Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00777/08.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/05/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL – INDEMNIZAÇAO DEVIDA PELA “EXPROPRIAÇÃO DO DIREITO À EXECUÇÃO” – PERDA DE CHANCE
Sumário:I - No âmbito da fixação judicial de indemnização devida interposta ao abrigo do nº.3 do artigo 45º CPTA, relevam apenas os danos resultantes da frustração da execução, ressarcindo aquilo que se denomina de “expropriação do direito à execução”, e não os danos emergentes e lucros cessantes em razão da prática do ato ilegal anulado.

II- Não resultando apodítico que, se não fora a exclusão indevida do procedimento concursal, a concorrente atingiria a vitória do concurso, a indemnização que se mostre devida é a da “perda de oportunidade” ou de “chance” que teve de não poder ver a sua proposta analisada.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:E., Lda e MUNICÍPIO DE (...)
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...), e E., Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso da E, Lda, e conceder parcial provimento ao recurso do Município de (...)
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *


I – RELATÓRIO

E., LDA. [doravante E.] e o MUNICÍPIO DE (...), devidamente identificados nos autos, vêm interpor recurso RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos presentes autos, que, em, 09 de julho de 2019, julgou a presente ação procedente, e, condenou o Réu MUNICÍPIO DE (...) a pagar à Autora E. o montante de € 82 905,01, acrescido de juros de mora desde a citação.

Alegando, a Recorrente E., formulou as seguintes conclusões:
“(…)
1. DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO.
a. Entendeu o douto Tribunal recorrido que passaria a ser aplicada a tramitação do artigo 45.° do CPTA, sujeita a um prazo normal, por nesta fase do processo não se estar perante um processo de contencioso pré-contratual.
b. Algo confirmado na douta sentença recorrida.
c. O presente recurso é então tempestivo, porquanto foi interposto no prazo de 30 dias contados da notificação da douta Sentença recorrida, nos termos do artigo 144.°, n.° 1, do CPTA.
2. DA LEGITIMIDADE E DA SUCUMBÊNCIA.
d. Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido, artigo 141.°, n.° 1, do CPTA.
e. Como decidido na douta sentença, os juros são devidos desde a data da citação e até integral pagamento.
f. Tendo a citação do Réu ocorrido no dia 31/12/2008, os juros são devidos desde o dia 01/01/2009.
g. Contados à taxa civil, os juros sobre a quantia em que o réu foi condenado cifram-se na presente data em € 35.624,17.
h. Já os juros sobre esta mesma quantia, calculados à taxa comercial, perfazem na presente data o total de € 66.948,64.
i. A sucumbência da Autora é, portanto, € 31.324,47.
j. A não qualificação da obrigação de juros legais peticionados desde a petição de 22/12/2008 como juros comerciais, implica a não satisfação parcial do pedido da Autora e aqui Recorrente.
k. Razão pela qual, tem a Recorrente legitimidade e sucumbência para interpor o presente recurso restrito a essa questão da natureza dos juros devidos.
3. DA ERRADA QUALIFICAÇÃO DOS JUROS PELO TRIBUNAL RECORRIDO.
l. O douto Tribunal a quo, a fls. 32 da sentença em crise, entendeu não ser de aplicar ao presente caso a taxa de juro aplicável às obrigações mercantis porquanto “os montantes em causa não têm natureza contratual, mas antes indemnizatória”.
m. Confundindo a natureza ou fonte da obrigação, com a indemnização, enquanto consequência da responsabilidade civil.
n. E entrando em contradição na sua fundamentação, pois antes afirma que a indemnização fixada “visa colocar a autora na posição de mercado em que estaria se executasse o contrato em causa”, para depois, sem mais, afastar a natureza contratual - e comercial - da obrigação.
o. Ao assim decidir, o tribunal recorrido cometeu grave erro nos seus pressupostos de facto e de direito.
p. E desaplicou o disposto no artigo 102.° do Código Comercial, em especial o seu parágrafo 3.°, violando ainda, entre outros indicados na alegação e que se dão por reproduzidos, os artigos 562.° e 564.° do Código Civil.
Vejamos,
q. Do atraso no cumprimento das obrigações pecuniárias são devidos juros de mora, a contar desde a data da citação.
r. A ora Recorrente é comerciante, porquanto pratica com fins lucrativos uma atividade contínua e ininterrupta e o artigo 230.° do Código Comercial abrange no seu âmbito todos os comerciantes, quer estes pratiquem as atividades aí previstas, quer outros atos de comércio.
s. Nos termos do artigo 102.°, e em especial do parágrafo 3.°, do Código Comercial, estão sujeitos à taxa de juros comerciais as empresas comerciais, singulares ou coletivas que pratiquem atos comerciais, sejam eles objetivos ou subjetivos.
t. O que implica que a adjudicação do contrato público a que o Réu estaria adstrito, como se demonstrou nos autos (e que apenas por impossibilidade de reconstituição natural não foi condenado), configuraria um ato comercial, sendo-lhe, por isso, aplicável a taxa de juro moratória comercial.
u. O interesse específico da Autora e aqui Recorrente era o de obter a adjudicação do contrato, porquanto a prestação de serviços em troca da correspondente compensação monetária é o propósito da sua atividade empresarial lucrativa.
v. Resultando hoje provado nos autos (por prova documental, pericial e testemunhal), que a não ter existido exclusão da proposta da Recorrente, com toda a probabilidade o contrato ser-lhe-ia adjudicado.
w. A impossibilidade absoluta de adjudicar o contrato à Autora, à data da prolação do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, determinando a conversão, por sua iniciativa, do pedido inicial por um pedido de indemnização que já subsidiariamente se aduzia, não implica a alteração da natureza da obrigação.
x. Porque caso a decisão tivesse chegado em tempo útil, a Recorrente poderia ter obtido a adjudicação do contrato em causa, executando os serviços mediante a correspondente contraprestação.
y. O douto tribunal recorrido não fixou à Autora uma qualquer indemnização extracontratual, mas uma indemnização correspondente ao lucro cessante que a autora obteria se não ocorresse impossibilidade e lhe tivesse sido adjudicado o contrato. Esses lucros cessantes correspondem à exata quantia que acresceria ao seu património em caso de fiel e integral execução do contrato.
z. Pelo que se a Autora tivesse obtido aquele lucro com a prestação dos serviços, poderia ter aplicado esses fundos aos seus fins comerciais.
aa. A reparação que se visou obter tem a mesmíssima natureza contratual que a adjudicação do concurso à ora Recorrente, caso a sua proposta não tivesse sido ilegalmente excluída.
bb. Andou mal (e confundiu conceitos) a douta Sentença recorrida ao afirmar que a quantia em que o Recorrido foi condenado, resulta de indemnização e não tem natureza contratual, até por ser incoerente e parca nos seus fundamentos quer de facto quer de direito.
cc. Acresce que a Autora não dispõe da quantia em causa, correspondente ao lucro cessante, desde longa data.
dd. O facto de os juros serem contados desde a data da citação/interpelação, é ilustrativo de que a natureza da obrigação é contratual, porquanto se assim não fosse, teriam sido fixados a partir da prolação da decisão ou até da prática do ato ilícito, algo que não se verificou.
ee. A desacertada fundamentação da douta Sentença, quer de facto quer de direito, relativamente à distinção entre “natureza contratual” e “natureza indemnizatória”, faz incorrer a douta sentença, neste trecho, em erro nos seus pressupostos de facto e de direito.
ff. O artigo 806.°, n.° 1 do Código Civil dispõe que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
gg. O que implica que o caráter indemnizatório nada tem que ver com a concreta determinação da taxa aplicável.
hh. Devendo o douto Tribunal recorrido ter distinguido, outrossim, entre fonte da obrigação de “natureza contratual” ou “natureza extra contratual”.
ii. Existindo responsabilidade civil contratual, quando ela provém da “falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei, e extracontratual quando resulta da “violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem Vide nota n.5 2. Página 21 de 24 jj. Porquanto, tanto de fontes contratuais como de fontes extracontratuais, pode haver lugar a indemnização, nos termos dos artigos 798.° e 483.° do CC.
kk. Pelo exposto, a indemnização, nos termos do artigo 562.° do CC, visa a reparação de um dano e tem por fim reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
II. Sendo pedida a execução de contrato com o Réu e o recebimento do respetivo preço contratual pela Autora, nos termos do artigo 566.° n.° 1 do CC, uma vez que tal não foi possível, a indemnização é fixada em dinheiro, nos termos do artigo 566.° n.° 1 do CC.
Ora,
mm. Os lucros cessantes da Autora correspondem assim a essa indemnização, pois que esse valor resultaria na prestação do serviço, tendo como medida, nos termos do n.° 2 do artigo 566.° do CC, “a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos”.
nn. Se não existissem danos, a Autora teria executado o contrato e destinando o seu lucro ao incremento da sua atividade.
oo. E é evidente que os lucros cessantes a que o Réu foi condenado não emergem de fonte extracontratual, mas resultam de incumprimento do dever de celebração de contrato e decorrem da impossibilidade da sua execução.
pp. Assim, o crédito de € 82.905,01 que a Recorrente tem na sua esfera jurídica sobre o Recorrido advém do incumprimento de uma obrigação e está sujeito à taxa de juros de mora aplicável às obrigações mercantis, conforme tem sido entendimento da jurisprudência invocada.
qq. Saliente-se que a razão de ser da fixação de uma taxa de juro comercial mais elevada que a civil reside no facto de que “para elas [empresas] o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua atividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”.
rr. Tanto que o parágrafo 3.° do artigo 102.° do Código Comercial apenas dispõe que os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
ss. De igual sorte, no âmbito do processo n.° 693/07.8BEPNF-A, o Município ora recorrido foi condenado a pagar à ora Recorrente montante a fixar em sede de execução de sentença pela não execução da prestação de serviços de “Atividades de Enriquecimento Curricular, durante o ano letivo de 2007/2008”, tendo sido fixado o montante dessa indemnização em € 131.850,67, acrescidos de juros de mora à taxa comercial em vigor.
tt. Num processo em tudo semelhante ao dos autos (em que por impossibilidade de adjudicar os serviços à Autora, mas reconhecendo que tal dever pendia sobre o Réu, se condenou este ao pagamento de indemnização por lucros cessantes com juros contados à taxa comercial) (…)”.
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Quanto ao seu recurso, concluiu o Recorrente MUNICÍPIO DE (...) nos seguintes termos: “(…)

1° Não existe nos autos qualquer suporte probatório que permita julgar como provados os Pontos 7) a 14) da matéria provada;
2° O Ponto 7) da matéria provada deve ser julgado como “não provado” porquanto o documento n° 2 junto com a p.i. trata-se de um simples documento particular elaborado pela A., cujo teor factual foi impugnado pelo R., e que não foi confirmado pelas declarações de parte nem pelo depoimento da testemunha M.;
3° Os Ponto 8) e 9) da matéria provada devem ser julgados como “não provados” porquanto o documento n° 2 junto com a p.i. é um documento particular elaborado pela A., cujo teor factual foi impugnado pelo R., e que não foi confirmado pelas declarações de parte nem pelo depoimento da testemunha M.;
4° Os Pontos 10), 11), 12), 13) e 14) da matéria provada devem ser julgados como “não provados” porquanto os documentos n°s. 5, 6, 7, 8 e 9 juntos com o processo n° 693/07.8BEPNF-A, são documentos particulares elaborados pela A., cujo teor factual foi impugnado pelo R., e não foi confirmado pelas declarações de parte nem pelo depoimento das testemunhas arroladas nos autos.
5° Os Pontos 22) e 24) não podem constar da matéria de facto provada, porquanto não se tratam de verdadeiros factos mas de afirmações conclusivas, violando assim o disposto no art° 607° n°s. 3 e 4 CPC, conjugado com os art°s. 5° n°s. 1 e 2, 552° n° 1 d) e 572° c) CPC;
Sem prescindir,
6° Não existem nos autos elementos probatórios que permitam julgar como provados os Pontos 22) e 24) da matéria assente, pelo que nunca poderiam constar da matéria julgada como provada;
7° Ao assim não entender, a sentença “ a quo” viola o disposto no art° 607° n°s. 3 e 4 CPC, conjugado com os art°s. 5° n°s. 1 e 2, 552° n° 1 d) e 572° c) CPC;
8° Os pedidos de fixação judicial de indemnização devida pela ilegal atuação do R. não são admissíveis à luz do n° 5 do art° 45° CPTA, que apenas admite a indemnização pelos danos decorrentes de “facto de inexecução” da sentença e não pelos danos advenientes do ato administrativo ilegal;
9° Ao assim não entender, a sentença “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação do art° 45° n°s 3 e 5 (na redação anterior ao D.L. n° 214-G/2015, de 2-10);
Sem prescindir,
10° Da decisão judicial proferida nos autos pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte não resulta o reconhecimento e a condenação do R. quanto a ser a A. a vencedora do concurso e, consequentemente, a beneficiária da adjudicação e da contratualização do seu objeto;
11° Não está demonstrado nos autos que a reconstituição da situação atual hipotética subsequente à anulação do ato de adjudicação implicaria que o concurso fosse adjudicado à proposta da A.;
12° O documento “Análise das Propostas da Autora e da Contra-Interessada”, junto aos autos pelo R. na audiência de julgamento de 27-02-2017, bem como o depoimento prestado na mesma audiência pelas testemunhas que eram membros do júri do concurso, demonstram que a álea ou discricionariedade do júri do concurso, envolvendo margem de livre decisão, não permite ao Tribunal concluir que a adjudicação do concurso à A. é a única solução jurídica admissível no caso em concreto;
13° Ao não aceitar o depoimento das testemunhas I. e A., membros do júri do concurso, arroladas pela A. e pela R,. a sentença “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação dos art°s 413° e 495° CPC.
14° Não estando dado como provado nos autos o direito à adjudicação peticionada pela A., não tem esta qualquer direito a ser indemnizada pelo R. pelo alegado lucro cessante;
Sem prescindir,
15° Não foi provado nos autos o lucro cessante reclamado pela A., apenas se tendo apurado que a rentabilidade operacional das vendas médias do A., referente ao período entre 2007 e 2009 foi de 4,88%;
16° Julgar, como julga a sentença “a quo”, que o dado mais próximo da realidade da autora é a sua rentabilidade no ano de 2007, que é de 19.12% não tem qualquer suporte de facto e corresponde a uma errada apreciação do direito, violando o disposto no art° 5° n°s 1 e 2, e 607° n° 4 CPC;
17° A A. não logrou provar nos autos qualquer dano emergente da evocada ilegalidade da exclusão da sua proposta no concurso;
18° Esses danos deveriam ter sido reclamados em ação autónoma, nos termos do n° 5 do art° 45° CPTA (na versão anterior);
19° O R. não está constituído em mora, e por isso não são devidos juros à A. (cfr. art°s 804° n°2 e 805° n° 3 CC);
20° Ao assim não entender, a sentença “a quo” viola o disposto nos art°s 804° n°2 e 805° n° 3 CC;
21° Dado que a A. peticiona apenas juros moratórios vencidos, mas não os liquida à data em que formula o pedido, esse pedido consubstancia a figura de um pedido genérico que não é não admissível à luz do art° 556° CPC;
22° Ao assim não entender, a sentença “a quo” viola o disposto no art° 556° CPC (…)”.
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Notificado da interposição do recurso jurisdicional por parte da E., o Recorrido MUNICÍPIO DE (...) produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à inviabilização do pedido de pagamento de juros comerciais.
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A E. também contra-alegou o recurso apresentado pelo MUNICÍPIO DE (...), tendo advogado a improcedência do mesmo.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos dois recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A..
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, e concatenadas as conclusões dos recursos interpostos nos autos, as questões essenciais a dirimir são as de saber se a decisão judicial recorrida incorreu em:
(i) Recurso jurisdicional interposto pela E.: Erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto no artigo 102.° do Código Comercial, em especial o seu parágrafo 3.°, e os artigos 562.° e 564.° do Código Civil;
(ii) Recurso interposto pelo MUNICÍPIO DE (...); (ii.1) Erro de julgamento de facto, por violação do disposto no artigo art° 607° n°s. 3 e 4 CPC, conjugado com os art°s. 5° n°s. 1 e 2, 552° n° 1 d) e 572° c) CPC; e (ii.2) Erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do art° 45° n°s 3 e 5 [na redação anterior ao D.L. n° 214-G/2015, de 2-10] e por desrespeito dos artigos 413º, 419º, 556º, 804º, nº. 2 e 805º, nº. 3, todos do Código Civil.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico apurado [e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
1) A autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços no âmbito de tempos livres para jovens e crianças, nelas se incluindo as atividades de enriquecimento curricular;
Cfr. Facto 14 aditado pelo TCAN no acórdão de fls. 650 e ss. dos autos
2) Em 21.08.2008, a autora recebeu convite circular referente ao ajuste direto “atividades de enriquecimento curricular, durante o ano letivo 2008/2009”;
Doc. 10 junto com a p.i.
3) Nos pontos 8. e 9. do referido convite circular constava o seguinte:
Doc. 10 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4) E do Caderno de Encargos resultava, como objeto do contrato, o seguinte:
Doc. 10 junto com a p.i.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

5) A autora elaborou a sua proposta a 01.09.2008;
Doc. 11 junto com a p.i.
6) Tendo como preço global o montante de € 458 481,01;
Doc. 11 junto com a p.i.
7) Previa, para a execução de serviços, despender o total de 26 136 horas por professores contratados, pagando o montante de € 12,00/hora;
Doc. 2 junto com a p.i.
Declarações de parte; depoimento de M.
8) Iria despender em reuniões 252 horas;
Doc. 2 junto com a p.i.
Declarações de parte; Depoimento de M.
9) E em apoio ao recreio cerca de 1484 horas;
Doc. 2 junto com a p.i.
Declarações de parte; Depoimento de M.
10) Em remunerações do coordenador despenderia o montante global de € 9350,00;
Doc. 5 junto com a p.i. ao processo 693/07.8BEPNF-A
11) Em custos com os materiais de apoio à atividade e Educação Física e Desportiva o montante de € 3361,29;
Doc. 6 junto com a p.i. ao processo 693/07.8BEPNF-A
12) Com os de apoio à atividade de Expressão Musical, o montante de € 3396,36;
Doc. 7 junto com a p.i. ao processo 693/07.8BEPNF-A
13) E com os do apoio para o ensino de Inglês, € 16 124,90;
Doc. 8 junto com a p.i. ao processo 693/07.8BEPNF-A
14) E com os de apoio para Expressões Artísticas o montante de € 3729,45;
Doc. 9 junto com a p.i. ao processo 693/07.8BEPNF-A
15) A 12.09.2008 o júri elaborou o relatório preliminar, do qual consta, entre o mais o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

16) E a 06.10.2008, o júri elaborou relatório final, que manteve o teor do relatório final, propondo a prestação de serviços pela empresa L. pelo valor de € 512 336,90;
Doc. 15 junto com a p.i.
17) O Município celebrou com a L., , Lda o contrato de prestação de serviço em 31.10.2008;
Doc. 1 junto aos autos a fls. 332
18) O Tribunal de Contas visou o referido contrato;
Doc. 2 junto aos autos a fls. 332
19) A autora instaurou a presente ação, tendo sido proferido acórdão pelo TCA Norte a 25.02.2012 que anulou o ato que excluiu a autora do procedimento e ordenou a baixa do processo para prosseguir a respetiva tramitação de modo à fixação de indemnização devida pela impossibilidade absoluta de satisfação do interesse da autora;
Fls. 650 e ss, dos autos
20) Da fundamentação do acórdão referido resulta, entre o mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

21) No âmbito do processo que correu termos sob o n.º 693/07.8BEPNF o Município demandado foi condenado a pagar à autora o montante a liquidar em execução de sentença pela não execução da prestação de serviços de “Atividades de Enriquecimento Curricular, durante o ano letivo de 2007/2008”, tendo sido fixada a indemnização no montante de € 131 850,67, por acórdão do TCA Norte de 08.02.2013;
Procs. 693/07.8BEPNF e 693/07.8BEPNF-A
22) No concurso para o ano letivo de 2007/2008 analisado no processo judicial referido supra, muito semelhante ao concurso em causa nos presentes autos, quer ao nível das peças do procedimento, incluindo os critérios de avaliação/adjudicação, quer das propostas (com exceção do facto de neste concurso a proposta da autora apresentar preço mais baixo que o da proposta da contrainteressada), o júri emitiu as seguintes avaliações que constam em anexo ao relatório preliminar:
Doc. 8 junto com a p.i. no processo 693/07.8BEPNF
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

23) A decisão judicial, proferida no âmbito do processo referido em 14), reconheceu que a autora teria direito a ser adjudicatária do concurso do ano letivo de 2007/2008, imputando, entre o mais, errada avaliação das propostas da autora e da contrainteressada;
Certidão constante de fls. 371 dos autos
24) A propostas da autora e a da contrainteressada são, globalmente muito idênticas nos vários fatores em avaliação, exceto no que respeita ao preço, apresentando a proposta da autora um preço, por aluno, de € 116,87 e a proposta da contrainteressada de € 130,60;
“Primeiro” relatório pericial e o esclarecimento apresentado
25) O contrato em causa nos presentes autos era muito relevante para a autora porque iria permitir aumentar a faturação em cerca de 50%;
Comparação entre o valor do contrato e as tabelas da “segunda” perícia Declarações de parte; depoimento de M.
26) A rentabilidade operacional das vendas da autora foi de 19,12% em 2007, 7,68% em 2008 e 1,97% e, 2009;
“Segundo” relatório pericial
27) A quase totalidade dos proveitos da autora proveem de prestações de serviços.
“Segundo” relatório pericial
IV.1.2 – Factos não provados
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
IV.1.3 – Fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Nos presentes autos, foi realizada uma primeira perícia que teve por objeto a avaliação comparativa das propostas da autora e da contrainteressada de modo a verificar qual das propostas, em face dos critérios avaliativos ficaria graduada em primeiro lugar. Quanto a esta perícia, o comportamento processual do Município não foi unívoco, tendo começado por aceitar a sua realização e procurando, posteriormente atacar a sua validade e importância processuais. A perícia foi solicitada pela autora no requerimento de fls. 700 onde era requerida expressamente a realização de perícia «com vista a apreciar e analisar qualitativa e comparativamente as propostas da Autora e da Contra-Interessada, no respeitante a ambos os critérios de qualidade (65%) e preço (35%) que foram patenteados, tendo em vista estabelecer qual a proposta que ficaria graduada em 1.º lugar para a adjudicação»; o Município a fls. 726 refere no artigo 29º que «No que tange à produção da prova o R. concorda com a peticionada pela A., devendo ordenar-se a avaliação das propostas que foram excluídas, tendo em vista estabelecer a que ficaria em primeiros lugar». Foi com base nesta posição assumida por ambas as partes que foi determinada a primeira perícia realizada. A perícia concluiu que a proposta da autora teria que ficar graduada em primeiro lugar, já que em função dos critérios técnicos definidos obteria 9,325 pontos, enquanto a proposta da contrainteressada obteria 8,160.
Efetuado o relatório, a posição processual do Município face à realização da perícia alterou-se, passando a sustentar, num primeiro momento, que o relatório procura valorar aspetos com caráter discricionário que só o júri pode efetuar e que por isso não pode ter qualquer relevância, e, num segundo momento, que a perícia deveria ter sido indeferido por não responder a questões concretas apresentadas pelas partes e pelo Tribunal, sendo um conjunto global de apreciações subjetivas das propostas e de juízos de valor de natureza não técnica, pelo qual o perito se pretende substituir ao júri do concurso na avaliação das propostas, considerando o relatório inútil para a determinação da indemnização devida.
Esta divergência de posições processuais do Município, que inicialmente é favorável à realização da perícia nos termos propostos pela autora para depois, uma vez esta realizada, se opor a esta seja em termos formais seja por razões materiais, afigura-se violadora dos princípios da cooperação e da boa-fé, previstos nos artigos 7.º e 8.º do CPC, pelo que não se afigura-se que o Município possa, depois de realizada uma perícia com cujos termos esteve de acordo, sustentar que a mesma não seja tomada em consideração.
Por outro lado, afigura-se pacífico que o júri atua na avaliação das propostas no âmbito da denomina discricionariedade técnica. A dificuldade de sindicância jurisdicional desta avaliação não se prende com a colocação dos elementos do júri no âmbito de um campo cuja análise seja proibida ou numa posição de supremacia, mas antes com a dificuldade decorrente dos conhecimentos técnicos e de experiência específica que a avaliação exige.
Ora, se pode afirmar-se que o Tribunal não pode, por si, proceder a essa sindicância (embora controle o erro grosseiro e as vinculações legais), por não ter os conhecimentos técnicos e de experiência específica exigíveis, não pode afirmar-se o mesmo quando essa análise é efetuada por um técnico com habilitações e experiência na área. É importante, notar que, no caso em apreço, o júri do concurso se limitou a excluir propostas, sendo a da autora ilegalmente excluída, e ficando uma única proposta, a propor a adjudicação a essa mesma proposta. Ao contrário do sustentado pelo Município, não houve um qualquer tratamento avaliativo efetuado pelo júri. Para que se pudesse argumentar que não se pode substituir a análise do júri pela de um perito tornar-se-ia necessário que o júri tivesse efetuado uma avaliação, que no caso em apreço não ocorreu.
E até independentemente da avaliação efetuada pelo Sr. Perito, há um aspeto que se afigura muito relevante para os autos, e que contribui decisivamente para o reforço da conclusão a que a perícia chegou. O procedimento concursal objeto dos presentes autos, e referente ao ano letivo de 2008/2009, é similar ao procedimento concursal do ano letivo 2007/2008. E neste último procedimento existe, efetivamente, um trabalho de avaliação de propostas efetuado pelo júri desse concurso e que permitiu no âmbito da ação n.º 693/07.8BEPNF concluir que a autora tinha direito a ser a adjudicatária desse contrato, tendo resultado em sede de execução de sentença na atribuição de uma indemnização fixada, por acórdão do TCA Norte de 08.02.2013, no montante de € 131 850,67.
Consultado o processo n.º 693/07.8BEPNF, cuja certidão foi junta aos autos a fls. 371 e 453, verificam-se dois aspetos relevantes: 1) que estão em causa dois concursos idênticos com as mesmas exigências e critérios de adjudicação (na ponderação há apenas uma ligeira diferença na ponderação do subfator relativo aos materiais disponibilizados que no anterior concurso tinha uma ponderação de 20% e no dos presentes autos é de 21%; e no da qualidade do plano de formação que passou de 20% no anterior concurso para 19%); 2) que as propostas da autora e da contrainteressada também são idênticas, apenas havendo divergência nos preços apresentados, o que aliás era invocado no próprio artigo 67.º da p.i., nada tendo sido invocado por qualquer parte em sentido diverso.
Destes elementos pode intuir-se que se à autora foi judicialmente reconhecido o direito a ser adjudicada no contrato relativo ao ano letivo de 2007/2008, não obstante ter aí apresentado um preço maior que o da contrainteressada; então, mantendo-se os mesmos pressupostos e condições (e visto que a alteração de preços entre as propostas é favorável à avaliação da autora que passaria a obter maior pontuação na avaliação do fator “preço” comparativamente à avaliação no ano letivo anterior), com alguma segurança também seria adjudicatária no contrato de 2008/2009.
A idêntica conclusão chegou o perito analisando os critérios de adjudicação.
E de forma a reforçar o trabalho do Sr. Perito basta comparar a avaliação efetuada e patente no relatório elaborado pelo júri no processo 693/07.8BEPNF relativamente ao ano letivo de 2007/2008 com o elaborado no relatório pericial para o ano letivo de 2008/2009. É certo que o Sr. Perito apresenta uma metodologia que é diversa daquela que é apresentada pelo júri, já que introduziu uma escala valorativa que apenas pretende, de forma transparente e objetiva, compara as propostas em função da descrição que efetua.
No entanto, o que é relevante não é propriamente essa metodologia, mas antes perceber como é feita essa avaliação e em que aspetos a proposta da autora teria melhor ou pior pontuação da que teria a proposta da contrainteressada.
A entidade demandada procurou ainda, através do arrolamento de duas testemunhas, I. e A., e da apresentação de um documento apresentado por estas, contrariar as conclusões do Sr. Perito.
Mas afigura-se que de forma vã.
Em primeiro lugar, porque o Município, não obstante conhecer a natureza técnica da avaliação de propostas, arrolou as referidas testemunhas para deporem sobre esse aspeto. Ora, como é referido por Alberto dos Reis, «a função característica da testemunha é narrar o facto; a função característica do perito é avaliar ou valorar o facto (emitir quanto a ele, juízo de valor, utilizando a sua cultura e experiência especializada. (…) O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem» – in Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, pág. 171.
Portanto, a prova testemunhal não é idónea para a emissão de juízos de valor sobre atributos de uma proposta, o que significa que o depoimento apresentado pelas referidas testemunhas e a pretensão de valorarem as propostas não pode ser ponderada, já que o meio processualmente idóneo para o fazer é através da perícia.
Em segundo lugar, o Sr. Perito, como decorre dos esclarecimentos apresentados, tem experiência na área de avaliação das propostas no âmbito do concurso em causa, aspeto que o Município não procurou contrariar, nem coloca em causa. Já as testemunhas I. e A. não apresentam o distanciamento necessário à emissão de uma valoração objetiva e desinteressada – repare-se que nos presentes autos foi colocado em causa o trabalho das referidas testemunhas, já que foram elas quem, enquanto elementos do júri, propuseram a exclusão da proposta da autora, que veio a ser anulada, o que explica a atitude extremamente defensiva do seu depoimento.
Portanto, face ao exposto afigura-se que o primeiro relatório elaborado e respetivos esclarecimentos constitui um elemento de prova relevante e que deve ser considerado e ponderado.
Quanto às testemunhas inquiridas, afigura-se que prestaram um depoimento credível, que foi tomado em consideração. Exceção feita relativamente a três testemunhas: a testemunha J. não tinha conhecimento direto de qualquer facto, tendo apenas conhecimento através de conversas com o filho que é o gerente da autora; e as testemunhas I. e A., que, pelos motivos indicados a propósito da análise do relatório pericial, não foram tomadas em consideração porque não depuseram com a qualidade de testemunhas, mas na qualidade de perito.
Tomou-se ainda em consideração as declarações de parte apresentadas. O gerente da autora depôs de forma objetiva e congruente seja com os elementos documentais juntos aos autos, seja no mesmo sentido em que depuseram as restantes testemunhas. Portanto, tomada a prova globalmente, afigura-se que prestou declarações que devem ser tomadas em consideração. As declarações foram inclusivamente desinteressadas, já que o próprio gerente disse, por exemplo, quando questionado a propósito dos factos 21º e 22º que na reunião que tiveram não garantiram que ganharia a autora.
Quanto à margem de lucro da autora. O gerente da autora referiu que a mesma seria à volta de 20% do preço.
No entanto, de acordo com o “segundo” relatório pericial apreciado por funcionário da Administração Tributárias apresentam-se dados de rentabilidade distintos.
Na “primeira” perícia conclui-se que a rentabilidade da autora seria entre 20% a 25% e no relatório do TOC é referida uma rentabilidade média de 20%.
Afigura-se que efetivamente o trabalho elaborado pela “segunda” perícia é o mais objetivo, sendo que a explicação e os dados apresentados são percetíveis e são tratados por funcionário da Administração Tributária, ou seja, por alguém com conhecimentos técnicos da área da contabilidade e experiencia no tratamento de dados contabilístico, o que por exemplo não partilha o Sr. Perito que efetuou a “primeira” perícia e cuja experiência retratada é de avaliação de proposta em concursos como o dos autos.
Afigura-se, portanto, que a rentabilidade dada como provada deve ser a apurada no “segundo” relatório, não só pelo trabalho elaborado de forma objetiva, transparente e isenta, mas também porque revela um aspeto focado por várias testemunhas e pelo próprio gerente da autora: o contrato em causa, tal como o do ano anterior, era muito relevante financeiramente, já que representaria um aumento significativo da faturação. Este “segundo” relatório permite aferir precisamente o impacto negativo que a perda dos concursos em 2007/2008 e em 2008/2009 tiveram na estrutura da autora (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise, não sem antes efetuarmos uma breve resenha processual para cabal compreensão dos autos.

A Autora E. intentou a presente Ação de Contencioso de Pré-Contratual contra o MUNICÍPIO DE (...), peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser “(…) ação ser julgada provada e procedente: a) Declarando-se a nulidade ou anulando-se a adjudicação do procedimento por ajuste direto em referência para atividades de enriquecimento curricular durante o ano letivo de 2008/2009 no MUNICÍPIO DE (...) ao concorrente G., Lda/L.; e cumulativamente b) Declarando-se a nulidade ou anulando-se o ato de exclusão da Autora do procedimento e reconhecendo-se o direito da Autora, por violação das disposições legais referidas, a ficar graduada em 1.° lugar para efeitos de adjudicação do concurso; e consequentemente, c) Condenando-se o Réu a reconhecer esse direito e a adjudicar o concurso à ora Autora, com o consequente pagamento pelo Réu à Autora da correspondente parte do preço da sua proposta correspondente aos meses de execução já decorridos e do remanescente, até perfazer o valor global da proposta, no montante de € 458.481,01, nos termos previstos nos elementos patenteados; ou residualmente, para a eventualidade de a douta sentença ser posterior ao termo do prazo de execução dos serviços; d) Embora sendo ilegal, mantendo-se os efeitos do ato de adjudicação impugnado (limitados à impossibilidade de renovação da adjudicação para anos letivos seguintes) com a condenação do Réu a pagar à Autora, a título de indemnização, o montante de € 95.007,54 (noventa e cinco mil e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescidos de juros moratórios à taxa legal (…)”.

O T.A.F de Penafiel, por Acórdão datado de 22.09.2009, julgou a presente ação totalmente improcedente, e, consequentemente, absolveu o Réu dos pedidos.

Inconformada, a Autora interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo, que, por Acórdão datado de 25.02.2010, concedeu provimento ao mesmo e anulou o ato que excluiu a recorrente do procedimento concursal em causa, mais ordenando a baixa dos autos ao Tribunal a quo para aí prosseguir a sua tramitação partindo para a via indemnizatória aberta pelo artigo 102º, nº. 5 do C.P.T.A.

Baixados os autos, e após produção de prova, o T.A.F. de Penafiel emanou nova decisão judicial a julgar procedente a presente ação e, em consequência, condenando o MUNICÍPIO DE (...) à Autora o montante de € 82 905,01, acrescido de juros de mora desde a citação.

A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de procedência da presente ação foi, fundamentalmente, a seguinte:
“(…)
IV.2.1 - Admissibilidade dos pedidos peticionados
Na sua contestação, a entidade demandada coloca, pela primeira vez, em causa o segundo pedido formulado pela autora.
Mas sem razão.
É certo que no requerimento de fls. 700, a autora formula dois pedidos distintos: em primeiro lugar, peticiona uma indemnização no montante de € 82 905,01, que corresponde ao pedido A); em segundo lugar, peticiona uma indemnização no montante de € 47 250,00, e que corresponde ao pedido B).
Os dois pedidos são uma relação de subsidiariedade que está expressamente patente no final do ponto A) bem como após o artigo 84° do requerimento de fls. 700. O primeiro montante invocado equivale, na alegação da autora, a uma indemnização pelo lucro cessante; o segundo montante a uma indemnização por dano emergente.
Ao contrário do sustentado, inovatoriamente, nas alegações do Município, a autora, embora utilize a expressão “atuação ilegal”, fundamenta o pedido na impossibilidade de ser reposta a legalidade.
Na verdade, não resulta nem do pedido nem da causa de pedir que a autora pretenda com o requerimento de fls. 700 obter uma indemnização por danos decorrentes da prática de atos ilícitos, mas antes obter o ressarcimento dos danos decorrentes da impossibilidade de ser reposta a legalidade, o que constitui o cerne do mecanismo previsto no artigo 45.° do CPTA.
Assim, não assiste razão ao Município.
IV.2.2 -Indemnização devida
Conforme resulta dos autos, a autora deduziu impugnou o ato de exclusão de um concurso com vista à celebração de um contrato de prestação de serviços de atividades de enriquecimento curricular para o ano letivo de 2008/2009. A exclusão da autora foi declarada ilegal por acórdão do TCA Norte de 25.02.2012, o qual também deu por verificada situação de impossibilidade absoluta de satisfação do direito da autora, tendo remetido a ação para a fixação da indemnização judicial devida.
Portanto, o que importa apurar, agora, no âmbito da presente ação é qual o valor da indemnização devida pela entidade demandada à autora na sequência da situação de impossibilidade absoluta de satisfação do seu interesse material.
Como decorre do acórdão do TCA Norte supra referido, a anulação da exclusão da autora teria como consequência a necessidade de se apurar se o contrato deveria ser ou não adjudicado à proposta da autora em função dos critérios de adjudicação fixados, mas tendo já sido ultrapassado o ano letivo de 2008/2009 não seria possível à autora executar o objeto do contrato (impossibilidade absoluta), sendo que, então, o processo não dispunha de elementos objetivos que permitissem aferir se à autora deveria ou não ser adjudicado o contrato (impossibilidade relativa).
Conforme explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2018, fls. 823, o que se pretende com a indemnização em causa é proporcionar ao autor «a reparação dos danos que ele possa ter sofrido pelo facto de já não ser possível obter a satisfação integral do seu interesse primário». Referem ainda os mencionados autores, a fls. 290 da obra referida, que «O quantum indemnizatur a considerar é, por isso, aquele que se destina a indemnizar o interessado pelo facto de não poder obter a utilidade específica que tinha em vista com a propositura da ação e não se confunde com a indemnização por todos os eventuais danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração, que sempre ficaria por reparar (...), e cujo apuramento depende do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.»
Constatada a violação das regras da contratação pública, é possível perceber, pois, que a entidade adjudicante poderá ser chamada a ter que indemnizar danos de diferente natureza, a que correspondem regimes jurídicos distintos, pelo que importa distinguir a indemnização civil, que tem que ser tratada de modo autónoma e de acordo com os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, da denominada indemnização de mercado que é tratada no próprio contencioso pré-contratual - cfr. Vera Eiró, A Obrigação de Indemnizar das Entidades Adjudicantes, Almedina, 2013, págs. 543 e 544. Em matéria de contratação púbica, o mecanismo que permite atribuir uma indemnização no próprio processo de contencioso pré-contratual surge com uma importância reforçada, tendo em consideração que as Diretivas Recursos e a jurisprudência do TJUE apontam no sentido de que a violação do direito da contratação pública por uma entidade adjudicante obriga-a, sem mais, a indemnizar, instaurando nesta matéria uma tutela de natureza objetiva, que surge de modo autónomo do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos - cfr. Vera Eiró, A Obrigação de Indemnizar das Entidades Adjudicantes, Almedina, 2013, págs. 485 a 487.
A atribuição de uma indemnização no próprio processo de contencioso pré-contratual, visa, portanto, colocar o concorrente na posição que estaria caso não existisse a situação de impossibilidade absoluta, internalizando na própria entidade adjudicante a ilegalidade cometida bem como a impossibilidade de o concorrente poder beneficiar da correspondente reconstituição da legalidade. No fundo, pretende-se colocar o particular na posição que no concurso lhe caberia.
Como se percebe do exposto, esta indemnização terá uma amplitude variável em função de diversos aspetos relacionados com a própria reconstituição que surgiria da reposição da legalidade e que tanto se pode materializar no direito à prática de um ato legal (pense-se, por exemplo, num vício formal que pode não alterar o conteúdo do ato) como num direito a uma posição de vantagem como contratante (o particular teria direito a celebrar o contrato com a Administração, com os correspondentes direitos e obrigações). Nem sempre é possível aferir com exatidão a totalidade do alcance dessa reconstituição, sendo, portanto, avançados na doutrina vários critérios e metodologias que permitem alcançar uma indemnização equilibrada em função dos elementos objetivos de cada caso concreto e que tanto se podem limitar à atribuição de uma indemnização pelos custos com a apresentação da proposta, e que corresponderá a uma mínimo a que o concorrente sempre terá direito, como indemnizar o particular pela perda de chance ou até por lucros cessantes - cfr. Stefano Fantini; e Hadrian Simonetti, Le Basi del Diritto del Contratti Pubblici, Giuffrè Editore, 2017, págs. 173 a 180; Vera Eiró, A Obrigação de Indemnizar das Entidades Adjudicantes, Almedina, 2013, págs. 544 a 554 e 564 a 566.
Torna-se, consequentemente, fundamental, para determinar a indemnização a atribuir, perceber qual o interesse do particular cuja reconstituição se tornou impossível.
Embora emitido em sede de execução de julgado anulatório, o acórdão do STA de 07.05.2015, Proc. 04307A, fixa jurisprudência relevante para a fixação de uma indemnização nas situações em que se apure que existe uma situação de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do particular, já que este tem direito ao pagamento de uma indemnização que pode integrar, designadamente:
(i) os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos acionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses;
(ii) os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada;
(iii) os danos advindos da prática do ato de adjudicação ilegal quando, no quadro da tutela jurisdicional, mormente, em sede de execução, se lograria obter uma efetiva repristinação da situação atual hipotética, com recuperação da posição que havia sido perdida.
O mesmo acórdão refere ainda que mesmo que não existam «nos autos elementos que permitam determinar com exatidão o valor do dano dela derivado impõe-se que o tribunal, fazendo apelo de juízos de equidade, o fixe [art. 566.°, n.° 3 do CC], ponderando, nomeadamente, o tempo empregue no uso dos mecanismos de tutela jurisdicional por parte dos exequentes, os valores económicos envolvidos no quadro do objeto de litígio, os termos e pronúncia que se mostram vertidos na decisão judicial anulatória exequenda e aquilo que daí poderiam ser as expectativas a obter quanto ao restabelecimento da posição jurídica subjetiva.»
Para tal, importa começar por verificar qual o interesse específico da autora ao interpor a presente ação, para perceber qual o benefício que a situação de impossibilidade absoluta tornou o vencimento obtido como inglório, e que reclama a correspondente indemnização substitutiva.
Conforme resulta dos autos, a autora participou num procedimento concursal juntamente com outros concorrentes tendo em vista a celebração de um contrato de prestação de serviços relativo a “Atividades de enriquecimento curricular, durante o ano letivo de 2008/2009”.
A proposta da autora foi excluída.
Como se pode verificar pelos pedidos apresentados na p.i. a autora pretendia com a presente ação ver anulado o despacho que a excluiu e que lhe fosse reconhecido o direito a ficar graduada em 1° lugar para efeitos da adjudicação do contrato.
Não há dúvida que a exclusão da proposta da autora foi ilegal, tendo o acórdão do TCA Norte proferido nos autos, e transitado em julgado, declarado essa ilegalidade.
Torna-se relevante ainda verificar se face aos elementos objetivos apurados é possível concluir que a autora tinha direito à adjudicação. Repare-se que este aspeto é muito relevante por constituir o critério densificador ou norteador da indemnização devida: quantos mais elementos objetivos apontarem no sentido de que a autora deveria ser a adjudicatária, maior será a indemnização devida.
A entidade demandada, nas suas alegações refere que o benefício perdido pela autora foi apenas a possibilidade de ser retomado o procedimento concursal e produzido novo ato adjudicatório, o que na sua opinião, decorre expressamente do acórdão do TCA Norte.
Afigura-se, no entanto, que a impossibilidade relativa mencionada pelo TCA Norte contende com os elementos que o processo, à data, dispunha e que face à introdução da perícia se alterou, já que a perícia realizada permite agora conhecer qual a valoração técnica das propostas da autora e da proposta do contrainteressado.
Ao contrário do alegado pelo Município, a discricionariedade técnica não pode ser usada como escudo que é invocado sempre que se pretende negar atribuir aos particulares a indemnização devida ou vê-la fortemente reduzida.
A discricionariedade técnica servo o interesse público. E por imposição do artigo 266.°, n.° 1 da CRP o interesse público tem que respeitar os interesses e legitimas expetativas dos particulares.
Num concurso público um concorrente não apresenta proposta na mera expetativa de não ser excluído. Mas na expetativa de ser o adjudicatário. E essa expetativa é tão mais fundada quanto mais aspetos diferenciadores positivos apresente a sua proposta face às demais.
Analisados os autos, afigura-se que existem nos autos elementos objetivos suficientes que permitem concluir que a autora teria direito a ser adjudicatária do contrato em causa. Explicando-se de seguida porquê.
Em primeiro lugar, porque como resulta da fundamentação da matéria de facto, a propósito da credibilidade e do valor do relatório pericial efetuado, a preterição da autora no âmbito de um concurso com esta natureza pelo Município demandado não é uma novidade, já que relativamente ao contrato para a prestação de serviços alusivo às atividades de enriquecimento curricular durante o ano letivo de 2007/2008 também não existiu adjudicação à proposta da autora. A autora recorreu a Tribunal, no âmbito do processo 693/07.8BEPNF, tendo aí obtido, não apenas a anulação de um ato, mas também o reconhecimento de que deveria ser a adjudicatária, o que culminou, na fase executiva, na necessidade de a entidade demanda lhe pagar uma indemnização, que o TCA Norte, a 08.02.2013, fixou em € 131 850,67.
E como se explica na fundamentação da matéria de facto, os dois concursos apresentam grandes semelhanças, não se encontrando nem nas normas concursais nem nas propostas qualquer critério de distinção material, o que permite concluir, com grande probabilidade e razoabilidade, que se a autora viu reconhecida judicialmente a posição de adjudicatária no concurso de 2007/2008 (conclusão resultante de decisões judiciais transitadas em julgado), não havendo alteração substantiva nem nos critérios de adjudicação nem nas propostas, também teria direito a ser adjudicatária no concurso do ano letivo em causa nos presentes autos, 2008/2009. E repare-se que no concurso de 2007/2008 a proposta da autora apresentada até um preço superior ao da proposta da contrainteressada, posição que se inverte na proposta relativamente ao ano letivo de 2008/2009.
Em segundo lugar, porque da análise das próprias normas concursais e das próprias propostas se afigura que existem elementos nos autos suficientemente objetivos e credíveis que permitem concluir que no caso de reconstituição da situação atual hipotética, se ainda fosse viável executar o contrato, seria à proposta da autora que o mesmo seria adjudicado.
De acordo com as normas concursais, havia dois fatores a considerar: o fator preço a que equivalia uma ponderação de 35% e o factor “candidatura considerada como a que melhor serve os interesses do adjudicante”, com uma ponderação de 65%.
Não há dúvidas que no fator preço, a proposta da autora é melhor que a proposta que acabou por ser a vencedora: a autora propunha o preço de € 458 481,01 e o contrato foi adjudicado pelo preço de € 512 336,90. Portanto, a proposta da autora apresentava um preço cerca de 11,75% mais baixo que aquela aquele foi adjudicado o contrato. Assim, relativamente ao fator preço não há dúvida que a proposta da autora era melhor que a proposta que veio a ser executada.
Acontece que o fator preço apenas representava 35% da ponderação, o que é insuficiente por si só para determinar a proposta a quem deveria ser adjudicado o contrato. Esta vantagem da autora no fator preço atribuiu à sua proposta, considerando a ponderação deste fator, uma vantagem de 4,11%, mas é insuficiente, por si só, para concluir que seria a proposta vencedora.
Este aspeto, é, no entanto, bastante relevante, porque, na avaliação do concurso para o ano letivo de 2007/2008, a diferença na avaliação entre a proposta da contrainteressada e a proposta da autora era de 2,9, o que significa que é inferior à vantagem de 4,11, que corresponde à diferença de preços, com benefício para a proposta da autora, o que significa que o júri, aplicando os mesmo critérios de adjudicação na parte qualitativa chegaria necessariamente à conclusão que a proposta da autora ficaria em primeiro lugar, atendo essencialmente ao fator preço.
Em terceiro lugar, mesmo que se considere também a restante percentagem, afigura-se possível concluir que a proposta da autora ficaria graduada em primeiro lugar.
Como resulta do já expostos no fator “preço” a proposta da autora apresenta uma vantagem relevante; o outro fator a ponderar, com a ponderação de 65%, dependia da aplicação de vários fatores e subfatores discriminados no ponto 9. do convite à apresentação de propostas.
Ora, se o fator da qualidade e criatividade do plano curricular apresenta características dificilmente apreensíveis em geral por um normal destinatário e da experiência comum, já que se baseia em aspetos decorrentes da experiência específica de quem trabalha na área, os demais subfatores permitem uma apreciação objetiva atendendo à experiência comum, já que se baseiam na mera apresentação de materiais, na mera definição de determinados conteúdos, objetivos, periodicidade, de público alvo, dos Curriculum dos professores e de proposta para avaliação da formação.
E, dos elementos de prova apresentados, designadamente da avaliação das propostas realizada na perícia, resulta que a proposta da autora cumpre mais aspetos objetivos que a proposta da contrainteressada.
Assim, perante os elementos de que o Tribunal dispõe, afigura-se ser de concluir com bastante razoabilidade que a proposta da autora sairia vencedora se não tivesse sido ilegalmente excluída, o que significa, neste momento, que a autora tem direito a ser indemnizada por não ser possível executar o contrato.
Face aos elementos apresentados nos autos, afigura-se que é possível emitir um juízo de grande probabilidade de ganho da proposta da autora. Especialmente importante está o paralelismo com o concurso anterior, o que leva fundadamente a poder formar uma ilação judicial que no presente concurso o resultado seria também o vencimento da autora e se o júri não o reconhecesse, reconhecê-lo-ia os Tribunais como ocorreu na ação que correu termos sob o n.° 693/07.8BEPNF.
É importante notar ainda que este dever de indemnização visa uma importante finalidade: restabelecer as condições de mercado, já que a autora, enquanto preterida ilegalmente no âmbito do concurso em causa, se viu a braços com uma desvantagem concorrencial que não teria caso executasse o contrato em causa.
Vejamos então agora qual a indemnização devida à autora pela impossibilidade de satisfação dos sues interesses face à invalidade do ato cuja reconstituição não é possível.
Conforme já se referiu supra, o STA no acórdão de 07.05.2015, Proc. 04307A, reconheceu que os particulares, cujos interesses se tornem de impossível satisfação, não obstante lhes ter sido reconhecida uma atuação ilegal da para da Administração Pública, tê direito, designadamente a uma indemnização que integre «os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório, da frustração quanto ao uso inglório ou inútil do recurso à tutela jurisdicional, sendo que nestes será de considerar no seu âmbito a existência, enquanto consequência normal ainda que não automática, dum dano que se presume como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada».
A autora apresentou uma proposta para a execução de serviços pelo valor global de € 458 481,01. Resulta do supra exposto que a autora teria direito a executar o contrato caso tivesse ocorrido restituição da legalidade com a avaliação da sua proposta e a da contrainteressada, já que ficaria graduada em primeiro lugar.
A autora não executou o contrato, o que significa que não teve que suportar os respetivos custos e riscos que lhe são associados. Portanto, o valor a reconhecer à autora a título de indemnização não pode corresponder ao preço da sua proposta, mas ao benefício económico previsível que deixou de obter pela impossibilidade de executar esse contrato.
A autora sustenta no requerimento de fls. 700 que os custos relacionados com a prestação de serviços a concurso seriam de € 375 576,00, o que significa que o lucro global que deixou de obter totaliza o montante de € 82 905,01.
No âmbito do processo foi apurada a rentabilidade da autora, embora se afigure que a mesma é um aspeto relevante, afigura-se que tem que ser tomada em consideração com outros elementos apurados que são igualmente relevantes.
Conforme resulta dos autos, a quase totalidade dos proveitos da autora derivam da prestação de serviços. Como é evidente, a perda de um concurso relevante como o dos autos, que representaria um aumento em cerca de 50% da faturação, faria disparar a rentabilidade da autora, pelo que a percentagem de 1,97% apurada pela “segunda” perícia está negativamente influenciada pela impossibilidade de execução do contrato. Do mesmo modo, também a percentagem apurada em 2008 de 7,68% está influenciada negativamente pelo facto de a autora não ter executado o respetivo contrato no ano letivo de 2007/2008, o que, como já se referiu, foi declarado judicialmente ilegal, tendo dado sido a entidade demandada condenada a pagar uma indemnização no montante global de € 131 850,67. Basta pensar que se esse valor fosse efetivamente imputado no ano de 2008, como deveria ter sido, caso a autora executasse o contacto do ano letivo 2007/2008, a rentabilidade desse ano seria muito diferente.
Portanto, em termos objetivo, o dado mais próximo da realidade da autora é a sua rentabilidade no ano de 2007, que é de 19,12%.
Ora, se tivermos em consideração o preço global da proposta da autora, € 458 481,01, tal significa que a rentabilidade esperada por esta seria de € 87 661,57, valor que por ser superior ao peticionado deverá ser reduzido para € 82 905,01.
Assim, é de condenar a entidade demandada a pagar à autora o montante de € 82 905,01.
A autora peticionada ainda o pagamento de juros de mora.
E de acordo com as alegações apresentadas, a autora solicita, relativamente ao pedido principal, que lhe seja efetuado o pagamento de juros moratórios à taxa comercial desde a data da ilegal adjudicação até efetivo pagamento; e relativamente ao pedido subsidiário que lhe seja efetuado pagamento de juros moratórios à taxa comercial desde a ilegal exclusão da proposta da autora até efetivo pagamento. Designa este aspeto como ampliação.
O Município, em complemento das alegações apresentadas, refere que não é admissível a ampliação apresentada e que de qualquer modo não existe uma relação comercial entre as partes.
Vejamos.
Como se referiu, o que está em causa nos presentes autos é o pagamento de uma indemnização pelo facto da impossibilidade de a autora poder ver satisfeita a sua pretensão. Visa-se, como se referiu, colocar a autora na posição de mercado que estaria caso executasse o contrato em causa.
Os montantes em causa não têm, portanto, natureza contratual, mas antes indemnizatória, o que releva designadamente para cálculo dos juros de mora.
Portanto, como conclui a entidade demandada não é possível satisfazer o pedido de pagamento de juros comerciais.
No ponto A) do requerimento de fls. 700, a autora peticiona o pagamento de «juros moratórios já vencidos desde a data da adjudicação, e vincendos à taxa legal».
Ao contrário do sustentado nas alegações, afigura-se que o pedido em causa não é um pedido genérico nos termos do artigo 556.° do CPC, já que o pagamento de juros corresponde a um mero calculo resultante da aplicação de uma taxa a um valor (capital) por um determinado período, pelo que é perfeitamente determinável e concretizada.
Ora, de acordo com o artigo 805.°, n.° 1 do CC “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”
Assim, os juros de mora nos presentes autos vencem-se desde a citação (…)”.

Vem agora os Recorrentes, por intermédio de dois novos recursos jurisdicionais, colocar em crise a decisão judicial assim promanada nos termos e com o alcance explanados no ponto II) do presente Acórdão.

De facto, escrutinadas as conclusões de recurso supra transcritas, logo se constata que são várias as questões decidendas elencadas em ambos recursos, que, no caso da Recorrente E., consiste na (i) errada qualificação dos juros, e no caso do Recorrente MUNICÍPIO DE (...), comportam o (ii) erro no julgamento da matéria de facto; a (iii) inadmissibilidade dos pedidos peticionados, aferida na vertente da errada aplicação do regime previsto no artigo 45º, nº. 3 do CPTA; (iv) a inexistência do dever de indemnizar a Autora; (v) a errónea qualificação do lucro cessante; (v) e a inexistência do dever de pagamento de juros de mora.

Vejamos, sublinhando, desde já, que as questões decidendas elencadas em ambos os presentes recursos jurisdicionais, com o alcance e fundamentação supra explicitados, serão objeto de análise conjunta, por serem indissociáveis em relação à matéria neles versada na decisão recorrida.

Assim, e sobre o alcance da indemnização a fixar no domínio da normação prevista no artigo 102º, nº. 5 e 45º, ambos do CPTA, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 214-G/2015 de 2.10, importa que se comece por reproduzir, na parte que releva, o teor da Jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no aresto editado em 06.02.2020, no processo nº. 01656/13.0BESNT 0576/16, consultável disponível em www.dgsi.pt, porque esclarecedora da temática em apreço:
“(…)
Dispõe o artº 45º do CPTA [na redação à data vigente e anterior à introduzida pelo DL nº 214-G/2015 de 2.10], sob a epígrafe “Modificação objetiva da instância”:
«1.Quando, em processo dirigido contra a Administração, se verifique que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originaria um excecional prejuízo para o interesse público, o tribunal julga improcedente o pedido em causa e convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida.
2. (…)
3. Na falta de acordo, o autor pode requerer a fixação judicial da indemnização devida, devendo o tribunal, nesse caso, ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias e determinar a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos quando se trate de tribunal colegial.
4. Cumpridos os trâmites previstos no número anterior, o tribunal fixa o montante da indemnização devida.
5. O disposto nos números anteriores não impede o autor de optar por deduzir pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da Administração». – sub nosso.
Constitui jurisprudência fixada neste Supremo Tribunal Administrativo, que importa distinguir entre a indemnização de inexecução por causa legítima – que dispensa o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo exequente em resultado da prática do ato anulado – da indemnização devida pelos danos causados pela prática desse ato – a exigir aquele apuramento e, portanto, a exigir outros desenvolvimentos processuais – visto tratar-se de indemnizações autónomas e diferenciadas, quer no tocante aos danos que compensam quer no tocante à forma do seu cálculo.
Havendo que distinguir entre esses dois tipos de indemnização e ocorrendo a circunstâncias de só a primeira poder ser arbitrada no processo executivo, o interessado terá de recorrer ao que dispõe no artº 45º, nº 5 do CPTA para obter o ressarcimento dos restantes danos, isto é, resultantes da atuação ilegal da Administração, o que in casu a exequente não fez.
Com efeito, tendo as partes aceitado a existência de causa legítima de inexecução, a exequente nada mais poderá reclamar neste processo para além do arbitramento de uma indemnização que a compense dos danos provocados pela impossibilidade da reconstituição natural - neste sentido cfr. entre muitos outros, os Acórdãos deste STA de 02.12.2010, proc. nº 047579, de 02.06.2010, proc nº 01541A/03, de 25.09.2014, proc. nº 01710/13, de 07.05.2015, proc nº 047307A, de 30.09.2009, proc nº 0634/09, de 07.10.2009, proc nº 0823/08, de 03.03.2005, proc. nº 041794A.
Ora, tendo a presente ação, por opção da exequente, dado entrada ao abrigo do nº 3 do artº 45º do CPTA e não ao abrigo do disposto no nº 5 desta norma, terá de ser desatendida a pretensão da exequente correspondente àquilo que corporiza a indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes em razão da prática do ato ilegal anulado, visto a mesma neste processo nada mais poder reclamar que o arbitramento duma indemnização pelo facto da inexecução, indemnização essa destinada à reparação dos danos resultantes da frustração da execução, ressarcindo aquilo que se denomina de “expropriação do direito à execução”.
Importa, pois, cingir a análise da pretensão indemnizatória formulada àquilo em que consiste a reparação dos danos decorrentes da inexecução anulatória exequenda [e não de danos decorrentes da prática de qualquer ato ilegal], sendo que constituem pressupostos do dever de indemnizar “pelo facto da inexecução” a existência: (i) de decisão judicial anulatória; (ii) situação de impossibilidade absoluta ou grave prejuízo para o interesse público, geradora de causa legítima de inexecução; (iii) prejuízos na esfera jurídica do exequente; (iv) nexo de causalidade entre a inexecução e os prejuízos (…)”.

Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, no âmbito da fixação judicial de indemnização devida interposta ao abrigo do nº.3 do artigo 45º CPTA, relevam apenas os danos resultantes da frustração da execução, ressarcindo aquilo que se denomina de “expropriação do direito à execução”, e não os danos emergentes e lucros cessantes em razão da prática do ato ilegal anulado.

Assim, e com reporte para o caso em análise, são equacionáveis duas hipóteses de indemnização por danos resultantes da frustração da execução.

De facto, demonstrando-se que, fruto de ilegalidade concursal, o concorrente viu prejudicado o direito à adjudicação concursal, a indemnização a atribuir deverá integrar todos os prejuízos decorrentes da apontada preterição adjudicação concursal.

Não sendo esse o caso, o concorrente deverá ser indemnizado pela “perda de oportunidade” ou de “chance” que teve de não poder ver a sua proposta analisada.

Ora, na decisão judicial recorrida ficou atravessado o entendimento de que a indemnização devida era a correspondente à preterição da adjudicação concursal.

Salvo o devido respeito, não acompanhamos minimamente esta posição.
De facto, é nosso entendimento que não resulta apodítico que, se não fora a exclusão indevida do procedimento concursal, a concorrente atingiria a vitória do concurso.

Na verdade, estamos perante um concurso em que os critérios para a apreciação das propostas eram o da (i) “candidatura que melhor serve os interesses do adjudicante” com uma ponderação de 65% e do (ii)preço mais baixo” com uma ponderação de 35% [cfr. ponto 3 do probatório].

Ora, na avaliação do critério “candidatura que melhor serve os interesses do adjudicante” entravam os seguintes fatores:
“(…)
- A qualidade e criatividade do plano curricular apresentado para as diferentes atividades – 25%;
- Os materiais disponibilizados como meios de apoio às aulas e os materiais disponibilizados a cada um dos alunos – 21%
(…)”[idem].

E os seguintes subfatores:
“(…)
Nos materiais a disponibilizar será considerado:
- Apresentação dos materiais disponibilizados para o apoio ás aulas - 3% por Área de Enriquecimento
- Apresentação dos materiais disponibilizados a cada um dos alunos para o Ensino do Inglês, Ensino da Música e Expressão Plástica - 3% por Área.
- Qualidade do plano de formação para os professores -19%
Na qualidade do plano de formação serão considerados:
-Definição dos conteúdos programáticos das ações de formação propostas - 6% -Definição dos objetivos gerais das ações de formação propostas -3,5% -Periodicidade das ações de formação/Duração das ações -3%
-A identificação do público alvo - 2,5%
-Apresentação do curriculum dos formadores - 2%
- Apresentação de proposta para avaliação da formação - 2%
(…)” [idem].

Conforme grassa à evidência do que se vem de expor, o critério “candidatura que melhor serve os interesses do adjudicante” integra fatores e subfatores envolvidos num grau elevado de subjetividade que não permitem operar uma graduação efetiva dos concorrentes com recurso a eventual juízo de prognose.

O que impossibilita determinar quem ficaria em primeiro lugar no mesmo.

As considerações efetuadas pelo Tribunal a quo no sentido da “grande probabilidade de ganho da proposta da Autora” não são compatíveis com a exigência de plena certeza que se exige neste domínio, tanto mais que as mesmas estribam-se em vetores não pontilhados com a discricionariedade do júri concursal que se impunha realizar previamente.

De facto, na avaliação dos fatores e subfatores deste critério entram conceitos, como sejam, a “qualidade”, a “criatividade” e “apresentação”, cuja definição e/ou gradação não foram substanciadas nas peças concursais.

Assim, à mingua desta substanciação prévia, não é possível discernir de que forma poderia o critério “candidatura que melhor serve os interesses do adjudicante” influenciar o valor das propostas.

E a prova pericial ordenada nos autos não pode resolver a indefinição que se vem de evidenciar - pois que cabe apenas à Administração a tarefa de densificação destes conceitos no exercício do seu poder discricionário – revelando-se, nessa medida, os resultados nela expressos desprovidos da absoluta segurança que se exige na demonstração a hipotizar no domínio em análise.

De igual modo, a eventual similitude do processo nº. 693/07.8BEPNF em relação ao presente autos não pode justificar a crença perfilhada pelo Tribunal a quo em razão da múltiplas variáveis distintas envolvidas em ambos os procedimentos concursais, das quais se destacam, designadamente, a (i) diferente composição do júri, a (ii) diversa gradação dos critérios de avaliação ou mesmo a (iii) falta de correspondência do preço das propostas apresentadas, diferenças que, per se, obstaculizam a convocação in casu do princípio da igualdade de tratamento das situações.

Por conseguinte, é de afastar plenamente a crença assumida pelo Tribunal a quo no sentido da “grande probabilidade de ganho da proposta da Autora”.

A indemnização que se mostre devida é, portanto, a da “perda de oportunidade” ou de “chance” que teve de não poder ver a sua proposta analisada.

A este propósito, ressalte-se o expendido por este Tribunal Central Administrrativo Norte no Acórdão prolatado em 10.11.2013, no processo 01119/08.5BECBR: ” (…)
(…) a figura jurídica da “perda de oportunidade”, ou mais habitual e tradicionalmente denominada de “perda de chance”, constitui realidade que vem sendo tratada ao nível doutrinal e jurisprudencial, sem que a resposta à sua admissibilidade no quadro do nosso ordenamento tenha sido unívoca.
V. Assim, refere Vera Eiró, em termos de enquadramento geral da figura, que “… a «teoria da perda de chance» (nas suas diversas formulações) é a resposta dada, nalguns ordenamentos jurídicos e fundada essencialmente no labor da doutrina e da jurisprudência, aos casos em que, por força de um especial contexto da prática do ato lesivo, não é possível afirmar que os danos verificados não teriam ocorrido não fora a ilegalidade praticada. A teoria da perda de chance, pensando agora nas suas diversas formulações, permite portanto ultrapassar a lógica do tudo ou nada associada à responsabilidade civil e abre a porta à atribuição de uma indemnização mesmo quando não fique provado que o comportamento do lesante foi a causa adequada do resultado final. (…) Numa palavra, a «perda de chance» permite atribuir uma indemnização mesmo naqueles casos em que não é possível demonstrar a certeza do dano …” [em “Responsabilidade civil extracontratual e danos de perda de chance” in: “Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas”, ICJP - 05 de dezembro de 2012 - Coordenação: Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo, consultável em versão e-book no sítio «http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/»].
VI. Por sua vez, sustenta Júlio Gomes que “… a doutrina da perda de chance não representa uma mera revisão do conceito de dano e uma ampliação deste, mas constitui antes uma rutura, mais ou menos “camuflada”, com a conceção clássica da causalidade. E mesmo que porventura se deva, de jure condendo, questionar sobre a suficiência da teoria da causalidade adequada, não se pode esquecer que a mesma foi consagrada entre nós no artigo 563.º do Código Civil. Não se nos afigura adequado introduzir, entre nós, de maneira tão dissimulada, um reconhecimento da causalidade probabilística. (…) a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. (…). Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito. (…). Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que … se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso. Trata-se de situações em que a chance já se «densificou» o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de «uma quase propriedade», um «bem» …” [in: “Direito e Justiça”, vol. XIX, 2005 (mas 2007), tomo II].
VII. Pronunciando-se também sobre esta problemática defende Rute Teixeira Pedro que “… a perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. (…) Em Portugal, poucos são os Autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida. (…) Pode, também, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, no entanto, se lhe referirem ...”, concluindo pela admissão da “perda de chance” como entidade “a se” e que como espécie autónoma de dano “… poderá ser aceite, respeitado que é o esquema tradicional da responsabilidade civil …” e, citando Sinde Monteiro, afirma que “… a perda de chance constitui uma «orientação defensável» e «há boas razões de justiça material e de equilíbrio jurídico para a defender» …” [in: “A Responsabilidade Civil do Médico - Reflexões sobre a noção de perda de chance e a tutela do doente lesado”, Coimbra, 2008, págs. 232/233 e 463/464].
VIII. Também neste contexto M. Carneiro de Frada afirma que “… um outro exemplo dá-o o dano conhecido por «perda de chance» praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: Se o atraso de um diagnóstico diminuiu em 40% as possibilidades de cura do doente, quid juris? Já fora deste âmbito, como resolver também o caso da exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar? (...) Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético, v.g. da ausência de cura, da perda do concurso, do malograr das negociações por outros motivos), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente. Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável. Se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa «chance» a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do artigo 483.º, n.º 1 não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda de uma chance. (…) Ainda assim, surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável. Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. o artigo 566.º, n.º 3) …” [in: “Direito Civil - Responsabilidade Civil - Método do Caso”, Coimbra 2006, pág. 103].
IX. Por sua vez, Rui Cardona Ferreira opta por se aproximar “… dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo …”, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada, já que, para efeitos de cálculo da indemnização, sustenta que se deve ter em conta “… o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do ato ilícito …” já que o “… quantum indemnizatório há-de refletir, assim, a intensidade do aumento do risco não permitido, que se apresenta, na outra face da mesma moeda, como o grau de probabilidade pré-existente de obtenção da vantagem frustrada …” [in: “Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance (Em especial, na contratação pública), Coimbra, 2011, pág. 347], sendo que em estudo posterior o mesmo Autor apresenta uma “nuance” ao concluir que “… resulta clara a necessidade de inserção da perda de chance, pelo menos quando se apresente como um dano patrimonial, numa revisão mais ampla do sistema de responsabilidade civil, que admita diferentes configurações e modos de articulação entre os respetivos pressupostos …” sem que “… se advogue uma mobilidade ilimitada dos pressupostos da responsabilidade civil (…). Pela nossa parte, o modesto contributo que propomos assenta (i) na adesão à conceção estritamente normativa da perda de chance, quando esteja em causa lesão de bens não patrimoniais - tipicamente, na responsabilidade civil por ato médico -, e (ii) na rutura com um entendimento monolítico da relação de causalidade exigível para fundar o dever de indemnizar, quando estejam em causa bens patrimoniais, mas existam dados normativos que justifiquem um abaixamento da respetiva fasquia, normalmente estabelecida a partir do patamar mínimo da conditio sine qua non …” [em “A perda de chance - análise comparativa e perspetivas de ordenação sistemática” in: “O Direito”, Ano 144.º, 2012, I, págs. 29 e segs. (págs. 56/57)].
X. Defende Carlos A. Fernandes Cadilha que a indemnização por “perda de chance” se traduz “… na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado. Com esse conteúdo, a perda de chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter. Quando essa consequência negativa é imputável a um facto lesivo de outrem coloca-se a questão da sua possível indemnizabilidade …”, sendo que “… a perda de chance não corresponde a um mero dano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e atual, visto que se trata da perda da possibilidade concreta - e já existente no património do interessado - de obter um resultado favorável …”, na certeza de que a “… dificuldade coloca-se na avaliação do dano, uma vez que, embora exista uma expetativa, a obtenção do resultado vantajoso é meramente hipotética. (…) No caso da perda de chance, os indícios probatórios operam sobre a expetativa de obter um ganho e não sobre a própria verificação desse ganho …”, pelo que o “… direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado …”, já que a “… questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expetativa jurídica …”. E, concluindo, afirma que não “… existindo qualquer indicação legal quanto aos termos em que a perda de chance poderá ser aceite no direito português, e sendo ainda incipiente a prática jurisprudencial, neste âmbito, a figura deverá ser encarada com grandes cautelas e apenas nas situações de privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caraterizar, com mais evidência, como um dano autónomo. E, especialmente, no domínio dos concursos de provimento em cargos públicos ou de adjudicação de contratos, em que a indevida exclusão de um candidato que tivesse uma efetiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegido se não se tiver em consideração o dano que provém da própria expetativa de obter a indigitação …” [in: “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas - Anotado”, 2.ª edição, 2011, págs. 98/100].
XI. Já Paulo Mota Pinto, debruçando-se sobre a figura em análise, defende por seu turno que “… não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chances (…). Antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do artigo 494.º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da «perda de chance» como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios …” [in: “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, II, Coimbra 2008, pág. 1103, nota 3103].
XII. Em termos jurisprudenciais constatamos posicionamentos também diversos entre decisões que sustentam que a mera perda duma “chance” não possui em geral virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória [cfr., entre outros, os Acs. STJ de 22.10.2009 - Proc. n.º 409/09.4YFLSB, de 26.10.2010 - Proc. n.º 1410/04.OTVLSB.L1.S1, de 29.05.2012 - Proc. n.º 8972/06.5TBBRG.G1.S1, de 18.10.2012 - Proc. n.º 7/04.9TVLSB.L1.S1 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jstj»] e as que a admitem e/ou reconhecem expressa ou implicitamente [cfr., entre outros, os Acs. STJ de 28.09.2010 - Proc. n.º 171/2002.S1, de 16.12.2010 - Proc. n.º 4948/07.3TBVNG.P1.S1, de 10.03.2011 - Proc. n.º 1410/04.OTVLSB.L1.S1, de 05.02.2013 - Proc. n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14.03.2013 - Proc. n.º 78/09.1TVLSB.L1.S1 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. STA de 24.10.2006 - Proc. n.º 0289/06, de 20.11.2012 - Proc. n.º 0949/12 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»].
XIII. Colhendo casos de enquadramento que motivaram uma resposta à existência da figura em análise sustentou-se no acórdão do STA de 24.10.2006 [Proc. n.º 289/06 - supra citado] que mercê “… do referido afastamento compulsivo ilegal, o autor viu irremediavelmente perdida a possibilidade de ser promovido a cabo e afastada a possibilidade ulterior de progresso na carreira, nomeadamente à categoria de sargento (…), ou seja, viu ser-lhe negada, definitiva e ilegalmente, a possibilidade de exercer um direito estatutário que lhe assistia, o direito à progressão na carreira. (…) Ora, o facto de lhe ter sido negada a possibilidade de progressão na carreira, embora condicionada a determinados pressupostos, sendo que alguns se poderiam ter verificado durante o período em que esteve afastado, como é o caso da promoção por classificação em curso, impossibilitou definitivamente o Autor, de poder concorrer e ser promovido ao posto de cabo, como se provou e, consequentemente, de poder vir a auferir de estatuto e remunerações superiores. A perda definitiva da possibilidade de ter progredido na carreira constitui, sem dúvida, um dano decorrente daquele afastamento ilegal e, portanto, indemnizável, verificados que estão os pressupostos do art. 483.º do CC (facto ilícito e culposo, dano e nexo de causalidade), mas não através da condenação do Estado a pagar ao Autor as diferenças salariais entre o posto de soldado e o de cabo, como foi decidido e muito menos aumentando para o dobro esses montantes, como pede o Autor, no recurso subordinado, mas sim pela fixação, na falta de outros elementos, de uma importância que se afigure justa e razoável para compensar essa perda de chance, ou seja, com recurso à equidade (art. 566.º, n.º 3 do CC) …”.
XIV. O mesmo Supremo Tribunal no seu acórdão de 20.11.2012 [Proc. n.º 0949/12 também supra referido] e invocando o entendimento que havia sido firmado noutro seu acórdão datado de 30.09.2009 [Proc. n.º 634/09 consultável no mesmo sítio] veio referir que “… «… na jurisprudência deste Supremo Tribunal, há já uma corrente que entende que (i) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não podendo ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no n.º 3 do art. 566.º do C. Civil (…). No caso em apreço não vemos razão para divergir desta orientação e entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e atual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objetivo de indemnizar» - ac. de 25.02.2009, proc. 47472A, … (…) «A perda da possibilidade de demonstrar que estava em condições de vir a ser nomeado para um dos lugares a concurso constitui um dano para a esfera jurídica do Requerente, pois constitui a perda de uma situação jurídica que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais (…) Nestas situações de indemnização devida pelo facto da inexecução, que acresce à indemnização pelos «prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença» (…) está-se perante ‘um dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado’ ... - ac. de 1.10.2008, proc. 42003A …»” [sublinhado nosso].
XV. Também este TCA, chamado a emitir pronúncia sobre a matéria, no seu acórdão de 03.12.2010 [Proc. n.º 0164-A/2000 (COIMBRA) in: «www.dgsi.pt/jtcn»], no quadro de situação em que, nomeadamente, se discutiam alegados danos à profissionalidade e à progressão na carreira, veio sustentar que estava em presença de “… um caso de indemnização por «perda de chance» que, embora não seja referenciado no direito positivo, a jurisprudência começa a reconhecer como fonte autónoma da obrigação de indemnizar (…). (…) Em certas situações, como a perda de ocasião de progressão na carreira ou de continuidade num procedimento concursal, em que não existe certeza da obtenção de uma vantagem futura, mas apenas a possibilidade (a chance) real de a conseguir, pode admitir-se o ressarcimento do dano da perda de obter uma vantagem. Para efeitos de indemnização, essa possibilidade deve ter um valor atual e autónomo, suscetível de avaliação económica, que em certos casos pode merecer a tutela do direito. (…) Não deve deixar de se reconhecer, porém, que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual não se pode confundir dano com hipótese de dano e que, por isso mesmo, a perda de oportunidade, como um dano em si, tem que ser autonomizada do processo em que se projeta. Ora, a necessidade de se autonomizar a perda de oportunidade dentro do processo em que se integra, apresenta dificuldades na sua configuração como bem jurídico tutelável. Desde logo, no que respeita à ilicitude prevista no n.º 1 do art. 483.º do Código Civil. Como a ilicitude se consubstancia na violação de posições jurídicas absolutamente protegidas ou de normas destinadas a proteger interesses alheios, a indemnização da perda de oportunidade depende da possibilidade de se individualizar uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda dessa oportunidade. (…) Mas para apurar a ilicitude não basta apurar a ilegalidade, pois ela pressupõe a violação de direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos. De igual modo, o dano indemnizável deve figurar entre os danos que a norma violada tinha por fim prevenir …”.
XVI. De igual modo, num outro acórdão deste mesmo Tribunal, datado de 13.01.2012 [Proc. n.º 00073/05.0BEMDL-A consultável no mesmo sítio], se referiu a dado passo que “… sobre a indemnização pela impossibilidade absoluta de executar a sentença anulatória já disse este tribunal que se tratava de um caso de indemnização por perda de chance que, embora não seja referenciada no direito positivo, propende a ser reconhecida como fonte autónoma da obrigação de indemnizar [ver AC TCAN de 03.12.2010, Rº00164-A/2000]. O dano sofrido corresponde, pois, a uma perda de oportunidade, no presente caso corresponderia à perda de oportunidade do exequente ser nomeado para o cargo posto a concurso …”.
(…)”.

E mais adiante,
“(…)
XVIII. Munidos dos considerandos antecedentes cumpre, ainda, ter presente que a doutrina vem apontando como pressupostos ou requisitos essenciais para a configuração desta figura que, desde logo, exista um determinado resultado positivo futuro que possa vir a verificar-se, mas cuja verificação, todavia, não se apresente como certa e que, para além disso, importa ainda que, pese embora o grau de incerteza, a pessoa se encontre em situação de poder vir a alcançar aquele resultado visto reunir ou ser detentora dum conjunto de condições necessários de que depende a sua verificação. E, por último, mostra-se essencial que ocorra um comportamento de terceiro que seja suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimine ou diminua fortemente as possibilidades do resultado se vir a produzir [cfr., nomeadamente, Rute Teixeira Pedro in: ob. cit., págs. 198 e segs.].
XIX. De frisar que para ser merecedora de tutela jurídica a “chance” deverá revestir um certa seriedade, aquilo que a jurisprudência francesa exige quanto ao caráter “réel et sérieux” da “chance” [na terminologia anglo-saxónica o critério decisivo para efeitos ressarcitórios passa pela distinção entre “a mere possibility” e a “substantial possibility” ou “significant chance”], o que afasta do seu âmbito, como tal, quaisquer situações de frustração de meros sonhos, seriedade essa que cabe ser aferida à luz das concretas circunstâncias do caso.
XX. A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, do facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
XXI. Será, pois, através destes dois limiares que importará, então, distinguir três tipos de hipóteses: a) a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da “chance”, que não dará direito a qualquer reparação; b) a perda de oportunidade perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final; e c) a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à atuação da doutrina da “perda de chance”.
XXII. Assim sendo, a doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade, propugna, em tese geral, a concessão duma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar/apurar que a perda duma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando as mesmas como sérias e reais.
(…)”.

Cientes destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, que acolhemos na íntegra, voltemos agora ao caso sujeito.

Decorre da factualidade apurada nos autos que, no Acórdão prolatado por este T.C.A. Norte em 25.02.2010, foi anulado o ato que excluiu a Recorrente do procedimento concursal em causa e ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo para aí prosseguir a sua tramitação partindo para a via indemnizatória aberta pelo artigo 102º, nº. 5 do C.P.T.A.

Ora, consentaneamente com o estipulado no n.º 5 do art.º 102º do CPTA, na versão originária: ”(…) Se, na pendência do processo, se verificar que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, o tribunal não profere a sentença requerida mas convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 45.º (…)”.

No caso em apreço, foram as partes notificadas para tal efeito.

No entanto, não lograram obter entendimento nessa matéria.

Sendo assim, não tendo as partes alcançado qualquer acordo quanto ao valor daquela indemnização, compete ao Tribunal fixá-lo.

E a este propósito, reitere-se que a norma inserta no art.º 45º, n.º 3 não visa a convolação do presente processo em ação de responsabilidade civil extracontratual, destinada a cobrir todos os danos que possam ter resultado da atuação ilegítima da Administração.

Do que se trata, antes, como já vimos, é de assegurar ao concorrente uma indemnização pelos danos resultantes da frustração da execução, ressarcindo aquilo que se denomina de “expropriação do direito à execução”, e não os danos emergentes e lucros cessantes em razão da prática do ato ilegal anulado.

Em situações como a dos autos, a fixação do quantum indemnizatório traduz um exercício de difícil concretização para o julgador.

Na verdade, determinar o quantum indemnizatório justo a arbitrar como forma de compensar a perda de oportunidade da Autora em ver repetido o procedimento concursal e reavaliada a sua proposta é uma tarefa difícil, não existindo, sequer, grande auxílio jurisprudencial, por serem ainda escassas as decisões proferidas neste âmbito.

De qualquer forma, impõe-se ter presente e ponderar, designadamente, sobre a natureza do procedimento concursal, valor da proposta excluída, números de candidatos e o tipo de ilegalidade em que incorreu a Administração na sua atuação.

Neste domínio, relembre-se que o ato impugnado foi anulado por vício de violação de lei, o que imporia retomar do procedimento concursal, o qual, no respeito da legalidade haveria de finalizar com nova adjudicação.

Por sua vez, refira-se que o valor da proposta apresentada pela Recorrente foi de € 458.481,01.

Naturalmente, não se poderá deixar de se atender que apresentaram-se a concurso 2 concorrentes, mormente a Autora, aqui Recorrente.

De igual modo, importará o tempo, entretanto, decorrido, pois que a fixação será realizada atenta a presente data.

São todos estes elementos essenciais que permitirão fixar, segundo juízo de equidade [artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil], uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado.

Ponderando conjugadamente o que se explanou, e sublinhando que não se está já a proceder a qualquer decisão sobre lucros cessantes, em razão do ato anulado, nem à determinação de danos emergentes do mesmo ato, mas, simplesmente, à fixação, através de um juízo equitativo, da compensação devida pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado, considera-se equilibrado computar essa indemnização no valor de € 25,000,00 [vinte e cinco mil euros], montante que se afigura equitativo e coerente com a configuração que é dada ao dano que se pretende ressarcir e que se traduz na perda de uma oportunidade de ganho.

O valor da indemnização tem já em conta o tempo decorrido e é calculado assumindo o que se considera equitativo que a esta data deve ser pago, sendo que ao referido valor de indemnização acrescem juros de mora, calculados à taxa civil em vigor, desde a data do trânsito em julgado desta decisão.

Não há lugar a qualquer aplicação de taxa comercial na contagem dos juros, por falta de enquadramento da situação em análise no panorama da responsabilidade contratual.

No demais, saliente-se que o imputado erro de julgamento da matéria de facto é inócuo e insuficiente para alterar a decisão que se vem de proferir, aí residindo o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa, revelando-se ainda o conhecimento dos demais fundamentos invocados no recurso do MUNICÍPIO DE (...) inconsequente ou prejudicados face ao que se vem supra de decidir [cfr. artigo 95º, nº. 1 in fine do C.P.T.A. e 608º nº.2 do CPC].

Concludentemente, deverá ser, por um lado, negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente E. e, por outro, concedido provimento parcial ao recurso interposto pelo Recorrente MUNICÍPIO DE (...).
Assim se decidirá.
* *

IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente E., Lda.
(ii) CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente MUNICÍPIO DE (...), fixando-se a indemnização devida à Autora E., Lda pelo Réu MUNICÍPIO DE (...) em € 25 000,00, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa civil em vigor, a partir do trânsito em julgado da decisão recorrida até efetivo e integral pagamento.
*
Custas do recurso interposto por E. pela Recorrente.
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Custas do recurso interposto pelo MUNICÍPIO DE (...), pelo Recorrente e Recorrida, na proporção do decaimento.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 05 de março de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro