposição legal em contrário, a nulidade é invocável a todo o tempo.
Esta disposição tinha uma relação umbilical com o disposto no n.º 2 do artigo 13.º do CPA, que estipula não existir o dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular e com os mesmo fundamentos.
Destarte, o prazo de dois anos justificava-se “porque dois anos é o prazo dentro do qual, tendo sido proferida decisão sobre um requerimento, a Administração está dispensada, nos termos do n.º 2 do artigo 132.º do CPA, de decidir novas pretensões que o mesmo interessado apresente com os mesmos fundamentos. Por conseguintes, uma vez decorrido o prazo de dois anos, o interessado já não tem interesse em reagir contra a decisão alegadamente nula que tinha sido tomada sobre o seu anterior requerimento, porque passa a poder deduzir nova pretensão, apta a constituir de novo a Administração no dever de decidir.”
Parte da doutrina criticou a disposição, com poderosos argumentos: (i) por um lado, alegou que, estando em causa uma nulidade, a ação não devia estar sujeita a prazo, como decorre do regime da nulidade; por outro, argumentava-se que a solução configurava uma dupla incoerência ao nível dos prazos processuais: (ii) “prazos diferentes para a impugnação e para a condenação, apesar de esta acarretar necessariamente a eliminação do ato; (iii) e também prazos diferentes para os atos de indeferimento puro e para atos positivos, uma vez que os primeiros não podem ser objeto de impugnação.”
XXXI. Ora, a revogação do n.° 3 do artigo 69° do CPTA teve a seguinte abordagem doutrinal:
Quanto ao primeiro argumento, avançado pela doutrina referida anteriormente, perde solidez, dada a profusão de regimes no CPTA em que a arguição de nulidade está sujeita a prazo – porventura até exíguo: vejam-se os prazos de um mês para a arguição de nulidade no âmbito da ação urgente do contencioso dos procedimento de massa (nos termos do n.º 2 do artigo 99.º), e na ação urgente de contencioso pré-contratual (nos termos do artigo 101.º).
No que respeita ao segundo argumento, da incoerência resultante de prazos diferentes para a impugnação e para a condenação, apesar de esta acarretar necessariamente a eliminação do ato, afigura-se igualmente difícil de sustentar, na medida em que a diferença de prazos entre impugnação e a condenação à prática de ato devido encontra a sua justificação na diferença de objeto e espoco dos respetivos regimes.
Assim, a falta de uniformidade entre os prazos de impugnação de atos e de condenação à prática de ato devido, não se reconduz apenas ao prazo (do anterior) n.º 3 do artigo 69.º - também o n.º 1 daquele artigo prevê o prazo de caducidade do direito de ação de um ano, contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido, sem paralelo no regime nos prazo de impugnação de ato, exatamente porque a estes atos de conteúdo positivo, nos termos do n.° 1 do artigo 51.°, enquanto, ao invés, a condenação à prática de ato devido também se dirige a omissões da Administração, diferença preponderante que justifica a previsão de prazos diferentes.
Quanto ao terceiro argumento, da incoerência resultante de prazos diferentes para atos de indeferimento puro e para atos positivos, uma vez que os primeiros não podem ser objeto de impugnação, parece-nos que se constitui como preponderante para uma análise desapaixonada da norma e que encerra em sim um argumento jurídico direto, e um argumento pragmático e de administração de justiça indireto. O argumento jurídico tem que ver com a previsão de prazos diferentes para atos de indeferimento puro e para atos positivos, uma vez que os primeiros não podem ser objetos de impugnação, o que, quanto a nós, podia levantar dúvidas acerca da sua compatibilidade com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, nos termos dos artigos 13.° e 18.° da Constituição, respetivamente.
Deste modo, quem tivesse sofrido uma omissão ou indeferimento da Administração com o desvalor da nulidade, já não podia recorrer à impugnação do ato a todo o tempo, e teria uma limitação temporal para o fazer no âmbito da ação de condenação à prática de ato devido, ao passo que quem tivesse tido um ato de conteúdo positivo, podia recorrer à impugnação do ato nulo, sem sujeição a prazo, como também podia recorrer à ação de condenação à prática do ato devido, durante o prazo de dois anos.
Esta diferenciação pode colidir com os princípios supra referidos, na medida em que parece haver um claro benefício para os que já haviam beneficiado de um ato de conteúdo positivo que não correspondeu Às suas aspirações, em comparação com os interessados que sofreram a omissão.
É certo, como referido supra, que os que sofreram a omissão ou indeferimento, decorridos que sejam dois anos, podem voltar a submeter um requerimento ao órgão administrativo competente para praticar um ato administrativo sobre o mesmo pedido, com os mesmos fundamentos, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º, e que em defesa deste argumento se pode acrescentar que assim se permite que a Administração pratique, sponte sua, o ato, eliminando o litígio.
Todavia, impõe-se que a parte desenvolva diligências adicionais e tenha de esperar, novamente pelo desenrolar e tramitação do procedimento administrativo, em detrimento das suas pretensões e expectativas, o que parece também colidir com os princípios da igualdade e da proporcionalidade quando em comparação com os destinatários de atos de conteúdo positivo.
Além disso, não deixa de ser também certo argumentar, e porventura mais pertinente, que a Administração pode sempre, sponte sua, declarar a nulidade e praticar um ato administrativo que proceda a nova regulação da situação individual e concreta do autor, nos termos do artigo 64.º.
Acresce ao exposto um argumento extrajurídico implícito, pragmático e relacionado com a administração da justiça: esta imposição adicional ao autor, de ter de apresentar novo requerimento e esperar novamente por uma resposta – ou pela ausência dela -, constitui um ónus dificilmente compreensível e aceitável para o cidadão, que terá de ver significativamente postergada a resolução da sua situação.
Ademais, terá de suportar, em duplicado, os diversos custos legais, tanto com as custas e taxas de justiça, como com os honorários do mandatário, se tiver o duplo azar de não ter tido resposta ao seu requerimento o que parece ferir, também, o princípio do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva.
Nestes termos, é avisada a revogação desta norma com um grau de complexidade pronunciado, a qual, tendo embora uma justificação teórica defensável, acabava por conduzir a resultados injustos e desproporcionais, à duplicação de ações e consequente duplicação de custos legais associados, sendo, enfim, um fator de perturbação na prestação dos serviços de justiça aos administrados.
XXXII. Determinando esta revogação do n.° 3 do artigo 69° do CPTA as seguintes implicações processuais:
Resulta assim do exposto que, doravante, e por força da remissão do novo n.º 2 do artigo 69.º para o 58.º, nomeadamente para o seu n.º 1, o pedido de condenação à prática de ato devido com fundamento em nulidade deixa de estar sujeito a prazo, passando a poder ser intentado a todo o tempo, nos termos, aliás, do regime geral da nulidade dos atos administrativos, previsto no n.º 2 do artigo 162.º do CPA, e do prazo de impugnação dos atos nulos, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, ambos supra referidos.
XXXIII. Conclui-se que, em sentido diverso daquilo que foi proferido pelo Tribunal a quo no douto Saneador/ Sentença, a a ação administrativa de condenação à prática de ato devido é tempestiva e meio processual adequado, por se tratar de um indeferimento de um requerimento, consubstanciando tal ato um ato administrativo nulo, por tal, sem sujeição a prazo para interposição da ação, conforme já atestado pelos devidos normativos legais, Jurisprudência e Doutrina supra catalogada.
XXXIV. A invalidade do ato administrativo e a sua qualificação permitem indicar qual o meio processual a adotar.
XXXV. Está em causa um direito do Recorrente que se consubstancia num direito análogo a um direito fundamental, como é o direito a férias e o indeferimento do gozo de férias praticado pela Recorrida gera a invalidade mais grave, como é a nulidade, como dispõe o artigo 161° n.° 2 alínea d) do Código do Procedimento Administrativo.
XXXVI. Em bom rigor, a ação administrativa de condenação à prática de ato devido é tempestiva por se tratar de um indeferimento de um requerimento, consubstanciando tal ato um ato administrativo nulo, por tal, sem sujeição a prazo para interposição da ação, conforme já atestado pela Jurisprudência e Doutrina supra catalogada.
XXXVII. Ficou demonstrado que que o ato administrativo de indeferimento foi capaz de esvaziar e afetar o conteúdo essencial do direito a férias, direito análogo a um direito fundamental.
XXXVIII. Ora, esta invalidade determina que o ato administrativo seja nulo e, por consequência, entende o Recorrente que a ação administrativa a intentar é a condenação à prática de ato devido dado que, em bom rigor, o meio processual adequado para reagir contra atos administrativos de indeferimento é a ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido, e não o processo de impugnação com vista à mera anulação ou declaração de nulidade do ato em causa, dado que o Recorrente pretende que seja adotada pela Recorrido uma ação que se consubstancie na emanação de uma decisão favorável.
XXXIX. Aqui chegados, evidencia-se que estamos perante um Saneador / Sentença proferido pelo Tribunal a quo que se funda num erro de interpretação de Direito, obstando, em resultado, a um conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos e nos mais de direito aplicável deve o presente recurso merecer inteiro provimento e em consequência ser revogado o Saneador/ Sentença recorrido e substituído por outro que determine o provimento do conhecimento do mérito da causa, mais se determinando como no pedido desta ação de condenação à prática de ato devido, com as demais legais consequências.

Fazendo-se, assim, Sã, Serena e a Costumada,

JUSTIÇA!!!
A Entidade Demandada juntou contra-alegações, concluindo:
A ― O Recorrente apresenta alegações de recurso que se assomam completamente anacrónicas, quer na sua abordagem doutrinal, quer por representarem, em face do estatuído no CPTA, uma inaceitável incompatibilidade perante os normativos que aí vêm plasmados, neles não se vislumbrando qualquer respaldo da argumentação do Recorrente, senão justamente o inverso.
B ― Com a estipulação de prazos para a reação a atos administrativos, pretende o legislador a estabilidade nas relações jurídico-administrativas, as quais não podem estar dependentes do mero alvedrio, liberalidade ou escolha de timing do interessado e/ou da Administração, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes.
C ― Quem tem a faculdade de configurar a arquitetura da ação administrativa é o A., aqui Recorrente, decidindo lançar mão de uma ação administrativa de condenação à prática de ato administrativo devido, sujeita a prazo.
D ― Apenas quando está em causa o conteúdo essencial de direitos fundamentais é que os atos administrativos que os violem serão nulos, como prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA, não demonstrando o A. qual ou a dimensão do conteúdo essencial do direito alegadamente violado.
E ― O direito a férias é um direito análogo a um direito fundamental, não enquadrável na CRP no título concernente aos “Direitos, Liberdades e Garantias”, sendo que a Administração não aniquilou a essencialidade desse direito, apenas negando ao A. o pagamento das férias que não gozou.
F ― O Recorrente apresentara requerimento contendo a sua pretensão em 19-12-2017, a Administração pronunciou-se em maio de 2020, tomando o A. conhecimento do ato administrativo em Página 7 de 7 DSRN Direção de Serviços da Região do Norte Rua ... ... Porto http://www.dgeste.mec.pt tel + ...00 fax + ...99 atendimento.dsrn@dgeste.mec.pt julho de 2020 e a ação foi proposta em novembro de 2021, pelo que há muito que o prazo de propositura da ação se mostrava ultrapassado.
G ― A reação contenciosa intempestiva aos direitos invocados não pode ser escamoteada pela pretensa nulidade do ato administrativo por violação de conteúdo essencial de direito fundamental.
Termos em que e nos melhores de direito que suprirão, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) O Autor exerce funções de docente, sendo professor do Quadro de Nomeação Definitiva desde o ano lectivo de 1990/1991 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 1);
B) Nos anos lectivos de 2015/2016 e 2016/2017, o Autor foi colocado no Agrupamento de Escolas ..., no Porto (cf. fls. 1 e seguintes do PA);
C) A 31/08/2017, o Autor ficou colocado no Agrupamento de Escolas ... (cf. idem);
D) De 04/04/2016 a 27/07/2017, o Autor esteve de baixa por razões médicas (cf. fls. 5 e seguintes do PA);
E) A 19/12/2017, o Autor dirigiu à Directora do Agrupamento de Escolas ... um requerimento, do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Face ao exposto, vem o signatário requerer junto de V. Exa. o seguinte: A) Seja realizado o apuramento total dos dias de férias não gozados nos anos civis de 2016 e 2017; B) Sela ressarcido dos valores correspondentes aos dias de férias não gozadas; C) Seja realizado o apuramento do valor total correspondente ao "subsidio de refeição" relativo ao período compreendido entre 28 de Julho de 2017 e 31 de Agosto de 2017; D) Seja ressarcido dos valores de "subsídio de refeição" correspondente ao período compreendido entre 28 de Julho de 2017 e 31 de Agosto de 2017.” (cf. fls. 9 e seguintes do PA);
F) A 18/06/2018, a Directora do Agrupamento de Escolas ... comunicou ao Autor o seguinte: “(…) Pela presente informamos que, relativamente ao pedido de esclarecimento por nós solicitado à DGESTE no âmbito da matéria em Assunto, aqueles serviços «aguardam esclarecimentos superiores». Assim que os recepcionarmos daremos conhecimento dos mesmos. (…)” (cf. fls. 11 do PA);
G) A 27/05/2020, o Delegado Regional de Educação enviou uma missiva ao Agrupamento de Escolas ..., com conhecimento ao Sindicato Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto 8 Independente de Professores e Educadores, na qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, e na sequência do nosso ofício ...18, de 14/06/2018, informa-se V.ª Exa. de que o n.º 1 do art.º 278.º da LTFP, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, com os efeitos do art.º 129.º do citado diploma legal, enquadramento que de acordo com as orientações da Direcção Geral da Administração do Emprego Público, que é transversal a toda a Administração Pública, se aplicou até à emissão da Circular n.º 01/DGAEP/2020, de 21 de Fevereiro. Neste contexto e no caso em apreço, o docente venceu as férias a que tinha direito em 01/01/2016 e não venceu as férias em 01/01/2017, por se encontrar com o vínculo suspenso. (…)” (cf. fls. 12 do PA);
H) A 16/07/2020, o Agrupamento de Escolas ... comunicou ao Autor, por via da sua Ilustre Mandatária, a resposta indicada supra (cf. fls. 13 do PA);
I) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 04/11/2021 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).
DE DIREITO -
O recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto alicerça-se, em síntese, no seguinte:
“III. […] a ação administrativa de condenação à prática de ato devido deveria proceder, configurando-se como meio processual adequado e correto à pretensão do Recorrente”; Uma vez que apresentou “IV. […] requerimento ao órgão competente no dever de decidir ― Direção do Agrupamento de Escolas ... ― tendo este órgão, em resultado, notificado o recorrente em junho de 2020 sobre o indeferimento do requerimento”;
“XI. O recorrente aquando do seu regresso ao Agrupamento de Escolas ... decidiu dirigir um requerimento à Diretora daquele Agrupamento a solicitar o pagamento correspondente às férias não gozadas nos aludidos dois anos”;
“XII. Em resultado dessa apresentação, o aqui Recorrente viu o seu requerimento ser alvo de um indeferimento, consubstanciado num novo ato administrativo nulo por violar de forma manifesta o conteúdo essencial do direito a férias […]”;
“XX. […] o douto Saneador/Sentença prevarica o disposto no artigo 67.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, e que nos elucida que pode a ação administrativa de condenação à prática de ato devido ser pedida quando tenha sido apresentado requerimento ao órgão competente no dever de decidir e «tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento»”. E é o seguinte o teor da decisão proferida: “Nestes termos, e de acordo com o previsto nos artigos 66.º e 69.º, ambos do CPTA, dispunha o Autor do prazo de três meses para interpor a acção de condenação à prática de acto devido (por remissão expressa para o artigo 58.º do mesmo normativo), prazo este que findava em Outubro de 2020. Isto, olvidando o requerimento prévio do Autor, datado de 2017…. Todavia a presente acção apenas foi interposta a 05/11/2021, ou seja, mais de um ano depois do término do prazo para o efeito. Face ao que antecede, procede a arguida excepção de caducidade do direito de acção, pelo que se impõe absolver o Réu da instância, nos termos do previsto na alínea k) do artigo 88.º (leia-se 89.º, n.º 4, alínea k)) do CPTA.”
B.Do pedido formulado na presente ação O A. interpôs a presente ação contra o Ministério da Educação, pedindo, em suma: a) Reconhecimento do “direito a férias do A. nos anos 2016 e 2017, com referência ao trabalho prestado nos anos anteriores”; b) Pagamento, “a título de compensação por violação patente do direito do A. ao gozo de férias nos anos de 2016 e 2017, dos montantes correspondentes ao triplo da remuneração referente aos períodos em falta, no montante global de 16.313,94 €”; c) Pagamento de “juros, à taxa legal, vencidos desde 31/07/2016 até 04/11/2021 com referência às férias não gozadas em 2016 e desde 31/07/2017 até 04/11/2021 com referência às férias não gozadas em 2017, no montante já líquido de 3.098,52 €”.
O aqui recorrido apresentou contestação, invocando a exceção de intempestividade da ação, que veio a proceder.
Não concordando o Autor com o entendimento do Tribunal a quo, vejamos, então, as razões da discordância do Recorrente, desde já se adiantando que a decisão proferida não merece reparo.
Da decisão proferida quanto à provada exceção, como se disse, muito bem andou o Senhor Juiz ao absolver o Réu da instância, aliás na esteira da contestação apresentada.
Na verdade, o Recorrente apresenta alegações de recurso que não têm qualquer suporte legal, doutrinal ou jurisprudencial.
Vejamos,
Com a estipulação de prazos para a reação a atos administrativos, pretende o Legislador a estabilidade nas relações jurídico-administrativas, as quais não podem estar dependentes do mero alvedrio, liberalidade ou escolha de timing do interessado e/ou da Administração, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes. Sendo, portanto, forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à reação a atos administrativos, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela jurisdicional efetiva.
Assim, no âmbito do CPTA, ato administrativo impugnável é um ato dotado de eficácia externa, atual ou potencial, neste caso desde que seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos.
Como referem Fausto de Quadros e outros (in Comentários à Revisão do Código do Procedimento Administrativo. Coimbra, Almedina, 2016, pág. 296), “a exigência da produção direta dos efeitos externos implica, em rigor, a exclusão do conceito de ato administrativo dos atos inseridos no procedimento, ainda que determinantes do conteúdo da decisão, sempre que sejam meramente preparatórios, isto é, se e na medida em que não visem produzir quaisquer efeitos externos por si, mas apenas através de uma outra decisão, que constitui o ato principal do procedimento – sem prejuízo, porém, da possibilidade de atos inseridos no procedimento produzirem efeitos externos, bem como da existência de atos administrativos prévios ou de atos parciais em procedimentos complexos”. Assim, estes autores entendem que o conceito legal abarca “as decisões administrativas concretas às quais a lei reconhece força jurídica para a definição unilateral e estável de relações jurídicas administrativas, designadamente quando conformam ou afetam (em termos desfavoráveis ou favoráveis) a esfera jurídica dos particulares” (Ibidem).
Na mesma linha, o artigo 51º, nº 1 do CPTA dispõe que “ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídicoadministrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos”.
Quem tem a faculdade de configurar a arquitetura da ação administrativa é o A..
Ora, o A./aqui Recorrente, decidiu lançar mão de uma ação administrativa de condenação à prática de ato administrativo devido. E, na verdade, entende-se que o A. decidiu bem a forma em que devia configurar a ação, porquanto, em face da resposta do ME aos seus requerimentos, era mister do A. reagir-lhes contenciosamente se deles, como é o caso, discordasse. Mas dentro dos prazos impostos pelo CPTA, o que, como é claro e notório não ocorreu.
Para que haja lugar a ação de condenação à prática de um ato devido, o CPTA exige, desde logo, um procedimento prévio, no qual o particular dirija um requerimento ao órgão competente, com a pretensão de obtenção do ato administrativo, o que o A., efetivamente, veio a fazer. Seguir-se-ia uma de três situações: a) Pura inércia ou omissão de resposta da Administração, desde que a lei não associe a essa omissão relevância jurídica (al. a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA); b) Recusa da Administração quanto à pretensão, isto é, indeferimento expresso ou decisão negativa, total ou parcial ou ainda recusa da apreciação do próprio requerimento (al. b)); c) Tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado (al. c) do mesmo preceito). Por conseguinte, em caso de omissão, o prazo de propositura da ação seria de um ano, desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido (n.º 1 do preceito), o que não foi o caso, uma vez que não apenas não houve inércia da Administração, mas antes lugar a um ato administrativo de indeferimento. Já nos casos de indeferimento, como sucedeu in casu, ou ainda de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, o prazo sempre será de três meses, i.e., estabelece-se, para esta última situação, o mesmo prazo do fixado para a impugnação do ato pelos interessados, por remissão direta do n.º 2 do artigo 69.º para o n.º 3 do artigo 58.º, ambos do CPTA.
Ora, como bom de ver é, seja perante uma ou outra das anteditas situações, a presente ação administrativa para condenação à prática de ato devido sempre seria absolutamente intempestiva.
Não obstante, um dos argumentos que conduzem o A. ao presente recurso é o de que é “o ato administrativo nulo por violar de forma manifesta o conteúdo essencial do direito a férias”.
Sobre esta matéria andou igualmente bem o Tribunal a quo, porquanto apenas quando está em causa o conteúdo essencial de direitos fundamentais é que os atos administrativos que os violem serão nulos, como prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA. Ora, o direito a férias é um direito análogo a um direito fundamental, não enquadrável na CRP no título concernente aos “Direitos, Liberdades e Garantias”. Todavia, a Administração não aniquilou a essencialidade desse direito. Apenas negou ao A. o pagamento das férias que não gozou. E o A. não gozou as férias porque nunca veio pedir o gozo a que eventualmente pudesse ter direito, mas tão só o pagamento das que não gozou. Por conseguinte, o fundamento do ato administrativo de indeferimento da pretensão do A., aqui Recorrente, apenas se prende com a alegada suspensão do contrato de trabalho, período durante o qual não ocorreria vencimento do direito a férias, questão totalmente diversa da que obriga o A. a impugnar os atos administrativos dentro dos prazos para o efeito. Acresce que o A. nunca concretiza em que medida o ato administrativo que vem impugnar esvazia o conteúdo essencial do direito fundamental (apenas equiparado). E nunca o alega na sua PI, apenas a ele se referindo em sede de réplica. É o que, aliás, conclui o Acórdão deste TCAN, de 15-03-2019 (proferido no âmbito do processo n.º 207/18.4BEPRT): “I – Tal como já dispunha o artigo 133º do CPA antigo (DL. nº 442/91) também nos termos do artigo 162º nº 2 alínea d) do CPA novo (DL. nº 4/2015) são nulos “…os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental”, mas o conteúdo essencial só se mostra ofendido quando é atingido o seu núcleo. II – A violação do conteúdo essencial de um direito fundamental consubstanciadora da nulidade de ato administrativo só ocorrerá por referência aos direitos, liberdades e garantias (quer os do Título II da Parte I da CRP, quer os direitos análogos a estes, nos termos do artº 17º CRP) mas já não por referência aos direitos económicos, sociais e culturais na sua dimensão de direitos a prestações. III – Se a ação administrativa destinada à impugnação de um ato administrativo foi instaurada depois de esgotado o prazo de três meses previsto no artigo 58º nº 1 alínea b) do CPTA, decorrido entre o momento da notificação do ato e o da instauração da ação, sem que os vícios imputados pudessem conduzir sua declaração da sua nulidade mas apenas à sua anulação, enquanto regime regra de invalidade, tem que ter-se por verificada a exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual nos termos do artigo 89º nº 2 e nº 4 alínea k) do CPTA.”.
No caso concreto, apenas ocorre o desvalor decorrente da mera anulabilidade, nos termos do artigo 135º do CPA (cf. artigo 5º, nº 3, do CPC), porquanto não existe uma violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, que só se verifica nos casos de aniquilamento do sentido fundamental do direito subjectivo protegido (cfr. Acórdão deste TCAN, de 08-012016, proc. nº 01665/10.0BEBRG-A).

Isto dito, o Recorrente apresentara requerimento contendo a sua pretensão em 19-12-2017. A Administração pronunciou-se em maio de 2020, tomando o A. conhecimento do ato administrativo em julho de 2020. Tendo a ação sido proposta em novembro de 2021, há muito que o prazo de propositura da ação se mostrava ultrapassado.
Ademais, não foi o ato administrativo que esvaziou de conteúdo útil o direito invocado pelo Recorrente. O A. sabia a posição jurídica da entidade empregadora sobre a matéria. Mesmo assim, deixou passar os prazos de reação tempestiva aos direitos invocados, o que não pode ser escamoteado pela pretensa nulidade do ato administrativo por violação de conteúdo essencial de direito fundamental.
Em suma,
Está posta em causa a decisão que, julgando verificada a exceção de intempestividade da prática do ato processual, absolveu da instância o Réu;
Decidiu o Tribunal com acerto.
Como sentenciado, já no que aos prazos respeita, estabelece o artigo 69º do mesmo código o seguinte: “1 – Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido. Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto 10 2 – Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação de requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um acto de conteúdo positivo, é aplicável o disposto nos artigos 58.º, 59.º e 60.º.” No caso presente, o Autor apresentou requerimento contendo a sua pretensão a 19/12/2017 (cf. facto E) do probatório coligido), sendo que a Administração apenas se pronunciou em Maio de 2020 (cf. ponto G) da matéria de facto dada como assente), tendo o Autor tomado conhecimento da referida decisão em Julho do mesmo ano. Ora, no momento da propositura da acção, em Novembro de 2021, há muito que havia decorrido o prazo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CPTA. Em sede de réplica, veio o Autor pugnar pela nulidade do referido acto administrativo, porquanto está o mesmo eivado de violação do direito a férias, consagrado na alínea d) do nº 1 do artigo 59º da CRP, direito este análogo a um direito fundamental, motivo pelo qual seria a acção tempestiva. Desde já se afirma não assistir qualquer razão ao Autor. Na realidade, estabelece a alínea d) do nº2 do artigo 161º do Código do Procedimento Administrativo (doravante CPA) que são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. Não existindo dúvidas que o direito a férias é um direito análogo a um direito fundamental (se bem não enquadrável nos referidos “Direitos, Liberdades e Garantias”), Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto 11 a violação do seu conteúdo essencial (núcleo essencial) pressupõe que o direito em causa seja “aniquilado” ou, por outras palavras, perca o seu sentido útil, a sua finalidade (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1997, anotação do artigo 18.º n.º 3) só se podendo “afirmar a nulidade de um acto porque o mesmo viola o conteúdo essencial de um direito dessa natureza, quando o mesmo atinja o valor fundamental que justificou a criação do mesmo ou, dito de outro modo, quando a prática do acto tiver por consequência desprover decisivamente o cidadão da protecção que esse direito lhe dá” (cf. entre muitos outros, os Acórdãos do STA de 14/02/2001, P. 41984, de 10/03/2010, P. 046262 e de 06/05/2010, P. 06108/10). Ou seja, o conteúdo essencial de um direito fundamental só é ofendido nos casos de “aniquilamento” do sentido fundamental do direito subjectivo protegido (cf. Vieira de Andrade in Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 87 e ss., Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição actualizada, revista e aumentada, p. 646). Regressando ao caso concreto, não logrou o Autor concretizar em que medida é que o acto praticado foi de molde a “esvaziar” de conteúdo útil aquele direito fundamental. Contrariamente, e compulsados os autos, o fundamento do acto ora sob escrutínio prende-se com a alegada suspensão do contrato de trabalho, período durante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto 12 qual não ocorreria vencimento do direito a férias, à luz da lei. Se tal suspensão poderia ou não verificar-se, é uma questão totalmente diversa. Nestes termos, e de acordo com o previsto nos artigos 66º e 69º, ambos do CPTA, dispunha o Autor do prazo de três meses para interpor a acção de condenação à prática de acto devido (por remissão expressa para o artigo 58º do mesmo normativo), prazo este que findava em Outubro de 2020. Isto, olvidando o requerimento prévio do Autor, datado de 2017…. Todavia, a presente acção apenas foi interposta a 05/11/2021, ou seja, mais de um ano depois do término do prazo para o efeito.
-A caducidade do direito de acção é uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do fundo da causa;
-Na verdade, a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo - (v. Manuel Andrade “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464).
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 04/10/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Isabel Jovita