Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01088/12.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/25/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:IABA; DESPACHANTE OFICIAL; REPRESENTAÇÃO DIRETA
Sumário:I – Nos termos do artigo 5.º Código Aduaneiro Comunitário (CAC), aprovado pelo Regulamento CEE nº 2913/92, do Conselho de 12/10, qualquer pessoa pode fazer-se representar perante as autoridades aduaneiras para cumprimento dos atos e formalidades previstos na legislação aduaneira, podendo a representação ser direta ou indireta. A representação é direta quando o representante age em nome e por conta de outrem e indireta quando o representante age em nome próprio, mas por conta de outrem, devendo o representante declarar, no âmbito do procedimento, a modalidade de representação em que está a agir (direta ou indireta).

II - A representação direta, nos termos do artigo 5º do CAC, envolve uma transferência total da responsabilidade tributária do representante para o representado, nos casos de constituição de dívida aduaneira à luz do disposto no artigo 201.º, n.º 1, al. a) e b) do CAC.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:F.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

1.1. A Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 26.09.2017, pela qual foi julgada totalmente procedente a impugnação judicial que F. deduziu contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa sobre a cobrança a posteriori n.º LEX/CA/PC-030/2011, no montante de €5.548,09 e referente à declaração de importação n.º 2010PT00034022791445, de 21/09/2010, emitida pela Alfândega de Leixões.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«I. O objeto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 25.09.2017, proferida nos autos em epígrafe, dando provimento à impugnação apresentada por F. Despachante Oficial;
II. A douta sentença recorrida padece de vício de violação da lei ao considerar que o Despachante ora recorrido não pode ser responsabilizado pela dívida aduaneira;
III. Acontece que, se o mesmo não pode ser responsabilizado pelo facto de não ter atuado na modalidade da representação indireta, como se tornou obrigatório após a entrada em vigor do DL nº 134/2010 de 27.12, o mesmo pode ser responsabilizado nos termos do disposto no segundo parágrafo do nº 3 do art.201º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC);
IV. Assim, a douta sentença recorrida, fez errada interpretação do cumprimento do dever de fundamentação da decisão, pelo que padece de vício de lei
V. Com efeito, a sentença recorrida ao declarar os factos que considera provados não procedeu a uma análise crítica dos meios de prova na sua totalidade pois não procedeu ao exame crítico dos documentos de fls. 30 a 33 e de fls. 34 a 51 do PA. com relevância para a decisão da causa;
VI. Contrariamente à fundamentação da douta sentença recorrida, a Administração Fiscal cumpriu o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder à liquidação, tal como vem definido no art.74º, nº 1 da LGT;
VII. E assim o procedimento de liquidação não revela qualquer falha que mereça censura;
VIII. A douta sentença recorrida, ao ter decidido dar provimento à impugnação pelas razões apontadas, violou o disposto no art.s74º, nº 1 e 77º, nº1 da LGT.
Nestes termos, a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare que a liquidação efetuada não padece de vício de violação de lei por falta de fundamentação que leve à sua anulação.
Assim se procederá de acordo com a Lei e se fará Justiça.»
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1.3. O Recorrido F. presentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«A) A liquidação a posteriori impugnada tem como errado pressuposto a representação indireta do Impugnante, que assim seria solidariamente responsável pelo pagamento do tributo liquidado;
B) O Recorrido interveio como representante direto do importador, com base numa procuração outorgada por este;
C) A legislação aplicável vigente à data do despacho aduaneiro permitia que o despachante oficial interviesse como representante direto.
D) A imputação da responsabilidade solidária do Impugnante “nos termos do disposto no segundo parágrafo do n.º 3 do artigo 201º do Código Aduaneiro Comunitário” constitui uma questão nova, sobre a qual o tribunal de recurso está impedido de se pronunciar;
E) O Impugnante fez prova da expedição e transporte para Espanha dos bens importados com isenção de IVA – regime 42.00 – nos termos do artigo 16º do RITI;
F) Nenhuma censura merece, pois, a sentença recorrida ao anular a liquidação impugnada.
Termos em que deverá ser julgado improcedente, por não provado, o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.»

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer com o seguinte teor:

«A Fazenda Pública veio recorrer da douta sentença proferida nos autos que considerou procedente a impugnação instaurada por F., relativamente ao indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida contra a cobrança de IVA à posteriori, emitida pela Alfândega de Leixões, referente a declaração de importação de mercadorias, em Setembro de 2010.
Como resulta das alegações de recurso e da douta sentença a questão central terá a ver com a responsabilização do impugnante enquanto representante directo de J.SL na sua actividade despachante oficial.
Considerou o tribunal Ora, como resulta do probatório, estava o Impugnante munido de uma procuração emitida pela empresa importadora “J., SL”, atribuindo-lhe poderes de representação e conferindo-lhe poderes para proceder ao desembaraço aduaneiro de todas as mercadorias de que o mandante seja proprietário.
Daqui se conclui que o Impugnante estava revestido de poderes para agir em representação directa, nos moldes previstos no artigo 5, do CAC. Mantendo aquele os deveres de declaração e entrega de documentos, conforme previsto quer no artigo 16, do RITI, já não será assim no que respeita à dívida aduaneira de importação. Como se retira do supra citado nº 3 do artigo 201, do CAC, e nos casos em que a representação é directa, o devedor é o declarante, ou seja, o importador não residente, sem estabelecimento estável em território nacional, já que, nestas situações, o despachante oficial atua em nome dele, que não em seu próprio nome. Assim, só haverá responsabilidade solidária do despachante oficial caso se trate de uma representação indirecta, nos termos da lei.
Consequentemente assiste razão ao Impugnante quando alega que incorre a decisão em erro nos pressupostos de facto, já que não foi tomada em consideração pela Alfândega de Leixões a qualidade da representação daquele para efeitos de responsabilidade tributária. Se é certo que no DAU em causa nos autos declarou o Ora, como resulta do probatório, estava o Impugnante munido de uma procuração emitida pela empresa importadora “J., SL”, atribuindo-lhe poderes de representação e conferindo-lhe poderes para proceder ao desembaraço aduaneiro de todas as mercadorias de que o mandante seja proprietário.
Daqui se conclui que o Impugnante estava revestido de poderes para agir em representação directa, nos moldes previstos no artigo 5, do CAC. Mantendo aquele os deveres de declaração e entrega de documentos, conforme previsto quer no artigo 16, do RITI, já não será assim no que respeita à dívida aduaneira de importação. Como se retira do supra citado nº 3 do artigo 201, do CAC, e nos casos em que a representação é directa, o devedor é o declarante, ou seja, o importador não residente, sem estabelecimento estável em território nacional, já que, nestas situações, o despachante oficial atua em nome dele, que não em seu próprio nome. Assim, só haverá responsabilidade solidária do despachante oficial caso se trate de uma representação indirecta, nos termos da lei.
Consequentemente assiste razão ao Impugnante quando alega que incorre a decisão em erro nos pressupostos de facto, já que não foi tomada em consideração pela Alfândega de Leixões a qualidade da representação daquele para efeitos de responsabilidade tributária.
Nessa conformidade concluiu Face a tudo o exposto, assiste razão ao Impugnante quando invoca que não pode o mesmo ser responsabilizada pela dívida aduaneira, só sendo exigível o referido imposto à empresa importadora, porquanto agiu investido de poderes de representação directa, o que desde já se declara.
Assim, e uma vez que a representação directa, consubstanciando uma actuação em nome e por conta de outrem, envolve uma transferência total da responsabilidade tributária nos casos de constituição da dívida aduaneira, pelo que, a responsabilidade será da J. SL, não merecendo censura a decisão da Mmº Juiz que julgou procedente impugnação.
Também o recorrido se pronunciou na sua resposta sobre as questões suscitadas pugnando pela justeza da decisão sob recurso.
Entendemos, pois, que a douta sentença não merece qualquer reparo pelo que concordando, por inteiro, com os seus termos e fundamentos, é nosso parecer que o recurso deve improceder.».

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida omitiu a análise critica da prova produzida e se incorreu em erro de julgamento, por ofensa dos artigos 74.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1, ambos da LGT.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«Factos provados
1. O Impugnante exerce as funções de despachante oficial e é titular da cédula profissional nº 0491R3 – PA;
2. O Impugnante foi o despachante oficial da sociedade J. SL, com sede em Madrid – fls. 35 e ss.;
3. Nessa qualidade o Impugnante processou na Alfandega de Leixões 12 declarações de impostação no regime aduaneiro 42 00 – fls. 35 e ss.;
4. O Impugnante foi objecto de um processo designado de “controlo aduaneiro”, sob o nº LEX/CA/PC-030/2011 – PA;
5. Em Julho de 2011 a impugnante foi notificada pela Alfândega de Leixões do projecto de liquidação e cobrança – fls. 62 e ss., do PA;
6. O Impugnante respondeu nos termos de fls. 71 e ss. do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
7. Em 11/07/2011 a Alfândega de Leixões emitiu a decisão final da cobrança à posteriori – fls. 79 e ss., do PA;
8. Da referida decisão final consta o seguinte: “1 – A empresa J. SL, NIF (…), com morada na Calle (…), Espanha, representada pelo Despachante Oficial Sr. F., cédula nº 0491R3, declarou para o regime de introdução no consumo com introdução simultânea em livre prática de mercadorias que sejam objecto de uma entrega com isenção de IVA, código 42.00, a mercadoria constante no documento administrativo único (DAU) nº 2010PT00034022791445, de 2010/09/21, processado na Alfândega de Leixões; 2. Analisados os documentos que se encontram junto ao DAU acima referido, constata-se que a empresa em causa declarou para o regime 42.00 a mercadoria proveniente e originária da China (CN), conforme o seguinte quadro: (...) 3. O representante legal junto da Alfândega de Leixões foi o despachante oficial Sr. F., cédula nº 0491R3, na modalidade de representação indirecta, com morada na Estrada Nacional 107, nº 4142 – 2º, Sala 227, 4455-901 Perafita; 4. A empresa declarada como transportadora da mercadoria com destino a Espanha foi a sociedade F., SA, com morada na Plaza (…), Espanha, tendo apresentado para esse efeito o contrato de transporte (CMR) nº 07335AB de 17 de Setembro de 2010; 5. A mercadoria em causa foi vendida pela empresa A. Trade Corp., com morada no n.º 10 (…), China, constando no despacho aduaneiro a factura comercial nº YX201008348, de 16/08/2010, no valor CIF Valência USD 16.437,00 tendo no decorrer do desalfandegamento sido alterado o valor, por acordo entre a administração e o importador para USD 28.319,00, a que corresponde o valor aduaneiro de € 22.030,93, mercadoria para a qual foi invocado o regime 42.00, preferência (100), tendo sido liquidados e pagos direitos aduaneiros, taxa – 12% no montante de € 2.625,04, através do registo de liquidação nº 2010/0760864, de 2010/09/22 e 2010/0775543 de 2010/09/27 e movimentos de caixa n.º 340-2010/0125476 de 2010/09/22 e 340-2010/0127029 de 2010/09/; 6. No DAU de introdução em livre prática em apreço foi requerida pelo Despachante Oficial a isenção do IVA, nos termos do art.º 16º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI), assim como a dispensa de garantia do IVA, apresentando para o efeito documento de transporte comprovando o seguimento da mercadoria para o destino final – Espanha, conforme o ponto 4; 7. Em face dos elementos declarados no DAU e os documentos juntos ao mesmo, a Alfândega de Leixões autorizou a isenção de IVA e dispensa de garantia nos termos do art. 16º do RITI em 2010.09.21; 8. Estas operações isentas de IVA, devido ao seu elevado risco, foram objecto de um pedido de cooperação administrativa no âmbito das operações comunitárias, a fim de confirmar a chegada das mercadorias ao Estado-membro de destino e contabilização, pelos sujeitos passivos adquirentes, do IVA devido, (...); 9. A DSIVAVA, através do fax n.º 400 de 2011/06/07 vem dar resposta ao solicitado, informando que a empresa “J. SL” já não existe, não tendo sido possível conformar a entrega dos bens e, consequentemente a respectiva contabilização. A administração fiscal espanhola indica que o importador na declaração periódica (Modelo 303) a empresa não declarou aquisições intracomunitárias, assim como também não entregou o resumo anual do IVA relativo ao exercício de 2010, nem o Modelo 349 que constitui a declaração recapitulativa das operações intracomunitárias; 10. O representante do importador nunca apresentou o CMR carimbado e assinado a comprovar a recepção da mercadoria pelo destinatário, conforme o seu compromisso escrito, quando procedeu ao pedido de isenção de IVA e dispensa de garantia no dia 21 de Setembro de 2010 (fls. 12); 11. Com base nos factos expostos, visto não terem sido cumpridos os requisitos de isenção do IVA prevista no artigo 16º do RITI, urge instruir processo de cobrança a posteriori para liquidar o IVA em falta, assim como os correspondentes juros compensatórios sobre o IVA, razão que originou o presente processo que foi registado no “Controlo Aduaneiro” sob o n° LEX/CA/PC-030/2011, de 2011/06/20; (...)”;
9. Em 13/07/2011, a Alfândega de Leixões efectuou a liquidação n.º 9001381, no montante de €5.548,09 – fls. 91 e ss., do PA;
10. A sociedade J. SL emitiu um documento designado de “procuração”, de onde consta o seguinte: “(...) constitui seu representante perante a Alfândega sem limite temporal o DESPACHANTE OFICIAL F. a quem confere poderes para proceder ao desalfandegamento de todas as mercadorias de que o mandante seja proprietário ou consignatário, promovendo todas as diligências e assinando tudo quanto necessário for para o mencionado fim. 20 de Agosto de 2010. (...)” – fls. 40;
11. O designado “documento administrativo único” n° 2010PT00034022791445 contém, no campo 14, a sigla “3” e, no campo 44, a sigla “PROC” – fls. 42 e ss., do PA;
12. A 03/03/2011, a empresa J. SL emitiu uma declaração, da qual consta o seguinte: “J. SL, NIF (…), com sede em Calle (…), Espanha, declara para todos os efeitos legais que recebeu as mercadorias importadas pela Alfândega de Leixões, a coberto dos seguintes DAU’s: (...) 20101PT00034022791445 de 2010-09-17 (...) – PA em anexo;
13. O aqui Impugnante apresentou reclamação graciosa sobre a decisão da liquidação – PA em anexo;
14. No documento de fls. 37, designado: “título de depósito” está identificado como expedidor a empresa “W., Lda.” e como depositário dos volumes ali identificados o ora impugnante;
15. Naquele documento, no que respeita à mercadoria, consta o seguinte: 351 volumes de 15500 de peso com a designação genérica de vestuário – fls. 37;
16. O documento referido foi apresentado à Alfândega de Leixões – fls. 37 e ss.;
17. A 21/03/2011, foi publicado no designado “Boletín Oficial del Registro Mercantil” dados relativos à sociedade “J., SL” – fls. 42.
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Factos não provados:
Com relevância para o conhecimento da presente lide, resultou não provada a factualidade seguinte:
A. O Impugnante foi impedido de inscrever o Código 2 na casa 14 do DAU no sistema informático da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, enviando este sistema a mensagem “001 R4802 DDU: Relação garantia/operador económico inexistente”.
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Motivação.
A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes, documentos que não foram impugnados e mereceram a sua credibilidade, conforme indicação em cada facto.
A prova testemunhal revelou-se sem importância para a decisão da causa atenta a prova documental junta e as conformações de direito plausíveis.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova que os sustente.».

3.2. DE DIREITO

Sobre um recurso idêntico ao presente, interposto no processo n.º 1090/12.9BEPRT, entre muitos outros, foi proferido acórdão em 28.01.2021, subscrito pela aqui Relatora na qualidade de 1.ª Adjunta, a cuja fundamentação integralmente aderimos e que, por comodadida de exposição, passamos a transcrever:

«A Recorrente não se conforma (…) por entender que a (…) [sentença] padece de vício de violação de lei ao considerar que o despachante, ora Recorrido, não pode ser responsabilizado pela dívida aduaneira (conclusão 1 do recurso).

Entende a Recorrente que se o Recorrido não pode ser responsabilizado pelo facto de não ter actuado na modalidade de representação indirecta, como se tornou obrigatório após a entrada em vigor do DL nº 134/2010, de 27/12, o mesmo pode ser responsabilizado nos termos do disposto no segundo parágrafo do nº 3 do artigo 201º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), tendo a AT cumprido com o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder à liquidação, tal como prevê o art. 74º, nº 1 da LGT (conclusão II e III do recurso) e que a sentença que assim não considerou violou os artigos 74º, nº 1 e 77º, nº 1, ambos da LGT (conclusão VI do recurso).

Vejamos.

Nos termos do disposto no art. 2º do DL nº 445/99, de 03/11, que aprova o Estatuto dos Despachantes Oficiais, os despachantes oficiais intervêm como declarantes em nome e por conta de outrem, em qualquer parte do território nacional, nos actos e formalidades previstos na legislação aduaneira, incluindo as declarações de mercadorias originárias ou destinadas a países terceiros, as declarações de mercadorias sujeitas a impostos especiais sobre o consumo e outras declarações com implicações aduaneiras ou cuja gestão ou recepção venha a ser atribuída à Autoridade Tributária Aduaneira.

Por seu turno, a Reforma Aduaneira, aprovada pelo DL nº 46311, de 27/04 de 1965, após as alterações sofridas com o DL nº 73/2001, de 26/02, dispõe, no art. 426º, sob a epigrafe “De quem pode declarar”, que a solicitação de qualquer declaração aduaneira ou fiscal de mercadorias ou outras declarações cuja recepção venha a ser atribuída à AT, bem como a promoção de quaisquer documentos que lhes digam respeito compete, entre outros, a qualquer pessoa (incluindo os despachantes oficiais) designada pelos donos ou consignatários das mercadorias para declarar por sua conta, mas em nome próprio (art. 426º, nº 3).

Todavia, a representação pode apresentar-se por duas formas, uma vez que o Código Aduaneiro Comunitário (CAC), aprovado pelo Regulamento CEE nº 2913/92, do Conselho de 12/10, dispõe no art. 5º que qualquer pessoa pode fazer-se representar perante as autoridades aduaneiras para cumprimento dos actos e formalidades previstos na legislação aduaneira, podendo a representação ser directa ou indirecta.

A representação é directa quando o representante age em nome e por conta de outrem e é indirecta quando o representante age em nome próprio, mas por conta de outrem.

O representante deve, no âmbito do procedimento, declarar a modalidade de representação em que está a agir (directa ou indirecta).
In casu, e de acordo com [o ponto 10] do probatório, o Recorrido apresentou uma procuração escrita e expressa datada de 2[0]/08/2010, para efeitos de representação directa da sociedade “J., SL”, tal qual decorre do art. 432º da Reforma Aduaneira na redacção dada pelo DL nº 43/2001, de 26/02.

A representação directa, nos termos do art. 5º do CAC consubstancia uma actuação em nome e por conta de outrem, envolve uma transferência total da responsabilidade tributária nos casos de constituição de dívida aduaneira à luz do disposto no art. 201º, nº 1, al. a) e b) do CAC.
Na representação directa não há responsabilidade solidária pela dívida tributária, tal como sucede nos casos de representação indirecta (art. 201º, nº 3 do CAC).

Destarte, concluiu-se que no caso em que tenha havido representação indirecta (art. 5º do CAC), quer o declarante (representante), quer o importador (pessoa por conta do qual a declaração foi feita) são considerados devedores (art. 210º, nº 3 do CAC), sendo-o a título solidário, por força do art. 213º do mesmo diploma, tal já não sucede nos casos de representação directa, como é o caso da situação do Recorrido.

Ora, a sentença recorrida, depois de fazer um aturado estudo sobre os preceitos legais aplicáveis ao caso em estudo, mormente dos artigos do CAC, assim como do art. 14º e 16º do RITI, concluiu que o Recorrido agiu como representante directo e que não poderia ser responsabilizado com sustentáculo no art. 201º, nº 3 do CAC, mas foi mais além, para concluir que também não o poderia ser ao abrigo dos preceitos legais do RITI, mormente do artigo 16º atenta a redacção em vigor ao tempo dos factos, e fê-lo exibindo o seguinte discurso fundamentador: “Não obstante, deverá, desde já, concluir-se que o representante direto não poderá ser considerado devedor para efeitos do artigo 201.º, n.º 3 do CAC, porque nem é declarante nos termos do artigo 4.º (não faz a declaração em seu nome), nem é representante indireto.
Mas mesmo que assim não se entendesse, i.e., mesmo que fosse de considerar que as disposições do CAC não são aplicáveis – o que não se verifica -, à mesma solução se chegaria pela aplicação do artigo 16.º do RITI porque, à data dos factos em questão, este normativo (que não distinguia a representação direta da indireta) não atribuía qualquer responsabilidade pelo imposto ao despachante oficial (aliás, mesmo com a posterior redação dada pelo Decreto-Lei n.º 134/2010 de 02/12, que passou a exigir, para efeitos da aplicação da isenção no caso de importação por sujeitos passivos não residentes, que a importação fosse efetuada através de um representante indireto, apenas quanto a este se estabeleceu a responsabilidade pelo imposto).
Ora, como ficou demonstrado nos autos, em 20/08/2010, a sociedade “J. SL”, importadora das mercadorias, passou procuração ao Impugnante atribuindo-lhe poderes de representação e para proceder ao desembaraço aduaneiro de todas as mercadorias de que o mandante fosse proprietário, procuração essa que deu entrada na Alfândega de Leixões em 01/09/2010, constando do campo 44 da DAU a entrega de procuração, donde, pese embora conste da casa 14 do DAU o código 3, respeitante à representação indireta (cfr. os itens 2), 3), 14) e 15) dos factos provados), ter-se-á de concluir que o Impugnante fez prova de que agiu em representação direta da sociedade “J. SL”.
Como tal, encontrando-se revestido de poderes para agir em representação direta, nos termos previstos no artigo 5.º do CAC, não pode o Impugnante ser considerado responsável pelo pagamento do imposto à luz do artigo 201.º, n.º 3 do CAC.
Ou seja, tratando-se de uma situação de representação direta, só a pessoa em nome de quem a declaração foi feita, no caso, a sociedade ““J. SL”, poderia ser responsabilizada pelo imposto nos termos dos artigos 4.º e 201.º, n.º 3 do CAC.”

E não vemos qualquer motivo legal para dissentir do que ali foi decidido.

A Recorrente nas alegações do recurso, aceitando que o Recorrido afinal agiu em representação directa e não indirecta como defendia na contestação que apresentou, alude ao facto de o Recorrido não ter cumprido com o contrato de transporte declarado no desalfandegamento da mercadoria desvalorizando a prova que aquele exibiu em sede de audição prévia, bem como a declaração do importador que declarou ter recebido a mercadoria, sustentando-se na informação da sua congénere, a AT espanhola, que não confirmou o recebimento da mercadoria nem a respectiva contabilização por parte do importador.

Ora, do probatório consta a prova de que a mercadoria saiu de Portugal e foi entregue no importador (cfr. pontos 3, 11 e 12 do probatório) em Espanha, não obstaculizando a tal prova o facto de o importador não ter cumprido as obrigações fiscais de declaração em Espanha, tal como pretende a Recorrente.».

Em face do assim decidido, que inteiramente sufragamos, entendemos que estão respondidas todas as questões suscitadas neste recurso, pelo que nada mais importa acrescentar ao transcrito aresto, sendo de concluir que a pretensão da Recorrente não pode vingar.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, mantendo a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC.
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Porto, 25 de janeiro de 2021


Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta