Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01062/23.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL;
RECLAMAÇÃO DE ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
Sumário:I – A ineptidão da petição inicial é nulidade insanável, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 98.º CPPT, que só ocorre quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (artigo 186.º CPC).

II – A arguição de ineptidão não deve ser julgada procedente se se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial – cfr. artigo 186.º, n.º 3 do CPC.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«X, UNIPESSOAL LDA.», NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Fração ...., em ..., representada pelo sócio único e gerente «AA», NIF ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 22/06/2023, julgando verificada a excepção de ineptidão da petição inicial, no âmbito da presente “reclamação de acto do órgão de execução fiscal”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“1) A reclamante e aqui recorrente identificou na petição inicial apresentada no órgão de execução fiscal o ato impugnado: o contido no “documento 2023 .............6451, datado de 30 de abril de 2023” (pg.30 dos autos).
2) E voltou a identificá-lo no requerimento de 17 de junho de 2023 (pg.68 dos autos).
3) Juntando-o, ademais, como Documento nº5 desse requerimento (pg.73 dos autos).
4) A douta sentença, em manifesto lapso, refere o documento nº5 juntado pelo órgão de execução fiscal (pg.48).
5) Ao invés de, como seria lógico, se referir ao documento nº5 juntado pela recorrente (pg.73 dos autos).
6) Encontrando-se, por conseguinte, o ato reclamado perfeitamente identificado e precisado na petição inicial e no requerimento posterior.
7) De onde resulta encontrar-se perfeitamente indicado o ato lesivo, objeto da reclamação que a recorrente dirigiu ao órgão de execução fiscal e ao tribunal, na conformidade com o disposto nos arts. 276º, 277º e 278º do CPPT.
8) Encontrando-se a decisão em crise assente em lapso manifesto, não contendo a petição inicial quaisquer deficiências, muito menos que comprometam irremediavelmente a sua finalidade, em violação do disposto nos nº2 e 3 do art. 186º do CPC, ex vi do art.281º do CPPT.
9) Sendo, por conseguinte, nula (art.615º, nº1, als. c), d), e) do CPC, ex vi do art.281º do CPPT, conforme deverá vir declarado, com as legais consequências, designadamente o prosseguimento dos autos.

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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação da excepção de ineptidão da petição inicial e se enferma de nulidade.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Não foram autonomizados quaisquer factos, na medida em que se mostra submetida à apreciação decisão judicial de indeferimento liminar, com o seguinte teor:
“«X, UNIPESSOAL LDA.», NIPC: ..., com sede na Rua ..., ..., ..., Fração ...., em ..., representada pelo sócio único e gerente «AA», NIF ..., deduziu a presente reclamação, dizendo que “citada pessoalmente por via eletrónica para os autos à margem identificados pelo documento 2023 .............6451, datado de 30 de abril de 2023, inconformada, apresenta RECLAMAÇÃO”.
Para tanto refere que impugnou judicialmente o título executivo, no âmbito do processo n.º ...5/23.0BEPRT, processo este que foi interposto a 26.04.2023, logo, com anterioridade à citação datada de 30.04.2023 e nele se peticiona efeito suspensivo da execução, aí se prestando garantia adequada, pelo que há repetição de causa, litispendência que aqui se deduz e deve declarar, por ser a proposta em segundo lugar. A reclamante não deverá ser chamada a prestar garantia duas vezes. Causando-lhe prejuízo irreparável a não obtenção de declaração de que tem a situação tributária regularizada.
Termina formulando as conclusões seguintes:
“A) A decisão em crise afeta os direitos e interesses legítimos da executada, na conformidade com o disposto no art 276º do CPPT.
B) A presente reclamação foi apresentada em tempo e verificam-se os demais requisitos legais, designadamente os do art. 277º, nº1 do CPPT.
Pelo que,
C) Deverá ser revogada pelo órgão de execução fiscal, na conformidade com o disposto nos arts. 277º, nº2 e nº3 do CPPT, com as demais consequências legais.
SEM PRESCINDIR,
D) O órgão da execução fiscal, caso entenda não revogar a decisão, fará subir a presente reclamação a Tribunal no prazo de oito dias, por via eletrónica, nos próprios autos e com efeito suspensivo da execução na conformidade com o disposto nos números 2, 3, 4, 5, 6 e 8 do art. 278º do CPPT.
E) Onde a mesma decisão deverá vir revogada com fundamento em prejuízo irreparável (art. 278º, nº3 CPPT).
F) Causado pela ilegalidade prevista na alínea d) do nº3 do art 278º CPPT.”
O tribunal formulou convite de aperfeiçoamento ao reclamante no sentido de, além de outros, identificar o ato reclamado.
Em resposta, o reclamante veio dizer: “Identificar o ato reclamado: conforme identificado no requerimento inicial, o contido no “documento 2023 .............6451, datado de 30 de abril de 2023” (DOCUMENTO Nº5), que subjaz às declarações erróneas e lesivas de que a reclamante não tem a sua situação tributária regularizada (DOCUMENTOS Nº6 a nº9), em violação da lei (designadamente o disposto na alínea c) do art.177-A do CPPT), com a inadmissível consequência de bloquear a sua atividade económica (por via do disposto na alínea a) do art. 177º-B do CPPT).”
Consultados os autos verificamos que o documento n.º 5, a pág. 48, é uma declaração de IRC da reclamante do exercício de 2019.
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Da nulidade por ineptidão da petição inicial:
Nos termos do art. 186, n.s 1 e 2, do CPC, aplicável “ex vi” art. 2-e) do CPPT, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, sendo que constitui uma das situações de ineptidão a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir.
São causas de ineptidão da petição inicial as enunciadas no n.º 2, daquele art. 186, entre elas “a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
A causa de pedir, conforme é aceite pela doutrina e pela jurisprudência, é entendida como o ato, ou facto jurídico, em que o autor se baseia para formular o seu pedido ou, noutras palavras, o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar, neste sentido, vejam-se (Alberto dos Reis in “Comentário ao Código do Processo Civil”, Vol. 2º, pág.s 369/375 e Antunes Varela, Bezerra e Sampaio e Nora in “Manual de Processo Civil”, 2ª Ed., 1985, pág. 245).
No caso em apreço não é possível decifrar a causa de pedir nem o pedido.
Com efeito, a reclamante fala em litispendência por ser pedida a prestação de garantia no processo executivo; invoca o prejuízo irreparável por não ver reconhecida a sua situação tributária regularizada; menciona a citação e pede a revogação da decisão, decisão essa que não identifica nem quando notificada para o efeito.
A falta de causa de pedir gera ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo, exceção dilatória, de conhecimento oficioso a conduzir à absolvição do Réu da instância (al. a), do nº2, do art. 186º, al. b), do nº1, do art. 278º, nº2, do art. 576º e al. b), do art. 577º, todos do CPC).
A ineptidão da petição inicial, que determina a nulidade de todo o processo conduz à absolvição da instância, conforme artigos 186, nº 1, 576, n.s 1 e 2, 577 al. b) e 278 1 al. b), do CPC.
Veja-se a este propósito o acórdão do STA, proferido no processo n.º 01400/17, em 07.02.2018, segundo qual:
“Sumário: I - Se a impugnante não identificou na petição o ato impugnado, não incumbia ao tribunal “a quo” substituir-se à Impugnante na identificação e junção do mesmo ato.
II - Ocorrendo total ausência de indicação do ato de liquidação passível de ser impugnado, no âmbito da presente impugnação judicial, daí decorre a falta de objeto da mesma e a ininteligibilidade do pedido apresentado na petição inicial.
III - Se a ora recorrente nada fez quando notificada para tornar precisa a petição, desde logo neste elemento essencial – indicação do ato lesivo para si ou seja o ato impugnado que constituiria o objeto da ação que dirigiu ao tribunal, impõe-se a confirmação do indeferimento liminar por ineptidão da petição inicial. (...)”.
No caso em apreço a petição inicial é inepta por ser ininteligível a causa de pedir e o pedido.
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DECISÃO.
Pelo exposto, e verificando que a petição inicial contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, julgo verificada a sua ineptidão e absolvo a Fazenda Pública da instância - artigos 186, nº 1, 576, n.s 1 e 2, 577 al. b) e 278 1 al. b), do CPC.”
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2. O Direito

Desde já, importa esclarecer que o disposto na conclusão 9.ª, referente à imputação de nulidade à decisão recorrida, não apresenta qualquer sustentação nas alegações do recurso, o que inviabiliza o seu conhecimento nesta sede.
Porém, não deixa a Recorrente de alertar para o lapso manifesto em que incorreu a Meritíssima Juíza “a quo”, ao indicar um documento que, ostensivamente, não tem respaldo no acto reclamado; sustentando que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 186.º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do CPC, (278.º, n.º 1, alínea b) e 577.º, alínea b) do CPC, apontados como base para a decisão recorrida).
Com efeito, o Tribunal a quo entendeu que a petição de reclamação é inepta e nulo todo o processo, por não se descortinar qual o acto impugnado, mesmo na sequência de convite ao aperfeiçoamento, propiciando que a Recorrente, além do mais, identificasse o acto reclamado; tendo o tribunal somente verificado que o documento n.º 5 consubstanciava uma declaração de IRC e concluído inexistirem pedido e causa de pedir ou, pelo menos, não terá conseguido a Meritíssima Juíza “a quo” decifrá-los.
Defende a Recorrente que identificou cabalmente o acto impugnado: o contido no “documento 2023 .............6451, datado de 30 de abril de 2023”.
É nossa convicção que não estamos propriamente perante a falta ou a ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir – cfr. artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC, mas antes na presença de um lapso do tribunal “a quo” na percepção do acto reclamado, por erro na correspondência do mesmo com o respectivo documento sustentador.
Vejamos os normativos que enformam a questão:
Dispõe o artigo 5.º do Código de Processo Civil: “1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - (…)”.
Dispõe, também, sobre a matéria o artigo 98.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário: “1 – São nulidades insanáveis em processo judicial tributário:
a) A ineptidão da petição inicial;
b) (…)
c) (…)
2 – As nulidades referidas no número anterior podem ser oficiosamente conhecidas ou deduzidas a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da decisão final.
3 – As nulidades dos actos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo sempre aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
4 – (…)
5 – (…)”.
A ineptidão da petição inicial é, na verdade, nulidade insanável de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 98.º do CPPT, que só ocorre quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis – cfr. Acórdão do STA, de 24/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 0956/09.
Por outro lado, da interpretação do artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC, aplicado pela sentença recorrida, a ineptidão da petição inicial pode ocorrer de duas formas:
a) Falta absoluta de formulação do pedido ou da causa de pedir;
b) Formulação obscura do pedido e/ou da causa de pedir.
Apesar de a excepção in casu ter sido conhecida oficiosamente, pela sua importância, não podemos deixar de salientar que, se o réu apesar de arguir a ineptidão contestou e, após ouvido o autor, se verificar que interpretou correctamente a petição inicial, a mesma não é julgada inepta – cfr. Acórdão do TCA Norte, de 27/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00228/07.2BEMDL.
Afigura-se-nos ostensivo o lapso, pois o documento 2023 .............6451, datado de 30 de Abril de 2023, ínsito nos autos, consubstancia o acto de citação pessoal da Recorrente e não a sua declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2019.
Conforme consta da decisão recorrida, após o convite para aperfeiçoamento da petição de reclamação, a ora Recorrente identificou o acto impugnado da seguinte forma: “Identificar o ato reclamado: conforme identificado no requerimento inicial, o contido no “documento 2023 .............6451, datado de 30 de abril de 2023” (DOCUMENTO Nº5), que subjaz às declarações erróneas e lesivas de que a reclamante não tem a sua situação tributária regularizada (DOCUMENTOS Nº6 a nº9), em violação da lei (designadamente o disposto na alínea c) do art.177-A do CPPT), com a inadmissível consequência de bloquear a sua atividade económica (por via do disposto na alínea a) do art. 177º-B do CPPT).”
Depreende-se dos termos da petição de reclamação que com este meio processual se pretende eliminar da ordem jurídica o acto de citação com o seguinte teor:
“Fica por este meio citado(a), nos termos dos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da instauração do(s) processo(s) de execução fiscal à margem referido(s), para cobrança da dívida abaixo identificada. A presente citação refere-se à globalidade das dívidas, nos termos do nº 7 do art.º 190º do CPPT, podendo os seus elementos ser consultados no Portal das Finanças em www.portaldasfinancas.gov.pt. No prazo de 30 dias após a presente citação, deverá proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido. No mesmo prazo, poderá requerer a dação em pagamento, nos termos do artigo 201.º do CPPT, ou deduzir oposição, com os fundamentos previstos no artigo 204.º do CPPT. Até à marcação da venda dos bens penhorados poderá, ainda, requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.º do CPPT com prestação de garantia nos termos do n.º 6 do art.º 199.º do CPPT ou requerendo a dispensa da mesma, nos termos do n.º 4 do art.º 199.º do CPPT. Decorrido o prazo antes referido sem que a dívida exequenda e acrescido tenham sido pagos, ou tenha sido prestada garantia que suspenda a execução nos termos dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, prosseguirá o processo com a penhora de bens ou direitos existentes no seu património de valor suficiente para a cobrança da dívida, conforme valor infra indicado. O pagamento pode ser efectuado nos Serviços de Finanças, no Multibanco, nos CTT, nos Bancos ou através de homebanking.”
Portanto, de acordo com o teor da reclamação, não obstante ter impugnado a liquidação subjacente à dívida exequenda, através da impugnação judicial que identifica (processo n.º ...5/23.0BEPRT), e de ter prestado garantia, foi citado para pagar essa dívida e acrescido ou prestar garantia que suspenda a execução fiscal, imputando ao acto reclamado o vício de violação de lei, designadamente o disposto na alínea c) do art.177-A do CPPT. Nesta conformidade, está, também, indiscutivelmente, identificada a causa de pedir, ou seja, o fundamento para eliminar o acto de citação da ordem jurídica (vício de violação de lei).
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção e a causa de pedir é o facto jurídico de que procede o pedido (artigo 581.º, n.°s 3 e 4, do CPC).
Face às normas legais aplicáveis e transcritas, resulta clarividente qual o acto impugnado nos presentes autos, o datado de 30 de Abril de 2023. Assim sendo, não vislumbramos obscuridade na identificação do pedido: a eliminação da ordem jurídica deste acto de citação pessoal.
Consideramos ser perfeitamente perceptível a confusão gerada pela indicação do documento n.º 5, não se tratando do assim denominado nos documentos juntos à impugnação judicial da liquidação subjacente à dívida exequenda. Ainda assim, não há falta absoluta de formulação do pedido, nem da causa de pedir, e a descrição menos feliz do acto impugnado/reclamado não é bastante para, a nosso ver, considerar a petição inicial inepta.
Mas, mesmo que assim não se entenda, a verdade é que a Fazenda Pública, citada para os termos da acção (reclamação) aquando da interposição do presente recurso, respondeu/contestou sem dificuldades de interpretação a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, não havendo, por semelhança, lugar a julgamento de ineptidão, nos termos do disposto no artigo 186.º, n.º 3 do CPC.
Cremos que a resposta ao convite para aperfeiçoar a petição inicial constituiu in casu uma forma de clarificar, de forma expedita, a deficiência na formulação do pedido, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.
O artigo 590.º, n.º 2, alínea b) do CPC determina que o juiz providencie pelo aperfeiçoamento dos articulados, apenas podendo ter por objecto o suprimento de meras imprecisões, por exemplo, como é o caso; não se tendo subvertido aqui, portanto, o princípio do dispositivo.
A resposta do ilustre Representante da Fazenda Pública é bastante elucidativa daquilo que se discute nos autos, pelo que, apesar de ter reiterado na sua resposta tal excepção suscitada oficiosamente, não deverá ser confirmado o julgamento de ineptidão da petição inicial.
Vejamos, para melhor compreensão, o introito da resposta da Fazenda Pública:
“(…) Vem a presente reclamação apresentada do acto de citação do PEF .............1214, no valor de € 231.095,53 respeitante ao IRC de 2019, ver doc. 1 (documento com n.º 2023 .............6451), da liquidação adicional emitida no âmbito da acção de inspecção com a OI.........12, ver doc. 2.
2. A liquidação de IRC de 2019 encontra-se em discussão quanto à sua legalidade no processo n.º ...5/23.0BEPRT a correr termos no TAF do Porto.
3. Pela tramitação do PEF e garantias do reclamante, ver doc. 3 e 4 verifica-se que não foi apresentada qualquer garantia para suspensão do PEF .............1214, nos termos dos art. 52º da LGT e art. 169º e 199º do CPPT.
4. Pelo que o pedido da reclamante não apresenta qualquer legitimidade ou legalidade, nos termos enunciados, na douta petição inicial. (…)”
Não obstante a imperfeição da petição inicial, não vislumbramos motivos ponderosos para julgar a petição de reclamação inepta, mostrando-se, pois, violado o disposto no artigo 186.º do CPC. Tanto basta para julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso, na medida em que urge remeter o processo ao tribunal recorrido para prossecução dos autos se a tal nada mais obstar.
Pelo exposto, impõe-se revogar a sentença recorrida, devendo ser concedido provimento ao recurso.

Conclusões/Sumário

I – A ineptidão da petição inicial é nulidade insanável, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 98.º CPPT, que só ocorre quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (artigo 186.º CPC).
II – A arguição de ineptidão não deve ser julgada procedente se se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial – cfr. artigo 186.º, n.º 3 do CPC.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar.

Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 27 de Setembro de 2023

Ana Patrocínio
Cláudia Almeida
Maria do Rosário Pais