Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00695/23.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/02/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:IMPEDIMENTO PREVISTO NA ALÍNEA L) DO Nº.1 DO ARTIGO 55º DO CCP
EXCLUSÃO DE PROPOSTA ;
Sumário:
I – De acordo com a normação vertida na alínea l) do nº.1 do artigo 55º do CCP, não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º, ou a outras sanções equivalentes.

II- Não cabe às entidades adjudicantes aferir do mérito da resolução contratual por incumprimento tomada por terceiras entidades adjudicantes.

III. Perante este quadro, e à luz do que se dispõe na normação supra referida, outra hipótese não restava ao Réu, em face da comunicação do Conselho Diretivo do IEFP, I.P. da decisão de resolução do contrato com celebrado com a Autora, senão a de determinar a exclusão da mesma do procedimento concursal visado nos presentes autos
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. [SCom01...], UNIPESSOAL, LDA. [doravante [SCom01...]] e HOSPITAL ..., E.P.E. [doravante Hospital], Contrainteressada e Réu, respetivamente, nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora a sociedade comercial [SCom02...], SA., vêm intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou procedente a presente ação, e, em consequência, (i) anulou o acto de exclusão da proposta no procedimento de concurso público levado a cabo pelo Réu para a aquisição de serviços de vigilância e segurança aberto pelo aviso publicado no Diário da Republica, II Série, n.º 219, Parte L, de 14 de novembro de 2022 e publicitado no Jornal Oficial da União Europeia e (ii) condenou o Réu na prática do acto de readmissão da proposta e de nova ordenação das candidaturas admitidas ao Lote 1, posicionando a candidatura da Autora em primeiro lugar, prosseguindo o procedimento concursal os seus ulteriores trâmites procedimentais, designadamente, a adjudicação do contrato a concurso à Autora, com as demais consequências legais.

2. Alegando, o Recorrente [SCom01...] formulou as seguintes conclusões: “(…)

Do aditamento à matéria de facto dada como provada

A. O Tribunal a quo errou ao decidir o seguinte: '“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir" (cf. a p. 32 da sentença recorrida).

B. A desconsideração do teor do artigo 51.° da Contestação (retomado em sede de alegações) e do Documento n.° ... junto ao articulado de defesa da Recorrente, deve ser superiormente corrigida - impugnação que se promove nos termos do disposto no artigo 640.°, n.° 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.

C. O artigo 51.° da contestação encerra alegação respeitante a um relevante trâmite procedimental, não podendo ser desconsiderado o respetivo teor, encontrando-se provado face ao Documento n.° ... junto, pela Recorrente, em sede de Contestação.

D. Não se percebe porque teve em conta, o Tribunal a quo, os Documentos nºs. ... e ... juntos pela Recorrente à respetiva Contestação, mas desconsiderou o Documento n.° ..., junto ao mesmo articulado, quando o mesmo assume relevância para a boa decisão da causa, por provar factualidade que não pode ser desconsiderada.

E. Deve, assim, ser aditada à matéria de facto provada a factualidade seguidamente elencada:

Por comunicação de 06.11.2020, dirigida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. à Autora, foi transmitido o seguinte:

“As condições da continuação desta prestação de serviços são as que se encontravam estabelecidas no Caderno de Encargos do Concurso Público CP/04/2019/UMCMTSSS, destinado à aquisição dos serviços de vigilância e segurança para todas as entidades do MTSSS.

De entre essas condições realça-se a necessidade do cumprimento integral das obrigações laborais legais e regulamentares previstas na alínea f) do artigo 6° do citado Caderno de Encargos, designadamente o cumprimento do disposto no artigo 285° do Código do Trabalho, nas suas vertentes de manutenção do posto de trabalho, reconhecimento de antiguidade, remuneração e demais direitos adquiridos.'' - doc. ... junto com a contestação da CI.

F. Estando em causa a impugnação do ato de exclusão da proposta da Autora/Recorrida, o Tribunal a quo também errou ao não incluir, na matéria de facto dada como provada, qualquer referência relativa à apresentação dessa proposta, no procedimento pré-contratual aqui relevante.

G. Para além de importar para efeito de contagem do prazo de três anos, constante do artigo 55.°, n.° 1, alínea l) do CCP, tal facto é relevante pelo seguinte: da proposta apresentada não consta qualquer pedido de relevação do impedimento; a Autora/Recorrida declarou, no Documento Europeu Único de Contratação Pública, não recair sobre si qualquer impedimento.

H. Ao não incluir a apresentação da proposta pela Autora/Recorrida no leque de factos provados, errou o Tribunal a quo, que julgou o seguinte: “Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir" (cf. a p. 32 da sentença recorrida).

I. Tudo isto quando no artigo 7.° da petição inicial consta factualidade quanto à apresentação das propostas e quando tal documentação integra, necessariamente, o processo administrativo junto aos autos - o que releva nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.°, n.° 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA. 

J. Deve ser aditada à matéria de facto provada a seguinte factualidade (cf. o artigo 640.°, n.° 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA):

No dia 04.12.2022, foi apresentada proposta pela Autora, não tendo sido formulado qualquer pedido de relevação do impedimento, tendo tal parte declarado, em sede de Documento Europeu Único de Contratação Pública, que não se encontrava impedida de concorrer a procedimentos pré-contratuais - documentação junta com o processo administrativo.

Do vício de julgamento jurídico, quanto ao fundo da causa

K. O Tribunal a quo errou, de modo patente, ao invalidar o ato impugnado, tendo procedido a uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 55.°, n.° 1, alínea l), do CCP.

L. A resolução contratual de que a Autora/Recorrida foi destinatária, no quadro do contrato n.° 20192100107 (Lote 1), ocorreu porque a mesma se recusou a cumprir uma obrigação legal essencial: assumir os contratos de trabalho pré-existentes, na exploração económica cedida, em decorrência da modificação do prestador de serviços.

M. A documentação constante do processo administrativo e, ainda, a documentação junta aos autos em sede de contestação, por parte da Recorrente, demonstra isso mesmo [cf. as alíneas 11) e 13) da matéria de facto dada como provada, pelo Tribunal a quo, e ainda a missiva de 06.11.2020, que, inexplicavelmente, o Tribunal a quo, omitiu da matéria de facto provada].

N. Apesar de a Autora/Recorrida ter sido notificada para retomar a execução contratual cumprindo a obrigação legal essencial referida e apesar de ter sido interpelada formal e finalmente para tal, a verdade é que não o fez, não restando outra alternativa ao IEFP que não fosse determinar a resolução do contrato n.° 20192100107 (Lote 1), com os fundamentos constantes da informação e notificação de 26.11.2020 [cf. as alíneas 11) e 13) da matéria de facto dada como provada].

O. Tudo isto no quadro de um contrato com objeto semelhante ao contrato a celebrar no procedimento em apreço nos presentes autos, resultando clarividente da referida documentação a existência de uma deficiência persistente na execução do contrato, por parte da Recorrida, que remonta ao início dessa fase de execução contratual.

P. A resolução do contrato n.° 20192100107 (Lote 1) - ato válido e eficaz, não sendo isso posto em causa, nos autos - surgiu como consequência desse incumprimento contratual grave e persistente, por parte da Autora/Recorrida - incumprimento qualificado que, sem fundamento, a sentença recorrida resolveu desconsiderar.

Q. A Autora/Recorrida encontra-se impedida, nos termos do artigo 55.°, n.° 1, alínea l), do CCP, não tendo sequer promovido um pedido de relevação desse impedimento.

R. O Tribunal a quo desconsiderou, de modo ostensivo, o muito recente (14.07.2023) Acórdão do Tribunal ad quem, proferido no processo n.° 2020/22.5BEPRT e relatado pelo Senhor Juiz Desembargador NUNO COUTINHO, numa situação em tudo - mesmo tudo - equivalente: a parte é a mesma (a Autora/Recorrida) e o quadro de incumprimento contratual grave e persistente é exatamente o mesmo, assim como o ato de resolução contratual.

S. O Tribunal a quo foi, em sede de alegações, alertado, pela Recorrente, para o douto aresto acabado de referenciar, mas, ainda assim, sem que lhe tenha dedicado uma única palavra, resolveu ignorá-lo e renovar, por ora nestes autos, o mesmo vício de julgamento, tornado o presente recurso jurisdicional uma inevitabilidade.

Do vício de julgamento jurídico, quanto à condenação em custas

T. A sentença recorrida também errou na condenação em custas, ao fixar as mesmas em partes iguais para a Entidade Demandada e para a Contrainteressada, aqui Recorrente.

U. A sentença recorrida fixou a condenação em custas sem que fizesse preceder essa decisão dos motivos pelos quais entendeu adequada a proporção fixada, violando, de modo manifesto, o dever de fundamentação (cf. o artigo 205.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa).

V. A condenação de custas em partes iguais vai inteiramente contra a natureza da posição processual da Contrainteressada: esta não é parte principal, tendo uma posição processual que se aproxima da figura do assistente.

W. Em sede de custas, impõe-se que os contrainteressados apenas sejam onerados com as custas em função do vencimento/decaimento que se teve na ação e dos próprios poderes processuais de cada parte.

X. Os artigos 527.°, nºs. 1 e 2, e 528.°, n.° 1 do CPC, devidamente interpretados e aplicados, impõem que a Contrainteressada, aqui Recorrente, não tendo emitido o ato impugnado e estando associada à Entidade Demandada, não deve arcar com custas, e mesmo que deva, o insucesso da sua pretensão tem sempre de se considerar numa proporção inferior ao da Administração, ou seja, nunca em proporção igual.

Y. Haverá que apurar em que medida a mesma deu causa à presente ação, o que a sentença recorrida ignora inteiramente, sendo que, no caso vertente, a Recorrente não deu causa à ação.

Z. A sentença recorrida, ao fixar as custas em partes iguais para a Entidade Demandada e para a Contrainteressada/Recorrente, violou o disposto no artigo 527.°, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, devendo o artigo 528.°, n.° 1 do CPC ser aplicado em linha, justamente, com o preceituado no artigo 527.°, nºs. 1 e 2, do CPC.

AA. Assim o impõe, também, o princípio a proporcionalidade, ínsito à normatividade do artigo 527.°, nºs. 1 e 2, do CPC, sendo a jurisprudência cristalina (cf. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.° 2389/16.0BELSB, de 04.10.2017, relatado pela Senhora Juíza Conselheira SOFIA DAVID).

BB. A Contrainteressada/Recorrente não deve ser responsável pelo pagamento de quaisquer custas, ou, caso assim não se entenda, caso seja de manter o juízo decisório de fundo (o que só por cautela de patrocínio se equaciona), deve ser determinada a repartição de custas em termos proporcionais, devendo a Contrainteressada/Recorrente ser condenada em menor proporção do que a Entidade Demandada, ou seja, em proporção tida por equitativa e devidamente fundamentada (…)”.


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3. Já quanto ao seu recurso, o Recorrente Hospital rematou nos seguintes termos: “(…)

1. Foi julgado como provado que à data de prolação da decisão de exclusão da Recorrida, no âmbito de execução de contrato com o IEFP, este por decisão datada de 26/11/2020, isto é, nos últimos três anos, decidiu a resolução contratual, do contrato que havia celebrado com a Recorrida.

2. e, por conseguinte, estamos em presença de uma situação que corresponde à previsão da alínea l) do n°1 do art.° 55° do CCP.

3. Não cabia ao Recorrente, proceder a qualquer resenha fundamentadora da decisão de excluir a Recorrida pelo impedimento denominado Bad Past Performance, considerando, que a resolução lhe foi aplicada nos termos julgados como provados pela sentença, agira em crise.

4. segundo o art.° 55°, n° 1, al. l), do CCP está impedido de concorrer quem, por haver executado deficiente e significativamente “um contrato público anterior nos últimos três anos”, sofreu a “aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n°s. 2 e 3 do art.° 329°”.

5. as causas para o impedimento resultante do incumprimento de um contrato anterior, por parte do co-contratante, são uma de três: (i) resolução sancionatória; (ii) aplicação de pelo menos 20% de sanções contratuais tendo por referência o preço contratual; e, (iii) pagamento de indemnizações resultantes desse mesmo incumprimento. (...)

6. Para a verificação deste impedimento, basta que uma destas situações tenha ocorrido por uma vez nos últimos três anos.

7. Tal circunstância é considerada pelo legislador como comprovando a inidoneidade do operador económico inadimplente (...) crê-se que o pressuposto é apenas um: dificilmente poderia um ato administrativo que impusesse pelo menos uma destas consequências não ser fundado em “deficiências significativas e persistentes”.

8. Logo, na data decisão deste procedimento concursal, a Recorrida preenchia todos os elementos tipificados no art.° 55.° n.° 1 al. l) .

9. Constatado este impedimento, e a eficácia do acto que as aplicou, pelo que enquanto o acto administrativo que aplicou a medida de resolução do contrato tiver a sua eficácia plena, como in casu, o mesmo vale como demonstração do impedimento previsto na alínea l) do n° 1 do artigo 55° do CCP, não sendo necessário qualquer outra fundamentação, por parte da Recorrente.

10. Aliás, incumbia à Recorrida, no momento de submissão da sua proposta, descrever a aplicação de sanção indiciadora uma situação de “bad past performance”, logo solicitar a relevação desse impedimento, esclarecendo quais as medidas que tomou, bem como a respectiva suficiência, por forma a demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afetação dos interesses que justificavam aqueles impedimentos, não obstante a existência abstrata de causa de exclusão (cfr. artigo 55°, n° 2 do CCP).

Ao invés,

11. No momento em que apresentou a sua proposta, a recorrida preencheu o DEUCP — documento europeu único de contratação pública), cujo formulário contém um segmento específico onde o concorrente declara, sob compromisso de honra, (i) se se encontra em qualquer situação de impedimento e, (ii) em caso afirmativo, se adotou quaisquer medidas de self-cleaning suscetíveis de conduzir à respectiva relevação pela entidade adjudicante — e declarou, de forma expressa, que não se encontrava em nenhuma das situações previstas no artigo 55° do CCP.

Pelo que,

12. Não incorrendo sobre a Recorrente qualquer outro ónus de fundamentação, para além daquele que cumpriu de acordo com a matéria de facto provada,

13. Deve a Sentença proferida nestes autos ser anulada por violação do art.° 55.° n.° 1 al. L) do Código de Contrato Público (…)”.

4. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida não contra-alegou.


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5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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7. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

9. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir em ambos os recursos são as seguintes: (i) erro de julgamento de facto, por insuficiência do quadro material coligido; (ii) erro de julgamento de direito, por (ii.1) errónea aplicação do artigo 55º, nº.1, alínea l) do CCP e (ii.2) por ofensa do disposto no artigo 527º do CPC.

10. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. A Autora, aqui Recorrida, intentou a presente ação administrativa de contencioso pré-contratual contra a Entidade Demandada tendo formulado o seguinte petitório: “(…) Nos termos expostos e nos demais de direito do douto suprimento, deve a presente ação ser declarada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, declarar-se que a exclusão da proposta da Autora foi ilegal, designadamente por falta de requisitos que suportem o motivo subjacente a tal exclusão, e, em consequência, ordenar-se a sua readmissão a concurso, com a consequente classificação em primeiro lugar, como lhe compete, seguindo-se os demais trâmites até final, designadamente a adjudicação do contrato a concurso à A., e com as demais consequências legais, sempre com custas e demais encargos pelo R. (…)”.

12. O T.A.F. do Porto, como se sabe, validou estas pretensões jurisdicionais, tendo (i) anulado o acto de exclusão da proposta no procedimento de concurso público levado a cabo pelo Réu para a aquisição de serviços de vigilância e segurança e (ii) condenado o Réu na prática do acto de readmissão da proposta e de nova ordenação das candidaturas admitidas ao Lote 1, posicionando a candidatura da Autora em primeiro lugar, prosseguindo o procedimento concursal os seus ulteriores trâmites procedimentais, designadamente, a adjudicação do contrato a concurso à Autora, com as demais consequências legais.

13. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que o juízo de procedência da ação, no mais essencial, escorou-se, sobretudo, na seguinte ponderação de direito: “(…)

Vejamos, então se, no caso dos autos, a decisão de excluir a proposta da A. se mostra ou não legalmente enquadrada e tal exame passa por perceber se a situação concreta que foi tida como determinante da exclusão da proposta da A. configura ou não uma situação de impedimento previsto na alínea l) do n.° 1 do artigo 55.° do CCP.

Conforme indica Pedro Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 4ª Edição -2020 p. 738, “os casos de “bad past performance” aptos a gerar uma situação de impedimento são, antes de mais, aqueles em que o incumprimento se revele significativo ou persistente na execução de um requisito essencial do contrato. No seu considerando 101, a Diretiva 2014/24/EU fornece os seguintes exemplos de deficiências graves no desempenho de anteriores contratos públicos: ‘”falhas na entrega ou execução, deficiências significativas do produto ou do serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim a que se destinavam ou conduta ilícita que levante sérias dúvidas quanto à fiabilidade do operador económico”. Mais é entendimento do citado Prof. que “o incumprimento de contrato anterior deve corresponder a uma situação de execução contratual que tenha acusado deficiências significativas ou persistentes. Ao invés da Diretiva, o CCP não estabelece que essas deficiências significativas ou persistentes sejam relativas à execução de obrigações ou requisitos essenciais do contrato anterior. Exige-se, por um lado, que se trate de episódios de incumprimento significativos (graves) ou, mesmo que não significativos quando considerados isoladamente, tenham sido persistentes ou repetidos (...). Por outro lado, e sem prejuízo do silêncio do CCP deve exigir-se que se trate de deficiências na execução de obrigações essenciais do contrato anterior: o incumprimento de obrigações contratuais secundárias ou laterais, que até pode ser impostas por .ei (obrigações legais), não deverá relevar para este efeito”.

Temos, por conseguinte, que a verificação do impedimento previsto na alínea l) do n°1 do artigo 55° do CCP não se basta com a mera execução com deficiências significativas ou persistentes de, pelo menos, um contrato público anterior (nos últimos três anos), nem a mera invocação da resolução ou da aplicação de multas contratuais nos valores exigidos pela lei são bastantes para determinar o impedimento à contratação, exigindo-se, antes, que daí resulte p.ex. que, em caso de resolução do contrato, esta medida tenha sido a consequência de um incumprimento grave ou persistente.

Ora, atenta à factualidade provada a subsumir à norma em apreço, temos que, efetivamente, no âmbito de execução de contrato com o IEFP, este por decisão datada de 26/11/2020, isto é, nos últimos três anos, decidiu a resolução contratual e, por conseguinte, estamos em presença de uma situação que corresponde a parte da previsão da alínea l) do n°1 do art.° 55° do CCP.

Sucede que, os fundamentos a que a Entidade Adjudicante apelou para concluir ocorrer o impedimento à contratação previsto na citada norma, se reconduzem apenas e só a essa constatação, isto é, ter ocorrido a resolução contratual dentro do período legalmente estabelecido, não tendo sido feita qualquer resenha dos fundamentos e circunstâncias em que ocorreu a resolução contratual nem tão pouco a ponderação da gravidade do comportamento do co-contratante na execução do contrato que levou à tomada dessa decisão, em nome e no respeito pelo princípio da proporcionalidade e que, como resulta do probatório se reconduz à alegada recusa por parte da ora A. no contrato firmado com o IEFP de assumir aquilo que este veio a considerar ser uma obrigação contratual e legalmente imposta, consubstanciada na assunção dos contratos de trabalho pré-existentes na exploração económica cedida por força da modificação de prestadores de serviços, obrigação que resultaria do art.° 285° do Código do Trabalho, entendimento que reflete uma tomada de posição da entidade adjudicante, no caso o IEFP, mas que, ao nível jurisprudencial não colhe assentimento unânime (V. p.ex. Acórdãos do STJ de 6/12/2017, proferido no processo n.° 357/13.3TTPDL.L1.S1 e do STA de 9/6/2022 proferido no processo n.° 01040/20.9BEBRG, considerando este último que, para efeitos do art. 285° do CT o contrato coletivo de trabalho não impõe a transferência dos trabalhadores da anterior prestadora de serviços para a futura prestadora dos mesmos, nem da natureza da atividade a exercer - vigilância - resulta ser necessário qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento) e, mais, não integra expressamente o elenco de obrigações constantes das peças procedimentais do concurso.

É que, “A exigência dessa ponderação, em vez de uma aplicação cega do impedimento sempre que existam as consequências contratuais referidas na norma, parece-nos importante, por um lado, para diminuir (embora não o afaste totalmente) o risco da ameaça desse impedimento funcionar como modo de gestão dos contratos pelas entidades contratantes, e, por outro, para que as resoluções ou a aplicação de sanções infundadas ou desproporcionais (...) não determinem um impedimento do contratante (...)” - Comentário ao Código dos Contratos Públicos, Vol. II, Margarida Olazabal Cabral, Alguns Apontamentos Sobre Os Impedimentos no CCP, pág. 125.

Nesta linha de entendimento, também GONÇALO GUERRA TAVARES e ANTÓNIO MAGALHÃES E MENEZES por referência à alínea l) do art.° 55° do CCP sublinham que - Importa salientar, a este propósito, que o impedimento não pode funcionar apenas com a verificação de uma resolução sancionatória, uma aplicação de sanção ou a imposição de uma indemnização, sendo ainda necessário que isso tenha decorrido de deficiência grave na execução do contrato.” - O regime dos impedimentos no CCP, à luz da Diretiva 2014/24/EU, Comentários ao Código dos Contratos Públicos. Volume II. 5a Edição. Lisboa: AAFDL, 2023 pág. 165.

Em face de tudo quanto foi dito, é forçoso concluir que, apesar da confirmação da resolução contratual, não foram reunidos os fundamentos que estiveram na base dessa decisão de forma a concluir que, na execução do dito contrato firmado entre A. e IEFP tenham ocorrido deficiências significativas ou persistentes, o que significa que não se verificam os pressupostos que consubstanciam a previsão da norma, isto é, não ocorre situação que se reconduza à previsão normativa estabelecida na alínea l) do n°1 do art.° 55° do CCP e, por conseguinte, que justifique a aplicação do impedimento à admissão da proposta apresentada pela Autora no procedimento n.° 14721/2022, na modalidade de concurso público para aquisição de serviços de vigilância e segurança, cujo aviso foi publicado no Diário da Republica, II Série, n.° 219, Parte L, de 14 de novembro de 2022 e publicitado no Jornal Oficial da União Europeia, com a consequente exclusão do referido concurso nos termos da alínea c) do n.° 2 do artigo 146.° do CCP, como foi o entendido pela entidade adjudicante.

Aqui chegados, mostrando-se procedente o vício invalidante do acto que determinou a exclusão da proposta apresentada pela Autora no procedimento concursal e sendo esse o único motivo que determinou a exclusão da sua proposta que havia sido graduada em primeiro lugar, impõe-se anular essa decisão bem assim como a condenação na prática do acto de readmissão daquela proposta e na nova ordenação das candidaturas admitidas, posicionando a candidatura da Autora em primeiro lugar, prosseguindo o procedimento concursal os seus ulteriores trâmites procedimentais, designadamente a adjudicação do contrato a concurso à A., com as demais consequências legais (…)”.

14. Vêm agora os Recorrentes, por intermédio dos recursos sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.

15. De acordo com a substanciação elencada nas conclusões, cabe, desde logo, determinar se a sentença recorrida incorreu [ou não] em erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto na alínea ) do nº. 1 do artigo 55º do CCP.

16. Ora, a “nossa tarefa” – aliás, como bem assinalado pelos Recorrentes - encontra-se algo facilitada pelas decisões judiciais emanadas no âmbito do processo nº. 2020/22.5BEPRT, que tem como “objeto confesso” a impugnação da deliberação de exclusão da proposta da Autora, aqui Recorrente, no âmbito do procedimento concursal lançado pelo Ministério das Finanças para aquisição de serviços de vigilância e segurança, em várias entidades aberto pelo aviso publicado no Diário da Republica, II Série, n.º 38, Parte L, de 23 de fevereiro de 2022, e publicitado no Jornal Oficial da União Europeia, procedimento divido em 2 lotes, lote 1 - Vigilância Nacional, Lote 2 - Ligação à Central Nacional.

17. Uma das questões levadas ao conhecimento no âmbito do referido processo foi a de saber se o Ministério das Finanças, ao excluir a proposta apresentada pela Autora, com fundamento na circunstância desta ter sido objecto da aplicação da sanção de resolução de contrato pelo IEFP denominada “Bad Past Perfomance” nos últimos três anos, incorreu [ou não] em contravenção da normação vertida na alínea l) do nº1. do artigo 55º CCP, tendo este Tribunal Central Administrativo Norte, em recurso da sentença proferida em 1ª instância, firmado juízo decisório no sentido de que o T.A.F. do Porto errou ao entender, como fundamento da anulação da deliberação em apreço que excluiu a proposta apresentada pela Autora, aqui Recorrida, que a mesma não tinha sido precedida da ponderação da existência de “(…) deficiências significativas ou persistentes (…)” na execução do contrato celebrado entre o I.E.F.P. e a Recorrida, pelo que se verificaria a violação da supra transcrita alínea l) do nº 1 do artigo 55º do C.C.P.

18. A questão ali tratada apresenta os mesmos contornos com a mesma que agora se procurar dilucidar no âmbito do procedimento de concurso público visado nos autos, cabendo ainda notar que a ponderação de direito vertida na sentença aqui recorrida é, essencialmente, a mesma da que espraiada no âmbito da presente ação nº. 2020/22.5BEPRT.

19. Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação nele [Acórdão do TCAN] expendida: (…)

Julgadas não verificadas as nulidades invocadas, é altura de analisar o erro de julgamento apontado à decisão recorrida, consubstanciado na violação da alínea l) do nº 1 do artigo 55º do Código dos Contratos Públicos, que se transcreve:

“Artigo 55.º

Impedimentos

1 - Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que:

(…)

l) Tenham acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos nºs. 2 e 3 do artigo 329.º, ou a outras sanções equivalentes.”

A sentença recorrida entendeu, como fundamento da anulação da deliberação em apreço que excluiu a proposta apresentada pela Recorrida, que a mesma não tinha sido precedida da ponderação da existência de “…deficiências significativas ou persistentes…” na execução do contrato celebrado entre o I.E.F.P. e a Recorrida, pelo que se verificaria a violação da supra transcrita alínea l) do nº 1 do artigo 55º do C.C.P., entendimento que o Recorrente contesta dado entender, em síntese – cfr. conclusão segunda das alegações de recurso - que “[A] lei não atribui às entidades adjudicantes qualquer mecanismo de controlo para aferir do mérito da resolução contratual por incumprimento tomada por terceiras entidades adjudicantes.”

Para a análise do recurso afigura-se útil transcrever, por esta ordem, quer a alínea g) do nº 4 do artigo 57º da Diretiva 2014/24/EU, quer o artigo 329º do Código dos Contratos Públicos:

“Artigo 57.º

Motivos de exclusão

(…)

4. As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados-Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

(…)

g) Se o operador económico tiver acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial no âmbito de um contrato público anterior, um anterior contrato com uma autoridade adjudicante ou um anterior contrato de concessão, tendo tal facto conduzido à rescisão antecipada desse anterior contrato, à condenação por danos ou a outras sanções comparáveis;”

Artigo 333.º

Resolução sancionatória

1 - Sem prejuízo de outras situações de grave violação das obrigações assumidas pelo co-contratante especialmente previstas no contrato, o contraente público pode resolver o contrato a título sancionatório nos seguintes casos:

a) Incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao co-contratante;

b) Incumprimento, por parte do cocontratante, de ordens, diretivas ou instruções transmitidas no exercício do poder de direção sobre matéria relativa à execução das prestações contratuais;

c) Oposição reiterada do cocontratante ao exercício dos poderes de fiscalização do contraente público;

d) Cessão da posição contratual ou subcontratação realizadas com inobservância dos termos e limites previstos na lei ou no contrato, desde que a exigência pelo cocontratante da manutenção das obrigações assumidas pelo contraente público contrarie o princípio da boa-fé;

e) Se o valor acumulado das sanções contratuais com natureza pecuniária exceder o limite previsto no n.º 2 do artigo 329.º;

f) Incumprimento pelo cocontratante de decisões judiciais ou arbitrais respeitantes ao contrato;

g) Não renovação do valor da caução pelo cocontratante;

h) O co-contratante se apresente à insolvência ou esta seja declarada pelo tribunal.

2 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de indemnização nos termos gerais, nomeadamente pelos prejuízos decorrentes da adoção de novo procedimento de formação de contrato.

3 - Nos casos de resolução sancionatória, havendo lugar a responsabilidade do co-contratante, será o montante respetivo deduzido das quantias devidas, sem prejuízo do contraente público poder executar as garantias prestadas pelo cocontratante.”

Resulta do nº 1 do artigo 333º do C.C.P. que a resolução sancionatória apenas é admissível nos casos em que se verifiquem “…situações de grave violação das obrigações assumidas pelo co-contratante especialmente previstas no contrato…”, prevendo as alíneas a) a h) do mencionado nº 1 casos de grave violação das referidas obrigações, que legitimam a aplicação da sanção de resolução contratual.

No caso em apreço, e conforme se retira do facto descrito no item C) dos factos que resultaram apurados com base na consulta do processo que corre termos no T.A.C. de Lisboa sob o nº 553/21.0BELSB, o Conselho Diretivo do I.E.F.P. deliberou resolver o contrato celebrado com a Recorrida com base no incumprimento, por parte desta última, do disposto no artigo 285º do Código do Trabalho, violação essa que foi fundamentada, no que é relevante, da seguinte forma:

(…)

“A [SCom02...] parece, salvo melhor opinião, não ter entendido o essencial: a obrigação, suficientemente descrita na interpelação antecedente, cujo cumprimento a Entidade Pública contratante pretende assegurar, é uma obrigação contratual, uma obrigação que faz parte deste tipo legal de contrato, celebrado nestas circunstâncias, face ao enquadramento jurídico, necessariamente, aplicável (e seguido pelas empresas congéneres nos demais lotes do concurso). Assim, ao afirmar que não cumprirá essa obrigação (cuja operacionalização pressupõe, impreterivelmente, uma série de actos preparatórios que já deviam estar em curso, para que a transição, no dia 1 de dezembro, seja possível), a [SCom02...] coloca-se no âmbito de incidência dos poderes de resolução sancionatória da Entidade Pública contratante. Isto porque, é amplamente reconhecido que a declaração prévia da vontade de não cumprir, equivale, para estes efeitos, e sobretudo atentas as consequências irreparáveis em causa, ao incumprimento definitivo. Portanto, a “ausência de execução” é, no caso concreto, mais uma opção que revela a intenção de não cumprir. Executar todas as obrigações do contrato (e as legais que lhe subjazem) não é apenas prestar os serviços de vigilância e segurança, mas assegurar todas as condições para que esses serviços possam ser prestados com respeito pelo programa contratual e os diversos interesses públicos cuja prossecução ele encerra.”

Tendo presente que a resolução sancionatória só tem lugar em situações de grave violação das obrigações assumidas pelo co-contratante especialmente previstas no contrato, a questão que se coloca, face à redação da alínea l) do nº 1 do artigo 55º do C.C.P., é se cabia ao Recorrente apreciar se os fundamentos da resolução sancionatória deliberada pelo Conselho Diretivo do I.E.F.P., I.P., revelavam a existência de deficiências significativas ou persistentes na execução do contrato celebrado entre o referido Instituto Público e a [SCom02...].

Tendo presente o supra referido constitui entendimento do Tribunal que ao Recorrente não competia fazer tal indagação, por duas ordens de razões. A primeira, já deixada antever, prende-se com a circunstância de a resolução sancionatória apenas ser legalmente admissível em situações de grave violação das obrigações assumidas pelo co-contratante especialmente previstas no contrato, sendo que uma violação grave não pode deixar de ser tida como uma deficiência significativa ou persistente, como é caso do fundamento da deliberação do I.E.F.P., fundada na violação do artigo 285º do Código do Trabalho que a Recorrida entendeu não dever cumprir.

A segunda, na circunstância de a alínea em apreço não conferir competência a um organismo – no caso a um Ministério – para indagar se o incumprimento, causa de resolução sancionatória de um contrato anteriormente celebrado com um adjudicatário, foi “...significativa e persistente…”, sendo que, como se referiu, só uma situação grave de incumprimento dos deveres contratais, significativa, isto é, relevante, grave e persistente – isto é que não seja suprida pelo adjudicatário – legitima uma decisão de resolução sancionatória, pelo que, como sustentou o Recorrente, a constatação de uma resolução contratual por incumprimento já pressupõe a existência de deficiências significativas e persistentes na resolução do contrato.

Este é o entendimento adotado por Pedro Fernandez Sánchez que refere: “É, portanto, este o alcance da verificação de qualquer uma das quatro soluções (alternativas e não cumuláveis) descritas na alínea b) do nº 1 do artigo 55º:

a) Resolução do contrato público por incumprimento do co-contratante.

(….)

Para a verificação deste impedimento basta que uma destas situações tenha ocorrido por uma vez nos últimos três anos. Tal circunstância é considerada pelo legislador como comprovando a inidoneidade do operador económico inadimplente.”

(….)

Referindo ainda o supra citado Autor não existir “…excesso nesta solução legislativa: reitere-se que a concorrência na contratação pública é sempre ajustada ao interesse público”.

O peso que o próprio princípio da concorrência assume na formação de contratos públicos não é tal exagerado que obrigue uma entidade adjudicante a ter de aceitar a proposta e entabular uma relação contratual destinada a satisfazer um interesse público com um operador económico que provoca profundas suspeitas acerca da inidoneidade para auxiliar a Administração Pública na prossecução de necessidades coletivas.

Essa conclusão quanto à proporcionalidade do regime é especialmente evidente quando se que a lei respeita a exigência europeia de limitar o impedimento à ocorrência de “deficiências significativas ou persistentes” que só podem dizer respeito a um “requisito essencial” do contrato (alínea g) do nº 4 do artigo 57º da Diretiva 2014/24).

Assim, não é qualquer incumprimento mas sim o incumprimento que produza consequências graves concretizadas na resolução sancionatória ou na imposição de sanções pecuniárias graves ou de indemnizações ao operador económico, que pode dar origem a tal impedimento.

Se, ulteriormente, o operador económico adotar medidas posteriores que convençam a entidade adjudicante acerca de um esforço real na melhoria do seu comportamento, não fica descartado o recurso ao mecanismo de relevação de impedimento nos termos do nº 2 do artigo 55-A. Mas, sem essa evidência, o operador económico não pode convencer o decisor público acerca da sua idoneidade.”

Por último, importa referir que a circunstância de a [SCom02...] – aqui Recorrida – ter intentado contra o I.E.F.P. acção administrativa na qual impugnou a supra referida deliberação, acção que corre termos no T.A.C. de Lisboa sob o nº 553/21.0BELSB, em nada interfere, por ora, com os efeitos produzidos pela referida deliberação, dado não resultar dos autos que tal deliberação tenha sido alvo de uma providência cautelar de suspensão de acto administrativo, pelo que, em conclusão, deverá ser concedido provimento ao recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e improcedência do processo de contencioso pré-contratual (…)”.

20. O Supremo Tribunal Administrativo, na sequência da revista que foi admitida desse acórdão deste T.C.A.N., não inverteu tal linha jurisprudencial.

21. Nesta esteira, ponderada a linha jurisprudencial ali evidenciada, inteiramente transponível para o caso em apreço, ressalvadas as particularidades do caso concreto, e, não se vê razão para dela divergir, dada a bondade da solução adotada, cujo sentido perfilhamos por completo, deve assumir-se que não cabe às entidades adjudicantes aferir do mérito da resolução contratual por incumprimento tomada por terceiras entidades adjudicantes.

22. Perante este quadro, e à luz do que se dispõe na alínea l) do nº1. do artigo 55º do CCP, entendemos ser forçosa a conclusão que, em face da comunicação do Conselho Diretivo do IEFP, I.P. da decisão de resolução do contrato com celebrado com a Autora, outra hipótese não restava ao Réu senão a de determinar a exclusão desta do procedimento concursal visado nos presentes autos.

23. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta é merecedora da censura que os Recorrentes lhe dirigem no particular conspecto em análise.

24. E este julgamento tem repercussão nos demais vetores sustentadores dos recursos em análise.

25. Efetivamente, a procedência da argumentação em torno do erro de julgamento de direito supra tratado transporta-nos para evidência, para além da prejudicialidade do conhecimento da invocada ofensa do disposto no artigo 527º do C.P.C., da inocuidade e insuficiência do tecido fáctico pretendido aditar de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados – para alterar a decisão da causa.

26. E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação da Recorrente [SCom01...] com recurso ao aditamento do quadro fáctico pretendido reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.

27. Assim deriva, naturalmente, que se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique o aditamento da materialidade invocada pela Recorrente [SCom01...] ao probatório reunido nos autos, que assim se mantém na sua integralidade.

28. Concludentemente, improcedem todas conclusões de ambos os recursos em análise.

29. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento a ambos os recursos jurisdicionais, revogada a sentença recorrida, e julgada improcedente in totum a presente ação.

30. Ao que se provirá no dispositivo.

* *

IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO a ambos os recursos jurisdicionais “sub judice”, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente in totum a presente ação.

Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.

Registe e Notifique-se.


* *

Porto, 02 de fevereiro de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa

Luís Migueis Garcia em substituição

Helena Maria Mesquita Ribeiro