Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00673/12.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/13/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:TRABALHO EXTRAORDINÁRIO
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA
ART.º 34.º, N.º1 DO D.L. 258/99,18/08
Sumário:I- Para a qualificação do trabalho como extraordinário não basta que o mesmo tenha sido prestado para além do horário de trabalho, sendo necessário, entre outros requisitos, que o mesmo tenha sido prévia e expressamente autorizado pela entidade administrativa legalmente competente nos termos previstos no n.º1 do artigo 34.º do DL n.º 259/98, de 18/08.
II- Os atos autorizadores da prestação de trabalho extraordinário [e em dia de descanso semanal, complementar e feriado], na medida em que produzem efeitos jurídicos na situação individual e concreta dos trabalhadores e agentes a quem se dirigem, são atos administrativos (artigo 34.º, n.º 3, do DL 259/98, e artigo 120.º do CPA), que têm, até por isso, de assumir forma escrita (artigo 122.º, n.º 1, do CPA).
III- Só é devido o pagamento de trabalho extraordinário quando a sua prestação tenha sido prévia e expressamente autorizada.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Município de Coimbra
Recorrido 1:Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local - STAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do Recurso
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO DO NORTE.
I.RELATÓRIO
O MUNICÍPIO DE COIMBRA, com os sinais dos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 09/09/2013 que julgou procedente a ação administrativa especial intentada pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL, STAL, em representação dos seus associados melhor identificados nos autos, e que, consequentemente, condenou o Recorrente a pagar aos associados do ora Recorrido “... como horas extraordinárias, os trinta minutos que diariamente efectivamente trabalharam para além das seis horas, com a remuneração correspondente à data da realização das mesmas, acrescido dos juros de mora desde o vencimento de cada prestação”.
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O RECORRENTE formulou as seguintes conclusões de recurso:
“I – Não obstante o Recorrido ter intentado uma acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido, o Tribunal a quo não condena o Recorrente a praticar um qualquer acto administrativo, antes o condenando, sem mais, ao pagamento aos associados do Recorrido “ … como horas extraordinárias, os trinta minutos que diariamente efectivamente trabalharam para além das seis horas...”;
II – o Tribunal a quo decidiu – sem haver, sequer, prova de comunicação apresentada pelos associados do Autor nos termos do aludido artigo 28.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 259/98 – condenar o Recorrente ao pagamento de trabalho extraordinário, na modalidade de “ acréscimo na retribuição horária”, sem cuidar de que antes desse pagamento haja um acto administrativo que – tal como vinha peticionado pelo Recorrido – reconheça esse mesmo trabalho como extraordinário;
III – O Tribunal a quo substitui-se, pura e simplesmente, ao Recorrente, naquilo que ao Recorrente e só ao Recorrente, compete fazer - autorização/reconhecimento de trabalho extraordinário -, violando, dessa forma, o princípio da separação de poderes;
IV – O Recorrente é condenado a pagar aos associados do recorrido montantes a título de trabalho extraordinário sem que haja prova no processo de que esses trabalhadores comunicaram, tal como decorre do artigo 28.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 259/98, qual a modalidade de compensação por que optavam, nos oito dias subsequentes à prestação do dito trabalho extraordinário;
V – Ao condenar o Recorrente no aludido pagamento, sem que estejam reunidos os pressupostos legais para o efeito, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, violando o artigo 28.º, nº 5 do Decreto-Lei nº 259/98”
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação do acórdão recorrido.
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O RECORRIDO apresentou as seguintes conclusões de recurso:
“a) O douto aresto recorrido aplicou o direito a uma situação de omissão (dupla omissão) consistente no facto de, os órgãos e entidades competentes do Recorrente, continuarem a sujeitar os sócios do Recorrido a um horário em confronto com o próprio Regulamento, que fizera aprovar e que desde 1/1/2007 vigorava, e na ausência de resposta aos requerimentos, em que estes trabalhadores pediram o pagamento do trabalho que semanalmente fizeram para além daquele a que regulamentarmente estavam obrigados;
b) É incontornável que, por força da inércia dos órgãos e entidades competentes do Recorrente os sócios do recorrido continuaram sujeitos a um horário desconforme ao Regulamento, algo que jamais poderia ser assacado aos próprios trabalhadores que apenas cumpriam o que lhes foi superiormente determinado por que nunca lhes competiu por iniciativa própria estabelecer os horários segundo os quais prestariam o seu trabalho;
c) Como muito bem sublinha o douto aresto sob recurso, os órgãos e entidades competentes do Recorrente optaram por manter os sócios do Recorrido sujeitos ao mesmo horário, daqui decorrendo não ser curial falar da ausência de um acto autorizando o trabalho suplementar, quando o que se verificou foi a manutenção esclarecida do horário em desconformidade com o regulamentar, ou seja, não se tratou de autorizar trabalho para além do regulamentar mas sim de impor que se perpetuasse o anterior;
d) Assim sendo, igualmente não é curial colocar-se a questão de que os trabalhadores abrangidos não fizeram a opção pela modalidade de compensação, quando nunca lhes foi transmitido ou dado a conhecer que desde 1/1/2007, estavam a cumprir 2h30m de trabalho semanal extraordinário;
c) Por outro lado, sempre tal questão estaria suprimida pelo facto de os trabalhadores em causa terem requerido o pagamento, nem um pediu a compensação respectiva em tempo;
d) Deparava-se, assim, uma situação, tendo os órgãos e entidades competentes do Recorrente tomado aquele trabalho excedente a que sujeitaram os sócios do Recorrido, remunerando-os apenas com a retribuição base, de trabalho não remunerado que o nosso ordenamento jurídico e constitucional jamais admitiria que tinha de ser retribuído;
e) São precisamente situações como aquela em apreço nos presentes autos, que constituem o campo privilegiado de aplicação do instituto da acção administrativa especial para condenação à prática do acto devido, no sentido de evitar procedimentos administrativos que se eternizem, permitindo que, em face do comportamento omissivo da Administração, seja permitido ao tribunal que decida como deve esta agir;
f) Neste quadro o douto acórdão recorrido contém todos os elementos que a actuação da administração deveria observar, só tendo faltado, eventualmente, a alusão a “acto administrativo”;
g) Transitando o acórdão em apreço, ocorrido o respectivo incumprimento pelo Recorrente, em sede de execução de sentença, o tribunal poderia emitir sentença que produzisse os efeitos do acto ilegalmente omitido;
h) De onde o acórdão recorrido ter respeitado os ditames das normas do artigo 71º do CPTA”.
Termina, requerendo que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra o douto acórdão recorrido.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito nos termos do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer de fls. 181/183, no sentido da improcedência do recurso.
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II.FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1 MATERIA DE FACTO
A sentença recorrida deu como assentes, com relevância para a decisão proferida, os seguintes factos:

1.Foi emitido Despacho, pela Vereadora da Câmara Municipal de Coimbra, MTAP..., datado de 2001, onde se refere: “ Ao abrigo do disposto no artigo 19º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, e na sequência da proposta de reorganização da actividade da DEV, constante da informação n.º 709, dá-se conhecimento que o novo horário a praticar pela DEF será em regime de jornada continua, das 8H00 às 14h30, de Segunda a Sexta-feira, com uma única pausa para uma refeição de 30 minutos. Este horário entrará em vigor a partir do dia 8 de Outubro” (fls. 1 do PA);
2.Foi elaborada informação n.º 33767/2007, de 17 de Outubro de 2007, onde se refere: ” A secção de Férias Faltas e Licenças constatou que os funcionários afectos à Divisão de Espaços Verdes estão a praticar o segui
nte horário: 08h00 às 14h30 ou seja 6h30. Decreto-lei 259/98 de 18 de Agosto Artigo 19. ° n.º 2, «a jornada contínua deve ocupar, predominantemente, um dos períodos do dia e determinar uma redução do período normal de trabalho diário nunca superior a uma hora.». Regulamento de Horário de Trabalho do Município de Coimbra Artigo 33. ° «A duração semanal de trabalho em regime de jornada contínua é de 30 horas, funcionando este regime, por regra, entre as 8 e as 14 horas e entre as 14 e as 20 horas.» 2. Os trabalhadores neste regime têm direito a um período de descanso não superior a 30 minutos, considerado para todos os efeitos como tempo de trabalho e já incluído na duração prevista no número anterior 3. «O período de descanso a que se refere o número anterior deve ser utilizado de forma a não excederem 5 horas consecutivas de trabalho.» Conclui-se então que os funcionários da Divisão de Espaços verdes estão a realizar mais de 30 horas semanais e que o horário que estão a praticar não se inclui na modalidade de jornada contínua, nem em qualquer outra modalidade de horários de trabalho. Posto isto, para que esta situação fique regularizada, a Divisão de espaços Verdes deverá informar a DGFRH sobre qual a modalidade de jornada contínua (6 horas) que os funcionários passarão a praticar” (fls. 2-3 do PA);
3. Foi elaborada informação n.º 41341/2012, onde se refere: “ O horário praticado na Divisão de Espaços Verdes (DEE), desde 08/10/2001 foi o seguinte: das 08:00 horas às 14:30horas, de Segunda a Sexta-feira, com uma pausa para refeição de 30 minutos, de acordo com o despacho da Exma. Sra. Dra. MTAP..., vereadora na altura. A remuneração auferida pelos trabalhadores foi a decorrente da Lei, ou seja, a remuneração base mensal correspondente ao escalão e índice em que os trabalhadores se encontravam na altura. 3. Em 01/01/2007 entrou em vigor o Regulamento de Horários de Trabalho do Município de Coimbra, que determinava que a jornada contínua era 30 horas 4. O horário de trabalho da DEE nunca foi alterado com a entrada em vigor do referido Regulamento. No entanto, este serviço, através da Informação Interna n.º 33767 de 17/10/2007, propôs alteração do horário de trabalho de modo a adequar este ao Regulamento, sobre o qual nunca foi obtida resposta por parte do DEE 5. Em Junho de 2012 foi alterado o horário, fazendo cessar o horário autorizado em 08/10/2001. 6 Actualmente, o horário de trabalho é o seguinte 08:00 horas às 16:00 horas, com intervalo de descanso de 1 hora. 7. Assim, a Câmara Municipal de Coimbra retribuiu sempre os referidos trabalhadores pelo trabalho prestado de segunda a Sexta feira, das 08:00horas às 14:30 horas, num total de 32,5 horas semanais, com um intervalo diário de 30 minutos para descanso, horário devidamente autorizado. 8. Pelo exposto, não poderão ser abonados os trabalhadores no correspondente a 2,5 horas a título de trabalho extraordinário, uma vez que corresponde ao período normal de trabalho diário….”;
4.Foi remetido ao Autor ofício de fls. 71, datado de 9 de Fevereiro de 2012, e onde se refere:...“A partir de 1 de Dezembro de 2011, com fundamento na reorganização dos serviços municipais, operada em conformidade com o Decreto-Lei nº 305/2009, de 23 de Outubro, foi determinada a cessação de todas autorizações de isenção de horário de trabalho e de jornada contínua em vigor. Foi igualmente determinado que em todos os serviços nos quais tenha sido anteriormente fixado o horário de jornada contínua o dirigente de cada unidade orgânica procedesse à identificação dos trabalhadores abrangidos, bem como à fundamentação da necessidade de concessão do horário de trabalho em regime de jornada contínua. Assim, no sentido de dar cumprimento ao determinado superiormente, foi apresentado pelo Chefe de Divisão de Parques e Jardins (DPJ) da Câmara Municipal de Coimbra em 28/11/2011, proposta de – alteração do horário de trabalho de todos os trabalhadores afectos à referida Divisão, e que se encontram abrangidos pelo regime de jornada contínua, com prestação ininterrupta de trabalho entre as 08H00 e as 14H30. A proposta de horário de trabalho subscrita pelo Chefe de Divisão da DPJ, visa a adopção de um horário de trabalho rígido, uniforme durante o período de verão e o período de inverno, com cumprimento de sete horas por dia e de 35 horas por semana aplicável a todos os trabalhadores afectos à referida Divisão, passando o horário de trabalho a ser de segunda-feira a sexta-feira, com o período da manhã compreendido entre as 08h00 e as 12h00, e o período da tarde compreendido entre as l3h00 e as 16h00, com um período de intervalo de descanso entre as 12h00 e as 13h00. … (fls. 71 que aqui se dão como inteiramente reproduzidas);
5.Foi remetido ao Autor ofício n.º 18537, datado de 16 de Maio de 2012 onde se refere “…No sentido de dar cumprimento ao determinado superiormente, foi apresentado em 28/11/2011, pelo Chefe de Divisão e Parques e Jardins da Câmara Municipal de Coimbra, uma proposta de alteração de horário de trabalho aplicável a todos os trabalhadores afectos à referida Divisão, e que se encontravam abrangidos pelo regime de jornada continua…. Mais se informa que por meu despacho emanado de 08/05/2012, determinei que a partir do dia 1 de Junho de 2012, se inicie o novo horário de trabalho da Divisão de Parques e Jardins: das 8h00 às 16H00, com um intervalo de descanso compreendido entres as 12h00 e as 13h00 (fls. 72-73 e que aqui se dão como inteiramente reproduzidas);
6. Entre Maio e Junho de 2012 os associados do Autor remeteram à Câmara Municipal de Coimbra requerimentos onde solicitavam “…um horário laboral de jornada contínua de 32,5 horas/semanais, no sector de jardins do DAQV, quando o Regulamento dos Horários do Município de Coimbra, aprovado por deliberação da Câmara Municipal em 18/12/2006, estatui no ponto nº1, do artigo 33º o máximo de 30 horas de trabalho semanal, e que, por tal motivo cumpriu (desde a data de aprovação do referido Regulamento de Horários), 2,5horas/semanais para além do horário a que estava obrigado, Vem solicitar a V. Ex o pagamento do referido período de prestação de serviço, como trabalho extraordinário (fls. 4-60 do pA)”.
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II.2 DO DIREITO
QUESTÕES DECIDENDAS
(1) Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efetuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda artigo 149º do CPTA.
(2) São as conclusões das alegações do recurso que definem o seu objeto e, por essa, via que delimitam a esfera de intervenção do tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
(3) De acordo com as conclusões apresentadas pelo Recorrente, as questões a decidir reconduzem-se a saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por:
(i) ter sido proferida em violação do princípio da separação de poderes, em consequência do tribunal a quo se ter substituído à Administração na emissão da declaração de autorização de trabalho extraordinário prevista no artigo 34.º, n.º1 do D.L. n.º 259/98, de 18/08;
(ii) ter sido proferida com violação do disposto no n.º5 do artigo 28.º do D.L. n.º 259/98, de 18/08.
Vejamos.
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
(4) O Recorrente começa por imputar à decisão recorrida erro de julgamento de direito decorrente do facto da mesma ter incorrido em violação do princípio da separação de poderes, posto que, pese embora o ora Recorrido tenha intentado uma ação administrativa especial para condenação à prática de ato devido, o Tribunal a quo não condenou o Recorrente a praticar um qualquer ato administrativo, antes o condenando, sem mais, ao pagamento aos associados do Recorrido “ … como horas extraordinárias, os trinta minutos que diariamente efectivamente trabalharam para além das seis horas...”, assim se substituindo, pura e simplesmente, ao Recorrente, naquilo que ao Recorrente e só ao Recorrente, compete fazer - autorização /reconhecimento de trabalho extraordinário prevista no artigo 34.º do D.Lei n.º 259/98.
(5) Compulsada a petição inicial apresentada pelo ora Recorrido, nela foram deduzidos os seguintes pedidos:
«…deverá o Réu, pela mão dos seus órgãos e entidades competentes, ser condenado à prolação de acto com o seguinte conteúdo básico:
-Que reconheça que os sócios do Autor, aqui representados, desde 1/1/2007 até Junho de 2012, cumpriram diariamente trinta minutos para além do horário de trabalho a que regulamentarmente estavam obrigados;
-Que reconheça aos sócios do Autor, aqui representados, o direito a trinta minutos de trabalho extraordinário diariamente retribuídos com um acréscimo da hora normal de trabalho de: 25% (hora normal x 1,25=) até 1/1/2009; 50% (hora normal x1,5=) a partir desta data até 1/1/2012; de novo 25% a partir de 1/1/2012;
-Que ordene o pagamento aos sócios do Autor das quantias decorrentes do reconhecimento do direito antecedente a apurar em sede de execução de sentença, acrescidas de juros de mora à taxa legal, calculados desde a data do respectivo vencimento até o respectivo pagamento integral»
(6) Por seu turno, a sentença recorrida condenou o ora Recorrente, a «… pagar aos associados do Autor, como horas extraordinárias, os trinta minutos que diariamente efectivamente trabalharam para além das seis horas, com a remuneração correspondente à data da realização das mesmas, acrescido dos juros de mora desde o vencimento de cada prestação”.
(7) Ora, o autor, aqui Recorrido, em representação dos seus associados instaurou uma ação administrativa especial de pretensão conexa com atos administrativos, invocando expressamente no cabeçalho da respetiva p.i., que propunha a referida ação “Para face à omissão ilegal que versou sobre os requerimentos dos associados acabados de nomear, obter a condenação à prática do acto devido (sublinhado nosso), pelo que, da conjugação entre o pedido formulado na ação e o segmento decisório nela exarado, verifica-se que, efetivamente, a condenação proferida pelo tribunal a quo não foi dirigida à pratica de um ato administrativo devido, mas a um dever de prestar em consequência de um ato administrativo cuja existência deu como adquirida, como melhor explicitaremos.
(8) As ações de condenação à pratica de ato devido encontram-se disciplinadas nos artigos 66.º a 71.º do CPTA, dispondo-se no artigo 66.º, sob a epígrafe “Objecto” que:
1- A acção administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
2- Ainda que a prática do acto devido tenha sido expressamente recusada, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória.
(…)”.
Por seu turno, no artigo 71.º, sob a epígrafe “ Poderes de pronúncia do tribunal” , consagra-se que:
“1- Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido.
2- Quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido”.
(9) Brota do art.º 66.º do CPTA que o objeto do processo é, neste caso, a pretensão material dos associados do Autor, a qual, no essencial se reconduz à questão de saber se lhes assiste o direito de obterem a condenação do ora Recorrente ao pagamento, como extraordinárias, das horas de trabalho que prestaram além das 30 horas semanais, no período compreendido entre janeiro de 2007 e junho de 2012.
(10) Entende, o Recorrente, no essencial, que a decisão recorrida viola o princípio da separação de poderes porque nela não se condena o mesmo a praticar nenhum ato, mas apenas a efetuar um pagamento aos associados do autor, ignorando que o trabalho extraordinário tem, nos termos da lei, de ser autorizado (art.º 34.º, n.º1 do Decreto-lei n.º 259/98, de 18/08), autorização essa que se traduz num ato administrativo que só ao Recorrente compete emitir, em clara violação dos poderes que decorrem do art.º 3.º do CPTA.
(11) A circunstância do pedido condenatório se traduzir na imposição à Administração da prática de um ato administrativo, não significa que o tribunal esteja impedido de se substituir à Administração, bastando para tal que o ato pretendido seja de conteúdo estritamente vinculado ao ponto de à Administração não restar qualquer espaço de livre auto-determinação.
Deste modo, para bem decidirmos a questão suscitada pelo Recorrente, é imperioso que previamente se proceda ao enquadramento legal do trabalho extraordinário a fim de aferir, designadamente, se a autorização de trabalho extraordinário a que se reporta a norma do artigo 34.º, n.º1 do D.L. n.º 259/98, de 18/08 configura a prática de um ato administrativo e se a sua prolação tem necessariamente de preceder a realização do trabalho extraordinário, situação em que, a não existir tal autorização prévia, o tribunal não poderá condenar o Recorrente a pagar as horas de trabalho extraordinário por falta de um pressuposto legal, não podendo, por conseguinte, substitui-se à Administração, dando por existente uma autorização que aquela e só aquela poderia emitir, pela simples razão, desde logo, da mesma ter de preceder a realização do trabalho extraordinário, e portanto de já ter de ter acontecido antes da execução desse trabalho.
(12) A prestação de trabalho extraordinário era regulada, entre 01/01/2007 e 31/12/2008, pelo Decreto-Lei n.º 259/98, de 18/08, com as alterações introduzidas pelo DL 169/2006, de 17/08, diploma que estabelecia as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública. A partir de 01/01/2009, a prestação de trabalho extraordinário, quanto aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, passou a ser regulada pelo regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11/09.
(13) Antes de nos debruçarmos sobre o regime legal constante do D.L. n.º 259/98, importa, prima facie, ter presente o enquadramento constitucional que é dado pelo artigo 59.º, n.º1, alínea d) da CRP, segundo o qual todos os trabalhadores têm direito “ … a um limite máximo da jornada de trabalho…”, donde resulta que, findo o período normal de trabalho diário, o trabalhador adquire o direito ao repouso e ao descanso, sem prejuízo de os superiores interesses públicos legitimarem a imposição, em determinadas circunstâncias, de um maior número de horas de trabalho.
(14) De acordo com o artigo 13.º, n.º1 do D.L. n.º 259/98, de 18/08 Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário ou dos respectivos limites, bem como dos intervalos de descanso”, consignando-se, por sua vez, no art.º 25.º do mesmo diploma legal que:
1 - Considera-se extraordinário o trabalho que for prestado:
a) Fora do período normal de trabalho diário;
b) Nos casos de horário flexível, para além do número de horas a que o trabalhador se encontra obrigado em cada um dos períodos de aferição ou fora do período de funcionamento normal do serviço.
2 - Não há lugar a trabalho extraordinário no regime de isenção de horário e no regime de não sujeição a horário de trabalho”.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do artigo 26.º do DL 259/98, de 18 de Agosto, sob a epígrafe “Prestação de trabalho extraordinário” que:
Só é admitida a prestação de trabalho extraordinário quando as necessidades do serviço imperiosamente o exigirem, em virtude da acumulação anormal ou imprevista do trabalho ou da urgência na realização de tarefas especiais não constantes do plano de atividades e, ainda, em situações que resultem de imposição legal.
Também o artigo 27.º do DL 259/98, de 18 de Agosto, sob a epígrafe “Limites ao trabalho extraordinário”, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 169/2006, de 17/08, determina que:
“1- O trabalho extraordinário não pode exceder duas horas por dia, nem ultrapassar cem horas por ano.
2- A prestação de trabalho extraordinário não pode determinar um período de trabalho diário superior a nove horas.
3 – Os limites fixados nos números anteriores podem, no entanto, ser ultrapassados:
a) Em casos especiais, regulados em diploma próprio, a negociar com as associações sindicais;
b) Quando se trate de motoristas, telefonistas e outro pessoal auxiliar que seja indispensável manter ao serviço.
c) Quando se trate de pessoal administrativo ou auxiliar que preste serviço nos gabinetes dos membros do Governo ou equiparados e de pessoal da Presidência da República destacado para, normal ou eventualmente, prestar apoio ao Gabinete do Presidente da República;
d) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 posteriores à ocorrência.
4- Nos casos das alíneas b) e d) a não oposição dos trabalhadores vale como assentimento à prestação do trabalho.
5- Na administração local, os limites fixados nos nºs 1 e 2 do presente artigo podem ser ultrapassados quando se trate de pessoal administrativo ou auxiliar que preste apoio às reuniões ou sessões dos órgãos autárquicos, bem como motoristas, telefonistas e outro pessoal auxiliar e operário, cuja manutenção em serviço seja expressamente fundamentada e reconhecida como indispensável.
Também é de referir que nos termos previstos no n.º5 do artigo 28.º do citado D.L. n.º 259/98, nos primeiros 8 dias do mês seguinte àquele em que foi realizado trabalho extraordinário o funcionário deve comunicar aos serviços o sistema de compensação por que tenha optado em relação ao mesmo.
Por fim, dispõe o artigo 34.º do DL 259/98, de 18 de Agosto, sob a epígrafe “Autorização” que:
“1 – A prestação de trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal, descanso complementar e feriado deve ser previamente autorizada pelo dirigente do respetivo serviço ou organismo ou pelas entidades que superintendem nos gabinetes a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 27.º
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior, quanto aos feriados, os serviços que, por força da atividade exercida, laborem normalmente nesse dia.
3—Os funcionários e agentes interessados devem ser informados, salvo casos excecionais, com a antecedência de quarenta e oito horas, da necessidade de prestarem trabalho extraordinário e em dia de descanso semanal ou complementar e em feriado.
A este respeito, atente-se também a Lei n.º 2/2004 de 15/01 [ estatuto do pessoal dirigente dos serviços e órgãos da administração central, local e regional do Estado], em cujo art.º 7.º, n.º1, alínea d), conciliado com o Anexo I do diploma, se estabelece que compete aos titulares dos cargos de direcção superior de 1.º grau “ autorizar a prestação de trabalho extraordinário”.
No tocante a esta questão [competência para autorizar a prestação de trabalho extraordinário], dispõe ainda o artigo 37.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Pessoal dirigente”, na parte relevante para a economia dos presentes autos, que:
“2- As competências atribuídas no presente diploma aos dirigentes máximos dos serviços são, na administração local, cometidas:
a) Ao presidente da câmara – nas câmaras municipais”.
Tome-se ainda em consideração, neste âmbito, o disposto no artigo 68.º da Lei n.º 169/99, de 18/09, que sob a epígrafe “Competências do presidente da câmara”, determina que “2- Compete ainda ao presidente da câmara municipal:
a)Decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direção dos recursos humanos afetos aos serviços municipais” e ainda o preceituado no art.º 69.º dessa mesma Lei, onde, sob a epígrafe “Distribuição de funções”, se estabelece que:
“1-(…)
2- O presidente da câmara é coadjuvado pelos vereadores no exercício da sua competência própria ou delegada.
3- Nos casos previstos nos números anteriores os vereadores dão ao presidente informação detalhada sobre o desempenho das tarefas de que tenham sido incumbidos ou sobre o exercício da competência que neles tenha sido delegada ou subdelegada.
Por fim, determina o artigo 70.º da referida Lei, sob a epígrafe “Delegação de competências no pessoal dirigente”, que:
1- O presidente da câmara ou os vereadores podem delegar ou subdelegar a sua competência no dirigente máximo da respetiva unidade orgânica (…);
2 - A gestão e direção de recursos humanos também podem ser objeto da delegação e subdelegação supra referidas no número anterior, designadamente quanto às seguintes matérias:
g) Autorizar a prestação de trabalho extraordinário”.
(15) No tocante à responsabilização, dispõe o artigo 35.º, que:
“1- Os dirigentes devem limitar ao estritamente indispensável a autorização de trabalho nas modalidades previstas no presente capítulo.
2- Os funcionários e agentes que tenham recebido indevidamente quaisquer abonos são obrigados à sua reposição, pela qual ficam solidariamente responsáveis os dirigentes dos respetivos serviços.”
(16) Partindo deste quadro de referência, é de concluir que o trabalho extraordinário é aquele que é prestado, por determinação superior, fora do período normal de trabalho diário, não podendo o mesmo resultar da iniciativa do trabalhador, impondo-se, por conseguinte, para que o trabalho prestado fora do horário de trabalho seja considerado extraordinário, além de outros requisitos legais, que o mesmo tenha sido previamente autorizado pelo dirigente máximo do serviço, nos termos previstos no n.º1 do artigo 34.º do DL m.º 259/98.
Neste sentido, veja-se Paulo da Veiga Moura, in “Função Pública”, 1.º volume, 2.ª edição, pág.317, nota 763, segundo o qual “ a prestação de trabalho extraordinário não pode resultar da iniciativa do funcionário ou agente, tendo, pelo contrário, de ser previamente determinada pelo dirigente do respetivo serviço e comunicada, salvo casos excecionais, aos funcionários e agentes com a antecedência de 48 horas (V. art. 34.º/1 e 3 do DL 259/98”
(17) A questão da necessidade da prestação de trabalho extraordinário depender de autorização prévia do dirigente máximo do serviço, nos termos previstos no n.º1 do art.º 34.º do DL n.º 259/98, tem sido decidida pelos tribunais superiores no sentido de se tratar de uma norma imperativa – cfr. Acórdão do TCA do Sul, de 27/02/2003, processo n.º 11681; de 20/06/2002, processo n.º 10929/01; de 26/01/2012, processo n.º 3772/08.
(18) Assim, veja-se, por exemplo, o Acórdão do TCA do Sul, de 27/02/2003, proferido no processo n.º 11681, onde se afirmou que “(…) sendo em face do regime legal vigente, imperativa a autorização de trabalho extraordinário, e não se mostrando que a mesma tenha sido solicitada e autorizada no caso concreto, mostra-se justificado o indeferimento da entidade recorrida”.
(19) Também no mais recente acórdão do TCA do Sul, proferido em 26/01/2012, se afirma que a autorização prévia para a realização de trabalho extraordinário prevista no n.º1 do art.º 34.º do DL n.º 259/98 «é condição de exigibilidade do pagamento do trabalho suplementar ou extraordinário», sumariando-se na conclusão III que “Havendo intenção solutória específica e indevido objectivo, há que considerar que o ordenamento jurídico-administrativo nega expressamente o direito à restituição, ao fazer depender a licitude do “trabalho extraordinário” da prévia autorização (v. art. 34.º, n.º1, do DL n.º 259/98, de 18/08; condição de exigibilidade do pagamento do trabalho suplementar ou extraordinário). Não havendo esta autorização, esse conhecimento da entidade patronal, como aqui ocorreu, a prestação é ilícita e, assim, não tutelada pelo direito administrativo. É que deve entender-se que tal autorização prévia foi concebida pela lei (art. 34.º, n.º1) como um dos requisitos legais para se prosseguir o interesse público da boa administração da saúde pública (princípio da prossecução do interesse público) e como manifestação da preferência de lei (ou princípio de conformidade normativa especial) e da reserva de lei, pois nenhum acto jurídico inferior à lei (v.g. acto administrativo ou operação material de “horas extraordinárias”) pode contrariar o bloco de legalidade ou pode ser praticado sem fundamento nesse bloco”.
(20) Note-se que nos termos do n.º 5 do art.º 212.º do RJCTFP «é exigível o pagamento de trabalho extraordinário cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada».
(21) Tomando em consideração as normas legais que disciplinam a realização do trabalho extraordinário, é, imperioso concluir, tal como se escreveu no Acórdão do STA, de 13/02/2014, proferido no processo n.º 0110/13, em que foi relator o Senhor Conselheiro Bento São Pedro, que a obrigação de pagar o trabalho extraordinário é uma obrigação “ex lege”, que só surge quando todos os pressupostos de facto descritos na previsão normativa se verifiquem”. (sublinhado nosso).
(22) No dizer de Ana Fernandes Neves, em o “ O pagamento de trabalho extraordinário não autorizado”, in CJA, n.º 96, pág.53 e ss, “ A autorização é o ato que, aferindo da conformidade com o regime pertinente, permite o “exercício de um direito ou o exercício de uma competência preexistente”: o “direito pertence ao particular, não é a autorização que lho confere”; no caso do exercício de competência, o órgão titular da mesma fica “condicionado a uma autorização de um órgão administrativo de categoria mais elevada.
(…) A autorização configura, no caso, um instrumento de controlo preventivo por um órgão administrativo do ato ou decisão de um outro, entre os quais intercede uma “relação de controlo” (GIANNINI) interorgânica”.
(23) No tocante a esta questão [a de saber se é devido o pagamento de horas extraordinárias prestadas por trabalhador público quando a sua realização não foi precedida da autorização prevista pela lei, do órgão administrativo competente], cremos que a autorização a que o citado art.º 34.º do D.L. n.º 259/98 alude, é uma autorização expressa e formal, apontando, aliás, nesse sentido o disposto n.º5 do art.º 212.º do RJCTFP, nos termos do qual «é exigível o pagamento de trabalho extraordinário cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada».
(24) Refira-se ainda que, os atos autorizadores da prestação de trabalho extraordinário [e em dia de descanso semanal, complementar e feriado], na medida em que produzem efeitos jurídicos na situação individual e concreta dos trabalhadores e agentes a quem se dirigem, são atos administrativos (artigo 34.º, n.º 3, do DL 259/98, e artigo 120.º do CPA), que têm, até por isso, de assumir forma escrita (artigo 122.º, n.º 1, do CPA).
(25) Aliás, todo o enquadramento jurídico que disciplina o trabalho extraordinário aponta inequivocamente para a necessidade da prévia existência de uma autorização expressa para a realização de trabalho extraordinário.
(26) Note-se que devendo tal trabalho limitar-se ao estritamente indispensável, e devendo os funcionários e agentes interessados ser informados, salvo casos excecionais, com a antecedência mínima de 48 horas, tal só pode querer significar que o dirigente do respetivo serviço ou organismo tem de fazer uma análise prévia, casuística e fundamentada da situação em causa, e, nessa sequência, indicar quais os concretos funcionários que o devem prestar (artigos 34.º, nº 1 e 3, 27.º, n.º 5, 35.º, n.º 1, todos do DL 259/98), o que é incompatível com a falta de uma decisão expressa e prévia de autorização para a sua realização.
(27) Do mesmo modo, como poderá o trabalhador cumprir a obrigação que sobre si impende, estabelecida no n.º5 do art.º 28.º do DL nº 259/98, de nos primeiros 8 dias do mês seguinte àquele em que foi realizado trabalho extraordinário, comunicar aos serviços o sistema de compensação por que tenha optado em relação ao mesmo, se não tiver sido expressamente dada uma autorização para a realização de trabalho extraordinário.
(28) Ademais, tendo em conta que os próprios serviços estão sujeitos ao dever de preencher e enviar, mensalmente, à Direção Geral do Orçamento, em impresso próprio, a indicação do número de horas extraordinárias por cada funcionário ou agente, o respetivo fundamento legal e as correspondentes remunerações como se articula tal obrigação com a falta de uma autorização prévia expressa para a realização de trabalho extraordinário?
(29) No caso, não foi alegado e, por conseguinte, não vem dado como assente, que tenha existido uma autorização previa e expressa para que os associados do autor, ora Recorrido, prestassem trabalho extraordinário de 30 minutos diários, no referido período de tempo.
(30) O que emerge do quadro factuológico apurado na sentença recorrida, é que os associados do autor, ora Recorrido, se encontravam a exercer funções, desde o ano de 2001, na Divisão de Espaços Verdes (DEE), na modalidade de horário de jornada contínua, fixado por despacho de 2001, emanado pela então Senhora Vereadora da CMC, MTAP..., cumprindo um horário de 06h30m diários, entre as 08h da manhã e as 14h 30m, de segunda a sexta (cfr. ponto 1 da matéria de facto assente) e que, pese embora, em 01/01/2007 tenha entrado em vigor o Regulamento de Horários de Trabalho do Município de Coimbra, que determinava que a jornada de trabalho contínua era de 30 horas semanais, e pese embora a informação n.º 33767/2007, de 17/10/2007, o horário de trabalho da DEE não foi alterado em conformidade, ( cfr. pontos 2 e 3 da matéria de facto assente), tendo os associados do autor continuado a praticar o referido horário de trabalho (jornada contínua) de 06h30m diários até 01/junho/2012 (cfr. ponto 5 da matéria de facto assente).
(31) A prestação pelos associados do autor, ora Recorrido, dos referidos 30 minutos diários de trabalho para além do horário de trabalho resultante do Regulamento dos Horários de Trabalho do Município de Coimbra, que entrou em vigor no dia 01/01/2007, ficou, assim, a dever-se ao facto dos mesmos terem continuado a cumprir o seu anterior horário de trabalho, e não o horário que se lhes devia aplicar, por força da vigência do citado Regulamento e que, como bem se aduz na sentença recorrida, a entidade demandada devia ter adequado ao mesmo, mas que não fez, sendo certo também, que nada vem alegado, e por isso, não se demonstrou, que os associados do autor, ora Recorrido, alguma vez tivessem requerido o cumprimento do novo horário de trabalho ou que, alguma vez se tivessem insurgido contra o facto de não lhes ter sido aplicado o Regulamento do Horário de Trabalho que entrou em vigor em 01/01/2007, sequer que os mesmos tivessem consciência de estar a trabalhar diariamente mais 30 m do que aquilo a que estavam obrigados.
(32) O que resulta evidenciado da matéria de facto apurada, é que os associados do autor, durante todo o referido período de tempo, prestaram o horário em causa por ser esse o horário que lhes tinha sido fixado em 2001, pelo que, ou ignoravam ter direito a outro horário e daí que só em 2012 tenham requerido o pagamento dos 30 minutos que prestaram para além das 6h diárias como trabalho extraordinário, ou tinham conhecimento e ao nada terem feito, designadamente, ao não requerem a aplicação do horário correto ou que esse tempo a mais lhes fosse determinada a título de trabalho extraordinário, se conformaram com a prestação do mesmo, pelo que jamais poderiam requerer o seu pagamento como trabalho extraordinário.
(33) A sentença recorrida entendeu, a este respeito que “ Tendo sido aprovado um novo regulamento de horário de trabalho, impunha-se que a entidade demandada adequasse os horários dos seus trabalhadores ao regulamento em causa. Aliás, consta dos autos que, já em 2007, foi feita informação nesse sentido (n.º 2 do probatório). No entanto não foi tomada qualquer decisão, pelo que os associados do Autor continuaram a trabalhar durante 32H 30 m por semana, quando o seu horário deveria ser de apenas 30H00. Ou seja, prestaram duas horas e meia a mais de trabalho semanal e a entidade demandada locupletou-se com o trabalho daí resultante. Assim sendo, devem as horas, que vão além das 30 horas semanais realizadas pelos associados do Autor, de 1 de Janeiro de 2007 a Junho de 2012, serem pagas como extraordinárias. Na verdade, refere o n.º 1 do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto, que se considera extraordinário o trabalho que for prestado a) fora do período normal de trabalho diário. Assim, se os trabalhadores associados do Autor deveriam trabalhar 6H00 diárias, e se de facto trabalhavam durante 6H 30m, têm de se considerar como extraordinários os trinta minutos que trabalhavam para além do horário normal de trabalho diário.
(…) Não se pode concluir que não soubesse que os seus trabalhadores da Divisão de Espaços Verdes estavam a praticar horário de trabalho na modalidade de jornada contínua, com um número de horas superior ao que se tinha autovinculado ao aprovar o Regulamento de Horário de trabalho em 2007”.
(34) O senhor juiz a quo considerou estar-se perante uma situação em que se impunha o pagamento do trabalho prestado pelos associados do Autor como trabalho extraordinário, pela simples circunstância de ter sido efetivamente prestado trabalho pelos mesmos, no período compreendido entre 01/01/2007 e junho/2012, de segunda a sexta, de 30 minutos para além do horário de trabalho dos mesmos, não tendo, para o efeito, atendido ao disposto, designadamente, no artigo 34.º, n.º1 do DL n.º 259/98 ou no n.º5 do art.º 212.º do RJCTFP, bastando-se para o efeito, com essa realidade factual e com a circunstância de não ser ignorado por parte dos serviços que os associados do Autor estavam a trabalhar mais 30 minutos diários do que lhe era exigível, atento o horário de trabalho que passou a vigorar a partir de 01/01/2007.
(35) Sucede, porém, que, pese embora seja inquestionável que os associados do ora Recorrido prestaram, efetivamente, trabalho para além do seu horário de trabalho, o mesmo não foi previamente autorizado pelo órgão competente como trabalho extraordinário.
(36) Destarte, não tem, quanto a nós, fundamento legal, admitir-se a existência de uma autorização tácita ao abrigo da qual o trabalho extraordinário possa realizar-se, uma vez que essa autorização não quadra com a previsão normativa do art.º 34.º, n.º1 do DL n.º 259/98 e com a natureza de ato administrativo que essa autorização encerra.
(37) Conforme já supra tivemos o ensejo de referir, e de acordo com palavras que não são nossas ““ a licitude do trabalho extraordinário” depende da sua prévia autorização, donde, que inexistindo essa autorização, tal trabalho não poder ser remunerado como trabalho extraordinário”.
(38) É certo que todo o trabalho que é prestado tem de ser qualificado. Porém, nem todo o trabalho que é prestado fora do horário de trabalho tem de ser qualificado, só por essa razão e por dele beneficiar a entidade empregadora [que, não pode, por isso, ignorar a sua prestação], como trabalho extraordinário, designadamente, por ser necessária uma prévia autorização à sua realização, requisito legal cuja observância é imperativa, como vimos.
(39) Conforme se diz no Ac. do STA, de 13.02.2014, processo 0110/13, a obrigação de pagar o trabalho extraordinário é uma obrigação “que só surge quando todos os pressupostos de facto descritos na previsão normativa se verifiquem.
Não interessa para o efeito saber se a Administração agiu lícita ou ilicitamente, com ou sem erro.
O que importa é averiguar se a situação de facto preenche a previsão normativa. Se a situação de facto não preenche a previsão normativa, cujo consequente é uma obrigação de pagar trabalho extraordinário, a obrigação não se constitui”.
(40) Tal não significa, como se refere no referido aresto, o afastamento da possibilidade do trabalhador “ ter direito a outra obrigação, isto é, a ser ressarcido pelos danos sofridos com a realização de trabalho que prestou, contra a sua vontade, e que não era obrigado a prestar (obrigação de indemnizar). Pode, efetivamente, ter havido um comportamento ilícito e culposo do réu gerador de um dano. Como pode ter havido consentimento do trabalhador”.
(41) Termos em que, procede o apontado fundamento de recurso, devendo, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada com fundamento em erro de direito decorrente da violação do disposto no artigo 34.º, n.º1 do D. L. n.º 259/98, de 18/08, que reclama a existência de autorização prévia e expressa, por parte do Réu, para que o trabalho prestado pelos associados do autor para além do seu horário de trabalho, pudesse ser qualificado como extraordinário, donde, a sentença recorrida, ao condenar o Réu ao pagamento do trabalho reclamado pelos associados do ora Recorrido, como trabalho extraordinário, substituiu-se à Administração, dando como adquirida a existência da mesma, quando, como se viu, a mesma nunca foi emitida.
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DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 28.º, N.º5 DO DECRETO-LEI N.º 259/98, DE 18/08.
(42) No n.º 5 do artigo 28.º, sob a epígrafe “ Compensação do trabalho extraordinário” estabelece-se que “ Nos primeiros oito dias do mês seguinte àquele em que foi realizado trabalho extraordinário, o funcionário ou agente deve comunicar aos serviços o sistema por que tenha optado.”, ou seja o trabalhador deve comunicar se opta pela compensação por dedução posterior no período normal de trabalho ou pelo acréscimo de remuneração.
(43) Quanto à invocação de erro de julgamento resultante da violação do art.º 28.º, n.º5 do D.L. n.º 259/98, por o Recorrente ter sido condenado a pagar aos associados do recorrido montantes a título de trabalho extraordinário sem que haja prova no processo de que esses trabalhadores comunicaram, qual a modalidade de compensação por que optavam, nos oito dias subsequentes à prestação do dito trabalho extraordinário, resulta do cotejo da factualidade apurada que os associados do autor, ora Recorrido efetivamente, não fizeram aquela comunicação de natureza legal, de modo a optarem entre o pagamento do alegado trabalho extraordinário prestado ou descanso compensatório.
(44) Essa realidade factual, reforça o entendimento já por nós sustentado, segundo o qual o trabalho prestado pelos associados do Recorrido não pode, à luz do bloco legal aplicável, ser havido como trabalho extraordinário, posto que, não fora os obstáculos legais já supra enunciados que inviabilizam a qualificação jurídica do trabalho prestado como trabalho extraordinário, sempre a sua qualificação como tal esbarraria com o incumprimento pelos associados do Recorrido do comando legal que se acaba de enunciar, o sempre impediria à qualificação do trabalho prestado como extraordinário.
(45) Termos em que, na procedência do presente recurso, que assim, merece provimento, deve a sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se a Ré recorrente do pedido formulado.
IV. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência:
I. Conceder provimento ao recurso jurisdicional, e revogar a sentença recorrida;
II. Julgar improcedente, por não provada, a ação instaurada contra o Município de Coimbra, e, em consequência absolver o réu, ora Recorrente, dos pedidos contra si formulados pelo autor, e ora Recorrido.
III. Sem custas, por o Recorrido delas estar isento- cfr. art.º 4.º, n.º1, alínea h) do RCP.
d.n.
Porto, 13/06/2014
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves