Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00702/12.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2013
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Catarina Almeida e Sousa
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
NULIDADE DA SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO DE FACTO
CADUCIDADE DA RECLAMAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Sumário:I. Dispõe o artigo 125º,1 do CPPT que constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, à semelhança daquilo que estabelece o artigo 668º, nº1, al. b) do CPC.
II. Constitui jurisprudência e doutrina pacíficas a ideia de que só se verifica tal nulidade quando ocorra uma falta absoluta de fundamentação, o que não equivale à fundamentação incompleta ou incorrecta.
III. A revelação das razões porque se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida pela mera indicação dos meios de prova, sem prejuízo de se fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou quando existirem documentos que apontem em sentidos contraditórios.
IV. Tendo o despacho em causa sido notificado à executada, Reclamante, em 24/09/12, e considerando o prazo de 10 dias previsto no artigo 277º, nº1 do CPPT (prazo este contado nos termos do artigo 144º do CPC, por remissão do artigo 20º, nº2 do CPPT), temos que o termo do referido prazo coincidiu com o dia 4/10/12, data precisamente em que a p.i de reclamação foi apresentada.
V. Existe abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.
VI. Entre os comportamentos que a jurisprudência (e a doutrina) reconduzem à figura do abuso de direito, está o “venire contra factum proprium”, ou seja, a proibição do comportamento contraditório.
VII. Porém, nem toda a conduta contraditória por parte de quem a exerce é reconduzível ao abuso de direito e ao comportamento traduzido pela expressão “venire contra factum proprium”. Na sua estrutura, o “venire” pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o “factum proprium”) é contraditada pela segunda (o“venire”), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso do direito.
VIII. Não configura abuso de direito, na modalidade do “venire contra factum proprium”, o facto de o Reclamante na mesma data em que apresentou reclamação ter oferecido outro bem em reforço da garantia inicialmente prestada, com vista à obtenção da suspensão da execução fiscal, na medida em que tal conduta representa uma derradeira tentativa de convencer a Administração Tributária, mormente no prazo que lhe é concedido, de 10 dias, para revogar o acto reclamado (cfr. artigo 277º, nº2 do CPPT) das razões da Recorrida para que a execução fosse suspensa, evitando, porventura, a prossecução do processo judicial.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:N..., Soc. Unipessoal, Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

1- RELATÓRIO

A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, julgando procedente a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por N… Sociedade Unipessoal, Lda., anulou o despacho proferido, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1899201201033840, pelo Chefe de Serviço de Valongo, de 19/09/12, que “indeferiu o pedido de suspensão do processo mediante o penhor dos bens móveis oferecidos”, dela interpôs o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente, rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta, em 2012/10/04, de um despacho proferido pelo chefe do SF, no âmbito do PEF que ali corre termos sob o nº 1899201201033840, na sequência do pedido, efetuado em 2012/08/20 E não em 2012/08/23, como resulta em vários pontos da douta sentença, afigurando-se à Fazenda Pública que estaremos perante erros materiais, de escrita, resultantes de lapso manifesto, que importa retificar, em conformidade com o disposto no artº 667º do Código de Processo Civil (CPC)., de pagamento em prestações e suspensão do PEF, tendo para o efeito oferecido como garantia um veículo de passageiros.

B. Constituem fundamento dos presentes autos a discordância da reclamante com o que dispõe o citado ofício-circulado nº 60076, tecendo considerandos sobre a idoneidade das garantias e concluindo que aferir dessa idoneidade “não se trata de uma matéria inserida na discricionaridade técnica da AF”.

C. Por despacho proferido em 2012/08/23 (primeiro despacho) pelo Chefe do SF, foi deferido o pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, fixada a garantia no valor de € 2.200,82 e, no atinente à garantia prestada, foi ordenada a notificação do sujeito passivo, aqui reclamante parano prazo de 15 dias fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel”, por forma a beneficiar da suspensão do PEF mediante o penhor do bem móvel oferecido.

D. Na sequência de tal despacho, veio a aqui impetrante entregar documento comprovativo da recusa da proposta de garantia bancária por si formulada perante o Banco Comercial Português, sendo em em 2012/09/19 E não em 2012/09/11, como refere a douta sentença, a fls. 2, bem como no ponto 7.º do probatório, o que se afigura tratar-se de meros erros materiais, de escrita, resultantes de lapso manifesto, que importa retificar, em conformidade com o disposto no artº 667º do CPC. proferido despacho (segundo despacho), por via do qual foi o pedido de suspensão do PEF indeferido pelo órgão de execução fiscal, em virtude da aqui reclamante não ter dado cumprimento ao despacho de 2012/08/23, porquanto não fez a prova solicitada.

E. Porque a reclamante não identifica, na PI, contra que ato decisório proferido pelo órgão de execução fiscal litiga, invocou a Fazenda Pública, duas questões prévias, a saber Tal como resulta da contestação apresentada pela Fazenda Pública e do ponto 2 do relatório, a fls. 3 e 4 da sentença recorrida.:

a) Por um lado, caso se entenda que a reclamante litiga contra o primeiro despacho do chefe do SF Pelo conspecto da douta petição inicial (PI) e atentos os fundamentos invocados, afigura-se à Fazenda Pública, tal como já defendeu na sua contestação, que a reclamante se insurge, efetivamente contra este primeiro despacho, não se concedendo que assim não seja, conforme se constatará., proferido em 2012/08/23, na sequência do pedido de pagamento em prestações e suspensão da execução fiscal, por si efetuado em 2012/08/20, entende a Fazenda Pública que a PI dos presentes autos se mostra intempestiva, tendo-se extinguido o direito de ação, exceção que determina a improcedência total da reclamação, impedindo o conhecimento do mérito Cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 2008/07/30, no processo 0355/08 e o Acórdão do TCAS, de 2006/01/31, no processo 0945/05, ambos disponíveis em www.dgsi.pt./ Conforme a seguir melhor se concretizará.;

b) Por outro lado, entende a Fazenda Pública que estamos perante uma PI inepta, porquanto a causa de pedir está em contradição com o pedido formulado, pelo que, em conformidade com o disposto na al. a) do n° 1 do artº 98° do CPPT, é nulo todo o processado, dando lugar à absolvição da instância por verificação daquela exceção dilatória Conforme a seguir melhor se concretizará..

F. No atinente às questões prévias assim invocadas pela Fazenda Pública e tendo em conta, em primeiro lugar, a invocada intempestividade, concluiu a Meritíssima (Mma) Juíza do Tribunal a quo que “[r]esulta da análise do requerimento de reclamação/petição inicial que, a Fazenda Pública interpretou correctamente a petição e aceitou que o acto reclamado era o despacho de fls. 12 dos autos, datado de 19.09.2012”, “[p]elo que, tendo a presente reclamação dos atos do órgão de execução fiscal dado entrada em 04.10.2012, a mesma é tempestiva”, decidindo pela improcedência da exceção invocada.

G. Não pode, porém, a Fazenda Pública, sempre com o respeito devido, concordar com o que assim vem decido, porquanto não só não resulta de qualquer parte dos autos que “a Fazenda Pública interpretou correctamente a petição”, como não resulta que a Fazenda Pública “aceitou que o acto reclamado era o despacho de fls. 12 dos autos, datado de 19.09.2012”.

H. Tal como a própria sentença ora sob recurso sintetizou no ponto 2 do relatório, a fls. 3, aquando da invocação da intempestividade da PI, alegou a Fazenda Pública, na sua contestação que, “não obstante a reclamante não identifique o ato do órgão de execução fiscal contra o qual se insurge, o certo é que, pelo conspecto da douta petição inicial (PI) e atentos os fundamentos invocados, afigura-se que pretende litigar contra o primeiro despacho do chefe do SF, proferido em 2012/08/23, na sequência do pedido de pagamento em prestações e suspensão da execução fiscal, efetuado pela aqui impetrante em 2012/08/20”,

I. ressaltando tal conclusão, “mormente”, “da referência ao ofício-circulado 60076, o qual só vem mencionado no referido despacho de 2012/08/23, o mesmo acontecendo com a citação feita pela reclamante no artº 19º da PI, citação esta do teor do mesmo primeiro despacho”.

J. Pelo que, concluiu a Fazenda Pública que, “a ser assim, (…) tendo a aqui impetrante sido notificada do despacho em causa em 2012/08/29” e “adequando a factualidade aos normativos referenciados constata-se que o prazo de 10 dias previsto no nº 1 do artº 277º do CPPT, terminaria, em virtude das férias judiciais, a 2012/09/08”, e ainda que, uma vez que “a PI dos presentes autos foi remetida para o SF, via fax, em 2012/10/04”, “muito depois do termo do prazo para apresentar a presente reclamação”, mostrando-se a mesma intempestiva.

K. Facilmente se conclui que a Mma Juíza do Tribunal a quo, não obstante ter sintetizado corretamente o que assim foi alegado, decide a questão prévia suscitada em clara contradição com esses argumentos, incorrendo em erro de julgamento sobre o objeto da exceção perentória da intempestividade, o que determinou a que incorresse em erro de julgamento de direito em relação à resolução da questão prévia invocada.

L. Caso assim não fosse, a decisão tomada a final não poderia ser a mesma, pugnando-se, tal como na contestação aos presentes autos, que caso o ato controvertido seja o primeiro despacho proferido pelo SF Não concedendo a Fazenda Pública que assim não seja., ocorreu a extinção do direito à ação Tendo em conta o disposto no nº 1 do artº 276º do CPPT, bem como a data da notificação do mesmo despacho (2012/08/29) e a data da apresentação da PI (2012/10/04)., nos termos dos nºs 1 e 3 do artº 493º e do artº 496º, ambos do CPC, o que determina a improcedência total da reclamação, impedindo o conhecimento do mérito.

M. Nos mesmos erros incorreu a douta sentença do Tribunal a quo no que respeita à invocada ineptidão da PI, tendo a Mma Juíza do Tribunal a quo concluído que “[n]a petição da reclamação chega-se a confundir o despacho de 19.09.2012 (fls. 12) e o despacho de fls.7, datado de 23.08.2012”, “[n]o entanto, só no despacho de 19.09.2012 é que se decide o pedido formulado de suspensão da execução, mediante o penhor do veículo automóvel (…), sendo certo que a reclamante se insurge contra a não suspensão da execução, mediante penhor do veículo oferecido”.

N. Depois de citar o disposto nos nºs 2 e 3 do artº 193º do CPC, concluiu a Mma Juíza do Tribunal a quo, que “resulta do teor da contestação apresentada pela Fazenda Pública que, a mesma compreendeu o alcance do pedido, tendo apresentado a sua contestação em conformidade”, decidindo pela improcedência da exceção invocada.

O. não pode a Fazenda Pública, mais uma vez e sempre com o respeito devido, concordar com o que assim vem decido, porquanto aquando da sua contestação aos presentes autos invocou que a causa de pedir está em contradição com o pedido formulado, ineptidão prevista na al. b) do nº 2 do artº 193º do CPC e não, como resulta da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que falta ou é ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, ineptidão prevista na al. a) do nº 2 do predito preceito legal.

P. Não é de aplicar, como pretende o Tribunal a quo o nº 3 do mesmo artº 193º, o qual apenas se refere à ineptidão prevista na alínea a) do nº 2 daquele preceito legal, sendo que, da própria sentença ora sob recurso, no ponto 2 do relatório, a fls. 3 e 4, resultam devidamente sintetizados os fundamentos vertidos na contestação apresentada pela Fazenda Pública subjacentes à invocação da exceção dilatória.

Q. Alegou a Fazenda Pública que “não obstante resulte da causa de pedir formulada que a reclamante visa o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal em 2012/08/23, o certo é que conclui pedindo, a final, que «pelos fundamentos expostos, deve a presente reclamação ser considerada procedente e provada, no que respeita ao pedido de suspensão da execução por parte do executado, sendo considerado suficiente o documento apresentado pelo o oponente»” e que,

R. o documentos apresentado pelo «oponente», não pode deixar de ser a resposta do Banco Comercial Português à proposta de garantia bancária solicitada pela aqui reclamante, a fls. 10 dos autos (numeração do SF), a qual foi apresentada na sequência do primeiro despacho do chefe do SF e, na sequência da qual foi emitido o segundo despacho, em 2012/09/19”.

S. Constata-se, assim, tal como já concluiu a Fazenda Pública na sua contestação, “que não obstante a reclamante alegue factos integradores de fundamentos atinentes à ilegalidade do despacho proferido pelo SF em 2012/08/23, formula o seu pedido no sentido da anulação do despacho proferido em 2012/09/08”.

T. A causa de pedir e o pedido constituem elementos indispensáveis da PI, representando aquela (a causa de pedir) o fundamento da pretensão de tutela jurisdicional formulada, ou seja, o facto jurídico de que emana o efeito pretendido; e este (o pedido) o efeito jurídico que se pretende com a interposição da ação, sendo que a exata formulação do pedido se mostra determinante, na medida em que o Tribunal só conhece o que se lhe pede e na medida do que se lhe pede (cfr. artº 661, nº 1 do CPC), devendo ser inteligível, idóneo e determinado e estar devidamente fundamentado de facto e de direito, porquanto sem pedido, o juiz não tem condições de saber o que pretende o oponente, nem a parte contrária pode defender-se devidamente,

U. Por sua vez, deve a causa de pedir traduzir-se no facto jurídico em que se baseia o pedido, o qual se impõe que concretize a causa de pedir, apresentando-se como a sua consequência ou corolário lógico.

V. Caso a douta sentença recorrida não incorresse em erro de julgamento quanto ao objecto da excepção invocada, a decisão tomada a final não poderia ser a mesma, pugnando-se, tal como na contestação aos presentes autos, que estamos perante uma PI inepta, pelo que, em conformidade com o disposto na alínea a) do n° 1 do artº 98° do CPPT, é nulo todo o processado, dando lugar à absolvição da instância por verificação da invocada exceção dilatória (cfr. artºs 193º, nº 2, al. b), 288º, nº 1, al. b), 493º, nºs 1 e 2 e 494º, al. b), todos do CPC, aplicável ex vi artº 2°, al. e) do CPPT).

W. Improcedendo as exceções invocadas, veio a Mma Juíza do Tribunal a quo a julgar procedente a presente reclamação, por falta de fundamentação do acto reclamado Questão suscitada pelo Ministério Público, cujo parecer, aliás, não foi notificado à Fazenda Pública, não obstante suscitar questão nova a que a parte tinha direito de responder, porque susceptível de influenciar a decisão, como veio a acontecer., o qual considera ser o segundo despacho proferido pelo órgão de execução fiscal, em 2012/09/19 Como resulta, nomeadamente, do capítulo IV da sentença (“IV – DO DIREITO”)..

X. Para tal, tece a douta sentença sob recurso vários considerandos quanto à idoneidade das garantias, referindo que o juízo de idoneidade será formulado pela AT, não sendo este um juízo discricionário, mas de legalidade vinculada.

Y. Salienta-se que não está em causa nos autos se a garantia oferecida pela reclamante é ou não idónea, no entender da AT e, não está em causa no primeiro despacho proferido em 2012/08/23 pelo órgão de execução fiscal, como não está em causa no segundo despacho, proferido em 2012/09/19, motivo pelo qual não pode a Fazenda Pública conformar-se com o que doutamente vem decidido, como a seguir se argumentará e concluirá.

Z. Acresce que, não basta ao Tribunal indicar as provas que serviram de base à decisão para formar a sua convicção, sendo necessário efetuar uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado, impondo-se que da sentença resulte qual o processo lógico-mental que serviu de suporte ao conteúdo da decisão tomada.

AA. E, sempre com o respeito devido pelo que vem decidido pelo Tribunal a quo, o certo é que não resulta da douta sentença sob recurso por que motivo, tendo em conta a decisão tomada a final, foram considerados provados os factos levados ao probatório e não outros e porque motivo não considerou factos não provados, resultantes dos elementos tidos nos autos, nem resulta qualquer análise crítica da prova produzida e na qual se baseou para tomar a sua decisão, como lhe era imposto pelo nº 2 do artº 123º do CPPT e pelo nº 2 do artº 653º do CPC.

BB. Enferma, assim, a douta sentença sob recurso de nulidade, por falta de exame crítico das provas, o que implica a sua falta de fundamentação, em conformidade com o disposto nos artºs 125º, nº 1 do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC.

CC. Se seguirmos o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que o despacho controvertido é aquele último (de 2012/09/19), constata-se que do mesmo consta que “[t]endo em conta que o documento apresentado em 11/09/2012, não é suficiente para dar cumprimento ao meu despacho de 23/08/2012, designadamente por não fazer prova da impossibilidade absoluta de da obtenção de garantia bancária, caução, seguro caução ou hipoteca voluntária de um imóvel, indefiro o pedido de suspensão do processo mediante o penhor dos bens imóveis oferecidos Sublinhado nosso..

DD. Prova esta que foi solicitada à aqui reclamante pelo primeiro despacho proferido pelo órgão de execução fiscal, conforme resulta da própria sentença sob recurso que diz que, por via do despacho proferido em 2012/08/23, “quanto à garantia oferecida (…) o OEF não se pronunciou”, antes “[c]onvidou a ora reclamante, «a fim de poder aproveitar da suspensão do processo executivo no âmbito do pagamento em prestações, mediante penhor de bens imóveis No despacho em causa, proferido em 2012/08/23, lê-se “mediante o penhor de bens móveis” e não imóveis, como resulta da douta sentença recorrida, o que se afigura tratar-se de mero erro material, de escrita, resultante de lapso manifesto, que importa retificar, em conformidade com o disposto no artº 667º do CPC. e não penhora como foi oferecido, deverá, no prazo de 15 dias, fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução, seguro caução ou hipoteca voluntária de um imóvel”.

EE. Constata-se, assim, que não é proferido pela AT qualquer juízo de idoneidade (ou falta dela), nem sequer o órgão de execução fiscal se pronúncia quanto à garantia oferecida.

FF. Não obstante, conclui a douta sentença de que ora se recorre que “efectivamente, não se compreende porque não fundamentada a razão da não aceitação da garantia prestada pela reclamante”.

GG. No despacho que o Tribunal a quo considera como sendo o despacho controvertido, não vem indeferida a garantia prestada, muito menos que a AT a tenha considerado inidónea, sendo que o que está ali em causa é tão só o facto de, não obstante a tentativa da reclamante de demonstrar a impossibilidade de obtenção de garantia bancária, em cumprimento do primeiro despacho controvertido, mediante a apresentação do documento emitido pelo Banco Comercial Português, o órgão de execução fiscal ter entendido que tal documento não faz a prova que lhe foi solicitada, e que foi a “da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução, seguro caução ou hipoteca voluntária de um imóvel”.

HH. Não pode, pois a Fazenda Pública concordar com tal segmento decisório proferido pelo Tribunal a quo, porquanto entende que a mesma errou no julgamento da matéria de facto resultante dos elementos tidos nos autos, por violação do disposto no nº 2 do artº 653º e no nº 2 do artº 659º do CPPT, erro este que induziu o Tribunal a quo a extrair uma consequência jurídica distinta da que resulta desses mesmos elementos, enfermando ainda a douta sentença sob recurso de erro de julgamento de direito.

II. Ademais, entende a Fazenda Pública, com o devido respeito pela decisão do Tribunal a quo, que não foram levados ao probatório todos os factos que deveriam ser considerados como provados e devidamente valorados, factos estes que resultam dos documentos tidos nos autos, mais uma vez incorrendo em erro de julgamento da matéria de facto.

JJ. Resulta dos autos que, para além da aqui reclamante não ter reagido, em tempo útil, contra a primeira decisão proferida (em 2012/08/23), solicitou a prestação de garantia bancária perante o Banco Comercial Português, vindo aos autos, em tentativa de cumprimento daquele primeiro despacho, demonstrar a impossibilidade de obtenção de garantia bancária perante aquela entidade.

KK. E, uma vez proferido o segundo dos despachos ora em causa, veio ainda a ora reclamante, na mesma data em que apresentou a presente reclamação (2012/10/04), oferecer novo bem móvel Um “motociclo marca Ducati com a matrícula 98-42-UA”, o qual já se encontrava penhorado no PEF com o nº 1899201201010379, que corre termos no SF contra a aqui impetrante, conforme despacho de 2012/10/16, a fls. 44 e informação prestada pelo SF, aquando da instrução dos presentes autos, a fls. 49 a 53. em reforço da garantia inicialmente prestada Visto, nas suas palavras (cfr. requerimento junto a fls. 14 dos autos), “já ter sido entregue para prestar garantia o seguinte bem móvel; jipe marca Land Rover com a matrícula …HS e também por termos entregue o documento original de recusa de garantia bancária por parte da instituição bancária”. Isto, saliente-se, com os requerimentos apresentados pela reclamante em 2012/08/20 e 2012/09/11., sendo que, na sequência deste pedido de reforço da garantia, foi novamente indeferido o requerimento de suspensão do PEF, por despacho de 2012/10/16 A fls. 44 dos autos..

LL. Porém, tais factos não foram tidos em conta pela decisão de que ora se recorre, nem sequer foram levados ao probatório, pelo que não foram devidamente valorados, pois, caso o fossem, impunha-se concluir, no entendimento da Fazenda Pública e com o devido respeito por melhor opinião, que a aqui reclamante se conformou com o primeiro despacho do órgão de execução fiscal, proferido em 2012/08/23, empreendendo diligências no sentido de lhe dar cumprimento, o que aconteceu mesmo na própria data em que intenta os presentes autos.

MM. Tais comportamentos mostram-se contraditórios com os argumentos ora tecidos na PI pela reclamante, pelo que se afigura que se consolidou, desta forma, o referido ato praticado pelo chefe do SF.

NN. E mesmo que se entenda, como faz a douta sentença recorrida, que a presente reclamação venha intentada contra o segundo despacho do órgão de execução fiscal, datado de 2012/09/19, o que não se concede, o certo é que, não obstante apresentar a presente reclamação, na mesma data, oferece reforço da garantia inicialmente oferecida, solicitando, novamente, a suspensão do PEF.

OO. Motivo pelo qual se impunha conclui que a reclamante litiga por via de um comportamento contraditório com outro posterior, afigurando-se à Fazenda Pública que estamos perante um caso de “venire contra factum proprium", proibido por lei.

Termos em que,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser considerada nula a douta sentença recorrida, com as legais consequências ou,

Caso assim não se entenda

Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por erro de julgamento, com as legais consequências.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Neste Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza urgente do processo [artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do CPPT], cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

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Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:

(i) Saber se a sentença recorrida é nula por falta de exame crítico das provas, nos termos dos artigos 125º, nº1 e 668º, nº 1, al b) do CPC – conclusões Z, AA e BB;

(ii) Saber se a sentença recorrida errou ao não considerar intempestiva a reclamação apresentada – conclusões E, a), F a L;

(iii) Saber se a sentença recorrida errou ao não considerar inepta a p.i – conclusões E, b), M a V;

(iv) Saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto – conclusões II a LL;

(v) Saber se a Reclamante litiga por via de um comportamento contraditório com outro anterior (venire contra factum proprium) – conclusões MM a OO;

(vi) Saber se a sentença recorrida errou no julgamento de direito efectuado, ao considerar ilegal e, consequentemente, anulando, o despacho recorrido – conclusões W, X, Y e CC a HH.

Antes, porém, de passar à análise das referidas questões, importa, desde já, deixar uma breve nota sobre o teor das notas de rodapé nºs 19, 20 e 31, sobre alegados erros materiais, lapsos de escrita, passíveis de rectificação, ao abrigo do artigo 667º do CPC.

Na nota nº 19, refere a Recorrente que a data do pedido aí identificado corresponde ao dia 20/08/12 e não ao dia 23/08/12, como na sentença, por lapso manifesto, se refere em vários momentos.

Não há, porém, qualquer lapso. A data do aludido requerimento consta dos factos provados, concretamente do ponto 2º, sendo que o comprovativo da entrega do documento foi emitido pela Administração Tributária precisamente em 23/08/12, conforme consta da cópia de tal comprovativo junta a fls. 23.

Na nota nº20, refere a Recorrente que foram cometidos lapsos de escrita na menção à data de um despacho proferido em 19/09/12 e não, como erradamente foi feito constar (a fls. 2 da sentença e do ponto 7 dos factos provados), em 11/09/12.

Também aqui não se verifica qualquer lapso. As menções à data de 11/09/12 constantes da sentença referem-se não a qualquer despacho proferido mas sim à data de entrega de um requerimento/documento por parte da executada.

Por fim, quanto ao teor da nota de rodapé nº 31, verifica-se efectivamente um lapso na transcrição do teor de um despacho, pois onde se transcreveu imóveis, deve ler-se, como do original consta, móveis. No local próprio – ponto 5 dos factos provados - procederemos à correcção do lapso.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a matéria de facto fixada em 1ª instância:

“1.º - Em 05.08.2012 foi instaurado pelo Serviço de finanças de Valongo 1, o processo de execução fiscal n.°1899201201033840, para cobrança coerciva de € 2.200,82, acrescida de juros de mora e custas, referente à coima aplicada no processo de contra-ordenação n°1899201206015697, aplicada pela falta de pagamento do IVA do período de 2011/12T.

2.° - A ora reclamante em 23.08.2012 requereu o pagamento da dívida em causa nos autos em 26 (vinte seis) prestações mensais.

3.º - Solicitou no mesmo dia, a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, pretendendo para tal, constituir garantia sobre um veículo automóvel marca Land Rover, matricula …HS.

4.° - Por despacho de 23.08.2012, foi deferido o pagamento da dívida em 20 (vinte) prestações e fixada a garantia em €2.905,55 - cf.doc. de fls.7 dos autos.

5.º - Quanto ao bem móvel oferecido como garantia no sentido de obter a suspensão do processo executivo, foi decidido, face às disposições legais e instruções administrativas decidido o seguinte:

«Através das instruções vertidas no ofício-circulado n°60076, de 29/07/2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, a Administração Fiscal veio criar orientações para a constituição e manutenção de garantia idónea em processo de execução fiscal.

Nessas instruções, determina que, face ao interesse público, deve ser dado preferência à constituição de garantias de maior liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução.

Seguindo este conceito, vem estabelecer que se enquadram nesta categoria as garantias bancárias, caução e seguro-caução, conforme o estabelecido no n.°1 do art° 199° do CPPT;

Refere, ainda, que, quando não seja possível a constituição das garantias anteriormente referidas, deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária.

Por fim, refere que apenas em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro - caução ou, secundariamente, a hipoteca voluntária de imóvel, é que se poderá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, que deve revestir a forma de penhor.

Assim, a fim de poder aproveitar da suspensão do processo executivo no âmbito do pagamento em prestações, mediante o penhor de bens móveis (como consta do original, e não de bens imóveis, como por lapso foi transcrito) e não penhora como foi oferecido, deverá, no prazo de 15 dias, fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel» - cf. doc. de fls.7 dos autos.

6.º - Deste despacho, foi a sociedade executada, ora reclamante notificada, pelo ofício n.°5072, por carta registada e aviso de receção recebido em 29.08.2012.

7.° - Em 11.09.2012 a ora reclamante entregou junto do Serviço de Finanças um requerimento, juntamente com uma declaração emitida pelo Millenium BCP, na qual consta que “Reportamo-nos à proposta de Garantia formulada por V.Ex.(s) em 31/08/2012 a qual foi objeto da nossa melhor atenção. Em resposta, cumpre-nos informar que a mesma não colheu a nossa aprovação.”

8.º - Na sequência do que foi proferido pelo Serviço de Finanças, em 19.09.2012, o seguinte despacho:

«Tendo em conta que o documento apresentado em 11.09.2012, não é suficiente para dar cumprimento ao meu despacho de 23/08/2012, designadamente por não fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução, seguro caução ou hipoteca voluntária de um imóvel, indefiro o pedido de suspensão do processo mediante o penhor dos bens móveis oferecidos».

9.° - Deste despacho foi a ora reclamante notificada através do oficio nº5435 em 24.09.2012.

10.° - A presente reclamação for apresentada em 04.10.2012.

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a resolução da presente Reclamação.

No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74° e 76° n.1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil)”.


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Alteração oficiosa da matéria de facto relevante para a decisão da causa

Ao abrigo do disposto na norma do artigo 712º, nº 1, alínea a), do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, entendemos que é de alterar o probatório que foi fixado na 1ª instância, dando nova redacção ao ponto 9º e aditando matéria de facto relevante para a discussão da causa que também resulta provada documentalmente:

Assim, por uma questão de rigor, importa alterar a formulação do facto contido no nº 9º, nos termos do qual se fez constar que:

Deste despacho foi a ora reclamante notificada através do oficio nº5435 em 24.09.2012”.

Com efeito, saber se o despacho em causa foi notificado em 24/09/12 é claramente uma conclusão de direito que se há-de extrair da factualidade atinente à notificação ocorrida, aplicadas que sejam as regras atinentes às notificações do tipo de acto que está em causa. Para mais, no caso, vindo suscitada a excepção da caducidade do direito de acção, impõe-se a clarificação da factualidade pertinente à sua apreciação.

Assim, onde no ponto 9º se escreveu Deste despacho foi a ora reclamante notificada através do ofício nº5435 em 24.09.2012”, passará a constar o seguinte:

– O despacho que antecede foi remetido à Executada, N… Sociedade Unipessoal, Lda., para a Rua…, 4440-365 Sobrado, através de correio registado, com aviso de recepção, sob o nº de registo RM 8812 28 08 9 PT – cfr. fls. 13, frente e verso;

9ºA – O aviso de recepção foi assinado em 24/09/12 – cfr. fls. 13/verso;

Como dissemos, impõe-se aditar-se a seguinte matéria de facto:

11º - Em 17/10/12, na sequência da apresentação da p.i de reclamação, o Chefe do Serviço de Valongo -1 proferiu o despacho de fls. 54 dos autos, cujo teor é o seguinte:

“Tendo em atenção as orientações administrativas referidas no meu despacho de fls. 7 e considerando que a executada apenas fez prova da impossibilidade de constituição de garantia bancária, quando se pedia, também, para a caução, seguro-caução e hipoteca voluntária de imóvel, mantenho o meu despacho recorrido.

Sem prescindir, como reforço da manutenção do despacho recorrido, tendo em atenção ao referido na parte final da informação que antecede, realça-se o facto de o bem móvel oferecido como garantia (Land Rover, matrícula …HS) se encontrar penhorado no processo 1899201201016725, com plano prestacional deferido no termos do art. 196º do CPPT, cuja garantia tinha sido fixada em € 5.834,81, tendo aquele bem um valor presumível de € 7 000,00.

Remeta o processo ao TAF de Penafiel.

Valongo, 17 de Outubro de 2012”


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2.2. O direito

São várias as questões suscitadas no presente recurso, tal como, oportunamente, as deixámos autonomizadas.

Iniciaremos pela análise das conclusões Z, AA e BB, nas quais a Recorrente defende que se verifica a nulidade da sentença recorrida, por falta de exame crítico das provas, invocando, para tal, os artigos 125º, nº1 do CPPT e 668º, nº1, al. b) do CPC.

Com efeito, para a Fazenda Pública, não basta ao Tribunal indicar as provas que serviram de base à decisão para formar a sua convicção, sendo necessário efetuar uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado, impondo-se que da sentença resulte qual o processo lógico-mental que serviu de suporte ao conteúdo da decisão tomada.

Vejamos, então.

Dispõe o artigo 125º,1 do CPPT que constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, à semelhança daquilo que estabelece o artigo 668º, nº1, al. b) do CPC.

Como a jurisprudência tem vindo a entender, só se verifica tal nulidade quando ocorra uma falta absoluta de fundamentação, o que não equivale à fundamentação incompleta ou incorrecta – cfr. entre outros, o acórdão do STA, de 14/07/08 (proc. 510/2008).

Também na doutrina, Alberto dos Reis – CPC Anotado, Vol. V, pág. 140 – referia a importância da “distinção cuidadosa entre a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.

A fundamentação da sentença, no que concerne à fundamentação da matéria de facto, é uma exigência decorrente do artigo 123º, nº2 do CPPT, nos termos do qual “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.

No caso concreto da sentença objecto de recurso, verifica-se a discriminação da matéria de facto provada da não provada, sendo que, relativamente a esta última, se refere sinteticamente que “Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a resolução da presente Reclamação”.

Já quanto à fundamentação da matéria de facto, esta consistirá na indicação dos elementos de prova que foram utilizados pela juiz para formar a sua convicção e na sua apreciação crítica, com vista a ser possível conhecer as razões pelas quais se decidiu num sentido e não noutro.

Como aponta J. Lopes de Sousa, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto – vide, CPPT, anotado e comentado, Vol. II., 2011, 6ª edição, Áreas Editora, pág. 321.

Recuperando o caso concreto, quanto à decisão da matéria de facto, temos que a Mma. Juíza considerou que “no que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objecto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74° e 76° n.1 da LGT e artigos 362° e seguintes do Código Civil)”.

Nos factos provados identificados sob os nºs 4 e 5, o Tribunal refere-se expressamente ao documento de fls. 7 dos autos, que conforme se percebe se trata de um despacho proferido em 23/08/12.

No caso dos autos, toda a prova considerada é prova documental, sendo que não foi produzido qualquer outro tipo de prova.

Ou seja, trata-se, pois, e pelo menos em regra, de elementos probatórios com um valor objectivo, em que, como refere J. Lopes de Sousa, na obra citada, pág. 321, “a revelação das razões porque se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida pela mera indicação dos meios de prova, sem prejuízo de se fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou quando existirem documentos que apontem em sentidos contraditórios”, o que não é, claramente, o caso em análise.

E, assim o afirmamos, pois inexiste controvérsia sobre os factos provados, ou sobre a sua fundamentação, que tem por base, em qualquer caso, documentos constantes dos autos e dirigidos à execução fiscal que, ou são da autoria da Administração Tributária (cfr. os factos a que aludem os pontos 1, 4, 5, 8), ou têm origem na Administração (caso das referências às notificações efectuadas pela Administração, cfr. os factos a que aludem os pontos 6 e 9) ou são documentos com origem na Reclamante mas dirigidos ao processo executivo (cfr. os factos a que aludem os pontos 2, 3 e 7). De todo o modo, como se salientou, são documentos que, constando dos autos, não foram impugnados, nem o seu conteúdo aponta em sentidos contraditórios.

Assim, e sem necessidade de mais e maiores considerandos, improcedem as conclusões Z, AA e BB.

Vista a questão da invocada nulidade da sentença, passemos a outra das questões que vem submetida à nossa apreciação.

Tal como havia invocado na contestação, a Recorrente reitera o seu entendimento quanto à verificação, in casu, de duas excepções – intempestividade da reclamação apresentada e ineptidão da petição inicial, o que em sede de recurso jurisdicional corresponde às conclusões E a V.

Antes de entrarmos na análise e decisão das excepções invocadas, impõe-se, como se perceberá, que recuperemos o essencial do circunstancialismo de facto aqui subjacente e que, de forma incontornável, procedamos à interpretação do despacho reclamado. É que, como se antecipa das conclusões formuladas a este propósito, a solução para as questões suscitadas depende de saber de que acto, afinal, a Recorrida reclamou, já que, como insiste a Recorrente, foram emitidos, pelo órgão da execução fiscal, dois despachos distintos.

É, pois, por aqui, que teremos de iniciar a nossa análise.

Comecemos, então, por lembrar o essencial do contexto de facto em que foram praticados os dois despachos a que alude a Fazenda Pública. Assim:

- No âmbito da execução fiscal nº 1899201201033840, a Reclamante requereu, ao abrigo do artigo 196º do CPPT, em 23/08/12, o pagamento em 20 prestações mensais da dívida exequenda de € 2.200,82 e solicitou a suspensão da execução fiscal, oferecendo como garantia um veículo automóvel da marca Land Rover, com a matrícula …HS.

- Por despacho da mesma data (1º despacho) foi autorizado o pagamento em 20 prestações mensais e foi fixado o valor da garantia a prestar em € 2.905,55. Ainda neste despacho, o Chefe de Finanças, a propósito do bem oferecido em garantia, teceu diversos considerandos (cfr. ponto 5 dos factos provados) em torno das instruções emanadas do ofício circulado 60076, de 29/07/10, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, no sentido da preferência pelas garantias de maior liquidez, concretamente a garantia bancária, a caução e o seguro-caução. Mais referiu que, apenas na impossibilidade de prestar aqueles tipos de garantias, deve ser constituída garantia sobre imóveis, através de hipoteca voluntária, e, por último, que só em caso de nenhuma das apontadas formas se mostrar possível é que pode ser aceite a garantia sobre bens móveis, sobre a forma de penhor.

Por conseguinte, e na sequência destes considerandos, no referido despacho determinou-se, quanto à suspensão do processo executivo, conceder à Reclamante o prazo de 15 dias para fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel.

- Em 11 de Setembro de 2012, a Reclamante dirigiu ao processo executivo um requerimento através do qual juntou um documento emitido pelo BCP, do qual constava a informação no sentido da não aprovação de uma proposta de garantia bancária no valor de € 2.905,55.

- Em 19 de Setembro de 2012, o Chefe do Serviço de Finanças profere um despacho (2º despacho), nos termos do qual indeferiu o pedido de suspensão do processo executivo mediante o penhor de bens móveis oferecidos, por considerar que o documento apresentado não era suficiente para dar cumprimento ao despacho de 23/08/12, designadamente por não fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção da garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel.

- Posteriormente à notificação do despacho que antecede – ocorrida em 24/9/12 – foi apresentada reclamação, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, sobre a qual foi proferida a sentença ora recorrida.

Tendo em consideração o circunstancialismo de facto assinalado e realçando que na p.i de reclamação a Reclamante não identifica o acto reclamado, a Fazenda Pública veio defender, desde logo, que: (i) se se entender, como entende a Recorrente, que o acto reclamado é o 1º despacho, de 23/08/12, então a reclamação é intempestiva, pois que a mesma foi apresentada em 04/10/12, muito para além do prazo de 10 dias a que alude o artigo 277º, nº1, do CPPT, considerando que a data da notificação de tal acto ocorreu em 29/08/12 – conclusões E, a) e F a L; (ii) por outro lado, a causa de pedir está em contradição com o pedido, o que torna inepta a p.i, pois que a Reclamante alega factos integradores de fundamentos atinentes à ilegalidade do 1º despacho e formula o seu pedido no sentido da anulação do despacho proferido em 19/09/12, o 2º despacho - conclusões E, b) e M a L.

Interpretemos, então, as decisões da Administração Tributária para concluir, afinal, sobre o acto reclamado.

No 1º despacho, apreciando o pedido de pagamento em prestações formulado, a Administração autorizou o pagamento em 20 prestações e fixou o valor da garantia a prestar. Sobre estes pontos, nenhuma discordância houve por parte da Executada. Sucede, contudo, que, inicialmente (ou seja, com o pedido de pagamento em prestações) foi, desde logo, oferecido um bem em garantia, um veículo automóvel, da marca Land Rover, com vista a suspender a execução fiscal.

Ora, no apontado despacho de 23/08/12 (1º despacho), a questão da suspensão da execução fiscal com base na garantia oferecida (veículo automóvel da marca Land Rover) não ficou decidida, tendo a Administração (“a fim de poder aproveitar a suspensão do processo executivo no âmbito do pagamento em prestações”) concedido 15 dias ao Requerente para fazer prova “da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel”.

Portanto, e até aqui, uma coisa temos por segura: este 1º despacho nada decidiu sobre a suspensão da execução fiscal, em face do bem oferecido como garantia, tal como inicialmente requerido. Pelo contrário, quanto à suspensão da execução, foi concedido um prazo adicional de 15 dias à executada para apresentar a prova que a Administração ali entendeu como essencial a decidir sobre tal questão, ou seja, a demonstração da absoluta impossibilidade de obtenção de garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel.

Sem curar, por ora, de analisar o acerto, ou desacerto, de tal exigência probatória, o que se segue é que a executada, no prazo de 15 dias, e na sequência da notificação que lhe havia sido efectuada, juntou aos autos uma declaração emitida por uma instituição bancária da qual consta que a garantia solicitada, no valor de € 2.905,55, não havia sido aprovada.

Em consequência desta junção, o órgão da execução fiscal proferiu, em 19/09/12, um despacho no qual, por referência ao documento apresentado de recusa de aprovação da garantia bancária, decidiu indeferir o pedido de suspensão do processo mediante o penhor de bens móveis oferecidos, esclarecendo que o tal documento junto era insuficiente para dar cumprimento ao que o mesmo havia determinado no despacho de 23/08/12, pois que não fazia prova da absoluta impossibilidade de obtenção de garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária de um imóvel.

Por conseguinte, outra coisa temos por segura: só com este 2º despacho foi decidido o pedido de suspensão da execução fiscal inicialmente requerido, no sentido do seu indeferimento.

Portanto, quanto à questão da garantia oferecida e à suspensão da execução fiscal, é com este 2º acto que a Administração Tributária toma uma posição definitiva, indeferindo a pretensão da executada. O que equivale a dizer que, se considerarmos o requerimento inicialmente formulado, em 23/08/12, o mesmo só obteve uma decisão integral com a prolação do 2º despacho, já que, no 1º, repete-se, a análise da garantia e da suspensão do processo, ficou adiada, por 15 dias, nos termos expostos.

Ora, se tivermos em conta que na reclamação apresentada (e isso decorre indubitavelmente do teor da p.i), a executada se insurge unicamente quanto à questão da garantia oferecida e, consequentemente, quanto à não suspensão da execução fiscal (invocando, designadamente, que o que releva é saber se a garantia é idónea para garantir o pagamento da quantia exequenda; que inexiste uma hierarquia legalmente estabelecida entre as garantias; e que não está na discricionariedade da Administração aceitar, ou não, determinada garantia), dúvidas não restam que, até pela própria sucessão de actos neste procedimento, a Reclamante está efectivamente a reclamar do designado 2º despacho. De resto, nem de outra forma podia ser, já que, relativamente à aceitação da garantia e à suspensão do processo, o 1º despacho, repete-se, nada decidiu (face à prorrogação do prazo para efeitos de junção dos elementos de prova requeridos).

Portanto, temos por seguro que a presente reclamação, apesar de, como refere a Fazenda Pública, não identificar concretamente o acto reclamado, foi apresentada contra o 2º despacho.

E nem se diga, como defende a Recorrente (na conclusão I) que a isto se opõe a circunstância de na p.i de reclamação se fazer “referência ao ofício-circulado 60076, o qual só vem mencionado no referido despacho de 2012/08/23, o mesmo acontecendo com a citação feita pela reclamante no artº 19º da PI, citação esta do teor do mesmo primeiro despacho”.

Como está bem de ver, face àquilo que deixámos explanado sobre a interpretação dos despachos em causa e ao seu encadeamento lógico no procedimento respeitante ao pedido de pagamento em prestações, fácil é perceber que as razões invocadas para, por referência ao bem oferecido como garantia, não suspender a execução fiscal, complementam-se nos dois despachos. Foi no 1º despacho que foi invocado o ofício-circulado nº 60076 e foi, atendendo à interpretação decorrente de tal ofício (mormente quanto à prova que recai sobre o executado quanto à absoluta impossibilidade de prestar outras garantias ditas preferenciais) que foi concedido um prazo adicional à executada para apresentar prova, com vista a ulteriormente o órgão competente vir a decidir quanto à suspensão, ou não, da execução fiscal.

Portanto, tendo sido apenas no 2º despacho que a questão da suspensão da execução foi decidida, no sentido do seu indeferimento, não se vê como podia a executada deixar de invocar as razões, para as contrariar, que inicialmente foram invocadas e que, sem dúvida, estão também na base do indeferimento do pedido formulado.

Aqui chegados, podemos já responder à 1ª excepção que vinha invocada: a caducidade do direito de acção – conclusões E, a) e F a L.

Tendo o despacho em causa sido notificado à executada, Reclamante, em 24/09/12, e considerando o prazo de 10 dias previsto no artigo 277º, nº1 do CPPT (prazo este contado nos termos do artigo 144º do CPC, por remissão do artigo 20º, nº2 do CPPT), temos que o termo do referido prazo coincidiu com o dia 4/10/12, data precisamente em que a p.i de reclamação foi apresentada (cfr. ponto 10 dos factos provados).

Portanto, ao contrário daquilo que defende a Recorrente, a reclamação foi tempestivamente apresentada, não se verificando a alegada caducidade do direito de acção, como, de resto, foi decidido em 1ª instância.

Improcedem, pois, as conclusões E, a) e F a L.

Passemos, seguidamente, à outra excepção invocada pela Fazenda Pública e que não mereceu acolhimento por parte da sentença recorrida: a ineptidão da p.i, por o pedido estar em contradição com a causa de pedir, pois que “que não obstante a reclamante alegue factos integradores de fundamentos atinentes à ilegalidade do despacho proferido pelo SF em 2012/08/23, formula o seu pedido no sentido da anulação do despacho proferido em 2012/09/19” (e não em 2012/09/08, como por lapso consta da conclusão S) - conclusões E, b) e M a V.

Em 1ª instância, a resposta avançada pelo Tribunal, no sentido da não verificação de tal excepção, apoiou-se na seguinte linha argumentativa:

“Na petição de reclamação chega-se a confundir o despacho de 19.09.2012 (fls. 12) e o despacho de fls. 7, datado de 23.08.12.

No entanto, só no despacho de 19.09.12 é que se decide o pedido formulado de suspensão da execução, mediante o penhor do veículo automóvel marca Land Rover, matrícula …HS, sendo certo que, a Reclamante se insurge contra a não suspensão da execução fiscal, mediante o penhor do veículo oferecido.

Ora, resulta do disposto no art. 193º, nº2 do Código de Processo Civil (CPC), que a petição é inepta:

a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.

b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir.

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

E o nº 3, dispõe que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) no número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.

Ora, resulta do teor da contestação apresentada pela Fazenda Pública que, a mesma compreendeu o alcance do pedido, tendo apresentado a sua contestação em conformidade.

Pelo que improcedem as excepções suscitadas pela Fazenda Pública”.

Vejamos.

A verificação da ineptidão da p.i por o pedido estar e contradição com causa de pedir [nos termos do disposto no artigo 193º, nº2, al. c) do CPC], pressupõe uma contradição lógica entre ambos, que o pedido, nas palavras de Alberto dos Reis, brigue com a causa de pedir – “é da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada. Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição inicial cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir” – in, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, reimpressão de 1960, II, PÁG. 380.

No caso, não se pode concluir, com a Recorrente, que o pedido e causa de pedir colidam ou que, em termos lógicos, se contradigam.

Contrariamente ao que a Fazenda Pública sustenta não vemos, face ao que deixámos explanado sobre a interpretação dos despachos proferidos no procedimento respeitante ao pedido de pagamento em prestações e à sucessão cronológica dos mesmos, que se possa afirmar, após a necessária contextualização/interpretação que fizemos, que a Reclamante “alegue factos integradores de fundamentos atinentes à ilegalidade do despacho proferido pelo SF em 2012/08/23” e que “ formula o seu pedido no sentido da anulação do despacho proferido em 2012/09/08”.

Pelas razões já expostas, o nosso entendimento é o de que a Reclamante pretende o reconhecimento da invalidade do acto proferido em 19/09/12, o acto reclamado, invocando razões que se prendem com a não aceitação do indeferimento do seu pedido inicial que, foram, não apenas esgrimidas no 1º despacho, mas que foram complementadas no 2º despacho, momento, aliás, em que a questão da suspensão da execução foi efectivamente decidida, no sentido do indeferimento.

Portanto, e apesar de o pedido formulado na Reclamação não ser tecnicamente o mais correcto (pois a Reclamante devia ter-se limitado a pedir a anulação do acto reclamado, e não o deferimento do pedido de suspensão do processo mediante a garantia apresentada), a verdade é que esse pedido foi entendido não apenas pela ora Recorrente, mas também pelo Tribunal, como um pedido de anulação do acto reclamado. Isto mesmo o mostram as palavras da ora Recorrente – formula o seu pedido no sentido da anulação do despacho proferido em 2012/09/08” – bem como a decisão do Tribunal a quo, que, in casu, julgando procedente a reclamação, anulou o despacho recorrido.

Por conseguinte, ao contrário daquilo que defende a Recorrente, é nosso entendimento que não se verifica a excepção alegada – ineptidão da p.i - ainda que neste juízo não acompanhemos a fundamentação da decisão proferida em 1ª instância a este propósito (mormente quando aí faz apelo à aplicação do nº3 do artigo 193º do CPC).

Improcedem, pois, as conclusões E, b) e M a V.

Prosseguindo, na análise, importa atender às conclusões II, JJ, KK e LL, nos termos das quais a Recorrente, Fazenda Pública, invocando o erro no julgamento da matéria de facto, pretende ver aditados aos factos provados outros factos que daí não constam e dos quais pretende retirar efeitos jurídicos, tal como explica nas conclusões II a LL.

Vejamos, então.

Desde logo, na conclusão JJ, pretende-se que fique assente que a Reclamante solicitou a prestação de garantia bancária perante o Banco Comercial Português, vindo aos autos, em tentativa de cumprimento daquele primeiro despacho, demonstrar a impossibilidade de obtenção de garantia bancária perante aquela entidade.

Ora, que a Reclamante solicitou uma garantia bancária ao Banco Comercial Português e que, em consequência do despacho de 23/08/12, juntou aos autos uma declaração emitida por aquela instituição bancária, nos termos da qual consta a recusa de aprovação da garantia solicitada, é matéria fáctica que já resulta dos pontos 5, 6 e 7 do probatório.

Por conseguinte, quanto a este concreto ponto, não assiste razão à Fazenda Pública.

Por outro lado, pretende a Recorrente que seja incluído no probatório que a Executada, na mesma data em que apresentou a presente reclamação (2012/10/04), ofereceu outro bem móvel - motociclo marca Ducati com a matrícula 98-42-UA - em reforço da garantia inicialmente prestada, sendo que, na sequência deste pedido de reforço da garantia, foi mantido o indeferimento do requerimento de suspensão do PEF, por despacho de 2012/10/16.

Este circunstancialismo fáctico, efectivamente, não se mostra incluído no probatório, admitindo-se, face ao teor das conclusões apontadas (concretamente MM a OO), que, face aos efeitos jurídicos que daí a Recorrente pretende retirar, seja matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigo 511º, nº1 do CPC.

Assim, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos que resultam provados documentalmente, tal como a Recorrente expressamente indicou no recurso.

11º - Em 04/10/12, a Executada dirigiu ao Chefe do Serviços de Finanças de Valongo 1 um requerimento, no qual, e com vista à suspensão da execução fiscal nº 1899201201033840, solicitava, em reforço da garantia já entregue, a prestação da seguinte garantia: motociclo marca Ducati com a matrícula 98-42-UA – cfr. requerimento junto a fls. 14 dos autos;

12º - Em 16/10/12, o Chefe do Serviço de Finanças proferiu um despacho indeferindo o requerido, considerando que o bem em causa se encontra penhorado no processo 1899201201010379, servindo de garantia fixada em € 9.731,53 – cfr. fls. 44 dos autos.

Assim sendo, sem prejuízo da ressalva anteriormente feita, nestes dois pontos devidamente autonomizados, que se acorda em aditar ao probatório, sob os nºs 11 e 12, procedem as conclusões que vínhamos analisando quanto ao erro no julgamento da matéria de facto.

Passemos, então, à análise das restantes conclusões.

Desde logo, importa apreciar e decidir se, como defende a Recorrente, face ao circunstancialismo de fáctico apurado (e aditado), se pode considerar aqui, da parte da Recorrida, que a mesma litiga por via de um comportamento contraditório com outro posterior, ou seja, que estamos perante um caso de “venire contra factum proprium", proibido por lei – conclusões MM, NN e OO.

Vejamos, se assim é, sendo que tais alegações e conclusões nos remetem para o abuso de direito, na invocada modalidade de venire contra factum proprium.

Desde já de adianta que a Recorrente não tem qualquer razão.

Vejamos.

O abuso de direito, consagrado no artigo 334º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Segundo Manuel de Andrade “há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”- in Teoria Geral das Obrigações, 3.ª ed., págs. 63-64.

Para A. Varela, “para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito” - in Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., pág. 516.

Assim, o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante - Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, pág. 299.

Na sequência do ensinamento dos ilustres mestres, poder-se-á dizer, em síntese, que existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.

Entre os comportamentos que a jurisprudência (e a doutrina) reconduzem à figura do ao abuso de direito, está o venire contra factum proprium, ou seja, a proibição do comportamento contraditório – cfr. neste sentido, entre muitos, o acórdão do STA, de 23/01/07 (proc. 41000) e os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e de Guimarães, de 3/3/11 (proc. 535708.7) e de 26/05/04 (proc. 902/04-2), respectivamente.

Porém, nem toda a conduta contraditória por parte de quem a exerce é reconduzível ao abuso de direito e ao comportamento traduzido pela expressão venire contra factum proprium.

Na sua estrutura, o “venire” pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o “factum proprium”) é contraditada pela segunda (o “venire”), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso do direito.

O “venire” tem a sua razão de ser no princípio da confiança enquanto exigência de que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido conduzidas a acreditar na manutenção de determinados comportamentos da comunidade humana, que se encontra organizada na base de relacionamentos estáveis, em que cada um deve ser congruente, não mudando, constante e arbitrariamente, de condutas, mormente que sejam prejudiciais para outrem.

Por seu turno, o principal efeito do venire contra factum proprium é, naturalmente, o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou de direitos, em contradição com o comportamento anterior, como de resto acentua a Recorrente ao sustentar que, no caso, o comportamento adoptado pela Reclamante é proibido por lei.

Regressando ao caso em análise e vistas as conclusões da alegação de recurso, temos que a Recorrente identifica como comportamentos contraditórios, por parte da Recorrida, os seguintes:

Por um lado, não reagiu em tempo útil ao despacho de 23/08/12, vindo aos autos de execução, numa tentativa de cumprimento desse despacho, demonstrar a impossibilidade de obtenção de uma garantia bancária.

Por aquilo que já deixámos acentuado anteriormente, aquando da interpretação que fizemos do acto recorrido, facilmente se percebe que nenhuma contradição aqui se vislumbra. A Recorrida, no prazo que lhe foi concedido, tentou demonstrar o que entendeu que lhe vinha pedido. Para mais, repete-se, até esse momento, a Administração Tributária, nada tinha decidido sobre a garantia e, em especial, sobre a suspensão da execução fiscal. Portanto, o comportamento da Recorrida é absolutamente consentâneo e coerente com o desenvolvimento dos termos do procedimento que estava a correr termos.

Por outro lado, aponta ainda a Recorrente, como comportamento contraditório, a circunstância de, após a prolação do 2º despacho, a Recorrente ter, na mesma data, reclamado desse despacho e ter oferecido outro bem em reforço da garantia inicialmente prestada, com vista à obtenção da suspensão da execução fiscal.

Ainda que se possa admitir não ser este o comportamento habitual por parte de um reclamante, a verdade é que o interpretamos, ainda, como uma derradeira tentativa de convencer a Administração Tributária, mormente no prazo que lhe é concedido, de 10 dias, para revogar o acto reclamado (cfr. artigo 277º, nº2 do CPPT) das razões da Recorrida para que a execução fosse suspensa, evitando, porventura, a prossecução do processo judicial.

Ou seja, vistas as coisas no seu contexto, todo o comportamento da Recorrida assume sempre uma linha coerente: a pretensão de garantir a dívida e, por conseguinte, a suspensão da execução fiscal.

Por outro lado, não se vislumbra aqui, convenhamos, um investimento de confiança realizado pela Fazenda, contra quem o direito é exercido, fundado na expectativa, legítima, de que tal exercício não ocorreria, uma qualquer situação de confiança que deva ser protegida. De resto, nem tal situação de confiança digna de protecção e tutela judicial é identificada pela ora Recorrente.

Por conseguinte, e sem necessidade de mais e maiores considerações, não se acompanha a Recorrente quando defende a verificação, in casu, de um comportamento contraditório - venire contra factum proprium – integrador do abuso de direito.

Improcedem, pois, as conclusões que vínhamos analisando.

E aqui chegados, importa analisar a última questão, a saber, se, a sentença errou ao considerar ilegal, anulando, o despacho recorrido (o 2º despacho, de 19/09/12) – conclusões W, X, Y e CC a HH.

A sentença objecto de recurso anulou o despacho recorrido com fundamento na falta de fundamentação do mesmo. Antes de avançarmos para a análise do decidido importa, para mais fácil compreensão, deixar, no que para o caso interessa, nota da linha argumentativa da sentença.

Assim, e após tecer vários considerandos sobre o alcance do artigo 199º, nº1 do CPPT, quanto à idoneidade das garantias com vista a suspender a execução fiscal e, bem assim, quanto ao conteúdo do ofício n.°60.076, de 29.07.2010, da Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários, a Mma. Juiz discorreu nos seguintes termos:

“(…)

Ora, cumpre aferir, se a garantia apresentada pela ora reclamante, se revela ou não idónea.

Para apreciação da idoneidade da garantia prestada, não é exigível que esta conduza a um rápido e eficiente accionamento da mesma.

No art.199° do CPPT, não se estabelece qualquer preferência pelas garantias com maior grau de liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento e, que, desse modo, melhor assegurem o cumprimento da obrigação garantida, como defende a administração tributária (AT).

No caso em apreciação, o valor da execução é de € 2.200,82 e foi oferecido pela executada como garantia para a suspensão da execução, o penhor de um veículo, Jeep de marca Land Rover e matricula …HS.

Não resulta dos autos, que, a AT tenha efectuado qualquer diligência para averiguar se sobre o referido veículo incidiam quaisquer encargos, nem apresentada qualquer justificação para que a garantia não fosse idónea.

O credor privado é livre na escolha da garantia, o que, não sucede relativamente ao credor fiscal que, está sujeito a critérios de legalidade na escolha dessa garantia, balizados pela sua idoneidade.

O Digno Magistrado do Ministério Público suscitou a questão da falta de fundamentação do acto reclamado.

Analisando, pois, o que no plano normativo se estipula quanto ao dever de fundamentação, o artigo 268° da Constituição da República Portuguesa dispõe “(...) 3 - Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. (…)” e o artigo 77° da Lei Geral Tributária: “(…) - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. (…)”

Sendo que, sobre esta matéria, tem-se pronunciado a jurisprudência, designadamente, o Tribunal Central Administrativo do Norte, no sentido de que “(…) O direito à fundamentação dos actos tributários ou «praticados em matéria tributária» que «afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes», estabelecido no art. 268º, n° 3, da CRP, no art. 77° n° 1 da LGT e no art. 125° do CPA constitui uma garantia específica dos contribuintes A necessidade de fundamentação decorria já, quer do art. 1°, n° 1, als. a) e c) do DL n° 256- A/77, de 17/6, quer da própria Constituição (art. 268°, n° 3 da CRP) -vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria, bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss. Constitui dever da Administração fundamentar os actos que pratica, expondo as razões de facto e de direito que a levaram a decidir de determinada forma e não de outra, de tal modo que o destinatário do facto fique ciente das razões que levaram aquela a optar por determinada via. A fundamentação destina-se, pois, a exteriorizar as motivações da decisão e pretende-se com a mesma que os destinatários dos actos administrativos os compreendem1 para que deles possam discordar ou não. Assim é que, a CRP faz referência a uma fundamentação “expressa e acessível” (art 268°, 3 da CRP) e o CPA exige expressamente que a mesma seja “clara, suficiente e congruente” (art. 125°, n.° 2 do CPA). Contudo, e nos termos do disposto no artigo 125°, n.° 1 do CPA, admite-se uma fundamentação por remissão, podendo, assim, a mesma consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante da fundamentação”. É Jurisprudência pacífica do STA que “a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente” Acórdão do STA, de 10.07.2002, Proc. n.° 026680. A fundamentação do acto assume duas funções, uma de natureza endógena e outra de natureza exógena.

(…)

Em síntese a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. Posto isto, sempre que um acto adopte fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, tal equivale à falta de fundamentação. (...)” -vd. Acórdão proferido no Processo n.° 01747/10.9BEBRG, de 23.11.2011. (sublinhado nosso).

Ora, efectivamente, não se compreende, porque não fundamentada a razão da não aceitação da garantia prestada pela reclamante.

Sendo o valor da execução de € 2.200,82 e, tendo a executada/reclamante oferecido como garantia para suspensão da execução o penhor de um veículo, Jeep de marca Land Rover, sem que tivesse sido feita a avaliação do mesmo e, sem se indagar se sobre ele incidem quaisquer encargos, não podia a AF recusar esse penhor como garantia idónea e suficiente.

Assim, o acto praticado pelo OEF, padece de falta de fundamentação, o que origina a sua anulabilidade”.

Vejamos, então.

Desde logo, importa aqui deixar uma breve menção respeitante à referência feita na nota de rodapé 28 das conclusões da alegação de recurso, segundo a qual trata-se de “Questão (leia-se, a falta de fundamentação) suscitada pelo Ministério Público, cujo parecer, aliás, não foi notificado à Fazenda Pública, não obstante suscitar questão nova a que a parte tinha direito de responder, porque susceptível de influenciar a decisão, como veio a acontecer”.

Efectivamente, a questão da falta de fundamentação do acto reclamado foi suscitada pelo EMMP, verificando-se, igualmente, que o parecer proferido não foi notificado às partes, pois após a emissão do mesmo seguiu-se a prolação da sentença objecto do presente recurso (cfr. fls. 76 a 82)

Ora, independentemente da configuração jurídica desta omissão e respectivos efeitos, o que há que realçar é que, no caso concreto, em sede de recurso jurisdicional (lidas as conclusões e as respectivas alegações), a Recorrente limita-se a constatar esta ocorrência, não retirando dela qualquer efeito jurídico – designadamente uma eventual nulidade processual - que a este Tribunal cumpra apreciar.

Feito este esclarecimento, retomemos a questão que nos vinha ocupando, isto é, o erro imputado à sentença quando decidiu pela ilegalidade do acto reclamado, com base na sua falta de fundamentação, concretamente, nas palavras da sentença ora em apreciação, por não se compreender, “porque não fundamentada a razão da não aceitação da garantia prestada pela reclamante. Sendo o valor da execução de € 2.200,82 e, tendo a executada/reclamante oferecido como garantia para suspensão da execução o penhor de um veículo, Jeep de marca Land Rover, sem que tivesse sido feita a avaliação do mesmo e, sem se indagar se sobre ele incidem quaisquer encargos, não podia a AF recusar esse penhor como garantia idónea e suficiente”.

Na p.i de reclamação, a Reclamante, ora Recorrida, fundamentou a sua pretensão anulatória do acto contestado invocando, em síntese, a sua discordância quanto ao teor do ofício n.° 60.076, de 29/07/2010, na medida em que daí resulta a hierarquização das garantias a prestar, com clara preferência por aquelas que traduzem uma maior liquidez. Esta discordância é acompanhada pela interpretação divergente que defende do artigo 199º, nºs 1 e 2 do CPPT, no que à idoneidade das garantias respeita, sufragando o entendimento de que apenas se exige que a garantia seja suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda.

No caso concreto, já vimos, aquando da análise que fizemos sobre o conteúdo do acto reclamado, que a Administração Tributária indeferiu o pedido de suspensão da execução formulado (acompanhado da indicação do bem indicado para servir como garantia – veículo automóvel da marca Land Rover, matrícula …HS), pelas seguintes razões:

- por um lado, porque o referido ofício n.° 60.076, de 29/07/2010, estabelece uma hierarquização das garantias idóneas (garantia bancária, caução e seguro-caução, secundariamente garantias sobre imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária e, só no caso de impossibilidade absoluta de constituição daquelas garantias, é de admitir a garantia sobre bens móveis, que deve revestir a forma de penhor), optando claramente por garantias que traduzam uma maior liquidez, ou seja, aquelas cujo valor monetário seja realizável de forma certa, directa e imediata;

- por outro lado, porque no entendimento da Administração Tributária cabia à Executada, no prazo de 15 dias que lhe foi concedido, fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução, ou seguro-caução ou hipoteca voluntária de um imóvel e tal prova, no prazo estipulado, não foi feita.

Portanto, adiante-se já, num ponto a Recorrente tem razão: tal como refere “não está em causa nos autos se a garantia oferecida pela reclamante é ou não idónea, no entender da AT e, não está em causa no primeiro despacho proferido em 2012/08/23 pelo órgão de execução fiscal, como não está em causa no segundo despacho, proferido em 2012/09/19; ou, como também, salienta “quanto à garantia oferecida (…) o OEF não se pronunciou”, antes “convidou a ora reclamante (…) a “fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção de garantia bancária, caução, seguro caução ou hipoteca voluntária de um imóvel”; ou, ainda, “constata-se, assim, que não é proferido pela AT qualquer juízo de idoneidade (ou falta dela), nem sequer o órgão de execução fiscal se pronuncia quanto à garantia oferecida”.

Assim sendo, não podemos acompanhar o discurso argumentativo explanado na sentença recorrida quando conclui pela falta de fundamentação do despacho reclamado, na medida em que “Sendo o valor da execução de € 2.200,82 e, tendo a executada/reclamante oferecido como garantia para suspensão da execução o penhor de um veículo, Jeep de marca Land Rover, sem que tivesse sido feita a avaliação do mesmo e, sem se indagar se sobre ele incidem quaisquer encargos, não podia a AF recusar esse penhor como garantia idónea e suficiente”.

Contudo, isto não significa que aceitemos as razões da Recorrente e que, contrariamente ao decidido, entendamos que o acto reclamado deve ser mantido. Pelo contrário, como veremos, sendo outras, porém, as razões que nos levam a decidir pela anulação do acto.

Vejamos, por partes, começando pela reiterada invocação da interpretação do artigo 199º, nºs1 e 2 do CPPT, à luz do Ofício-Circulado nº 60.076, de 29/07/2010.

Desde logo, há que convir que a interpretação que a Administração Tributária faz do citado preceito legal – 199º, nº1 e 2 do CPPT - não tem qualquer apoio ou suporte na letra da lei, na parte em que aí preconiza, não apenas um elenco fechado de garantias aptas a suspender a execução fiscal, mas também quanto à hierarquização entre elas, estabelecendo critérios de preferência, traduzidos na maior (ou menor) liquidez das mesmas, ou seja, na mais fácil realização em dinheiro das garantias prestadas.

Esta questão tem, aliás, merecido abundante tratamento jurisprudencial, pelo que, neste ponto, recuperamos, entre muitos outros acórdãos, o que ficou dito no acórdão do STA, proferido em 14/03/12 (processo 208/12), no sentido de que:

“O legislador, na definição da idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento dos créditos em cobrança e do acrescido.

Assim, e pese embora uma inegável margem de discricionariedade que assiste à AT nesta matéria, a verdade é que não podem relevar-se como fundamentos válidos os atinentes ao grau de liquidez da garantia.

Como ficou dito no referido acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de fevereiro passado, «[n]a execução fiscal confluem dois interesses conflituantes: o da administração fiscal na realização da cobrança célere dos seus créditos e o direito do executado em discutir a legalidade da dívida exequenda. Dando prevalência ao primeiro, a lei faz depender a suspensão da execução da prestação de garantia idónea, que cubra a totalidade da dívida exequenda. O que significa que a garantia há de ser adequada a satisfazer o interesse da exequente, mas sem onerar ou afetar de forma grave os interesses legítimos do executado. Uma garantia bancária ou um seguro-caução oferecem à exequente maior liquidez imediata do que uma hipoteca ou um penhor de coisas, mas, por outro lado, trata-se de garantias que são mais onerosas para o executado, dado que quer a hipoteca quer o penhor não envolvem encargos com repercussões imediatas na esfera patrimonial do requerente.

Assim se compreende que legislador tenha consagrado no art. 199º do CPPT um conceito amplo de garantia idónea, com vista a acautelar a maior ou menor dificuldade para o executado em conseguir, sem onerar excessivamente a sua situação, apresentar garantia adequada a suspender a execução. E, no mesmo sentido, se deve entender o facto de não se estabelecer nenhuma preferência ou qualquer graduação das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor eficácia resultante da maior ou menor liquidez imediata.

Em conformidade com a melhor doutrina, diz-se que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (Neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) (…)”

Portanto e em suma, como, repete-se, tem sido jurisprudência pacífica, não colhe, como critério legal para a aceitação de uma garantia o seu maior ou menor grau de liquidez.

Por outro lado, e face ao que ficou exposto, não faz qualquer sentido exigir da parte do executado o cumprimento de um ónus da prova que a lei não lhe impõe, ou seja, que, antes de de aceitar a garantia oferecida através de um veículo automóvel, competia à executada, ora Recorrida, fazer prova da impossibilidade absoluta da obtenção da garantia bancária, caução ou seguro-caução, ou hipoteca voluntária.

Com efeito, e é este o nosso entendimento (já espelhado no acórdão por nós relatado em 15/02/13, no processo nº 2168/12.4 BEPRT), em matéria de garantias aptas a suspender a execução, não impende sobre o executado qualquer ónus de provar que lhe é impossível prestar garantia, concretamente, através de garantia bancária, caução ou seguro-caução.

Portanto, e aqui chegados, podemos concluir que, sem margem para dúvidas, os argumentos que serviram de fundamentação ao acto reclamado não servem de justificação para a não aceitação do bem oferecido como garantia idónea, em abstracto, aos fins visados, isto é, à suspensão da execução fiscal.

Tudo estará em saber se, em concreto, este juízo de idoneidade se mantém, ou não.

Ora, a idoneidade em concreto do bem oferecido como garantia para suspender a execução fiscal, ou seja, saber do seu valor e, como tal, da sua capacidade para assegurar o pagamento dos créditos do exequente, está sujeita a uma apreciação que nunca foi feita e que aqui não cabe fazer.

Portanto, por estas razões, não exactamente coincidentes com as que foram invocadas na fundamentação da sentença recorrida, entendemos que o acto reclamado não se pode manter e que deverá ser anulado.

É verdade, e este Tribunal não desconsidera que o órgão da execução fiscal, no despacho de 17/10/12, isto é, no despacho que ordenou a subida dos autos de reclamação ao Tribunal, não apenas manteve o despacho recorrido e, como tal, o indeferimento da suspensão da execução fiscal, reiterando que a executada não fez prova da impossibilidade de constituição de garantia através de caução, seguro-caução e hipoteca voluntária, mas acrescentou que “o móvel oferecido como garantia (Land Rover, matrícula …HS) se encontrar penhorado no processo 1899201201016725, com plano prestacional deferido no termos do art. 196º do CPPT, cuja garantia tinha sido fixada em € 5.834,81, tendo aquele bem um valor presumível de € 7 000,00”.

Ora, esta justificação adiantada quanto à insuficiência do bem, em momento posterior à prática do acto reclamado, não pode aqui ser atendível, pois mais não traduz que uma fundamentação a posteriori, com a qual o Reclamante nunca foi confrontado, nem por isso a pôde questionar.

Como é sabido, a legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e não sobre conjecturas que o Tribunal possa aventar ou com base em fundamentos que não foram tidos em conta pela AT e que não são contemporâneos do acto.

O Tribunal não pode considerar fundamentos (de facto ou de direito) que não constam do acto e que só foram alegados posteriormente (fundamentação a posteriori), no âmbito do despacho que manteve o acto reclamado e ordenou a subida dos autos ao TAF para apreciação.

Face a tudo o que vem exposto, improcedem as conclusões W, X, Y e CC a HH que por último vínhamos analisando.

3. Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCAN em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença que anulou o acto reclamado, com a fundamentação que aqui se deixou exposta.

Custas pela Recorrente.

Porto, 14 de Março de 2013

Ass. Catarina Almeida e Sousa

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves