Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00749/12.5BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; QUEDA DE ÁRVORE;
Sumário:1 – Não subsistem dúvidas de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, estão verificados factos que permitem concluir que foi praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da produção dos danos que determinaram os danos participados, tanto bastando para que funcione a presunção de culpa do Município, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil.

2 - No caso concreto aqui em apreciação, não são suficientes as abstratamente invocadas intervenções do Município relativamente ao seu património arbóreo, para ilidir a presunção de culpa do art. 493º nº 1 do Cód. Civil, perante a queda de árvore.
Com efeito, não se provou, quais as providências concretas desencadeadas em relação á árvore que caiu, na qual o veículo embateu, para que se pudesse concluir que o seu controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se o Município «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis».*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município (...)
Recorrido 1:Companhia de Seguros (...) e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

O Município (...), devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada pela Companhia de Seguros (...), SA tendente à atribuição de uma indemnização de 16.459,31€, mais juros de mora, em decorrência de acidente ocorrido com veículo por si segurado, matrícula XX-XX-XX, propriedade do Centro Médico (...), Lda, no dia 15 de outubro de 2009, pelas 00.05h, na Avenida 25 de abril, (...), Aveiro, inconformado com a Sentença proferida em 30 de junho de 2000, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada “procedente”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, em 9 de outubro de 2020.

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“1.A sentença do Tribunal “a quo" condenou a Ré, ora recorrente, no pagamento da quantia de €16.459,31, valor acrescido de juros até integral pagamento.
2. O presente recurso tem por objeto determinar se há responsabilidade da Ré, ora recorrente.
3.A responsabilidade civil dos entes públicos, de natureza extracontratual ou contratual, assenta na verificação dos mesmos pressupostos da responsabilidade civil de índole civilista, pelo que a presunção legal de culpa prevista no artigo 493.º do Código Civil, também alcança a responsabilidade civil dos entes públicos; - Cfr. Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Abril de 1998, no processo n. o 36463, e 27 de Abril de 1999, no processo n. o 041712, in www.dgsLpt.
4.Para que esta se verifique por parte daquelas entidades por atos dos seus agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
5.A Autora tinha que alegar e provar, que o condutor da viatura sinistrada o fazia atentamente e com observância das regras estradais, nomeadamente, com velocidade adequada e atento às condições do tempo e da estrada, e bem assim dos obstáculos que a todo o momento podem surgir.
6.A matéria dada como provada não permite concluir que se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e consequentemente a obrigação de indemnizar.
7.Face à prova produzida, não pode concluir-se, como fez a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo", que “Foram estes deveres de vigilância que o réu, Município, não conseguiu cumprir, ou, pelo menos, não conseguiu ilidir a sua culpa presumida, não só porque não provou que a árvore que pertencia ao seu património arbóreo estava em boas condições fitossanitárias, como, depois de ela ter caído, não foi provado que sinalizou tal obstáculo naquela via, nem ficou provado, nem sequer alegado que a Avenida 25 de Abril fora interrompida até ser removida do local, de modo a serem evitados acidentes.
8.A factualidade provada aponta toda ela no sentido de a Ré/recorrente ter adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente à manutenção e conservação da árvore que caiu, ou seja, o acidente ocorreu não só independentemente deste cumprimento, mas tão-somente por causas fortuitas e imprevisíveis.
10. O Tribunal "a quo" deveria ter decidido, pois, em sentido contrário, ou seja, deveria ter decidido no sentido de dar como provado o pleno cumprimento do dever de vigilância por parte da Ré/recorrente e concluir, assim, pela elisão da presunção de culpa que sobre aquela impendia.
11.Nos termos do disposto no art. 493º n.º 1 do Código Civil, tendo a Ré/recorrente cumprido plenamente o seu dever de vigilância, adotando as medidas concretas que resultaram provadas, no dia em que ocorreu a queda do eucalipto, aquela nenhuma culpa teve na produção dos danos e, assim, a presunção de culpa que sobre a mesma impendia encontra-se elidida, pelo que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada à Ré/recorrente.
12.A Meritíssima Juiz “a quo", deveria, ter considerado o depoimento das testemunhas, no que concerne à ausência de indícios de árvore em mau estado fitossanitário, nomeadamente, ausência de sinais de decrepitude ou doença, já que, pelo contrário a árvore encontrava-se viçosa, em bom estado vegetativo, com inexistência de ramos secos com ameaça de queda.
13. Mais, em função do depoimento da testemunha Eng. C., deveria ter sido dado como provado que o Município detém “(...) afirmando ter 8, 9 jardineiros e um encarregado de jardins, tendo constituído algumas brigadas para fiscalizar o património arbóreo", cuja função era fiscalizar o estado arbóreo das árvores, no fundo, era averiguar o estado vegetativo das árvores, sendo elaborados relatórios caso existisse alguma anomalia, o que não ficou provado.
14.Por não ter sido detetado nenhuma anomalia não foi feita qualquer intervenção.
15.A fiscalização ao património arbóreo pertença do Município é feita por pessoal do próprio Município.
16.No local em apreço não houve reporte de qualquer situação de perigosidade, já que a árvore, diga-se plátano/eucalipto, se encontrava em bom estado vegetativo desconhecendo-se o motivo da sua queda.
17. Assim, se plátano/eucalipto, não evidenciava qualquer sinal de decrepitude, pelo contrário, a árvore encontrava-se viçosa, em bom estado vegetativo, como devia ter ficado provado, nada fazia prever a sua queda, não sendo por isso exigível à Ré/recorrente, mais do que vinha regularmente fazendo.
18.Face ao sobredito, não se demonstrou que foi, qualquer omissão da Ré/recorrente, que constituiu causa adequada do evento danoso, já que nada fazia prever a queda de um plátano/eucalipto viçoso e em bom estado vegetativo como devia ter ficado provado, tratando-se, deste modo, de um facto anómalo.
19.Ou seja, não se demonstrou, como seria mister que fosse feito, para a Autora da ação lograr êxito, que nas descritas circunstâncias, foi qualquer omissão de conservação das árvores que ladeiam Avenida 25 de Abril, da entidade recorrente que deu causa à produção do acidente.
20.Deste modo, como afinal se não comprovou a verificação do pressuposto de responsabilidade civil extracontratual, nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano ocorrido, haveria que concluir-se, em contrário do que foi decidido, que a ação devia ter sido julgada improcedente.
21. É de salientar, por último, que à Autora, ora recorrida, cabia o ónus de alegação e prova da base de presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal e dos danos, que, em nossa opinião não logrou demonstrar.
22.Por outro lado, a Ré, ora recorrente, conseguiu demonstrar, designadamente através da prova testemunhal, através do depoimento prestado pelo Eng. C., que não houve culpa da sua parte, sendo que mesmo outras diligências não teriam evitado os danos, dado que se desconhece a causa da queda do plátano/eucalipto, pelo que se teria que concluir pela existência de factos imprevisíveis, anómalos, totalmente independentes da vontade, ação ou omissão da Ré/recorrente, o que ao contrário do que ficou decidido, ficou elidida a presunção legal de culpa estabelecida nos artigos 492º, n.º 1 e 493º, n.º 1, do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V. Exªs. doutamente supridos, deve a douta sentença recorrida ser revogada, com todas as legais consequências, assim se fazendo, como sempre a costumada JUSTIÇA!”

A Recorrida/Estradas de Portugal, veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 5 de janeiro de 2021, nas quais concluiu:

“1. O douto Tribunal a quo formou a sua convicção tendo por base a análise crítica e conjugada de toda a documentação junta aos autos, bem como dos depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas, o que fez com atenção ao princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art. 607.º, n.º 5 do CPC.
2. Está em causa, nos presentes autos, a imputação da responsabilidade do sinistro ocorrido ao Réu Município, porquanto o mesmo não sinalizou – como era o seu dever – a obstrução da via devido a queda de árvore de grande porte, por um lado, incumprindo, por outro lado, as obrigações de vigilância a que estava vinculado, relativamente ao estado fitossanitário da referida árvore.
3. Do disposto nos arts. 491.º e 493.º do CC, resulta uma presunção de culpa dos incumbidos da vigilância de terceiros, bem como daqueles que tenham em seu poder coisas móveis ou imóveis, com o dever de vigilância associado – matéria em causa nos presentes autos. Acresce, ainda, a presunção de culpa resultante do disposto no n.º 3, do art. 10.º, do RRCEE, nos casos de incumprimento dos deveres de vigilância.
4. Existindo presunção de culpa, era ao Recorrente Município que cabia afastar a mesma, ilidindo-a, através da demonstração de que inexistiu culpa por parte dos agentes incumbidos da vigilância, por um lado, ou, por outro, de que mesmo com a diligência devida, não seria possível evitar os danos ocorridos – o que não sucedeu.
5. Da decisão recorrida resulta claro que: “Foram estes deveres de vigilância que o réu Município não conseguiu cumprir, ou, pelo menos, não conseguiu ilidir a sua culpa presumida, não só porque não provou que a árvore que pertencia ao seu património arbóreo estava em boas condições fitossanitárias, como, depois de ela ter caído, não foi provado que sinalizou tal obstáculo naquela via, nem ficou provado, nem sequer alegado que a Avenida 25 de Abril fora interrompida até ser removida do local, de modo a serem evitados acidentes.”; “Em todas estas situações, o particular lesado encontra-se, portanto, desonerado da prova deste pressuposto, pois tem a seu favor a presunção legal (…) Como explicitamos, a culpa aqui dá-se como provada por presunção.”
6. Ora, não era à A. que incumbia afastar a alegada culpa do condutor do veículo por si seguro – ao contrário do que pretende fazer crer o Recorrente Município – mas antes a este impendia a obrigação de ilidir as presunções de culpa que sobre si recaem – o que não logrou conseguir.
7. Por outro lado, o Recorrente conclui que, por não ter havido qualquer reporte de anomalia, resulta claro (e, portanto, não deveria ter procedido a presente ação), que a árvore em causa se apresentava em bom estado vegetativo, viçosa, não evidenciando qualquer sinal de decrepitude, desconhecendo-se o motivo da sua queda.
8. Ora, do simples facto de não ter havido qualquer reporte de situação de perigosidade, não pode resultar esta conclusão.
9. Não é da falta de reporte de uma situação de perigosidade, que se resulta claro e óbvio que a árvore em causa se encontrava viçosa e sem qualquer sinal de decrepitude.
10. O Município não logrou provar que tenha diligenciado no sentido de uma fiscalização séria e profissional (no ante), e numa diligência pronta de aviso de perigosidade (no pós).
11. O Município não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impende, pelo que, não o fazendo, sempre terá de se concluir que o incumprimento do dever de vigilância a que estava obrigado foi causa direta e necessária do inevitável embate do veículo na árvore caída, e que ocupava toda a via, dando, assim, origem aos danos peticionados e provados.
Assim, por tudo quanto se encontra exposto, e, ressalvando o devido respeito por melhor e douta opinião de V. Exas., deverão improceder todas as conclusões do Recorrente e, bem assim, ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta decisão recorrida, só assim se fazendo verdadeira justiça!”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 26 de janeiro de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 4 de fevereiro de 2021, nada veio dizer, requerer ou promover.
*
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As principais questões a apreciar resultam da necessidade de verificar se o Município ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia pelos danos decorrentes da queda da árvore identificada, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

Foi em 1ª instância fixada a seguinte matéria de facto provada:
1. A 28 de julho de 2009 é subscrito documento timbrado da “Companhia de Seguros (...)”, dirigido ao “Centro Médico (...), Lda”, onde consta, em particular:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
2. A 11 de outubro de 2011 consta de documento denominado de “Auto de Consignação”, onde consta:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 221 e ss do PA)
3. A 14 de outubro de 2009 o céu apresentava-se limpo e pouco nublado, por nuvens altas, o vento soprava fraco [15 km/h com intensidade máxima de 30 km/h na manhã]; não ocorrera precipitação e a visibilidade horizontal era boa, valores na ordem de 10 a 20 km;
(Facto Provado por documento, a fls 160 do suporte físico dos autos)
4. A 15 de outubro de 2009 o céu apresentou-se genericamente limpo; o vento fraco [com intensidade máxima de 40 km/h]; sem precipitação e a visibilidade horizontal era boa mas tinha chovido porque a árvore caída estava molhada;
(Facto Provado por documento, a fls 160 do suporte físico dos autos e prova testemunhal)
5. O acidente relatado nos autos ocorreu no dia 15 de outubro de 2009;
cfr fls. 19 dos autos;
6. A 15 de outubro de 2009 é subscrito documento timbrado de “GNR”, denominado de “Declaração”, onde se inscreveu que “… Quando circulava no sentido centro de (...) – EN n.º 1 – deparei-me com um eucalipto em toda a faixa de rodagem, não conseguindo evitar o embate, o eucalipto encontrava-se a cortar a faixa de rodagem em toda a sua extensão na Rua 25 de abril…”;
(Facto Provado por documento, a fls 160 do suporte físico dos autos)
7. A 15 de outubro de 2009 é subscrita uma participação de sinistro ocorrido pelas 00h10m, em (...), envolvendo o veículo Volvo S80 Diesel, com a matrícula XX-XX-XX, cujo condutor era M., médico, sendo a viatura propriedade de “ Centro Médico, Lda”, onde consta em especial “…Circulava na cidade de (...), na Av. Do Liceu, no sentido (...)- Centro/EN n.º 1, entretanto deparei-me com uma árvore caída na estrada e não consegui evitar o embate com a mesma…”, e, ainda, que:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
8. A árvore de grande porte que tombou na Avenida 25 de Abril, em (...), a 15 de outubro de 2009, pertencia ao Município (...);
(Facto Provado por prova testemunhal)
9. A 11 de novembro de 2009 foi subscrito documento denominado de “relatório de peritagem” pela Companhia de Seguros (...), onde consta em especial:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
10. A 12 de novembro de 2009 é subscrito documento timbrado de “T.”, dirigido a Companhia de Seguros (...), SA, onde consta:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
11. A 13 de novembro de 2009 consta de fatura da “A. [Coimbra], Lda, paga pela Companhia de Seguros (...), em especial:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 1 e ss dos autos – paginação eletrónica)
12. A viatura sinistrada ficou imobilizada 13 dias;
(Facto Provado por prova testemunhal)
13. A 30 de junho de 2011 consta de documento timbrado de “Município (...)”, denominado “Deliberação”, onde consta:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 222 do suporte físico dos autos – volume II)
14. Consta da Caderneta Predial Rústica do serviço de finanças de (...):
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 222 do suporte físico dos autos – volume II)
15. Consta da relação de bens que ficaram por óbito de José Sampaio Duarte, entre outros, “… Verba n.º 13. Prédio urbano sito na freguesia de Arcos, concelho de (...), constituída por casa de r/c[…] com serventia com estrada, inscrito na matriz predial. Verba n.º 14. Predio urbano sito na freguesia de Arcos, Concelho de (...), constituído por habitação e confrontar do norte com servidão pública, de sul e nascente com a rua do Município, e do poente com servidão particular […]. Verba n.º 15. Prédio Urbano sito na freguesia de Arcos, Concelho de (...), constituído por r/c e andar, a confrontar, do norte com herdeiros […]e de poente com herdeiros […] inscritos na matriz predial sob o artigo 993.º, com valor patrimonial […] Verba n.º 16. Prédio rústico no lugar da Lagoa, freguesia de Arcos, Concelho de (...), constituído por terreno de cultura com oliveiras a confrontar com herdeiros […] e a nascente com caminho público inscrito na matriz predial sob o artigo 86.º […]; Verba n.º 17.º. Prédio rústico no lugar da Lagoa, freguesia de Arcos, Concelho de (...), com 4000 m2, constituído por pinhal e mato, a confrontar do norte com […] do sul com […] a nascente com caminho inscrito sob o artigo 98.º e ainda:
(Dá-se por reproduzido documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 234 do suporte físico dos autos – volume II)
16. As iluminárias colocadas na Avenida 25 de Abril estavam colocadas a 8 metros e, após o sinistro dos presentes autos, foram colocados abaixo das copas das árvores para dar mais iluminação à via;
(Facto Provado por prova testemunhal)

IV – Do Direito

Importa agora analisar e decidir o suscitado.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, no domínio dos atos de gestão pública, regia-se já à data do acidente, predominantemente pelo disposto na Lei 67/2007, de 31 de dezembro.

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.

No que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância, no discurso fundamentador da Sentença Recorrida:
“(...) No caso dos autos está em causa a imputação feita pela autora ao réu, Município, no sentido de que não sinalizou, como seria seu dever, a obstrução da via, pela queda de uma árvore de grande porte, por um lado, e, ainda, pela falta de vigilância quando ao seu estado fitossanitário.
Assim, estaremos no âmbito de uma responsabilidade por culpa na falta de vigilância de coisas, móveis ou imóveis, ou animais, cruzada por culpa de serviço.
Vejamos, então.
a) Facto Voluntário, b) Ilicitude e c) Culpa
Tendo em atenção os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual do Estado, temos desde já de apurar, em primeiro lugar, se o facto voluntário [ausência/omissão na vigilância do património arbóreo no concelho de (...), em especial na Avenida do Liceu] foi concretizado de modo ilícito, ou seja, saber se existe um desvalor formulado pela ordem jurídica, designadamente se houve violação de algum dever jurídico, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 9.º do RRCEE.
(...)
Ou seja, passaram a constar da definição de ilicitude a referência à violação de normas e princípios constitucionais e aos deveres objetivos de cuidado, incluindo condutas omissivas.
Em matéria de omissões, foi expressamente consagrada a usualmente designada culpa in vigilando (omissão dos deveres de vigilância), no n.º 3 do artigo 10.º do RRCEE, que já era há muito admitida pela doutrina e jurisprudência, estabelecendo-se, nessas situações uma presunção de culpa leve, que desonera o lesado da prova desse pressuposto da responsabilidade. Esta omissão de deveres de vigilância impostos por lei, regulamento, norma técnica ou dados da experiência pode referir-se a coisas, pessoas e atividades. Acrescenta-se ainda que também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º do mesmo diploma legal.
A referência à violação ilícita dos direitos e interesses legalmente protegidos também é feita por referência à violação de deveres de vigilância como bem o determina o artigo 10.º/3 da Lei 67/2007, de 31 de dezembro.
De todo o modo, a ilicitude sempre traduzirá uma qualificação do facto: o facto não é naturalisticamente ilícito, apenas adquirindo essa qualidade em face do contexto jurídico que o classifica. Vamos ao caso dos autos.
Está provado que a 15 de outubro de 2009 uma viatura Volvo S80, a diesel, com a matrícula XX-XX-XX, ao circular no sentido do centro da (...), na EN 1, embate contra uma árvore de grande porte caída na via – Avenida 25 de Abril (Factos Provados 4., 5., 6. e 7.).
A árvore que apareceu caída a ocupar a plenitude da faixa de rodagem era de grande porte e pertencia ao Município (Facto Provado 8.).
Está provado que o condutor da viatura com a matrícula XX-XX-XX, ao circular na Avenida 25 de abril, na (...), pelas 00h 10 m, embateu na árvore de grande porte que já se encontrava caída na faixa de rodagem no sentido da sua mão (Factos Provados 4., 5., 6. e 7.), como está provado que, apesar de não ter sido registado mau tempo, ou ventos fortes, foi provado que havia chovido já que a árvore caída se encontrava molhada (Facto Provado 4.), além de ter sido provado que não havia grande visibilidade na Avenida 25 de Abril, pois que as iluminárias colocadas na rua pelo réu, Município, estavam posicionadas a 8 metros do chão, ou seja, a sua luz era tapada pelas copas das árvores (Facto Provado 17.), razão pela qual após o sinistro foram colocadas abaixo das copas das árvores para dar maior iluminação (Facto Provado 17.).
Ora, são várias as referências doutrinais e jurisprudenciais aos deveres de vigilância, sendo raramente concretizada a respetiva definição, mas vale a pena questionar se serão comuns à responsabilidade civil, nos termos em que está concebida no RRCECE, e ao Código Civil os pressupostos para a responsabilidade do Estado no exercício da função administrativa, tendo patente a diferença de redação da norma que os enuncia. A resposta é claramente afirmativa.
No Código Civil, expressões relacionadas com obrigações de vigilância são relativamente escassas, permitindo-nos destacar o caso dos artigos 491.º e 493.º, referentes à responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem ou de coisas ou atividades.
Tanto o artigo 491.º como o artigo 493.º prescrevem, respetivamente, uma presunção de culpa dos incumbidos da vigilância de terceiros, e daqueles que tenham em seu poder coisas móveis ou imóveis, com o dever de as vigiar.
Mas de igual forma contemplam a possibilidade da presunção ser elidida através da demonstração, no primeiro caso, que inexistiu culpa da parte daqueles – ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos, como acima explicitamos.
Mas então a que meios (ou, melhor dito, a que diligências) estão os obrigados aos deveres de vigilância adstritos. Ou seja, a que corresponderá a vigilância? Corresponderá a deveres jurídicos nos termos do qual o vigiante responde por atos próprios, sendo o conteúdo da obrigação de vigilância é necessariamente composta, uma vez que o agente obrigado ao dever de vigilância está incumbido:
a) De um dever de atenção/acompanhamento das atividades a ser desenvolvidas relativamente ao objeto da vigilância, que corresponde semanticamente a uma obrigação de vigiar, decorrente da previsão legal específica que consagra o dever;
b) De uma dever de intervenção nos casos em que se verifique a iminência de ofensa de um direito de terceiro, que, uma vez consumado, pode redundar na aplicação do regime de responsabilidade civil constante dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.
Poder-se-á assim definir o dever de vigilância legal como o dever de levar a cabo um conjunto de ações com vista a limitar riscos alheios ao próprio sujeito, através do acompanhamento de determinado objeto e de intervenção junto deste.
Foram estes deveres de vigilância que o réu, Município, não conseguiu cumprir, ou, pelo menos, não conseguiu ilidir a sua culpa presumida, não só porque não provou que a árvore que pertencia ao seu património arbóreo estava em boas condições fitossanitárias, como, depois de ela ter caído, não foi provado que sinalizou tal obstáculo naquela via, nem ficou provado, nem sequer alegado que a Avenida 25 de Abril fora interrompida até ser removida do local, de modo a serem evitados acidentes. Dá-se como provada a ilicitude.
Quanto à culpa, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, se determina que “…a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor…”.
Como terceiro pressuposto da responsabilidade civil extracontratual de tipo delitual, a culpa corresponde a um juízo de censurabilidade sobre a conduta do agente, que pode revestir as modalidades de dolo ou negligência. Nos termos do artigo 487.º do Código Civil, resulta que é ao lesado que incumbiria provar a culpa dos autores da lesão, não fora a existência de presunção de culpa, que inverte o ónus da prova.
Em geral, a culpa é apreciada de acordo com o critério da diligência e aptidão que seja razoável exigir em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor (artigos 10.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1 do RRCEE).
Presunção de Culpa
O novo Regime estabelece uma presunção de culpa leve, quando sejam praticados atos jurídicos ilícitos (artigo 10.º, n.º 2 do RRCEE). Ora, os atos são considerados ilícitos, nos termos do artigo 9.º quando violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 9.º, n.º 1 do RRCEE), o que se verifica igualmente nas situações de funcionamento anormal do serviço (artigo 9.º, n.º 2 do RRCEE). Acresce ainda uma presunção de culpa, prevista no n.º 3 do artigo 10.º do RRCEE, nos casos de incumprimento dos deveres de vigilância, que já mencionámos supra [que usualmente designada culpa in vigilando].
Em todas estas situações, o particular lesado encontra-se, portanto, desonerado da prova deste pressuposto, pois tem a seu favor a presunção legal. Todavia, a presunção legal aqui estabelecida não equivale a uma objetivação da culpa, mas tão somente determina um agravamento da posição processual da Administração, que terá de comprovar que se empenhou na procura da solução legal.
Como explicitamos, a culpa aqui dá-se como provada por presunção.
d) Danos, e) Nexo de Causalidade
Ora podem existir danos tanto nos casos de ação, como omissão, e ainda especificamente de omissão de deveres de vigilância, pelo que se conclui que um eventual incumprimento de um dever de vigilância ao nível do dano não apresenta traços ou características distintivos próprios relativamente às demais situações suscetíveis de redundar na conclusão de um dever de indemnizar
Nos termos do artigo 563° do CC, “…a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão…”
O dano é definido pela doutrina de diversas maneiras, seja como “perda in naura" que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, como “frustração de uma utilidade que era objeto de tutela jurídica” ou como “todo o prejuízo que o indivíduo sujeito de direito sofra na sua pessoa e bens jurídicos com a ressalva dos causados pelo próprio”.
Para que se gere responsabilidade civil extracontratual, é ainda necessário que se produza um dano ou prejuízo (diminuição ou extinção de uma vantagem que é objeto de tutela jurídica), conforme resulta do n.º 1 do art.º 3.º do novo Regime.
Nos termos deste artigo 3.º do RRCEE, a obrigação de reparação do dano deverá traduzir-se na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido facto lesivo (n.º 1).
Tal reparação só será efetuada sob a forma de indemnização em dinheiro, quando a reconstituição natural não seja possível, ie, quando não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa (n.º 2), abrangendo danos emergentes e lucros cessantes (artigo 564.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável), danos presentes e futuros e danos patrimoniais e não patrimoniais (artigo 3.º, n.º 3), assumindo a indemnização em dinheiro caráter subsidiário.
Daí serem feitas tradicionalmente distinções entre:
a) Dano real e dano patrimonial, sendo que o primeiro corresponde ao prejuízo físico ou moral resultante do comportamento do lesante (por exemplo os bens partidos ou danificados), e o segundo os encargos necessários com vista a repor a situação que não existiria não fosse a lesão (por exemplo o custo dos bens para substituir os bens danificados);
b) Danos patrimoniais e danos morais, entendendo-se aqui o dano patrimonial como abrangendo os prejuízos que, sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados senão diretamente pelo menos indiretamente. Já os danos morais serão os prejuízos que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, devem ser arbitrados por um juízo de equidade.
Danos Patrimoniais
Está provado que a autora pagou € 816,48 à “T.” pelo aluguer de uma viatura durante 12 dias de 31 de outubro de 2009 a 12 de novembro de 2009, para M. conduzir, estando igualmente provado que a autora tem um contrato de seguros em que o veículo seguro é o que esteve envolvido no sinistro discutido nos presentes autos, ou seja, o Volvo S80, com a matrícula XX-XX-XX, propriedade de Centro Médico (...), Lda, e tendo como condutor habitual também M. (Factos Provados 1., 10.).
Está provado, também que a autora pagou à “A., Lda”, em Coimbra, o valor de €15.642,83 para reparação do Volvo S80, com a matrícula XX-XX-XX (Facto Provado 11.).
Num total de € 16.459,31.
Por fim, será necessário que exista nexo de causalidade entre o facto voluntário e o dano, ou seja, que o dano possa ser objetivamente imputado ao facto voluntário, o que resulta implicitamente dos arts. 7.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1 do novo Regime.
Portanto, quanto ao nexo de causalidade, dir-se-á que a omissão é causa de dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um ato que, seguramente ou muito possivelmente, teria impedido a consumação desse dano. Foi o caso dos presentes autos.
Caso o réu, Município, tivesse tido os cuidados de vigilância do seu património arbóreo, bem como se tivesse sinalizado a queda da árvore na via pública a tempo de evitar o acidente, cortando o acesso àquela via, e se tivesse cuidado de iluminar melhor aquela via, sobretudo devendo saber que as iluminárias por si colocadas, encobertas pelas copas das árvores de grande porte existentes na Avenida 25 de Abril, impediam a visibilidade perfeita, teria podido com grande probabilidade evitar o acidente.
De resto, o nosso direito aceita o princípio do dever de prevenção de perigo, segundo o qual a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados.
O artigo 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada, devendo adotar-se, portanto, a sua formulação negativa, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a sua produção e o dano só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias [É vasta a jurisprudência do STA sobre o tema e no sentido apontado, citando-se por mais recentes e a título meramente exemplificativo os seguintes acórdãos: de 20-06-2006 (Rec. 0367/06,); de 12-07-2006 (Rec. 01240/05,); de 06-12-2006 (Rec. 0921/06,); de 16-05-2006 (Rec. 0874/05, com vastíssimo registo de outra jurisprudência e doutrina), de 10-05-2006 (Rec. 0624/05) e de 04-04-2006 (Rec. 01116/05)].
Apesar de, em matéria de omissões, se colocarem especiais dificuldades em termos de nexo de causalidade, dado que a omissão não pode ser tida como causa material do dano, ou seja, o nexo causal não existe de um ponto de vista ontológico, mas apenas normativo.
O que terá que se aferir é se a Administração poderia ter evitado o resultado lesivo, se tivesse adotado a conduta omitida, o que inevitavelmente nos remete para um juízo de causalidade hipotética, na medida em que o que está verdadeiramente em jogo é a virtualidade causal da própria ação – que não houve – para impedir os danos; virtualidade que pode ser avaliada segundo critérios de adequação ou da finalidade da norma de proteção.
A omissão surge normalmente como condição negativa da produção dos danos ou do seu agravamento, propiciando uma ocasião favorável para que outro facto ilícito desenvolva livremente a sua eficácia causal.
Quanto aos sujeitos do dever de indemnizar, o legislador configurou, quanto aos sujeitos aos quais poderá ser imputada responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente do exercício da função administrativa e correspondente obrigação de indemnizar, duas situações possíveis:
a) Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de Direito Público:
(...)
b) Responsabilidade dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes (trabalhadores), acompanhada de responsabilidade solidária do Estado e demais pessoas coletivas de Direito Público com os mesmos – quando estes últimos causem danos a terceiros, agindo no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, atuando com dolo ou culpa grave (artigo 8.º, n.ºs 1 e 2 do RRCEE);
Tudo dito, o Tribunal não pode deixar de dar como verificados todos os pressupostos para o dever de indemnizar por parte do réu, Município (...)”

Analisemos então o suscitado

Refira-se desde logo que o argumentário do Município se limita a retomar a raciocínio que havia esgrimido em 1ª instância, agora com um pendor acrescidamente conclusivo.

Da presunção de Culpa

Desde logo, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir num comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.

De qualquer forma, a verificação de um facto ilícito pressupõe sempre uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

In casu, importará verificar o cumprimento por parte do Município dos seus deveres de promover as condições de conservação do património arbóreo sob a sua responsabilidade.

O conceito de ilicitude adotado no regime de Responsabilidade Civil Extracontratual é mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).

A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra, reportado, naturalmente, ao anterior regime que: “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de ato jurídico. O ato jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo portanto os atos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

No mesmo sentido Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Atos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96.

No que toca à culpa "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).

É também jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil, decorrente da propriedade de coisas (por todos, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2000 (Pleno), recurso n.º 37 510, de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

Este regime radica nas seguintes razões:
1ª - nas regras da experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância;
2ª- na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objetivo de cuidado;
3ª na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa (Antunes Varela, "Das Obrigações Em Geral" volume I, páginas 590-591; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.1996, Apêndices ao D.R., de 23.10.1998, p. 3697).

É ainda pacífico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350.° n.ºs 1 e 2, do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

A elisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2005, proc. n.º 1758/03).

Face ao supra explanado, dúvidas não subsistem de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, estão verificados factos que permitem concluir que foi praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da produção dos danos que determinaram os danos participados, tanto bastando para que funcione a presunção de culpa do Município, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil.

Pela sua relevância, reproduz-se, parcialmente, o teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0373/10, datado de 22/06/2010, relatado por São Pedro, aqui aplicável, mutatis mutandis.
“O art. 493º, 1, do C. Civil consagra a responsabilidade civil das pessoas com o dever de vigiar coisas ou animais, impondo uma presunção legal de culpa, desde que se prove que o dano foi causado «pela coisa ou animais». Com efeito, diz-nos concretamente o art. 493º, 1 do C. Civil que a pessoa com o encargo de vigiar a coisa «responde pelos danos que a coisa causar…»”.
O recorrente não põe em causa que tenha o dever de vigiar a Estrada e as árvores “implantadas” junto à sua berma. O que põe em causa é a prova dos factos que justificam a presunção, ou como diz a fls. 222: cabia ao autor provar “a base de presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal e dos danos, que, em nossa opinião não logrou demonstrar”.
Todavia, no caso dos autos tal nexo de causalidade verifica-se de modo muito claro.
O dano foi causado pela queda de árvore na estrada, que o réu tinha o dever de vigiar.
Há, neste caso, um nexo de causalidade adequada evidente entre a queda da árvore na estrada (coisa vigiada) o embate do veículo com a árvore e o dano que este embate provocou no veículo. Na verdade para além da causalidade naturalística (a queda da árvore ser uma condição do dano) é evidente que essa condição só deixaria de poder como tal considerar-se se fosse de todo indiferente para a produção do dano e só se tivesse tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, o que não sucede em geral, uma vez que uma árvore a beira da estrada, pode sempre cair sobre um carro.
Estabelecido esse nexo de causalidade adequada entre a “coisa” e o “dano” (base da presunção) o réu para afastar a responsabilidade civil deveria provar (art. 493º, 1, 2º parte) que (i) não teve culpa ou (ii) que – tendo culpa - o dano se verificaria mesmo que a não tivesse. O “non liquet” sobre qualquer destes aspetos (falta de culpa, ou relevância negativa da causa virtual) é decidido contra o réu.
Dos factos não resulta que o réu tenha cumprido todas as regras de prudência exigíveis na vigilância da estrada e, sobretudo, no estado das árvores que a circundem de modo a evitar que, em casos de chuva intensa e persistente as mesmas não caíssem na faixa de rodagem. Em boa verdade sobre o modo como esse dever de vigilância, em concreto, foi exercido nada se provou. Há, nesta medida, um claro “non liquet”.
O réu sustenta ainda a tese, segundo a qual a queda da árvore foi devida a um caso de força maior, imprevisível e, portanto, inevitável. Mas, em boa verdade os factos provados não permitem essa conclusão.
Provou-se, é certo, que estava mau tempo, com chuva intensa e persistente e que o pinheiro foi arrancado pela raiz.
Mas não se alegou que, naquela ocasião e local, todos os pinheiros (ou a maioria deles) tenham sido arrancados pela raiz e, embora tal tenha sido alegado não se provou que o pinheiro que caiu estava viçoso “nada fazendo prever a sua queda” (al. b) dos factos não provados).
Ora, mesmo perante o mau estado do tempo (chuva intensa e persistente) fica de pé a possibilidade de aquela concreta árvore não estar nas condições que lhe assegurassem a devida estabilidade e, por isso, não ter resistido ao mau tempo. Daí que, não existam factos provados suficientes para podermos concluir que ocorreu um caso de calamidade impossível de prever e desse modo evitar o dano (força maior).
Ou seja, a matéria de facto dada como assente não permite, de modo algum, considerar provado que “nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Em concreto, a recorrida Município, não põe em causa que tenha o dever de vigiar o seu património arbóreo, invocando, no entanto, por assim dizer, a verificação de “causas fortuitas e imprevisíveis”.

Não há dúvida de que os danos foram causados pela queda da árvore na qual o veículo embateu, quando este circulava no local identificado.

Também é indubitável que o Município tinha o dever de vigiar essa árvore e as demais existentes ao longo da referida estrada municipal.

A recorrida invoca a realização de inspeções regulares, sem que, no entanto, objetive o modo como o faz.

Para se considerar ilidida a presunção, necessário se tornava alegar e provar o modo, profundidade e adequação desse controlo, vigilância e fiscalização para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como para desvalorizar a circunstância de não ter sido detetado pelos serviços qualquer motivo a justificar a sua intervenção (neste sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, o de 27-05-2009).

Pela sua relevância, reproduz-se igualmente, parte deste último Acórdão referenciado, aqui igualmente aplicável, mutatis mutandis:
“Com efeito integrando-se a árvore caída no Parque Florestal de Monsanto, e sendo este património arbóreo da responsabilidade do Município de Lisboa, sobre este impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes. Tal prova não foi, porém, produzida, de modo cabal e suficientemente persuasivo, pelo Réu. Não obstante ter alegado, o Réu não logrou provar que a fiscalização, patrulhamento e manutenção do Parque de Monsanto levado a efeito é executado de modo regular, periódico e adequado. A mera execução de tal atividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respetiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento no respetivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detetado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção. Por outro lado, a demonstração feita em julgamento que a análise visual aos cepos de duas acácias caídas na zona do acidente não evidenciou doença ou podridão pouco releva para se concluir pela licitude da conduta do Réu desde logo, porque não se provou que a árvore tombada na viatura fosse uma das acácias visualizadas, e, mesmo que o fosse, a análise visual é marcadamente insuficiente para se poder afirmar se a árvore está ou não de boa saúde, pois, para tanto seria necessário proceder a exames laboratoriais específicos, tal como o reconheceu um dos técnicos responsáveis pela manutenção do Parque ouvido em Tribunal.
Assim sendo, face à matéria fáctica demonstrada, é forçoso concluir pela ilicitude da conduta do Réu por omissão do dever de vigilância e fiscalização sistemática, adequada e eficaz das condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário da árvore caída.
Por outro lado, no que tange à culpa, o Réu não logrou ilidir a presunção legal que sobre ele impende, pois, não provou ter cumprido com eficácia o referido dever de fiscalização da árvore em causa, em obediência às regras técnicas e de prudência comum exigíveis naquela situação concreta, nem que a mencionada queda do elemento arbóreo se ficou a dever em exclusivo a circunstâncias anormais e imprevisíveis, a causa alheia e estranha ao controlo do Réu. Na realidade, a exemplo do já decidido no STA, a prova do registo de período de chuva, por vezes intensa, e vento moderado a forte com rajadas é insuficiente para atribuir a queda da árvore a um caso de força maior ou fortuito, em sobreposição dos deveres de fiscalização a que a Administração está adstrita (cfr Ac. STA 11/03 de 15.10.2003). Aliás, as condições climatéricas registadas de chuva intensa e vento forte são, plenamente, normais e previsíveis no Inverno, o que exigia por parte da Administração uma atenção redobrada, ou melhor, uma atuação adequada às adversidades previsíveis do tempo invernoso, eventualmente, até o corte pontual do trânsito nas artérias de maior densidade florestal do Parque, face ao comunicado do Serviço Nacional de Proteção Civil, que entrou em alerta amarelo a partir das 14 horas (tendo o acidente ocorrido sete horas depois), e o comunicado da previsibilidade de queda de árvores.
Portanto, a atuação do Réu é ilícita e culposa.”
Não se vê razão para censurar esta ponderação da sentença recorrida, que a argumentação do Réu, a que acima se fez referência, não é suficiente para pôr em causa.
(...)
Ou seja, não se provou uma relação de causalidade entre as condições climatéricas do dia em que ocorreu o acidente – a que o Recorrente faz apelo na sua argumentação – e a queda da árvore que provocou os danos.
E, assim sendo, o Réu não logrou provar que a aludida queda se verificou devido a caso de força maior.
Por outro lado, embora o Réu, ora Recorrente, tenha alegado que, “através dos seus serviços, e agindo no âmbito das suas legais atribuições procedeu à fiscalização de todo o Parque Florestal de Monsanto incluindo os elementos arbóreos sitos no local referenciado nos autos, por forma regular e periódica, não detetando no decurso das mesmas qualquer motivo atinente aos exemplares existentes, que justificassem a sua intervenção ao nível de prevenção ou tratamento”, e tenha sido incluído, na base instrutória, um quesito (19º) com esse exato conteúdo, apenas se provou que “os serviços da Ré fiscalizam o Parque Florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detetado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção” (resposta ao quesito 19º; 18 dos factos provados).
Não se provou, assim, designadamente, ao invés do invocado na contestação, que a fiscalização do Parque de Monsanto pelos serviços do Réu, fosse efetuada “de forma regular e periódica”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, sobre o Réu, em cujo património se integrava a árvore causadora do acidente, “impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes”.
O Autor tinha, neste caso, a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o artº. 493º, nº 1 do Código Civil, conforme é, a este propósito, jurisprudência generalizada do Supremo Tribunal Administrativo (v. entre muitos outros, acs. do Pleno de 29.4.98, p. 36463; de 3.10.02, p. 45160; de 20.3.2002, p. 45831).
Para ilidir essa presunção, é insuficiente a simples prova em abstrato, de que “Os serviços do Réu fiscalizam o parque florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes na zona do acidente, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detetado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, “a mera execução de tal atividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respetiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detetado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção”.
Conforme este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado, a alegação e consequente possibilidade de prova da inexistência de “faute de service” tem de ser feita a partir de factos que esclareçam o Tribunal sobre as providências que em concreto foram tomadas pelos serviços do Réu para obviar a eventos danosos como o que ocorreu (v. entre outros acs. do STA de 14.4.05, p. 86/04; de 5.5.04, p. 1203/03; de 12.7.07, p. 321/07), prova que, como a sentença corretamente considerou, não foi feita.”

Reproduz-se ainda parcialmente, igualmente pela sua relevância e aplicabilidade à situação aqui controvertida, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, datado de 14-01-2010, relatado por Pires Esteves:
“(…) um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou ação humana que, embora, previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências (Acs. do STJ de 9/1/1970-proc. nº62941, de 10/12/85-proc. nº73169, de 26/5/1988-proc. nº75721, de 27/9/1994-Proc. nº85089, de 10/2/2005-proc. nº4B2192 e de 29/11/2005-proc. nº05B3678).
Na hipótese do caso de força maior fica prejudicado qualquer juízo de culpa sobre o potencial lesante, dado que em nada contribuiu para o evento.”

No caso concreto aqui em apreciação, não são suficientes as abstratamente invocadas intervenções, para ilidir a presunção de culpa do art. 493º nº 1 do Cód. Civil.

Com efeito, não se alegou e, como tal, não se provou, quais as providências concretas desencadeadas em relação á árvore que caiu, na qual o veículo embateu, para que se pudesse concluir que o seu controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se o Município «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma adequada, sistemática e contínua fiscalização técnica (no sentido de que só a alegação e prova desses requisitos ilide a presunção de culpa em caso de queda de árvore causadora de danos se pronunciam os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2009, p. 02090/06.3BEPRT, de 17.12.2003, p. 01499/03, de 15-10-2003, p. 011/03, de 22-10-1998 p. 043616, de 11.01.1994, p. 034034, de 11-01-1994, p. 031468, de 20.02.1990, p. 027844, de 13-02-1997, p. 37290, e de 07.11.1989, p. 027240).

O que tem de similar a situação dos autos com as situações descritas nos acórdãos ora citados, de decisivamente comum, é a circunstância de não ter ficado provado que a entidade demandada, aqui Recorrente, procedeu a uma vigilância cuidada da árvore que veio a causar os danos participados, de forma sistemática, adequada e continuada.

O Município afirmou singelamente que “A factualidade provada aponta toda ela no sentido de a Ré/recorrente ter adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente à manutenção e conservação da árvore que caiu, ou seja, o acidente ocorreu não só independentemente deste cumprimento, mas tão-somente por causas fortuitas e imprevisíveis; O Tribunal “a quo” deveria ter decidido, pois, em sentido contrário, ou sejam deveria ter decidido no sentido de dar como provado o pleno cumprimento do dever de vigilância por parte da Ré/recorrente e concluir, assim, pela elisão da presunção de culpa que sobre aquela impendia.”

Curiosamente, o Município assenta o seu entendimento no depoimento prestado pelo seu Engenheiro C., que surpreendentemente se limita a afirmar, e no que aqui releva, [2:56:08 – 2:57:26] que “Temos esses jardineiros e temos o encarregado dos jardins que é o J., que está lá também há mais de 30 anos, ele é que normalmente comunica essas coisas.” “(…) Ele, no fundo, vai andando e vai vigiando.”

Convenhamos que o ir “andando e (...) vigiando” não será a melhor forma de verificar o estado arbóreo de um Município.

Decorre assim de todo quanto se foi dizendo e transcrevendo, que embora não tenha sido possível determinar as causas da queda da árvore, tal determina que incida sobre o Município uma presunção de culpa iuris tantum.

Não tendo o Município logrado fazer a necessária prova do invocado, tal funciona contra si por força da aludida presunção.

Efetivamente, o Recorrente não provou que “nenhuma culpa houve da sua parte” ou que “os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Tem assim que concluir-se não ter sido ilidida a presunção de culpa que recaía sobre a Ré, o que conduz à sua responsabilidade pelos danos causados pela queda da referida árvore, na qual o veículo aqui em causa embateu.

Ao contrário do que a Ré, ora Recorrente sufraga, também se provou o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos ocorridos.

Os danos sofridos no veículo segurado pela aqui Recorrida foram consequência direta e necessária da prévia queda da árvore sobre a via, pelo que tal nexo de causalidade adequado, neste caso, é inquestionável.

Pelo exposto, impor-se-á confirmar a decisão da 1ª instância e decidir do mérito da ação, por não terem sido alegados factos suficientes para a elisão da presunção de culpa prevista no artigo 493º nº 1 do Cód. Civil.
* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
*
Custas pelas Recorrente
*
Porto, 23 de abril de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa