Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00023/23.1BEAVR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 07/06/2023 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | Irene Isabel Gomes das Neves |
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Descritores: | POSIÇÃO; ERRO NA FORMA DO PROCESSOS; RESPONSABILIDADE POR MAIS-VALIAS; BEM IMÓVEL; MASSA INSOLVENTE; |
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Sumário: | I. A responsabilidade (pelo pagamento) de dívida originada por mais-valias (IRS) “em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal”, cabendo a sua discussão, quer na alínea i) (assumida como disposição de carácter residual), quer na alínea b) (fundada no facto de o opoente, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram). II. Em síntese, em sede de oposição fiscal pode conhecer-se da responsabilidade pela dívida originada por esse acto tributário – se o imposto (IRS) devido pela mais-valias gerada por venda de imóvel, pelo administrador da Insolvência no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma devedora, pessoa singular, constitui (ou não) uma dívida da massa insolvente.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Indeferir a reforma. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA» (Recorrente) notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida no âmbito dos autos de oposição à execução fiscal, a qual julgou verificada a nulidade processual por erro na forma de processo e, em consequência absolveu a Fazenda Pública da instância, inconformado vem dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «A) O recorrente foi declarado insolvente em agosto de 2015 no âmbito do processo n.º ....9/15.8T8OAZ, que correu termos no Juízo do Comércio de Oliveira de Azeméis, do Tribunal da Comarca de Aveiro; B) O recorrente apresentou declaração de substituição de IRS relativa ao ano de 2016 pelo facto de alegadamente não ter entregue o anexo G relativo à venda de imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41 da freguesia ..., de que era proprietário; C) O referido imóvel integrava a massa insolvente e foi vendido pelo administrador de insolvência no âmbito do processo de liquidação do património do insolvente; D) A referida declaração de substituição deu origem à liquidação de IRS n.º ...30, no montante de € 12.263,00, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 29/08/2018; E) O recorrente foi citado a 25.11.2023 para deduzir oposição à execução fiscal em que é exequente a AT – Autoridade Tributaria para cobrança da referida divida. F) O recorrente deduziu oposição à execução a 20.12.2023 alegando que a referida quantia não é devida pelo executado porquanto o imposto apurado em sede de IRS para alienação de um bem imóvel no âmbito de liquidação da massa insolvente é uma dívida da massa insolvente, pelo que deverá ser liquidado autonomamente em relação aos rendimentos auferidos pelo insolvente; G) E que caso assim não se entenda, a quantia apurada em sede de liquidação de IRS de 2016 não é devida por força no artigo 268.º, n.º 1 do CIRE, na redacção conferida pela Lei n.º 114/2017, de 19/12, uma vez que, essa quantia respeita a mais-valias decorrentes da venda de um imóvel efetuada no âmbito de um processo de insolvência, fora do âmbito da actividade empresarial, não concorrendo para a determinação da matéria colectável; H) De igual modo não são devidos os juros no montante de € 2.099,38, na medida em que durante o período em que foi proferido despacho inicial para concessão benefício de exoneração do passivo e a sua concessão a final, todas as acções que corram contra o insolvente encontram-se suspensas e, portanto, não vencem juros. I) Foi proferida sentença a 19.01.2023 que julgou verificada a nulidade processual, por erro na forma de processo, e consequente absolvição da Fazenda Publica da instância. J) Ora, o recorrente alega na sua oposição que não é sobre ele que recai a obrigação de pagamento do imposto de mais-valias, mas sim sobre a massa insolvente e portanto sobre quem é ou não obrigado a responder pelo seu pagamento e não conforme entende o Tribunal “a quo” se o imposto é devido e deve ser liquidado ou não. L) A responsabilidade sobre quem recai o pagamento da obrigação é discutida em sede de oposição, conforme prescreve o art. 204º do CPPT. M) Assim sendo, é em sede de oposição à execução nos termos das alíneas b) e i) do art. 204 do CPTT e não em sede de impugnação que se deverá discutir quem é o responsável pelo pagamento das mais-valia geradas dos bens imóveis vendidos em processo de insolvência. N) Assim sendo, com todo o respeito que é muito, não assiste razão ao Tribunal “a quo” e deve por isso ser revogada a sentença proferida e determinar-se que o Tribunal aprecie a pretensão do executado no âmbito da oposição à execução.» 1.2. A Recorrida Fazenda Pública, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 97 SITAF, no sentido do provimento do recurso, no qual conclui: «1 – Nos presentes autos, «AA», ora recorrente, veio deduzir oposição à execução que lhe foi movida pela ATA, Autoridade Tributaria e Aduaneira, com o fundamento do não pagamento da divida de IRS correspondente à mais valia gerada pela venda da fração ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...41, da freguesia ..., pelo fato de esta ser uma divida da exclusiva responsabilidade da massa insolvente. 2 – Para tanto, o recorrente alegou em suma, que foi declarado insolvente em Agosto de 2015, e o bem identificado que integrava a massa insolvente foi vendido pela administração da insolvência no âmbito da liquidação do seu património; bem como que o imposto apurado em sede de IRS pela alienação de um bem imóvel no âmbito da liquidação da massa insolvente é uma divida da massa insolvente, e portanto deverá ser liquidado autonomamente em relação aos rendimentos auferidos pelo insolvente. 3 – A decisão recorrida absolveu a Fazenda Publica da instância com fundamento em erro na forma de processo por entender que a oposição à execução prevista no art. 204º do CPPT não é o meio adequado para o recorrente fazer valer o seu direito, mas sim a impugnação judicial prevista no art. 99º do CPPT. 4 – Defende o recorrente, ao invés, que este meio é adequado, pois não é sobre si que recai a obrigação de pagamento do imposto de mais-valias, mas sim sobre a massa insolvente. 5 – Isto porque, em seu entender, a responsabilidade sobre quem recai o pagamento da obrigação pode ser discutida em sede de oposição, conforme prescreve o art. 204º do CPPT. 6 – Mais concretamente, afirma mesmo que será em sede de oposição à execução nos termos das alíneas b) e i) do art. 204 do CPTT e não em sede de impugnação que se deverá discutir quem é o responsável pelo pagamento das mais-valia geradas dos bens imóveis vendidos em processo de insolvência. 7 – Não foi apresentada resposta ao recurso pela A.T.A.. 8 – Ora, entrando na análise da questão a decidir, apenas se nos oferece dizer que nos parece clara a razão do recorrente. Na verdade, dispõe-se no artigo 204º al. b) do CPPT que a oposição pode ter por fundamento: «... b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;» 9 – No caso vertente, tendo em conta a formulação da P.I. e os factos dados como provados, se a venda do imóvel foi tratada e decidida pela administração do processo de insolvência, será de concluir que o recorrente não detinha nessa fase a posse do bem vendido (embora fosse o proprietário do mesmo), pelo que o pedido do recorrente tem perfeito enquadramento, em nosso entender, na disposição legal acima citada. TERMOS EM QUE, Somos de parecer que o presente recurso merece provimento.» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação: «1) Em 06/08/2015 foi proferida sentença de declaração de insolvência do aqui oponente no âmbito do processo n.º ....9/15.8T8OAZ, que correu termos na Comarca de Aveiro – ... – Inst. Central – ... S. Comércio – J2. (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial) 2) No âmbito do processo de insolvência identificado no ponto antecedente foi liminarmente admitido, em 02/12/2015, o pedido de exoneração do passivo restante, tendo o período de cessão iniciado em 01/07/2017 e terminado em 11/04/2022. (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial) 3) Em 23/06/2022, no âmbito do processo de insolvência identificado no ponto 1) foi proferido despacho final de exoneração do passivo restante. (cfr. doc. 8 junto com a petição inicial) Mais resultou provado: 4) Em 14/04/2017 o oponente entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 referente ao período de 2016, a qual deu origem à liquidação de IRS n.º ...12, datada de 03/05/2017, da qual resultou um valor a reembolsar de € 514,95. (cfr. docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial) 5) Através de ofício da Direção de Finanças foi o oponente notificado para proceder à entrega da declaração de substituição de IRS do ano de 2016, da qual deveria constar o anexo G, porquanto, da análise das contas enviadas pelo administrador de insolvência no processo n.º ....9/15.8T8OAZ, verificou-se que o mesmo procedeu à venda pelo valor de € 155.000,00, em 22/06/2016, do prédio inscrito na matriz n.º ...21 fração ... da freguesia ..., prédio que pertencia ao oponente. (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial) 6) Em conformidade com o ofício identificado no ponto 5), o oponente entregou em 16/07/2018 a declaração de rendimentos de substituição, Modelo 3, referente ao período de 2016. (cfr. doc. 5 junto com a petição inicial) 7) Em 18/07/2018 foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º ...60, relativa ao período de 2016, por referência ao aqui oponente, que originou um valor a pagar de € 11.748,85. (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial). 8) Em 23/07/2018 foi emitido, por referência ao aqui oponente, o documento de “Demonstração de Acerto de Contas” n.º ...30, que originou um valor a pagar no montante de € 12.263,00, cuja data limite de pagamento voluntário terminou em 29/08/2018, com o seguinte teor: (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial). [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 9) O oponente deduziu impugnação judicial da liquidação adicional de IRS identificada em 7) e 8), que correu termos neste Tribunal sob o n.º ...6/18.4BEAVR, a qual foi julgada improcedente por sentença proferida em 24/03/2020. (consulta SITAF processo de impugnação judicial n.º ...6/18.4BEAVR; cfr. informação de fls. 44 e ss do SITAF) 10) Em 21/11/2022 o oponente apresentou junto do Serviço de Finanças ... petição de revisão oficiosa na qual solicitou a anulação da nota de cobrança n.º ...30, identificada em 8), sendo que a mesma foi remetida para a Direção de Finanças ... em 06/12/2022, encontrando-se pendente de decisão. (cfr. informação de fls. 44 e ss do SITAF) Resultou, ainda, provado o seguinte: 11) Em 07/09/2018 foi instaurado pelo Serviço de Finanças ... contra o aqui oponente o processo de execução fiscal n.º ...81, para cobrança coerciva de dívida relativa a falta de pagamento de IRS, do período de 2016, no montante de € 12.263,00. (cfr. informação de fls. 44 e ss do SITAF) 12) A citação pessoal do aqui oponente, após penhora, ocorreu em 24/11/2022. (cfr. informação de fls. 44 e ss do SITAF) 13) A petição que está na origem dos presentes autos foi remetida para o Serviço de Finanças ..., por via postal registada, em 20/12/2022. (cfr. fls. 43 do SITAF) ** Não se apuraram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir. ** O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base o exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, os quais não foram objeto de impugnação, conforme especificado em cada um dos pontos da factualidade provada.» 2.2. De direito A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro rejeitou liminarmente a petição inicial e absolveu a Fazenda Pública da instância com fundamento em erro na forma de processo por entender que a oposição à execução prevista no artigo 204º do CPPT não é o meio adequado para o recorrente fazer valer o seu direito, mas sim a impugnação judicial prevista no artigo 99º do CPPT. Em síntese, o despacho de indeferimento liminar assentou no seguinte discurso fundamentador: a alegação aduzida pelo Opoente na petição inicial – de que foi declarado insolvente em Agosto de 2015, e o bem identificado que integrava a massa insolvente foi vendido pela administração da insolvência no âmbito da liquidação do seu património; bem como que o imposto apurado em sede de IRS pela alienação de um bem imóvel no âmbito da liquidação da massa insolvente é uma divida da massa insolvente, e portanto deverá ser liquidado autonomamente em relação aos rendimentos auferidos pelo insolvente. – não pode reconduzir-se aos fundamentos de oposição à execução fiscal que se encontram taxativamente previstos no artigo 204.º do CPPT; isto porque o oponente formula pedidos e causas de pedir que visam a anulação do ato de liquidação adicional de IRS do ano de 2016, pelo que, o meio processual adequado a esse fim é a impugnação judicial e não a oposição à execução fiscal, cujos fundamentos estão taxativamente elencados no artigo 204.º do CPPT. Considerou ainda, que «tal como resulta do probatório a data limite de pagamento voluntário da liquidação adicional de IRS e respetivo acerto de contas relativo ao ano de 2016 terminou no dia 29/08/2018 (cfr. ponto 8) dos factos provados), pelo que, o prazo para deduzir impugnação judicial daquele ato terminou no dia 29/11/2018./ Ora, considerando que a presente oposição só foi apresentada em 20/12/2022 (cfr. ponto 13) dos factos provados), há muito que estava ultrapassado o prazo previsto no artigo 102.º do CPPT, pelo que não poderá haver lugar à convolação por verificação da intempestividade da forma da ação a convolar.» O Oponente discordou do despacho de rejeição liminar e dele recorreu para este Tribuna Central Administrativo Norte. Em síntese, se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, sustenta em sede de recurso o seguinte: (i) que a oposição à execução fiscal é o meio adequado, pois não é sobre si que recai a obrigação de pagamento do imposto de mais-valias, mas sim sobre a massa insolvente; (ii) a responsabilidade sobre quem recai o pagamento da obrigação pode ser discutida em sede de oposição, conforme prescreve o artigo 204º do CPPT; (iii) nos termos das alíneas b) e i) do artigo 204º do CPTT e não em sede de impugnação que se deverá discutir quem é o responsável pelo pagamento das mais-valia geradas dos bens imóveis vendidos em processo de insolvência. Assim, cumpre-nos agora, em sede de recurso, verificar se o Tribunal a quo decidiu correctamente ao rejeitar in limine a petição inicial de oposição à execução fiscal, designadamente e em face da alegação do Recorrente e respectivas conclusões (por que se delimita o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos artigos 635º e 639.º do CPC), saber se essa decisão incorreu em erro de julgamento ao indeferir liminarmente a oposição por julgar verificada a nulidade decorrente do erro na forma do processo, sendo que o julgado quanto á impossibilidade da convolação no meio processual tido como adequado não compreende o objecto do recurso. 2.2.1. Do erro de Julgamento Para efeitos de verificar se ocorre o erro na forma do processo deve atender-se exclusivamente ao pedido ou pedidos formulados e não à validade ou adequação ao pedido das causas de pedir invocadas [como tem vindo a salientar a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, é questão diferente do erro na forma do processo a de saber se na petição inicial foram alegados fundamentos válidos do meio processual escolhido, questão que se situa no âmbito da viabilidade do pedido e já não da propriedade do meio processual; neste sentido, vide os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28.03.2012, proferido no processo com o n.º 1145/11 e, de 18.06.2014, proferido no processo n.º 1549/13]. Assim, no presente processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter, que é “a responsabilidade da massa insolvente no pagamento da mais-valia gerada”. Poderá alguma causa de pedir não ser apta a alcançar tal pretensão. Mas, saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cf. Acórdão do STA, de 28.05.2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13. Aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que o impugnante alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão do impugnante. Temos que, o aqui Recorrente, enquanto insolvente, pretende que o tribunal declare “ser o executado absolvido do pagamento da mais-valia gerada pela venda da fração ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...41, da freguesia ..., sendo esta declarada como da responsabilidade exclusiva da massa insolvente. Subsidiariamente, e quando assim não se entenda: – considerar que a mais-valia gerada pela venda da referida fração, não deverá ser incluída para a determinação da matéria coletável, nos termos do art.º 268.º, n.º 1 do CIRE. – ser o executado absolvido do pagamento de juros.” Sendo que para tanto, alega que a referida quantia não é devida pelo executado porquanto o imposto apurado em sede de IRS da alienação de um bem imóvel no âmbito de liquidação da massa insolvente é uma dívida da massa insolvente, ou seja, a questão passa por aferir da responsabilidade pelo pagamento da dívida originada pela mais-valia gerada pela alienação de imóvel da massa insolvente, se os bens que, entretanto, sejam adquiridos pelo insolvente ou o património autónomo (massa insolvente). Sobre a imputação dos rendimentos de mais-valias resultantes da venda de bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência e subsequente dedução de oposição à execução fiscal pelo executado (sujeito passivo de IRS) já se pronunciou por diversas vezes o Supremo Tribunal Administrativo. Por nos revermos integralmente na jurisprudência emanada em recente acórdão do STA, secção do Contencioso Tributário, proferido em 18.5.2022, no âmbito do processo 844/18.7BEPRT, em que naquele como aqui estamos no âmbito de uma oposição à execução fiscal em que a quantia exequenda emerge de liquidação oficiosa emitida na sequência da apresentação de declaração de substituição com inclusão do anexo G., passamos a aderir em parte ao seu discurso fundamentador (não olvidando que estamos em sede de indeferimento liminar), para de seguida atentarmos ao Acórdão do STA de 01.07.2020, proferido no âmbito de recurso por oposição de julgados 3509/15 e 169/18. A oposição à execução fiscal, «(p)resente o disposto no art. 204.º n.º 1 do CPPT, encontra-se, por vontade do legislador, sujeito a uma short list de fundamentos, admissíveis como suportes, únicos e insubstituíveis, de oposição a uma qualquer execução fiscal (À semelhança, diga-se, do que sucede com as execuções comuns/cíveis – cf. arts. 729.º a 731.º do Código de Processo Civil (CPC).). Em função deste condicionalismo, incontornável, não esquecendo, ainda, que, no STA (desde logo, no acórdão coligido na sentença recorrida (De 31 de maio de 2017, processo n.º 01410/16.), se defendeu, argumentou, já, que a responsabilidade (pelo pagamento) de dívida originada por mais-valias (IRS) “em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal”, corrido, varejando, o elenco das várias (9) alíneas do n.º 1 do normativo em apreço, à partida e teoricamente, somente conseguimos encontrar espaço, cabimento, para tal discussão, na respetiva al. i) (« Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.»), enquanto, unanimemente, assumida como disposição de carácter residual, onde, em tese, cabem situações, não enquadráveis nas outras alíneas do mesmo número, caracterizadas pela existência de facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afete a sua exigibilidade. Acontece, como decorre da redação do versado segmento normativo, que esse cabimento não é irrestrito, pois, por imposição do legislador, um facto capaz dos apontados efeitos sobre a dívida exequenda só é suscetível de constituir fundamento, operante e válido, de oposição à execução fiscal, quando, desde logo, não envolva (o seu tratamento/relevância no processo de oposição) a “apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda”. Por outras palavras, nos casos em que a dívida, exigida num processo de execução fiscal, tem a precedê-la (tem na sua génese) um ato de liquidação tributária, a invocação (pelo oponente) de um facto capaz, por exemplo, de afastar a exigibilidade, da mesma, quanto a si, ou, no equivalente, fazer com que não seja responsável pelo respetivo pagamento, só pode ser fundamento de oposição, a esse processo executivo, desde que não implique reabrir, em qualquer medida, a discussão sobre a legalidade dessa genética liquidação; na prática, subsistindo a conformidade da liquidação com a lei e inerente exigência da dívida ao oponente, só pode constituir fundamento, a coberto da al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, facto estranho e não conflituante com esse ato tributário prévio.» (fim de transcrição, destacados da nossa autoria) E, se considerarmos que o alegado pelo Recorrente assenta na sua ilegitimidade o fundamento de oposição é susceptível de enquadrar na alínea b), do n.º 1 do artigo 204º do CPPT, como recentemente afirmamos em Acórdão de 25.05.2023, proferido no âmbito do processo n.º 992/19.6BPRT, ainda inédito, mas de cujo sumário consta: “I.Constitui fundamento admissível da oposição à execução fiscal a ilegitimidade substantiva do oponente, fundada no facto de este, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram [cfr. art. 204.º, n.º 1, alínea b), do CPPT].” Identificado e estabelecido este pertinente enquadramento jurídico, enfrentemos, então, a pretensão, do Recorrente, de ver revogada a decisão de indeferimento liminar que julgou ocorrer nulidade por erro na forma do processo. Liminarmente, é certo que, nesta, o julgador, tendo omitido referência, expressa, a qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, podia provocar a existência de dúvidas sobre o seu percurso cognoscitivo. Contudo, ponderado o conteúdo, integral, dos fundamentos jurídicos congregados, podemos, com segurança, identificar que teve em mente a al. h) (« Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação; »), afirmando, em decorrência, que a questão da legalidade do imposto (da liquidação) não pode ser apreciada nesta forma processual e, que a convolação para o meio processual adequado está fora de questão por intempestividade (o que não se compreende face aos factos assentes, nomeadamente a menção expressa da Impugnação apresentada, vide itens 7), 8) e.9) dos factos provados). Aliás omissão essa que também decorria da petição apresentada, sendo que ora em sede de recurso o Recorrente reconduz os seus fundamentos ao artigo 204º n.º 1 alíneas b) e i) do CPPT. Na óptica do Recorrente, o pagamento da quantia exequenda não é da sua responsabilidade, porque, simplesmente, ela é uma dívida da massa insolvente (nascida com a sua declaração como insolvente, por sentença, proferida a 06 de maio de 2015 – vide itens 1) a 3) dos itens provados); e, nesta construção, temos ainda o facto de a oponente haver apresentado declaração de substituição, do modelo 22 de IRS, referente a 2016, na qual mencionou rendimentos da categoria A e mais-valias decorrentes da alineação do imóvel pelo administrador de insolvência, de a autoridade tributária e aduaneira (AT) ter emitido a liquidação de IRS, do ano de 2016, tendo em conta os elementos constantes dessa declaração substitutiva, em relação à qual apresentou (o Recorrente/oponente) Impugnação judicial, sentenciada de improcedente em 24 de março de 2020, tendo ainda apresentado revisão oficiosa na qual solicitou a anulação da nota de cobrança a qual se encontra pendente – itens 4. a 10. da factualidade provada. Antes do mais e sem prejuízo de estarmos em sede liminar dos autos, estamos cientes que quanto à questão de saber se o imposto (IRS) devido pela mais-valia gerada, como na situação apresentado pelo Opoente, por venda, concretizada pelo administrador da insolvência, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma devedora, pessoa singular, constitui ou não uma dívida da massa insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 51.º n.º 1 al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), existem posições em sentido afirmativo de pronúncias provenientes de quadrantes doutrinários (Cf., v.g., Rui Duarte Morais, “Os Credores Tributários no Processo de Insolvência”, Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, tomo II, pág. 218.), bem como, jurisprudenciais, com origem nos tribunais da jurisdição comum, como é o caso, paradigmático, dos, invocados pelo Recorrente, os acórdãos da Relação do Porto, datados de 30.05.2017 e de 2 de julho de 2015 (Processos n.º 610/12.3TBOAZ e n.º 8729/12.4TBVNG, respectivamente), em que, destacadamente, se decide neste último que “não existe nenhuma isenção de imposto, benefício fiscal, para o caso de alienação de bens imóveis integrantes da massa insolvente. E por isso, as mais-valias realizadas, no caso, entram na determinação da matéria colectável do devedor, isto é, do insolvente. Mas quem deve pagar o imposto daí decorrente não é a insolvente com o seu património remanescente, mas sim a massa de bens separada para o efeito, isto é, a massa insolvente”. É consabido, que a nossa lei processual procura desde sempre evitar, a ser possível, que a parte perca o pleito por motivos puramente formais, a assumida posição que a forma não prevaleça sobre o fundo (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação aliada ao princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão na lei adjectiva, que procura afastar o rigor formalista na interpretação das peças processuais (neste sentido veja-se o artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que dispõe: «Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».). Aqui chegados, recuperemos então o discurso fundamentador do Acórdão por oposição de Julgados firmado pelo STA, supramencionado [Acórdão do STA de 01.07.2020, proferido no âmbito de recurso por oposição de julgados 3509/15 e 169/18]. «Dito de outro modo: tudo aponta para que o meio processual usado pelos recorrentes é adequado para conhecer da responsabilidade pelo pagamento da dívida originada pela mais-valia gerada pela alienação de imóvel da massa insolvente. Isso mesmo foi afirmado no acórdão fundamento e, bem assim e em perfeita sintonia, no mais recente Acórdão deste STA-SCT de 21/11/2019, tirado no processo nº01646/13.2BELRA, de que excerta, com a devida vénia, a parte pertinente do discurso jurídico que pode alumiar a conclusão a que acabamos de extrair: “(…) A questão a apreciar e decidir é a de saber se a venda de um bem imóvel da massa insolvente é, ou não, susceptível de gerar uma mais-valia do insolvente que seja pessoa singular, sujeita a tributação em sede de IRS. Atento o teor da sentença e a conformação do recurso, a resposta a essa questão passa por indagar se a mais-valia valia resultante dessa venda deve considerar-se ganho do insolvente ou da massa insolvente, designadamente se, como sustentou a Impugnante, o imóvel deixou ser propriedade do insolvente com a sua apreensão para a massa insolvente. Previamente, haverá também que verificar se, como sustentado nas alegações de recurso, ocorre o erro na forma do processo, a determinar absolvição da Fazenda Pública da instância, na insusceptibilidade dessa nulidade ser sanada mediante convolação da petição inicial para o meio processual adequado. 2.2.2 DO INVOCADO ERRO NA FORMA DO PROCESSO A Recorrente sustenta que deveria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro ter declarado o erro na forma do processo, sem possibilidade de convolação e, por isso, ter absolvido a Fazenda Pública da instância. Salvo o devido respeito, e acompanhando o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, não concordamos. O erro na forma do processo é uma nulidade que decorre da utilização de meio processual desajustado ao pedido formulado, à providência judicial solicitada, à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo. Ora, no caso, o pedido formulado pela Impugnante foi que fosse «anulada a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2011» (cfr. fls. 7 v.º), pedido que, inequivocamente, é adequado à forma processual escolhida – a impugnação judicial –, que tem como fim a anulação de um acto praticado pela Administração tributária, ou a declaração da sua nulidade ou inexistência (cfr. art. 124.º, n.º 1, do CPPT). A nosso ver, a alegação da Recorrente tem a ver, não com a nulidade por erro na forma do processo – que, manifestamente, não ocorre –, mas com o modo como a sentença abordou a questão. Isto porque a sentença, como melhor veremos adiante, ao invés de sindicar a legalidade da liquidação adicional impugnada, entendeu pronunciar-se sobre a responsabilidade do pagamento da dívida gerada por aquela liquidação. Seja como for, como temos vindo a dizer noutras ocasiões, para efeitos de verificar se ocorre esta nulidade deve atender-se exclusivamente ao pedido ou pedidos formulados e não à validade ou adequação ao pedido das causas de pedir invocadas (Como tem vindo a salientar a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, é questão diferente do erro na forma do processo a de saber se na petição inicial foram alegados fundamentos válidos do meio processual escolhido, questão que se situa no âmbito da viabilidade do pedido e já não da propriedade do meio processual. Neste sentido, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 28 de Março de 2012, proferido no processo com o n.º 1145/11(...); - de 18 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 1549/13,(...).); por maioria de razão, à verificação do erro na forma do processo é de todo irrelevante o enquadramento que o juiz faça das causas de pedir. Afastada que está a possibilidade de ocorrência do erro na forma do processo, invocado pela Recorrente, vejamos agora se a sentença fez correcto julgamento ao anular a liquidação com o fundamento de que a Impugnante não é a responsável pela dívida resultante da liquidação impugnada. 2.2.3 DA TRIBUTAÇÃO EM IRS DA MAIS-VALIA DECORRENTE DA VENDA DE BEM IMÓVEL QUE INTEGRE A MASSA INSOLVENTE Recuperamos aqui a exposição que elaboramos em anterior acórdão (Referimo-nos seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 10 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 669/15,(...)). Atento o disposto nos arts. 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e, designadamente, a repartição do produto obtido pelos credores, podendo ser objecto de tal processo quaisquer pessoas singulares ou colectivas, sendo que, no caso, apenas nos interessa considerar a insolvência de pessoa singular. Quando uma pessoa singular é objecto de uma declaração de insolvência, os seus bens susceptíveis de penhora são apreendidos, de acordo com a alínea g) do n.º 1 do art. 36.º do CIRE, e passam a integrar um património autónomo e de afectação, uma vez se destina à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente. A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do art. 46.º do CIRE, «destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo». Esses bens são entregues ao administrador da insolvência (O administrador da insolvência é um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas colectivas (cfr. art. 81.º, n.º 4, do CIRE).), que é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Daqui decorre que a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afectada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas» (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, anotação 4 ao art. 601.º, pág. 586. No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 1995, págs. 652/653; MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Os efeitos substantivos da falência, PUC 2000, pág. 127; PAULA COSTA E SILVA, A liquidação da massa insolvente, Revista da Ordem dos Advogados, 2005, volume III, págs. 717 a 719, onde fala de «património de afectação» (...).), mas não constitui uma pessoa (singular ou colectiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer (Não passam a existir duas pessoas, tal como não existem três entes em resultado de um casamento, apesar de existirem dois patrimónios próprios e um comum.). Dito de outro modo, «A constituição de um património autónomo não acarreta o aparecimento de uma nova subjectividade jurídica, distinta do devedor insolvente que lhe deu origem» (Cfr. BRUNO SANTIAGO e BEATRIZ CAPELOA GIL, A responsabilidade pelo imposto devido na liquidação dos bens que integram a massa insolvente, Cadernos de Justiça Tributária, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, n.º 13, págs. 3 a 15.). A massa insolvente constitui apenas uma parte separada do património da pessoa singular a quem os bens pertencem e a quem não deixam de pertencer por força da declaração de insolvência; o que acontece, quando há uma declaração de insolvência, é apenas a transferência dos poderes de administração e disposição relativamente aos bens integrantes da massa insolvente, da pessoa insolvente para o administrador da insolvência (cfr. art. 81.º, n.º 1, do CIRE). Os bens não deixam de ser propriedade do insolvente; apenas se dá uma transferência daqueles poderes sobre eles. Assim, praticando o administrador actos de liquidação da massa insolvente, designadamente vendendo (Segundo o art. 158.º, n.º 1, do CIRE, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente.) bem imóvel integrante dessa massa (venda efectuada na qualidade de fiel depositário dos bens do devedor, como representante da massa insolvente, e não em nome próprio), se a venda for efectuada por um valor superior àquele pelo qual o imóvel foi adquirido, gera um acréscimo do património do insolvente, constituindo assim um rendimento sujeito a IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do Código daquele imposto. Como deixou já dito este Supremo Tribunal Administrativo, para a qualificação como mais-valia sujeita a tributação releva unicamente a diferença positiva entre o valor pelo qual um imóvel foi alienado e o valor da sua aquisição, corrigido e acrescido nos termos legais, sendo irrelevante o destino dado ao produto da venda, uma vez que o ganho tributado é o que decorre da diferença entre os valores de aquisição e de realização, ou seja, entre o valor por que o bem ingressou no património do sujeito passivo e o valor por que dele saiu (Cfr. o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- de 21 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 582/15). Aliás, nem sequer pode dizer-se que não haja benefício para o insolvente, pois esse acréscimo patrimonial beneficiou o insolvente embora na parte do seu património separada para a massa, traduzindo-se numa diminuição do seu passivo. Neste sentido, aponta também, a contrario, o disposto no art. 268.º do CIRE, ao prever uma isenção de IRS para as mais-valias realizadas por efeito da dação em cumprimento (realização de uma prestação, diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação) de bens do devedor e da cessão de bens aos credores (em que o devedor encarrega os credores de liquidar o seu património ou parte dele e de repartirem entre si o respectivo produto para satisfação dos seus créditos); o que significa que, se as mais-valias não resultarem de um desses negócios previstos nesta norma de isenção, designadamente se resultarem da venda de bens da massa insolvente, e a menos que gerem rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais (Ou seja, pressupomos que os imóveis pertencem ao património particular do sujeito passivo, isto é, que não estavam afectos a qualquer actividade empresarial e/ou profissional.), estão abrangidas pelo IRS, concorrendo para a determinação da matéria colectável em sede deste imposto [art. 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS]. Neste sentido também se pronunciam a AT, na informação vinculativa emitida no processo 5957/2010 da Direcção-Geral dos Impostos, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 1 de Outubro de 2010 (....), e a doutrina (Designadamente: - CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, 3.ª edição, Quid Juris, 2015, págs. 916/917; - LIMA GUERREIRO, Os créditos fiscais no novo CPERF, Fisco, ano V, n.º 54, pág. 118; - SARA LUÍS DA SILVA VEIGA DIAS, O crédito tributário e as obrigações fiscais no processo de insolvência, págs. 98/99, dissertação de mestrado, no repositorium da Universidade do Minho (...); - ANA PRATA, JORGE MORAIS DE CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Almedina, 2013, pág. 716, em anotação ao art. 268.º.). Por isso, considerámos já que o insolvente não está dispensado de declarar esses rendimentos (Vide o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - de 8 de Março de 2017, proferido no processo n.º 1660/15. (...)). Questão diversa é a de saber quem responde pelo imposto gerado pela mais-valia gerada pela alienação de imóvel da massa insolvente. Foi essa a questão abordada pela sentença, por remissão para o referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Note-se que a sentença deixou expressamente referido que não estava em causa «a qualidade de sujeito passivo do imposto», mas a «responsabilidade da massa pela dívida em causa». O que significa, sem margem para dúvida, que não foi uma eventual ilegalidade reportada à incidência pessoal do imposto que determinou a sua anulação, mas antes a responsabilidade pela dívida que teve origem na liquidação impugnada. Mas, salvo o devido respeito, trata-se de questão que não cumpria dirimir no processo, porque neste está exclusivamente em causa a legalidade da liquidação impugnada e não a responsabilidade pela dívida originada por esse acto tributário. Esta última, aliás e como judiciosamente observou a Recorrente, em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal. A nosso ver, a sentença descentrou a questão que lhe cumpria apreciar e decidir, que era a de saber se os bens vendidos ainda eram da Impugnante à data da venda em processo de insolvência e se a diferença entre o valor por que foram adquiridos (eventualmente corrigido nos termos legais) e o valor por que foram alienados (valores de aquisição e de realização, respectivamente) constitui rendimento da insolvente.» (fim de transcrição; destacado nossa autoria) Daqui decorre que não podemos concordar com a decisão de indeferimento liminar sob recurso quando considera que a oposição não é o meio processual adequado para conhecer da responsabilidade pelo pagamento da dívida originada pela mais-valia gerada pela alienação de imóvel da massa insolvente. O recurso será, pois, provido o que implica a revogação da decisão de liminar que julgou verificada a nulidade processual, por erro na forma de processo e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância, o que se determinará a final. 2.3. Conclusões I. A responsabilidade (pelo pagamento) de dívida originada por mais-valias (IRS) “em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal”, cabendo a sua discussão, quer na alínea i) (assumida como disposição de carácter residual), quer na alínea b) (fundada no facto de o opoente, apesar de figurar como devedor no título executivo, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram). II. Em síntese, em sede de oposição fiscal pode conhecer-se da responsabilidade pela dívida originada por esse acto tributário – se o imposto (IRS) devido pela mais-valias gerada por venda de imóvel, pelo administrador da Insolvência no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma devedora, pessoa singular, constitui (ou não) uma dívida da massa insolvente. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a decisão que julgou verificada a nulidade processual, por erro na forma de processo e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância a fim de aí prosseguirem os ulteriores termos legais se a tanto nada obstar. Sem custas. Porto, 06 de junho de 2023 Irene Isabel das Neves Ana Paula Santos Margarida Reis |