Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01414/22.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ÓNUS DA PROVA; SUBSÍDIO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL;
CONTINUAÇÃO DE UMA MESMA SITUAÇÃO CLÍNICA INVOCADA;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:
1. Há que distinguir, em matéria do ónus da prova, consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.

2. Pois consoante se trate de um ou de outro caso, assim se diferenciam as posições em que as partes se encontram colocadas no quadro da relação subjacente ao recurso.

3. O acto que negou o benefício do subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial para o ano de 2021/22 não é autónomo, independe, em termos absolutos, pelo menos, em relação ao acto que concedeu esse benefício par ao ano de 2020/21.

4. Os dois actos têm em comum uma base de facto essencial: a situação clínica do menor traduzida numa deficiência permanente, segundo o teor de ambos os requerimentos.

5. O primeiro acto concluiu verificar-se esse pressuposto de facto e o segundo acto concluiu não se verificar tal pressuposto de facto, por referência à mesma situação clínica invocada.

6. Se não se verificasse a continuação de uma mesma situação clínica invocada, não haveria necessidade de o próprio Instituto, ora Recorrente, ter efectuado a distinção entre dois modelos de requerimento, o modelo GF62, instruído com declaração médica, para os casos, como este, em que houve decisão anterior de deferimento, e o modelo GF61, para situações de indeferimento anterior, ou novos pedidos.

7. Daí que no segundo acto se devesse estabelecer se existiu ou não uma alteração da situação de facto que determinou a atribuição, no ano anterior, do subsídio; não se poderia limitar a estabelecer, numa fórmula vaga, que não se verificavam os pressupostos para a atribuição do subsídio em causa.

8. Não o tendo feito o segundo acto padece do vício de falta de fundamentação.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social, I.P. – Dentro Distrital do Porto, veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 27.06.2023, pela qual foi julgada (totalmente) procedente a acção intentada por «AA» e «BB» para condenação do ora Recorrente à prática do acto que, em substituição do acto de indeferimento, lhes conceda o subsídio de educação especial com efeitos rectroactivos à data do pedido deduzido em sede administrativa.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou de facto e de direito, ao dar como verificado o vício de falta de fundamentação (n.º 1, do artigo 153. °, do Código de Procedimento Administrativo) e por inveter o ónus da prova que, no caso, defende, cabia aos Autores e não foi cumprido.

Os Recorridos apresentaram contra-alegações defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1) A decisão proferida padece de erro na apreciação da matéria de facto e erro nos pressupostos de facto e de direito aplicáveis.

2) Faz uma livre apreciação do acto de deferimento relativo ao ano lectivo de 2020/2021, sem que este seja alvo de julgamento no caso sub judice;

3) Esta livre apreciação é largamente ampliada quando se apoia neste acto administrativo de deferimento para fundamentar uma tomada de decisão no mesmo sentido quanto a outro acto administrativo do ano letivo de 2021/2022.

4) Os dois actos administrativos são autónomos, independentes entre si, existindo sem a dependência do outro.

5) E assim é porque têm forçosamente de ser requeridos para cada um dos anos letivos. Não se tratando de um formalismo legal, em que havendo um deferimento inicial, todos os demais são meras formalidades e o apoio se renova automaticamente.

6) Não. Pelo contrário, e nos termos dispostos pela conjugação dos art. Artigo 5.° e 6° do Decreto Regulamentar n.° 3/2016 de 23 de agosto, o direito ao subsídio mantém-se pelo período escolar e, por período escolar entende-se o ano letivo que seja fixado para o funcionamento do respetivo estabelecimento de ensino (nº2).

7) Ora, o pedido em crise reporta-se ao ano letivo de 2021/2022. Pelo que, não poderá servir como fundamentação para a decisão proferida, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido de que, tendo sido deferido um pedido de apoio social, no ano de 2020/2021, está feita a prova inequívoca de que existe uma redução permanente da capacidade do menor, para efeitos de atribuição do subsídio de educação especial.

8) Por outro lado, não pode a sentença proferida vingar porquanto não é, em primeira linha, a fundamentação do parecer da Equipa Multidisciplinar de Avaliação Médico-Pedagógica que está em falta, mas sim, a débil declaração médica.

9) Andou mal o Tribunal a quo quando refere que: “Importava que a Equipa Multidisciplinar explicasse por que razão a declaração médica não pode ser considerada, o que resultou do exame objectivo do examinado, seus antecedentes e qual o estado actual da criança/jovem no que concerne à capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual da criança/jovem. Importava identificar como foi realizada a avaliação do desenvolvimento e da inteligência da criança, identificando os testes a que a criança foi submetida para avaliar o seu neurodesenvolvimento; bem como levar ao conhecimento dos Representantes Legais o diagnóstico do menor, alicerçado em dados históricos, exames ou manifestações clínicas. Cumpre à Equipa Multidisciplinar apontar um programa abrangente e individualizado para se alcançar o máximo desenvolvimento da criança.”

10) Estas obrigações são devidas pelo requerente do apoio social em causa, ora Recorridos e não, como o afirma o Tribunal a quo, do Recorrido, na figura da Equipa Multidisciplinar de Avaliação Médico-Pedagógica!

11) A declaração médica, como facilmente se afere pela sua análise, não comporta em si, nenhum dos pressupostos elencados supra!

12) Vai daí, se se parte da premissa de que existe a necessidade de se averiguar cada um dos requisitos enumerados pela sentença para se aferir da existência ou não da deficiência permanente e considerando que esses requisitos têm obrigatoriamente de ser trazidos para o processo pelo requerente de subsídio de educação especial,

13) A conclusão só pode ser uma: não tendo os Recorridos trazido para o processo os elementos constitutivos da efectiva existência da deficiência permanente, o pedido de atribuição do apoio em causa deve ser indeferido por falta de prova de um dos pressupostos legais essenciais, nos termos do art. 4.°, n°s 1 e 2 do Decreto Regulamentar n.° 3/2016 de 23 de agosto, por inexistência de declaração médica com a conveniente e inequívoca fundamentação, natureza da deficiência e apoio necessário à criança ou jovem.

14) Não pode, a sentença fazer substituir o Recorrido pelo Recorrente, afirmando peremptoriamente que é à Equipa Multidisciplinar de Avaliação Médico-Pedagógica que cabe esta obrigação de provar em que dados clínicos se baseou a Equipa Multidisciplinar para entender não se estar perante uma redução permanente da capacidade do menor.

15) Há uma total inversão do ónus da prova, violadora das normas legais, uma vez que, tratando-se de factos constitutivos do direito invocado, a alegação e prova dos pressupostos que integram a noção de “deficiência permanente” compete àquele que reclama a atribuição do apoio social, nos termos do art. 342° do CC, ou seja, o ónus da prova factual concreta do evento naturalístico impulsionador do subsídio de educação especial compete aos ora Recorridos!

16) Por seu turno e, no que ao vício de fundamentação invocado pela sentença diz respeito, determina o n.° 1, do art.° 153.°, do CPA, que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

17) A fundamentação é, assim, um requisito formal do ato que se destina a responder às necessidades de esclarecimento do seu destinatário e que, por isso mesmo, varia em função do seu tipo legal e das circunstâncias concretas de cada caso (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-09-2009, processo n.° 0428/09, disponível em www.dgsi.pt).

18) Todavia e ao contrário do explanado na sentença recorrida, a fundamentação não tem de ser prolixa, basta que seja suficiente e adequada. E, neste sentido, bem andou o TCA Norte quando refere que «o fim meramente instrumental prosseguido pela fundamentação dos actos administrativos, dever-se-á entender que esta fica assegurada sempre que a decisão em causa se situe indubitavelmente num determinado quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista do destinatário normal» (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.° 00838/16.7BEPRT, de 23-05¬2019, disponível em www.dgsi.pt).

19) Da fundamentação do acto é possível concluir qual a razão que conduziu ao indeferimento do requerimento apresentado pelos Recorridos e que se funda no resultado da avaliação efetuada pela equipa multidisciplinar: a inexistência de redução permanente da capacidade intelectual do menor.

20) A sentença recorrida, tendo assentado, em boa medida, em factualidade insuficiente e parcial, veio a condicionar negativamente a decisão proferida e, não tendo ficado demonstrada a suficiente fundamentação da declaração médica apresentada quanto ao diagnóstico feito ao menor, de forma descritiva, percecionando-se que exames complementares de diagnósticos foram tidos em consideração para aquela conclusão de patologia, de que forma haveria de ser debelada a patologia ou minorada que fosse, através das medidas terapêuticas prescritas, resultam numa deficitária avaliação que impossibilitam à Equipa multidisciplinar de Avaliação Médico-Pedagógica de dar o seu parecer consentâneo com a pretensão dos ora Recorridos.

21) Por fim, e ainda no que diz respeito à devida fundamentação do acto que teve por base o indeferimento da pretensão dos ora Recorridos – o parecer da Equipa Multidisciplinar -, considerando-se a mesma conforme os normativos legais e não constituindo em si mesma ou advindo desta qualquer erro grosseiro ou manifesto – porque não provado – estamos perante um ato insindicável, por se encontrar na esfera da discricionariedade técnica.

22) Sendo assim, no que à ciência médica diz respeito, o Tribunal só pode sindicar os procedimentos e, a correspondente fundamentação, nos casos de manifesta insuficiência, obscuridade ou contradição.

23) O entendimento, adoptado pela Equipa Multidisciplinar, situa-se no domínio da discricionariedade técnica, não podendo, o Tribunal substituir-se àquela, a não ser que se verifique um erro grosseiro ou manifesto. O que não sucede no presente caso!

24) Neste sentido, aponta o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.05.2019, proc. n° 00271/18.6BEBRG, disponível em www.dgsi.pt: “a análise multidisciplinar constitui uma decisão proferida no âmbito da discricionariedade técnica de quem coletivamente analisa e decide as situações que lhe são submetidas, (...)”.

25) E, no mesmo sentido, infere o douto Acórdão do Tribunal Administrativo Norte, de 11.09.2015, proc. n°2320/10.7BEPRT: “(...) só em casos extremos é que o tribunal poderá imiscuir-se no exercício da discricionariedade técnica da Administração, anulando os correspondentes atos administrativos com fundamento em “erro manifesto de apreciação”. Para que ocorra um erro manifesto é indispensável que o ato administrativo assente num juízo de técnica não jurídica tão grosseiramente erróneo que isso se torne evidente para qualquer leigo”.
*

II –Matéria de facto.

O Recorrente veio invocar erro de facto na decisão recorrida, por insuficiente fundamentação, mas, em bom rigor, não pôs em causa o julgamento da matéria de facto constante da decisão recorrida, antes o respectivo enquadramento jurídico, em particular no que toca à decidida insuficiência na fundamentação do acto de indeferimento e do parecer médico que lhe serviu de fundamento, bem como na fixação dos factos que seriam necessários, na sua perspectiva, para a procedência da acção.

Não tendo sido atacada a matéria de facto fixada na sentença recorrida, deveremos dar como provados os seguintes factos, dela constantes:

A) «CC» beneficiou, no ano lectivo 2020/2021, do Subsídio por Frequência de Estabelecimento de Educação Especial – ....

B) Em 4/08/2021, a Autora apresentou Modelo aprovado e preenchido, formulando pedido de atribuição desse mesmo Subsídio para o ano lectivo 2021/2022 – por acordo; ....

C) Pedido acompanhado, designadamente, de declaração emitida por médico especialista, de acordo com a qual, relativamente ao ano lectivo de 2021/2022, o menor mantinha deficiência conhecida da Entidade Demandada e motivada por redução permanente da capacidade, conforme se transcreve:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cf. processo administrativo.

D) No âmbito do quadro clínico e, segundo a médica especialista, o menor precisa de atendimento por “Apoio Individual Especializado”, nomeadamente na condição de consultas individuais e semanais de Psicologia Clínica – cf. documento junto com a petição inicial.

E) A pretensão administrativa foi objeto de intenção de indeferimento e de indeferimento final decorridos 10 dias sem resposta, de acordo com a notificação remetida – cf. processo administrativo/ documento ... da petição inicial.

F) A pretensão administrativa foi indeferida com a fundamentação que segue:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

G) Pela Equipa Multidisciplinar de Avaliação foi elaborado parecer técnico, do qual se retira:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. processo administrativo.

*
III - Enquadramento jurídico.

Este é o teor da decisão recorrida, na parte relevante:

“(…)

Pretendem os Autores obter uma sentença condenatória à emissão de acto pela Entidade Demandada que conceda ao seu filho subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial (SEE), na modalidade de apoio individual por técnico especializado, nomeadamente na condição de consultas individuais e semanais em Psicologia Clínica.

Pretensão administrativa que foi negada – alegadamente - por falta de comprovação, após avaliação da Equipa Multidisciplinar de Avaliação Médico Pedagógica, quanto à redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual da criança.

Ora, o subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial é uma prestação mensal que se destina a compensar os encargos directamente resultantes da aplicação a crianças e jovens portadores de deficiência de medidas específicas de educação especial que impliquem necessariamente a frequência de estabelecimentos particulares com fins lucrativos ou cooperativos, ou o apoio educativo específico por entidade especializada fora do estabelecimento, igualmente com fins lucrativos – cf. artigo 8.' do Decreto-Lei n.' 133-B/97, de 30 de Maio, na redacção introduzida pelo DL n.' 136/2019, de 6 de Setembro.

A bonificação por deficiência do abono de família para crianças e jovens destina-se a compensar o acréscimo de encargos familiares decorrentes da situação de deficiência dos descendentes dos beneficiários, por portadores de deficiência de natureza física, orgânica, sensorial, motora ou mental, que torne necessário o apoio pedagógico ou terapêutico – cf. artigo 7.' do mesmo diploma legal.

Para esse efeito, concretiza a alínea a) do artigo 21.º do mesmo diploma legal: “Consideram-se crianças e jovens com deficiência, para efeitos de atribuição da bonificação por deficiência do abono de família para crianças e jovens, os descendentes com idade igual ou inferior a 10 anos que, por motivo de perda ou anomalia congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica, se encontrem em alguma das seguintes situações: a) Necessitem de apoio individualizado pedagógico e ou terapêutico específico, adequado à natureza e características da deficiência, como meio de impedir o seu agravamento, anular ou atenuar os seus efeitos e permitir a sua plena integração social”.

Ou seja, o subsídio de educação especial visa apoiar as famílias com filhos deficientes, os quais - sobretudo a partir de um certo grau de debilidade - representam um ónus suplementar nos encargos da vida familiar, criando, por vezes, situações de carência específica merecedoras de resposta pelo Estado, ainda que por comparticipação nas despesas, na medida em que, quando incomportáveis, os efeitos negativos repercutem-se invariavelmente na própria pessoa do deficiente.

A compensação de encargos com a frequência, pelos descendentes ou equiparados, de estabelecimentos de educação especial que impliquem pagamento de mensalidades é realizada mediante a concessão de subsídios em regime de comparticipação de despesas, nos montantes e condições a fixar em regulamento próprio, designadamente por via de mensalidades fixadas para os estabelecimentos de educação especial ou apoio domiciliário de natureza docente e terapêutica prestado mediante prescrição médica a crianças e jovens cuja deficiência imponha ou aconselhe esse tipo de orientação.

Nos casos em que os pais dos menores requerem o subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial, na modalidade de apoio individual por profissional especializado, o procedimento legalmente exigido é o consignado no Decreto Regulamentar n.' 3/2016, de 23 de Agosto, que revogou o Decreto Regulamentar n.' 14/81, de 7 de Abril, que havia sido alterado pelo Decreto Regulamentar n.' 19/98 de 14 de Agosto.

Constitui pressuposto para atribuição do subsídio “a redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual”, “determinada por declaração de médico especialista, comprovativa desse estado”.

Sendo certo que “os Serviços da Segurança Social podem submeter as crianças e jovens com deficiência a equipas multidisciplinares de avaliação médico –pedagógica” – cf. decreto-regulamentar n.' 3/2016.

Relativamente à “Prova da deficiência”, o artigo 61.º do Decreto-Lei n.' 133¬B/97, de 30/05, acrescenta:

“1 - A prova da deficiência para atribuição da bonificação por deficiência do subsídio familiar a crianças e jovens é efetuada:

a) No âmbito da Segurança Social, através de certificação por equipas multidisciplinares de avaliação médico-pedagógica ou, não as havendo, por médico especialista da deficiência em causa, ou pelo médico assistente, se não for possível o recurso às primeiras modalidades referidas.
(...)
2 - Os critérios a ter em consideração na prova de deficiência referidos no número anterior são definidos por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do trabalho, solidariedade e segurança social e da saúde.”

Não há dúvida de que o Legislador deu um sinal claro no sentido de que o juízo relativo à “redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual”, bem como o da identificação do “atendimento necessário ao deficiente”, deve ser realizado por médicos especialistas na deficiência em causa.

A avaliação, preferencialmente, por equipas multidisciplinares, constitui uma diligência de instrução destinada a imprimir mais rigor na atribuição dos subsídios, mas principalmente para assegurar a atribuição deste subsídio a quem dele precisa.

Espera-se sempre que os profissionais cumpram a sua missão segundo a leges artis da medicina, de forma competente e conscienciosa, tanto mais que a lei exige que a decisão administrativa se sustente em juízos técnicos, diferenciados.

Frisa-se: cabe à Equipa Multidisciplinar detectar casos de “perda ou anomalia congénita ou adquirida, de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica” e avaliar o apoio necessário para impedir o agravamento da redução permanente de capacidade, anular ou atenuar efeitos e permitir a plena integração social desses menores.

O Legislador obriga a instrução do requerimento com declaração de médico especialista. Forma que encontrou para afastar requerimentos manifestamente infundados e de envolver, desde o início do procedimento, profissionais com conhecimentos especiais para o correcto diagnóstico do menor.

Por conseguinte, quando a Equipa Multidisciplinar não acompanha os juízos vertidos nas declarações médicas que instruíram os pedidos, a Administração tem uma obrigação acrescida de fundamentação para fazer compreender as razões pelas quais considera não existir uma redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual e, por conseguinte, não reclama, no plano sócio-pedagógico, (i) o apoio solicitado pelos representantes legais e/ou (ii) qualquer apoio individual por professor especializado.

Pois resulta evidente de uma leitura atenta do Decreto Regulamentar n.º 3/2016, de 23 de Agosto, que um menor, quando portador de deficiência, terá direito ao atendimento necessário e adequado à recuperação e promoção do seu desenvolvimento num contexto sócio-pedagógico.

Atentemos no caso concreto:

Os Representantes Legais da criança pretendiam continuar a beneficiar do subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial para o ano lectivo de 2021/2022, à imagem do que ocorrera no ano anterior.

O Modelo foi instruído com declaração emitida por médico especialista em Psiquiatria, de acordo com a qual o menor sofre de alterações funcionais e cognitivas, bem como emocionais e comportamentais, de natureza permanente, associada ao diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção caracterizado por défice na capacidade de atenção/concentração, agitação psicomotora e limitações na regulação comportamental e afectiva, quadro que, além do mais, compromete o seu desenvolvimento.

Retira-se da aludida declaração manifestações de deficiência intelectual, por comportamento imaturo, aquisição lenta de conhecimentos e habilidades por ter sido diagnosticado ao menor perturbação de hiperatividade/défice de atenção, caracterizado por défice na capacidade de atenção/concentração, agitação psicomotora e limitações na regulação comportamental e afetiva.

Segundo o Médico Especialista, são distúrbios que comprometem o desenvolvimento da criança e que indicam capacidades intelectuais abaixo da média, com natureza permanente, aliás em total harmonia com a posição assumida pela Entidade Demandada quando deferiu o subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial no ano lectivo anterior.

Temos que uma declaração de médico especialista que vem corroborar uma posição anteriormente assumida pela Entidade Demandada quanto à redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial e intelectual, alcança a força probatória necessária para abalar – de erro – o parecer da Equipa Multidisciplinar que não merece credibilidade, face à completa ausência de conteúdo técnico que suporte tal declaração.

Com efeito, quando as questões que constituem objecto do procedimento reclamam conhecimento técnico especializado, a Administração tem o poder-dever de adoptar todas as diligências necessárias para alcançar a verdade material, ainda em fase procedimental, sempre em prol da melhor decisão à luz do fim público que visa prosseguir.

Neste caso, o procedimento é especial e o Legislador indica o caminho a percorrer para análise no quadro clínico e diagnóstico dos menores, por profissionais com competência e conhecimentos técnicos, diferenciados, que garantam rigor na avaliação médica e do juízo técnico que, uma vez vertido em relatório, vai sustentar o sentido favorável ou desfavorável da decisão administrativa.

Assim, o sentido da decisão dependia, em primeira linha, de um suporte técnico, especializado, na área da medicina, sobre o pressuposto de facto principal para a concessão da prestação social.

Ora, não basta desconsiderar o parecer médico junto pelos Representantes Legais do menor, é necessário dar a conhecer o percurso seguido pela Equipa Multidisciplinar e o juízo técnico médico-pedagógico por si realizado para aferir da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual da criança/jovem.

Importava que a Equipa Multidisciplinar explicasse por que razão a declaração médica não pode ser considerada, o que resultou do exame objectivo do examinado, seus antecedentes e qual o estado actual da criança/jovem no que concerne à capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual da criança/jovem.

Importava identificar como foi realizada a avaliação do desenvolvimento e da inteligência da criança, identificando os testes a que a criança foi submetida para avaliar o seu neuro desenvolvimento; bem como levar ao conhecimento dos Representantes Legais o diagnóstico do menor, alicerçado em dados históricos, exames ou manifestações clínicas.

Cumpre à Equipa Multidisciplinar apontar um programa abrangente e individualizado para se alcançar o máximo desenvolvimento da criança.

Ao Tribunal cabe distinguir erros (por acção ou omissão) da pronúncia sobre acerto ou desacerto de um parecer emitido por uma Equipa Multidisciplinar que exerce a sua missão no campo da discricionariedade técnica. Os primeiros são sindicáveis pelo Tribunal, os segundos caem fora do controlo jurisdicional.

Está ferido de erro, ainda que por omissão, o parecer da Equipa Multidisciplinar que, com total ausência de conteúdo técnico, desconsidera a declaração de médico especialista que sufraga a natureza permanente das alterações funcionais, cognitivas, emocionais e comportamentais associadas ao diagnóstico de Perturbação, que levaram à atribuição do Subsídio por Frequência de Estabelecimento de Educação Especial no ano imediatamente anterior.

Acrescenta-se, agora quanto ao acto propriamente dito, a fundamentação não perde o seu papel determinante quando se reporta a juízos técnicos, antes permite aferir do juízo especializado, da credibilidade desse juízo e garante a detecção de erros que fazem perigar o fim público almejado pelo Legislador quando criou este tipo de prestação social.

Neste caso, o Tribunal constata uma objectiva ausência de processo de avaliação e, por conseguinte, uma total falta de fundamentação.

Aliás, a declaração médica que instruiu o requerimento é muito mais descritiva da patologia clínica do que o juízo técnico formulado pela Equipa Multidisciplinar, este último que adoptou uma fórmula conclusiva, padronizada, sem qualquer sinal de ponderação sobre a situação clínica da criança.

O Tribunal não pode desconsiderar, sem mais, o parecer de um médico reconhecidamente especializado pela Ordem Profissional, apenas com o argumento de que é particular, ou de qualquer outra Instituição/Estabelecimento/Serviço de Saúde. Da conjugação da declaração médica com o facto de o menor já se encontrar sinalizado por sofrer de “redução permanente de capacidade”, deficiência conhecida que justificou o mesmo tipo de apoio no ano imediatamente anterior, o Tribunal alcança convicção segura quanto à natureza permanente da redução da capacidade do menor, o que nos leva a conceder o apoio individual especializado nos exactos termos peticionados.

(…)”

Decisão que se mostra acertada, não logrando o Recorrente convencer do contrário.

O Recorrente parte, desde logo, de um pressuposto errado, o contido na conclusão 4ª das suas alegações: os dois actos administrativos, o de deferimento, relativo ao ano letivo de 2020/2021, e o de indeferimento, relativo ao ano de 2021/2022, de indeferimento, aqui em causa, são autónomos, independentes entre si, existindo um sem a dependência do outro.

Como defendem os Recorridos nas suas contra-alegações:

“(…)

H) O recorrente pretende colocar na mesma balança e com o mesmo peso jurídico, o pressuposto fundamental da atribuição do SEE, que é o reconhecimento por médico especialista, de uma redução permanente física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual, com uma norma, meramente determinante da duração de pagamento do SEE, por cada ano letivo.

I) O artigo 6° do decreto regulamentar n° 3/2016 de 23 de agosto, não pode ter uma valoração equivalente ao pressuposto essencial da atribuição do SEE (artigo 4° n° 1 do referido diploma legal).

J) O pressuposto fundamental do subsídio de educação especial, é a existência de uma redução permanente.

K) Uma problemática clínica, pode sofrer agravamento ou melhoramento da patologia diagnosticada, não se aferindo tal patologia clínica, em função de uma temporalidade definida de um ano escolar, mas sim em função de avaliações clínicas sucessivas, que reiteram ou não o diagnóstico efetuado.

L) Não se pode confundir, o pressuposto essencial da atribuição do SEE – redução permanente da capacidade – com o período de duração do pagamento ao longo do ano letivo.

M) A entidade pública, inicia em cada ano, um procedimento administrativo, que dá lugar ao respetivo ato decisório.

N) O procedimento que se inicia, a par de cada ano letivo, não faz tábua rasa, do histórico procedimental do requerente. Aliás se assim, não fosse, o próprio recorrente, não teria efetuado a distinção entre procedimentos administrativos anteriores, com decisão de deferimento e procedimentos administrativos anteriores, sem decisão de deferimento.

O) O próprio recorrente aprovou o modelo GF62 – declaração médica, cujo procedimento administrativo anterior, teve decisão de deferimento, ou o modelo GF61 – situações de indeferimento anterior, ou novos pedidos.

P) In casu, os recorridos, apresentaram o modelo GF62 – declaração médica, (doc:2 da pi) porque o SEE havia sido deferido no ano letivo anterior.

Q) Se uma reiteração clínica da redução reconhecida, não fosse relevante, não haveria necessidade do recorrente ter efetuado a distinção entre 2 modelos, de declaração clínica.

(…)”

Os dois actos não são autónomos independentes entre si. Em termos absolutos, pelo menos.

Partem da análise de uma mesma situação de facto: a situação clínica do menor traduzida numa deficiência permanente, segundo o teor de ambos os requerimentos.

O primeiro acto concluiu verificar-se esse pressuposto de facto e o segundo acto concluiu não se verificar tal pressuposto de facto, por referência à mesma situação clínica invocada.

Como referem os Recorrentes, se não estivéssemos perante a continuação de uma mesma situação clínica invocada, não haveria necessidade de o próprio Instituto, ora Recorrente, ter efectuado a distinção entre dois modelos de requerimento, o modelo GF62, instruído com declaração médica, para os casos, como este, em que houve decisão anterior de deferimento, e o modelo GF61, para situações de indeferimento anterior, ou novos pedidos.

Daí que no segundo acto se devesse estabelecer se existiu ou não uma alteração da situação de facto que determinou a atribuição, no ano anterior, do subsídio.

Não se poderia limitar a estabelecer, numa fórmula vaga, que não se verificavam os pressupostos para a atribuição do subsídio em causa.

O que faz inquinar o acto de indeferimento do apontado vício de falta de fundamentação.

Ainda que se tratasse de um acto autónomo, precisamente por estarmos perante um acto com ampla margem de discricionariedade técnica, se impunha uma reforçada fundamentação, para que os destinatários pudessem conhecer plenamente os fundamentos do indeferimento e o Tribunal aquilatar se houve, ou não, violação dos parâmetros legais, erro grosseiro ou desvio de poder, nessa avaliação.

O que não se verifica no caso concreto uma vez que o parecer técnico elaborado pela Equipa Multidisciplinar de Avaliação em que se baseou o acto de indeferimento, se limitou a afirmar em termos vagos e conclusivos que a “ redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual da criança, /jovem não foi comprovada, após avaliação presencial da Equipa Multidisciplinar de avaliação Pedagógica”.

Não refere minimamente, as razões pelas quais a Equipe Multidisciplinar considera não existir uma redução permanente da capacidade do menor.

Mas não se trata de um acto autónomo, como acima se referiu. No que diz respeito à situação de facto, avaliada pela Equipa Multidisciplinar, trata-se da mesma situação de facto que esteve subjacente ao pedido e à concessão do subsídio para o ano 2020/2021.

Impunha-se por isso no acto de indeferimento aqui em apreço uma fundamentação que revertesse o juízo técnico formulado em relação ao pedido do ano anterior que foi deferido.

Ora no parecer técnico de que o acto de indeferimento se apropriou, da Equipa Multidisciplinar de Avaliação nenhuma referência é feita ao parecer técnico anterior que determinou existir uma situação de redução permanente da capacidade do menor.

Assim como não é feita, ainda que se tratasse de um acto absolutamente autónomo do anterior acto de indeferimento, ao parecer médico que instruiu o pedido, por exigência da Entidade Demandada.

Se a Entidade Demandada exigiu para instruir o pedido, o parecer de um médico da especialidade, auto veiculou-se a dar o mínimo de relevância a esse parecer médico. Ora no acto de indeferimento não se refere minimamente qualquer razão concreta para afastar esse parecer técnico.

Indo agora ao segundo fundamento essencial do recurso, o do ónus da prova, também aqui o Recorrente não tem razão.
Entre o pedido deduzido em sede administrativa e a lei tinha de se interpor, como interpôs, um acto administrativo definidor da situação jurídica concreta dos Requerentes, não resultado o alegado direito directamente da lei.

Neste caso, de acto de indeferimento de uma pretensão, o ónus da prova de que não se verificam os pressupostos para o deferimento cabe à Entidade Demandada.

Não cabe aos Autores fazer a prova do seu direito.

Conclusão que resulta do disposto no artigo 342º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, e no artigo 414º do Código de Processo Civil.

Como nos diz Mário Aroso de Almeida, nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 20, p. 48-49:

“… há que distinguir, nesta matéria, consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.

Pois consoante se trate de um ou de outro caso, assim se diferenciam as posições em que as partes se encontram colocadas no quadro da relação subjacente ao recurso.

Comecemos, pois, pela hipótese, estruturalmente mais simples, do recurso de impugnação de um acto de conteúdo positivo. É neste domínio que as partes figuram no recurso em posições invertidas em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica substantiva.

(…)

Ora, esta diferença de natureza substantiva deve, a nosso ver, projectar-se no plano da definição das regras de decisão com base nas quais o tribunal deve decidir nas situações em que nenhuma conclusão clara tiver resultado de toda a prova reunida em favor de qualquer das partes.

a) Assim, se o recorrente alegar o não preenchimento dos pressupostos do acto, deve recair sobre a Administração o risco da falta de prova da respectiva verificação.”.

No mesmo sentido se pronunciou Vieira de Andrade, em “A Justiça Administrativa”, p. 271.

E, citando esta doutrina, chegou-se à mesma conclusão nos Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2011, Processo n.º 02258/05.0BEPRT, de 01.04.2011, processo n.º 461/08.0BEPRT, e de 07.03.2013, processo n.º 01019/07.6BEPRT.

No caso concreto a Entidade Demandada, ao contrário do que era seu ónus, não demonstrou que não estavam verificados os pressupostos para a concessão do subsídio, fundando-se em parecer técnico que, como vimos, não estava fundamentado.

Os Autores, pelo contrário, apresentaram prova que impunha contrariar, quer o parecer técnico da Equipa Multidisciplinar de Avaliação em que se baseou o acto de deferimento relativo ao ano de 2020/21, quer a declaração emitida por médico especialista que instruiu o pedido relativo ao ano lectivo de 2021/2022, ambos no sentido de se verificar a situação de facto geradora do direito ao pretendido subsídio.

Termos em que se impunha decidir como decidiu na sentença recorrida, no sentido da procedência total da acção.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

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Porto, 16.02.2024


Rogério Martins
Fernanda Brandão
Isabel Costa