Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00098/10.3BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/31/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Canelas
Descritores:URBANISMO – LICENCIAMENTO DE OBRAS DE CONSTRUÇÃO – NULIDADE – FALTA DE ELEMENTO ESSENCIAL – LOTEAMENTO
Sumário:I – Caso não esteja devidamente fundamentada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a consequência não será a nulidade da sentença recorrida, mormente de falta de fundamentação a que alude o artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo; o que deverá suceder, em tal caso, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea d) do CPC novo, é que o Tribunal de recurso deva determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente.

II – Se os termos em que foi vertida no acórdão da 1ª instância a fundamentação da decisão quanto ao julgamento da matéria de facto explana em que concretos meios de prova o coletivo de juízes se fundou no que toca ao julgamento da matéria de facto, permitindo compreender, pelo menos minimamente, como foi formada a sua convicção quanto aos factos, e com isso a respetiva impugnação, deve ter-se por cumprido o artigo 607º nº 4 do CPC novo, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, não se justificando, assim, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 662º nº 2 alínea d) do CPC novo.

III – O nº 1 do artigo 133º do CPA/91 consagrava uma cláusula geral de nulidade por natureza ao estatuir na primeira parte daquele normativo que “…são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais”.

IV - Os «elementos essenciais» referidos no nº 1 do artigo 133º do CPA/91 não correspondem às menções que nos termos do artigo 123º do mesmo código devem constar do documento no qual o ato se exterioriza.

V – Se no contexto concreto em que o edificado foi projetado e erigido, sob a forma de dois blocos (A e B) de habitação multifamiliar, contíguos e partilhando elementos estruturais e funcionais, comuns entre si, tendo o edifício composto pelos dois blocos sido constituído em propriedade horizontal, não pode ter-se por nulo, por aplicação do artigo 133º nº 1 do CPA/91, o ato que licenciou as obras de construção do segundo deles (Bloco B), por não ter sido precedido de prévia operação de loteamento, na medida em que, nas circunstâncias, o mesmo não a pressupunha ou exigia, nem implicou uma divisão fundiária de facto, mantendo-se a parcela de terreno implantada com o edifício formado pelos dois blocos, estrutural e funcionalmente como una.

VI – Perante a gravidade das consequências que a nulidade do ato de licenciamento de uma obra de construção acarreta, ela apenas deve ser declarada, com apoio no artigo 133º nº 1 do CPA/91, quando seja efetivamente de concluir, sem sombra de dúvida nem qualquer margem de incerteza, pela essencialidade da prévia operação de loteamento. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...) e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou em 29/01/2010 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO DE (...), sendo contra-interessados (1) J., Lda.; (2) Banco (...); (3) E.C.O.C.; (4) Banco (...), SA; (5) H.M.P.S. e mulher(6) A.D.N. e mulher; (7) Banco (...), SA; (8) R.M.C.C.; (9) C., SA; (10) C.S.C.C. e (11) N.R.M.T. (todos devidamente identificados nos autos) peticionando a declaração de nulidade do ato administrativo que identificou tratar-se do despacho de 07/09/2000 do Vereador da Câmara Municipal de (...), que aprovou os projetos de especialidades do processo de licenciamento n° 371/99.
Inconformado com o acórdão do coletivo de juízes do Tribunal a quo de 19/12/2014 (fls. 835 ss. SITAF) que julgou a ação improcedente, com fundamento na improcedência de todas as causas de invalidade apontadas ao ato impugnado, dele interpôs o MINISTÉRIO PÚBLICO o presente recurso de apelação (fls. 870 SITAF), pugnando pela nulidade da decisão recorrida, bem como pela alteração da decisão da matéria de facto com revogação da decisão recorrida quanto à matéria de direito, com a consequente declaração de nulidade do ato licenciador impugnado, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
1. O objeto do presente recurso abrange a arguição da nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto no art. 615°, n° 1, alínea d), do CPC, por omissão de pronúncia judicial sobre questões de facto que, inserindo-se no objeto do processo, deveria apreciar (ponto II da motivação); a invocação de erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto, que inclui reapreciação de prova gravada (ponto III da motivação); e a invocação de erro de julgamento quanto à matéria de direito, que julgou improcedentes a invocada nulidade do ato impugnado (ponto IV da motivação);
2. Quanto ao ponto II, referente à arguida nulidade do acórdão recorrido, verifica-se da respetiva fundamentação da matéria de facto, que o Tribunal a quo não se pronunciou, como deveria (v.g. art. 607°, n° 4, do CPC), sobre algumas dessas questões de facto que oportunamente haviam sido consideradas controvertidas e relevantes para a decisão (questões 1', 3' e parte da 4', da Base Instrutória);
3. A omissão de pronúncia judicial sobre essas questões de facto inseridas no objeto do processo e que, assim, incumbia conhecer na sentença determina a nulidade do acórdão proferido, nos termos do disposto no art. 615°, n° 1, alínea d), do CPC, que aqui se argui (sem prejuízo do disposto no art. 149°, do CPTA);
4. Quanto ao ponto III, atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, especifica-se, para efeitos do disposto no art. 640°, n° 1, alíneas a), b) e c), e n° 2, alínea a), CPC, que:
5. Se consideram incorretamente julgados os pontos de facto a que se reportam, respetivamente, as alíneas a) dos pontos que, sob os artigos 47° a 53° da motivação, foram especificados de 1) a 7) - a saber: 1) Ponto 25° da matéria de facto (facto instrumental do quesito 1° da Base Instrutória); 2) Pontos 26°, 27° e 29° da matéria de facto provada/quesito 2° da Base Instrutória; 3) Quesito 3° da Base Instrutória; 4) Ponto 31° da matéria de facto dada como provada (facto instrumental do quesito 1° da Base Instrutória); 5) Ponto 35° da matéria de facto dada como provada (facto instrumental do quesito 1° da Base Instrutória); 6) Ponto 30° da matéria de facto dada como provada (quesito 10° do objeto da prova pericial/facto instrumental do quesito 1° da Base Instrutória); e 7) Quesitos 1° e (parte do) 4° da Base Instrutória - e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
6. Os concretos meios probatórios, constantes do processo, de registo e gravação neles realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são aqueles que, respetivamente, foram especificados sob as alíneas b) dos indicados pontos (especificados nos artigos 47° a 53° da motivação de 1) a 7) - com indicação também, nos respetivos casos, das exatas passagens da gravação em que, respetivamente, se funda o recurso ­e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
7. A decisão que, no entender do Ministério Público, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada é a que, respetivamente, e em relação a cada uma delas, foi especificada sob as alíneas C) dos indicados pontos, especificados nos artigos 47° a 53° da motivação de 1) a 7), e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
8. Quanto ao ponto IV, relativo à invocação de erro de julgamento quanto à matéria de direito, não se concorda com decisão recorrida que, julgando improcedente a verificação de nulidade do ato licenciador impugnado, julgou improcedente a ação;
9. Não se concordando, designadamente, com o entendimento do Tribunal a quo que, reconduzindo o conceito de "elemento essencial" relevante para efeitos do disposto no invocado art. 133°, n° 1, do CPA, à falta de alguns dos elementos do ato administrativo que são elencados no art. 123°, n° 1, do CPA (alíneas a), e) e g), primeira parte), se nos afigura ser demasiado redutor;
10. Antes se sufragando, com apoio em diversa doutrina e jurisprudência, o entendimento segundo o qual o conceito de "elementos essenciais" cuja falta determina a nulidade do ato nos termos previstos no art. 133°, n° 1, do CPA, abrange todos aqueles elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de ato em causa ou da gravidade do vício que o afeta;
11. I. é, abrange também os vícios graves e decisivos equiparáveis à falta dos elementos que caracterizam o género e/ou cada tipo específico de ato administrativo e que, pela intensidade do seu desvalor, justificam e impõem a invalidade absoluta nos termos da cláusula geral desse n° 1 do art. 133º;
12. Conceito que, assim, abrange a situação dos autos, em que a construção projetada e licenciada no âmbito do Proc. de Obras n° 371/99, para o mesmo prédio rústico em que antes já havia sido licenciada a construção de um outro bloco habitacional (no âmbito do Proc. de Obras n° 190/98), envolve a criação de dois edifícios/duas unidades prediais autónomas, consubstanciando duas autónomas ocupações de solo construtivo, e, por isso, estava sujeita à obrigatoriedade de prévio loteamento nos termos do disposto arts. 1°, n° 1, e 3°, alínea a), do Decreto-Lei n° 448/91, de 29/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 334/95, de 28/12;
13. Constituindo esse prévio procedimento de licenciamento da operação de loteamento um elemento essencial para o licenciamento de tal construção, cuja falta determina a nulidade do ato licenciador, nos termos do invocado art. 133°, n° 1, do CPA;
14. Efetivamente, no caso em apreço, (tendo em conta toda a matéria de facto provada e aquela que, nos termos constantes do ponto III da motivação do presente recurso deverá ser considerada provada), será forçoso concluir que a operação urbanística projetada e licenciada no âmbito do Processo de Obras n° 371/99, aí referenciada como sendo relativa à "ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, cujo processo inicial tem o n° 190/98", é, na realidade, referente à construção de um novo bloco habitacional, com 6 fogos, distinto e autónomo do primeiro;
15. Ou seja, as operações urbanísticas projetadas e licenciadas no âmbito de cada um desses dois processos de licenciamento, traduzem, na realidade, a formação de duas unidades autónomas, constituída cada uma delas por um bloco habitacional, de 6 fogos cada um, perfeitamente distinto do outro, sem dependerem funcionalmente um do outro para cumprirem a finalidade a que cada um deles se destina;
16. De tal forma que cada um dos dois blocos pode existir sem o outro sem qualquer prejuízo ou amputação da finalidade habitacional a que cada um se destina;
17. Tanto assim que primeiramente, no âmbito do no âmbito do Proc. de Obras n° 190/98, foi licenciada apenas a construção de um dos blocos, que cumpriria, por si, integralmente a função habitacional a que se destinava, sem qualquer dependência de um segundo bloco, que, aliás, nesse momento, e como resulta da posição assumida pela própria requerente a fls. 44 desse Proc. de Obras, nem sequer era certo que viesse a ser construído ulteriormente (estando a sua construção dependente da avaliação do "mercado de compra de habitação");
18. Não estando em causa uma mera ampliação do edifício anteriormente licenciado, mas a construção de um novo edifício, distinto e autónomo do anterior, estruturalmente independente do primeiro desde a cave até à cobertura, com paredes próprias e entradas independentes, e sem qualquer ligação funcional dos dois edifícios entre si (que apenas partilhavam exteriormente os espaços descobertos e as infraestruturas exteriores);
19. Estando, assim, em causa a divisão de um prédio em, pelo menos, dois lotes destinados à construção urbana;
20. E, como tal e como, de resto, fora anteriormente assumido no Proc. n° 190/98 para o caso de se vir a concretizar a construção desse segundo edifício, o licenciamento dessa operação urbanística implicava a existência e sujeição ao respetivo procedimento de licenciamento de operações de loteamento, com o regime previsto no Decreto-Lei n° 448/91, de 29/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 334/95, de 28/12 - v. arts. 1°, n° 1, e 3°, alínea a), desse diploma;
21. Enquanto procedimento que o legislador estabeleceu e definiu em termos de melhor assegurar a defesa dos interesses públicos subjacentes, v.g. com o estabelecimento de específicas regras de publicitação do requerimento, de participação de qualquer interessado e de consultas a entidades;
22. Procedimento que, no caso, não existiu;
23. Tendo existido apenas o procedimento de licenciamento de obras particulares, previsto no Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 250/94, de 15/10 (diploma que, aliás, distingue a tramitação desse procedimento consoante tenha, ou não, havido prévia operação de loteamento - v. Capítulo II), no âmbito do qual foi proferido o ato impugnado.
24. Ora, a preterição do procedimento que lei especificamente impõe para a concretização de operações de loteamento configura precisamente "um desvalor da atividade administrativa com o qual o princípio da legalidade não pode conviver, mesmo em nome da segurança e da estabilidade como acontece no regime-regra da anulabilidade", constituindo um vício de tal modo grave e decisivo que deve ser sancionado com a nulidade, nos termos do disposto no art. 131°, n° 1, do CPA.
25. Pois que aquele procedimento de licenciamento das operações de loteamento, com sujeição ao regime legalmente instituído no Decreto-Lei n° 448/91, de 29/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 334/95, de 28/12, não pode deixar de ser considerado como um elemento essencial para que se possa legalmente verificar essa divisão do prédio rústico em, pelo menos, dois lotes destinados a construção urbana e a criação de duas unidades prediais autónomas;
26. E aqui assume particular relevo o argumento da nulidade, por maioria de razão, que foi oportunamente referido na petição inicial.
27. Já que se, nos termos do disposto no art. 52°, n° 2, alínea b), do Decreto-Lei n° 445/91, de 20/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 250/94, de 15/10, no regime do licenciamento de obras particulares eram nulos os atos administrativos que violassem o disposto em alvará de loteamento em vigor;
28. Mal se compreenderia que, por maioria de razão (considerando que o vício é ainda mais grave), não fosse também considerado nulo o ato que licencia uma obra sem que previamente, e como legalmente se impunha, o terreno onde a mesma vai ser implantada tivesse sido objeto da necessária operação de loteamento, devidamente licenciada;
29. A entender-se de outro modo (como no Acórdão recorrido, que conclui no sentido da mera anulabilidade resultante da falta do prévio licenciamento do loteamento), então estaria facilmente aberto o caminho para contornar a lei, nos termos supra expostos;
30. Acresce que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, se considera que a falta do prévio licenciamento da operação de licenciamento nos termos do Decreto-Lei n° 448/91, de 29/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 334/95, de 28/12, não constitui apenas um mero pressuposto de facto do ato licenciador de obras particulares impugnado na presente ação;
31. Nem a respetiva invalidade (nulidade vs. anulabilidade) poderá ser apreciada em função da mera falta de cumprimento de certas formalidades prescritas (v.g. a consulta a determinadas entidades) no respetivo procedimento de licenciamento da operação de loteamento, nos termos do disposto no art. 56°, do Decreto-Lei n° 448/91, de 29/11, seja na redação inicial, seja na que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 334/95, de 28/12;
32. Pois o que está verdadeiramente em causa é a falta de todo o procedimento de licenciamento da operação de loteamento que deveria ter sido encetado e tramitado nos termos daquele diploma legal para que a pretensão urbanística formulada no processo de obras n° 371/99 - que precisamente e como, aliás, fora expressamente referido e aceite no anterior Proc. de Obras n° 190/98, implicava a divisão do prédio rústico em, pelo menos, dois lotes destinados a construção urbana e a criação de duas unidades prediais autónomas - pudesse validamente ser deferida;
33. E, como se refere no citado Ac. do STA de 11-11-2003, proc. 01084/03, a nulidade advém não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e atos), no seu conjunto, que formam um certo procedimento; e a partir do momento em que se adota um procedimento administrativo diverso daquele que se encontra especial e formalmente estabelecido pela lei, toda a atuação administrativa pode ser questionada, pois está inquinada pela raiz, tratando-se de urna afronta intolerável às regras estabelecidas pela ordem jurídica;
34. O ato licenciador impugnado não poderá, assim, deixar de ser considerado nulo nos termos do disposto no art. 133°, n° 1, do CPA, por faltar o pertinente procedimento de licenciamento da operação de loteamento que estava subjacente à pretensão urbanística formulada no processe de obras n° 371/99, enquanto procedimento imposto por lei para esse efeito e que, assim, constituía um elemento essencial para que, legalmente, pudesse vir a ser deferida essa pretensão;
35. Sem que a tal fosse suscetível de obstar o facto de, posteriormente, ao esse ato de licenciamento ter sido constituída propriedade horizontal relativamente aos dois blocos, que assim vieram a ser designados por A e B;
36. Na verdade, o instituto da propriedade horizontal, mesmo com a adição ao Código Civil do artigo 1438°-A (pelo Decreto-Lei n° 267/94 de 25/10), em nada contende com o do loteamento;
37. Pois que, enquanto o loteamento respeita à forma de ocupação dos solos, relevando no âmbito do direito público do urbanismo, a que subjaz a defesa de interesses públicos, designadamente em matéria de urbanismo e de proteção do ambiente;
38. A propriedade horizontal - que é necessariamente posterior ao ato de licenciamento da operação urbanística - constitui um instituto de direito civil, essencialmente destinado a regular as relações, de natureza privada, entre os condóminos;
39. E, como tal este instituto do direito civil em nada releva para a (in)validade do ato licenciador, que haverá, sim, que ser aferida em função da realidade fáctica existente no momento em que é proferido e das normas do direito público do urbanismo então vigentes, atento o princípio do "tempus regit actum";
40. Sem conceder, e de todo o modo, o certo é que, no caso em apreço, não estariam sequer reunidos os requisitos necessários para sustentar o entendimento daqueles que porventura pudessem defender que o instituto do loteamento poderia ver o seu campo de aplicação limitado pelo alargamento do instituto da propriedade horizontal relativamente a edifícios contíguos, introduzido pelo citado art. 1438°-A, do Código Civil.
41. Na medida em que os dois blocos/edifícios cuja construção foi licenciada sucessivamente no Proc.de Obras n° 190/98 e no Proc. de Obras n° 371/99, apesar de contíguos, são estruturalmente independentes desde a cave até à cobertura, não tendo (à exceção das sapatas acima referidas), qualquer ligação física entre eles;
42. E são também funcionalmente independentes entre si, não existindo nesses blocos/edifícios quaisquer partes comuns afetadas ao uso de todas ou de algumas frações que os compõem que pudessem estabelecer uma qualquer ligação funcional dos edifícios/blocos entre si;
43. A simples partilha de espaços e de infraestruturas exteriores (v.g. arruamento e acesso à parcela, logradouro, muro de vedação que delimita o perímetro da parcela, redes exteriores de infraestruturas) não integra qualquer ligação funcional dos edifícios entre si;
44. Tudo para se concluir que, no caso, o ato impugnado, que licenciou a operação urbanística formulada no âmbito do Proc. de Obras n° 371/99, é nulo nos termos do disposto no art. 133°, n° I, do CPA;
45. Por falta de prévio procedimento de licenciamento da operação de loteamento da parcela de terreno, enquanto elemento essencial para o deferimento do licenciamento da construção de um novo edifício habitacional multifamiliar, com 6 fogos, no mesmo prédio rústico em que antes já havia sido também licenciada a construção de um outro edifício habitacional multifamiliar, com 6 fogos, assim implicando a divisão daquele prédio rústico em, pelo menos, dois lotes destinados à construção urbana, nos termos do disposto no arts. 1°, n° 1, e 3°, alínea a), do Decreto-Lei n° 448/91, de 29/11, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 334/95, de 28/12);
46. E, como tal, deveria ter sido declarada essa nulidade, com a consequente procedência da ação;
47. O acórdão recorrido, ao considerar improcedente a invocada nulidade do ato impugnado e ao julgar improcedente a ação, violou, pois, as mencionadas disposições legais.

Contra-alegaram o réu MUNICÍPIO DE (...) (fls. 1042 SITAF) e o contra-interessado BANCO (...), SA (fls. 961 SITAF).
Nas suas contra-alegações de recurso, e sem que nelas formule conclusões, o contra-interessado BANCO (...), SA remata nos seguintes termos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Por sua vez o MUNICÍPIO DE (...) defende nas suas contra-alegações deverem improceder todas as conclusões do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO, não tendo a sentença recorrida violado as normas legais invocadas no recurso (nulidade prevista no artº 615º, nº 1, alínea d), do CPC, por omissão de pronúncia; erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto; erro de julgamento quanto à matéria de direito) e que o ato administrativo impugnado respeitou toda a legislação aplicável, não merecendo qualquer juízo de censura, nem enfermando de qualquer nulidade, formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1. A sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi notificada às partes por notificação datada de 19/12/2014, acrescendo a dilação prevista no artº 248º do C.P.C., suspendendo-se no entanto o prazo em curso por força das férias judiciais (Natal) entre 22/12/2014 a 03/01/2015. O prazo para a interposição de recurso, nos termos do disposto no artº 638º, nº 1 do C.P.C. é de 30 dias. Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, o que é o caso, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias. Em 19/12/2014, foi elaborada a certidão de registo e a notificação ao M.P. O recurso, contendo as respetivas alegações, foi entregue presencialmente na secção pela Sra. Procuradora da Republica, o que teve lugar em 01/04/2015. Não se encontra documentado nos autos qualquer requerimento que comprove o justo impedimento por parte do recorrente M.P., nem tal hipotético impedimento consta das alegações de recurso. Sequer foram ouvidos os demais intervenientes. Entende-se por isso que o recurso foi extemporaneamente interposto, devendo daí extrair-se todas as consequência legais.
2. O M.P. interpôs ação especial, tendo em vista obter a declaração de nulidade do despacho de 07 de Setembro de 2002, proferido pelo vereador do urbanismo do Município R. que aprovou os projetos das especialidades para a construção de um edifício multifamiliar no âmbito do Processo de Obras nº 371/99.
3. Porém, partiu de pressupostos errados e incorretos, ao considerar que o licenciamento contempla a existência de dois edifícios autónomos e independentes entre si, porque entre ambos existe uma junta de dilatação, sem qualquer contacto funcional entre si e que não trata de uma ampliação do edifício inicial, antes de um loteamento, daí a violação da lei.
4. A denominação “Bloco A” e “Bloco B”, foi a fórmula encontrada pelo projetista, para identificar e distinguir a parte nascente da parte poente, do mesmo edifício, conforme explicou na audiência de discussão e julgamento.
5. A confirmação da existência de um único edifício, consta inequivocamente do relatório pericial onde os peritos consignaram - A solução concretizada é, por conseguinte, constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas, que as tornam solidarizadas ou, por via dessa partilha de fundações, uma estrutura interligada ou unificada.
6. Além destes aspetos, referem ainda os senhores peritos o seguinte: Não se trata, portanto de um loteamento, mas de uma ampliação, permitida ao tempo pela legislação em vigor, conforme decorre do relatório pericial quando estes afirmam: “Podem os Peritos assim afirmar que o Bloco B … até pela circunstância de se encostarem um ao outro, ser considerada uma ampliação desse primeiro Bloco A (atenta a definição legal de ampliação em vigor a época da aprovação do projeto de arquitetura do Bloco B), ainda que podendo não ter qualquer relação com a construção inicialmente aprovada”.
7. Trata-se de dois Blocos, edificados em duas fases, licenciamento (com projetos de arquitetura, inicial e de alterações - e de engenharia de especialidades únicos para todo o conjunto). Quanto à funcionalidade “independente”, após visita ao local e consulta do processo municipal, na própria Câmara (em cópia, já que os originais foram remetidos pela Câmara ao TAFC), podem os peritos afirmar o seguinte:
8. Quanto a existência de ligações funcionais entre os dois Blocos, foi possível verificar no local (com confirmação pontual nos projetos dos processos municipais de licenciamento) o seguinte:
a) Os dois Blocos partilham um único acesso à Estrada Nacional nº 111 (o que é altamente vantajoso em termos de segurança rodoviária). Com esta solução, é criado um único acesso, num troço da EN nº 111 que é reto, permitindo que se atinjam elevadas velocidades, pelo que a criação de consecutivos pontos de acesso é sempre um elemento perturbador do tráfego e indutor de potencial sinistralidade rodoviária. Registe-se que estes acessos estavam, ao tempo, sujeitos a licenciamento pela extinta Junta Autónoma de Estrada, que aprovou o primeiro acesso aquando do primeiro dos dois licenciamentos. O primeiro parecer da JAE ao processo inicial consta do ofício nº 1340, de 6 de Abril de 1999 e é desfavorável. Em 7 de Junho de 1999, pelo ofício nº 2587, a JAE emite parecer favorável, incluindo o acesso e murete de vedação/suporte. Mais tarde no âmbito do segundo licenciamento o extinto Instituto para a Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), veio o oficio nº 457, de 14 de Fevereiro de 2000, veio confirmar o parecer por se enquadrar no projeto de arranjos exteriores aprovado aquando do primeiro licenciamento;
b) Os dois Blocos partilham um mesmo logradouro, limitado por um único murete. Nesse logradouro, existem estacionamentos sem afetação a cada um dos Blocos (na parte lateral e na parte frontal) e uma zona verde única, comum aos dois Blocos. O acesso aos dois Blocos, é realizado por um único passeio pedonal, concretizado por urna calçada à portuguesa, aparentemente construída numa única fase;
c) Os dois Blocos possuem redes infraestruturais em comum: rede de abastecimento domiciliário de água, com uma única baixada, ainda que com vários contadores para as frações habitacionais; rede de esgotos domésticos, com urna mesma ligação a um órgão de tratamento comum aos dois blocos, dimensionado para 42 habitantes, o que significa que teve por base uma capitação de 3.5 habitantes/fogo (registando-se que as redes pluviais são independentes e descarregam em partes comuns); rede de abastecimento domiciliário de energia elétrica, igualmente com uma única baixada, ainda que com vários contadores para as frações habitacionais; rede de telecomunicações; abastecimento de gás (com um único depósito, localizado no logradouro posterior comum);
d) A recolha de resíduos sólidos urbanos é feita sem distinção entre os dois Blocos;
e) Na projeção horizontal dos fogos habitacionais do Bloco A existe uma garagem (designada por “G”, para estacionamento individual, e afeta à fração “K” que engloba um fogo do Bloco B) cujo acesso, localizado em quase toda a sua extensão em área do Bloco B, é comum ao de outra garagem totalmente localizada na área de implantação do Bloco A (designada por “H” e afeta à fração “L”, que engloba um fogo do Bloco B);
f) Finalmente, deteta-se um revestimento de cobertura uniforme no conjunto dos dois Blocos, com uma fiada ele telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos. O revestimento da cobertura (concretizado através de telhas de barro cerâmico) é contínuo, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos.
g) Ainda no que se refere a ligações funcionais, diga-se que quem pretender aceder de automóvel ao Bloco A, terá sempre que percorrer a parte do logradouro frontal pavimentada a betuminoso que se localiza em frente ao Bloco B. O mesmo ocorre para as garagens que se localizam no Bloco A (às quais só se chega percorrendo espaços fronteiros às traseiras do Bloco A.
9. Posição defendida pelos peritos na audiência de discussão e julgamento, quando confrontados com os vários pedidos de esclarecimentos formulados pela senhora Procuradora Adjunta e posterior em resposta às questões colocadas pelos mandatários do R. e contrainteressados, conforme melhor resulta dos registos áudio gravados em suporte digital de 00:00:01 a 00:45:00 minutos.
10. Também as testemunhas arroladas pelo R. Município ouvidas para o efeito – Engº J.F. (técnico projetista) e Arquiteto F.N. (responsável pela análise técnica do projeto na fase do licenciamento) foram unanimes em afirmar que o edificado corresponde a um único edifício o qual dispõe de elementos comuns e ligação funcional ao nível da estrutura (fundações /sapatas) na cave, nomeadamente na zina da garagem “G” onde as alvenarias e junta de dilatação são interrompidas e o telhado que é único.
11. Por outro lado considerar a existência de dois edifícios como faz o Ministério Público, tendo por fundamento a existência de uma junta de dilatação vertical, solução técnica prevista no REBAPE – Regulamento Estruturas de Betão Armado e Pré Esforçado (Dec. Lei 349-C/83 de 30 de Julho) é algo anómalo.
12. As boas práticas de construção recomendam a sua aplicação em edifícios com um vão igual ou superior a 25 metros de comprimento, como é o caso, nomeadamente como elemento atenuante dos efeitos sísmicos. Não servindo de elemento caracterizador ou definidor da separação física entre edifícios e argumento jurídico para fundamentar a tese do recorrente como de resto foi confirmado na audiência de discussão e julgamento pelo autor do projeto e nos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos. As juntas de dilatação existem também para fazer face à oscilação da temperatura. Veja-se as linhas de caminho-de-ferro que são segmentadas para responderem às dilatações (verão) e contrações (inverno) evitando o descarrilamento das composições. Também as pontes apresentam tabuleiros segmentados por juntas de dilatação e nunca passou pela cabeça de ninguém, defender que estamos na presença de várias pontes (tantas quantos os sentidos / entradas), porque se trata apenas de uma solução técnica para conferir segurança ao edifício e não de um expediente para violar a lei do loteamento, argumento esse perfeitamente absurdo.
13. Confrontados os peritos com a solução técnica – junta de dilatação - adotada pelo projetista os mesmos consideram-na correta, declarando “Cada um dos Blocos tem as suas próprias paredes, dada a existência de uma junta de dilatação. Pela dimensão longitudinal do imóvel no seu conjunto, mesmo que houvesse uma única entrada, existiria sempre uma junta de dilatação”.
14. Em matéria de paredes próprias, são interrompidas na cave na zona da garagem “G”, conforme consta do Relatório Pericial ponto 4.5, dos esclarecimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, do depoimento prestado pelo projetista Engº J.F.P.e pela análise das peças desenhadas do projeto.
15. De acordo com os artigos 25º e 28 do REGEU- Regulamento Geral de Edificações Urbanas, os blocos para serem autónomos e independentes entre si, ao nível exterior terão de possuir paredes em alvenaria duplas com caixa-de-ar e isolamento. Ora, ambos os blocos dispõem apenas de paredes simples, separadas por uma junta de dilatação desde o pavimento da cave até à laje do teto do segundo andar, porque não foram concebidas para funcionarem como paredes exteriores. Também por aqui se não encontram reunidas as condições técnicas para se afirmar estarmos perante dois edifícios.
16. O edifício possui um único telhado, sem qualquer separação física (relatório pericial / esclarecimentos peritos e depoimento do projetista J.F.P..
17. Basta uma breve análise da sentença para se concluir que inexiste qualquer nulidade. Concorde-se ou não com a decisão final (e parece que apenas o M.P. não concorda) o douto tribunal a quo conheceu e pronunciou-se sobre todas as questões que foram submetidas à sua apreciação. E não só se pronunciou como até remeteu a fundamentação para o relatório pericial, subscrito por unanimidade, referindo ainda que todos os esclarecimentos verbais, prestados pelos senhores peritos na audiência de discussão e julgamento, foram sempre prestados, por unanimidade.
18. Não se vislumbra na sentença qualquer nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC, que se traduza em omissão de pronúncia. Os factos dados como provados a que o M.P. chama instrumentais, conformam os quesitos submetidos à produção de prova e como tal suportam a decisão final, a qual refira-se está em consonância com a prova efetivamente produzida.
19. Refere o M.P. a existência de erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto (seguindo a ordem das alegações) no ponto 25º da matéria de facto dada como provada/quesito 1° da Base Instrutória, 26º, 27º e 29º / quesito 2º da Base Instrutória, quesito 3º da BI, ponto 31º, 35º da matéria dada como provada, com referência ao quesito 1º da BI, ponto 30º, quesito 1º e parte do 4º da BI.
20. Porém, não lhe assiste razão, como de resto resulta das antecedentes alegações produzidas ponto a ponto, as quais por uma questão de economia processual, nesta parte se dão aqui por integralmente reproduzidas.
21. O M.P. não pode querer que seja dado como provado o que na verdade não alegou.
22. Por outro lado, nos termos do disposto na 2ª parte, da al. d) do nº 1 do artº 615º do C. P. Civil, está vedado ao juiz sob pena de nulidade da sentença, conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, como é de resto o caso ao não ter sido alegado pelo Autor.
23. No entanto, ainda assim se dirá que o A. confunde estrutura da cobertura com a própria cobertura, o que são coisas completamente distintas, laborando em erro grosseiro de análise.
24. A cobertura é o telhado ou terraço. No edifico em causa a cobertura está projetada e foi executada em telha de barro vermelha.
25. Socorrendo-nos ainda do relatório pericial, a este propósito é afirmado pelos senhores peritos: “deteta-se um revestimento de cobertura uniforme no conjunto dos dois Blocos, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos. O revestimento da cobertura (concretizado através de telhas de barro cerâmico) é contínuo, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos”.
26. Ora, para além da confusão gerada entre estrutura e cobertura, obviamente que não pode ser dado como provado o que não foi alegado pelo MP, além de que tal não corresponde á verdade, pois não existem paredes separadoras na cave, na zona da garagem “G”, o que permite o contacto entre blocos. Não pode, pois, merecer acolhimento o pedido formulado pelo M.P. também nesta parte.
27. O Tribunal a quo de acordo com a prova produzida, considerou que ”No projeto de estabilidade verifica-se que na zona de contacto entre os dois blocos, foram projetadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco); “A solução estrutural projetada é, por conseguinte, constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas” que as tornam solidarizadas.
28. De resto é o próprio projeto de estabilidade que confirma esta afirmação, porquanto são as “sapatas” existentes nas fundações que suportam toda a estrutura. Sem elas, não existiria edifício! O projeto confirma que as sapatas na interceção dos dois blocos são comuns. Não havendo forma de as separar, em virtude de se tratar de um bloco de betão armado (por cada sapata) enterrado, uno e indivisível, do qual nascem dois pilares, conforme foi declarado pelo projetista J.J.F.P. – cujo depoimento se encontra gravado no suporte digital de 00.45.25 a 01.09.47. Por ele foi dito que a estrutura foi calculada e distribuída uniformemente por todo o edificado, por forma a responder harmonicamente a qualquer fenómeno natural.
29. A demolição de parte da estrutura, alteraria o eixo do equilíbrio e poderia provocar o colapso da estrutura restante. Idêntica posição é corroborada pelos peritos, quando se referem às especiais medidas de precaução e segurança que seriam necessárias para a hipotética demolição de um dos blocos e as obras dispendiosas que teriam obrigatoriamente de ser efetuadas para viabilizar a habitabilidade do outro bloco. O que é suficientemente esclarecedor da interdependência entre blocos daquele edifício e a impossibilidade de ser garantida, sem obras adicionais, a segurança e habitabilidade do bloco sobrevivente a tal hipotética decisão, cujo interesse publico se não descortina.
30. Num prédio de habitação coletiva, como é o caso, as redes de abastecimento das várias especialidades servem fogos e não blocos. Daí que cada fogo, tenha uma rede independente /individualizada de águas, com contador e dispositivos de corte geral, o mesmo sucedendo, á rede de eletricidade, do gás e demais redes, as quais são posteriormente ligadas através dos ramais ao fornecedor (público ou privado) – conforme depoimento do projetista João Flor, gravado no suporte digital de 00.45.00 a 01.09.44 minutos.
31. Quanto ao erro de julgamento – “nulidade do ato impugnado (artº 133, nº 1 do C.P.A”. – não se vislumbra na douta sentença, qualquer nulidade.
32. Refira-se que o pedido de constituição de propriedade horizontal, foi apresentado em conjunto com a arquitetura e não em momento posterior como refere o M.P..
33. Também se não afigura aplicável in casu, a jurisprudência dos acórdãos referidos na PI e nas alegações finais, porque todos eles pelas características das situações relatadas, nada têm em comum com o presente caso. A título de exemplo refira-se o acórdão de 27/02/2007 – Rec. 1038/06, em que “cada um dos oito edifícios construídos, tem o seu logradouro, garagem e área de aparcamento próprios e independentes dos demais, tendo ainda, cada um deles, uma entrada própria, bem como instalações elétricas, de água e saneamento independentes dos restantes, inexistindo qualquer ligação funcional dos edifícios e partes comuns”, condição e requisitos que de todo se não verifica no edifício dos presentes autos.
34. E, sempre teriam de ser considerados os direitos putativos dos proprietários das frações autónomas que de boa-fé adquiram os referidos imóveis, fizeram contratos de mútuo e constituíram hipotecas.
35. Andou bem o tribunal a quo, mormente na qualificação da matéria dada como provada, na sequência da prova produzida (documental, pericial, testemunhal) conjugada com os elementos constantes do PA, não merecendo, pois, a douta sentença qualquer reparo ou censura, devendo consequentemente manter-se a validade e eficácia do despacho impugnado.
*
Admitido o recurso e sustentada, por despacho do Mmº Juiz a quo, a invocada nulidade da decisão recorrida (fls. 1082 SITAF) subiram os autos em recurso a este Tribunal.
E após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte), foram submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS/das questões a decidir
II. 1) Da questão da eventual intempestividade do recurso
O recorrido MUNCÍPIO DE (...), réu na ação, suscitou desde logo nas suas contra-alegações a intempestividade do recurso (vide conclusões 1ª e 2ª das suas contra-alegações). Mas o recurso mostra-se tempestivo.
É que se o acórdão recorrido foi efetivamente notificado ao réu MUNICÍPIO bem como aos contra-interessados através de notificações expedidas por via postal em 19/12/2014 (cfr. fls. 858-866 SITAF) considerando-se, assim, notificadas no terceiro dia útil posterior, a notificação do MINISTÉRIO PÚBLICO foi pessoalmente notificada na pessoa da respetiva Magistrada do Ministério Público junto daquele Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 26/02/2015 (cfr. fls. 608 do suporte físico do processo, digitalizada e integrada no SITAF). E uma vez que o recurso interposto visa também a reapreciação de prova gravada, acrescem 10 dias ao prazo de 30 dias para a instauração do recurso (cfr. artigos 144º nº 1 do CPTA, versão original, e artigo 638º nº 7 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA).
Assim, considerando a data da notificação (26/02/2015) e contando-se a partir do dia seguinte o prazo de 30+10 dias para a instauração do recurso, o último dia recaiu em 14/04/2015 por efeito da suspensão decorrente da intermediação do período de férias judiciais da Páscoa, que nesse ano se verificou entre 30/03/2015 e 06/04/2015.
Tendo o requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações sido apresentado presencialmente em 01/04/2015 (cfr. fls. 868 SITAF), foi-o, pois, tempestivamente.
II. 2) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
Em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as respetivas conclusões de recurso, vêm colocadas as seguintes questões essenciais:
- saber se o acórdão recorrido padece da invocada nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo - (vide conclusões 1ª a 3ª das alegações de recurso);
- saber se o acórdão recorrido incorreu nos apontados erros de julgamento quanto à matéria de facto - (vide conclusões 4ª a 7ª das alegações de recurso);
- saber se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa ao considerar que o ato impugnado não padece das invocadas nulidades de falta de elemento essencial, nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA/92, e aquela a que se encontra prevista no artigo 52º nº 2 al. b) do DL nº 445/91 de 20/11 - (vide conclusões 8ª a 47ª das alegações de recurso).
*
III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis no acórdão recorrido:
«(…)
Fundamentação
De facto
O Tribunal considera com interesse para a decisão e ou a discussão da causa, os seguintes factos, assentes ou provados em face das posições assumidas pelas partes, dos documentos juntos com os articulados e integrantes do processo administrativo e do relatório pericial e da prova produzida em audiência:
1.º
Em 06 de Junho de 1998 L.C.S., requereu à Câmara Municipal de (...) o licenciamento da construção de um bloco habitacional, num prédio rústico situado no lugar de (...) - (...), inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo matricial com o n° 341, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 01151, requerimento que ficou registado como procedimento de licenciamento de obras nº 190/98 - v. P.A, fls. 4 a 39 e fls. 45 a 48 do processo de obras 190/98;

De acordo com a memória descritiva e justificativa e com a ficha técnica e as respectivas peças desenhadas, o projecto apresentado previa a construção de um edifício habitacional multifamiliar, de 6 fogos, com cave (em que "serão instaladas seis garagens e um espaço destinado a arrumo do condomínio"), rés-do-chão, primeiro e segundo andares (cada um deles com dois apartamentos) e sótão (em que "serão construídos seis espaços destinados a arrumos de cada um dos fogos");

- Em 19 de Junho de 1998, foi elaborada a informação técnica de fls. 41 do processo de obras 190/98 (sobre a qual foi proferido despacho de 30/06/98, a determinar a solicitação dos elementos nela indicados), na qual foi consignado, além do mais, que: "(…) o Projecto apresentado integra uma proposta/intenção de loteamento, e já explicitamos ao Técnico Projectista o nosso ponto de vista, uma vez que entendemos que previamente deveriam ser asseguradas as condições para o parcelamento, ou seja, proceder ao loteamento nos termos legais, e ainda resolver questões relativas às infra-estruturas, e acessos à E.N. 111. Desta forma deveriam ser solicitados os adequados esclarecimentos, já que a presente via para o licenciamento, não se nos afigura a mais adequada (...)";

Tendo sido notificada nos termos constantes de fls. 42, a requerente apresentou, em 30 de Julho de 1998, o requerimento constante de fls. 44, em que, além do mais, vinha "(…) esclarecer que, conforme já foi discutido com os Serviços Municipais existe intenção de lotear a propriedade, nos termos também já analisados. Mais esclarece que a pretensão de licenciar primeiro esta construção, se deve ao facto de pretender avaliar o mercado de compra de habitação, antes de proceda a investimentos que são sempre avultados. Não parece existir qualquer ilegalidade neste propósito. Quanto às infra-estruturas, quer se proceda ao loteamento, quer nos limitemos a esta construção, os seu custo será sempre de quem construir. No que concerne ao acesso à E.N. 111, informamos que houve contactos preliminares com a JAE, em que nos informaram que a construção/loteamento seria possível (…)”

Em 16/06/99, foi deferida a aprovação do projecto de arquitectura - v. fls. 79 a 81 do respectivo PA (190/98);

Em 28/07/99 a requerente apresentou os projectos de especialidade, nos termos constantes de fls. 84 a 242 do respectivo procedimento de obras.

Por despacho de 13 de Setembro de 1999, foi deferida a aprovação dos projectos de especialidades - v. fls. 244 do m4esmo procedimento;

Por despacho de 30/09/99, foi deferido o averbamento do processo em nome da ora contra-interessada J., Lda. - v. fls. 247 do PA respectivo.

Em 07/10/99, foi emitido o Alvará de Licença de construção n° 197/99, nos termos constantes do final do PA, para construção de um edifício de habitação multifamiliar com 6 fogos, condicionada, além do mais, ao parecer da CENEL.

Em face do Procedimento de licenciamento de obras nº 371/99, integrante do P.A. estão provados os seguintes factos:
10º
Em 03/11/99 a contra-interessada particular J., Lda., requereu à Câmara Municipal de (...) o licenciamento da construção de um (outro) bloco habitacional, no indicado prédio rústico situado no lugar de (...) - (...), inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo matricial com o n° 341, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 01151, que aí referenciou como sendo "ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, cujo processo inicial tem o n" 190/98" - v. doc. n° 1 da petição inicial e fls. 4 a 8 do Processo de obras n° 371/99.
11º
De acordo com a respectiva memória descritiva e justificativa e ficha técnica e com as respectivas peças desenhadas o projecto apresentado previa (também) a construção de um edifício habitacional multifamiliar, aí referenciada como sendo de "ampliação", com implantação projectada no seguimento do anterior, igualmente de 6 fogos, com cave (em que "serão instaladas seis garagens e um espaço destinado a arrumo do condomínio"), rés-do-chão, primeiro e segundo andares (cada um deles com dois apartamentos) e sótão (em que "serão construídos seis espaços destinados a arrumos de cada um dos fogos") - v. doc. n° 2 da petição inicial e fls. 9 a 44 daquele procedimento.
12º
A obra tinha um custo total estimado de 44.728.000$00 (223.102,32 €) - v. doc. n° 3 da petição inicial e fls. 18 daquele procedimento.
13º
-Por despacho de 30/03/2000 foi aprovado o projecto de arquitectura - v. doc. n° 4 da petição inicial e fls. 57 a 59 daquele procedimento.
14º
Em 11/05/2000 a contra-interessada particular J., Lda., apresentou os projectos de especialidade, nos termos constantes de fls. 63 a 220 daquele procedimento (v. ainda doc. n° 5 da petição inicial);.
15º
Por despacho do Vereador com competências delegadas de 07 de Setembro de 2000, que ora se impugna, foram aprovados os projectos de especialidades - v. doc. n° 6 da petição inicial e fls. 222 daquele procedimento;
16º
Em 04/10/2000, a Câmara Municipal apreciou o requerimento apresentado pela contra-interessada particular J., Lda., de "autorização para que o edifício, objecto de licenciamento (...), se constitua em propriedade horizontal (...)", deliberando deferir o pedido (...)" - v. fls. 228 a 232 desse procedimento;
17º
Em 04/12/2000, foi emitido o respectivo Alvará de Licença de construção n° 291/00, nos termos constantes de fls. 249 a 251 do procedimento, também condicionada, além do mais, ao parecer da EDP.
18º
No edifício em causa (Bloco B) foi constituída a propriedade horizontal, com as fracções C, D, G, H, L e K (doc.7 da PI).
19.º
A fracção C foi adquirida por E.C.O.C. que, para o efeito, constituiu uma hipoteca sobre a mesma a favor do Banco (...) SA.
20.º
A fracção D foi adquirida por H.M.P.S. e mulher, que, para o efeito, constituíram urna hipoteca sobre a mesma a favor do Banco (…), agora Banco (...).
21.º
A fracção G foi adquirida por A.D.N. e mulher, que, para o efeito, constituíram sobre ela uma hipoteca a favor do Banco (...) SA.
22º
A fracção H foi adquirida por R.M.C.C., que, para o efeito, constituiu sobre ela uma hipoteca a favor da C., S A.
23º
A fracção L foi adquirida por C.S.C.C. que, para o efeito, constituiu sobre ela uma hipoteca a favor da C., S A.
24º
A fracção K foi adquirida por N.R.M.T. que, para o efeito, constituiu sobre ela uma hipoteca a favor do (…), agora C., S A.

Da produção da prova pericial, a relatada e a verbal relativamente às questões integrantes da Base Instrutória resultou a prova dos seguintes factos:
25º
O Bloco habitacional licenciado pelo acto impugnado está na continuidade do bloco licenciado no processo 190/98, havendo entre ambos apenas uma junta de dilatação desde a cave até ao segundo andar.
Veja-se a Resposta pericial à questão 1 da BI e o esclarecimento prestado no relatório complementar.
26º
No projecto de estabilidade verifica-se que na zona de contacto entre os dois blocos, foram projectadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco).
Veja-se a resposta pericial à questão 2 da BI – no que a matéria estritamente de facto concerne e o relatório complementar.
27.º
A solução estrutural projectada é, por conseguinte, constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas.
Idem.
28º
Trata-se de dois blocos com estruturas independentes – com excepção das sapatas sobreditas - com processo de licenciamento distintos e com projectos de arquitectura e de engenharia de especialidades distintos.
Idem
29.º
Cada um dos blocos tem a sua entrada própria, escadas próprias.
Vide Peças desenhadas do procedimento.
30.º
A demolição de um dos Blocos mantendo o outro seria possível. Tratar-se-ia de uma operação que teria que ser rodeada de adequadas medidas de segurança (criando incómodos por vários dias aos habitantes do Bloco que permanecesse). Haveria ainda que proceder à reformulação das redes infra-estruturais (nomeadamente com a selagem de todas as ligações dessas redes, nos locais em que deixassem de ser necessárias), em especial a rede de esgotos domésticos e a rede de gás.
Resposta pericial ao “quesito” pericial 10.
31.º
O edificado projectado possuí um único telhado de duas águas.
Veja-se a resposta pericial à questão 1 da BI.
32.º
Dispõe de um só arruamento e acesso à parcela.
Idem.
33.º
Logradouro único.
Idem.
34.º
Um único muro de vedação que delimita o perímetro da parcela, inexistindo muros intermédios.
Idem.
35.º
Em projecto, todo o edificado partilha redes de águas, esgotos, electricidade e gás e telecomunicações a jusante da rede pública.
Tal é o que resultada das respostas periciais à questão 1 da PI e à 1ª questão da BI com os esclarecimentos verbais dos peritos, sempre prestados por unanimidade, note-se.

E consignou como não provado o seguinte, nos seguintes termos:
«(…)
Não se considera provado, de entre o alegado pelas partes, que o edificado licenciado seja um único edifício ou prédio ou que sejam dois, pois, atento o objecto do processo, esta não é uma questão de facto.
Tão pouco se considera provado que sejam os dois blocos funcionalmente independentes ou funcionalmente dependentes, pois esta questão assume natureza conclusiva no contexto do objecto do processo.
(…)»
**
B – De direito
1. Da análise dos fundamentos do recurso
1.1 Da invocada nulidade do acórdão recorrido
1.1.1 O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO invoca, desde logo, ter o acórdão recorrido incorrido em nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º nº alínea d) do CPC, dizendo que se verifica da fundamentação da matéria de facto que o Tribunal a quo não se pronunciou, como deveria, nos termos do artigo 607° n° 4 do CPC, sobre algumas dessas questões de facto que oportunamente haviam sido consideradas controvertidas e relevantes para a decisão, em concreto das questões 1ª, 3ª e parte da 4ª, da Base Instrutória – (vide conclusões 1ª a 3ª das alegações de recurso).
Vejamos.
1.1.2 Nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013 (aplicável à situação dos autos, uma vez que o acórdão objeto do presente recurso foi prolatado já no âmbito da sua vigência), a sentença é nula quando “…não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Como tem vindo a ser consensual e reiteradamente aceite, seja pela doutrina seja pela jurisprudência, só tal falta – da especificação dos fundamentos, de facto e de direito – constituirá causa de nulidade da sentença. O que, aliás, está em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da CRP. A falta de motivação (quer de facto quer de direito) suscetível de integrar a nulidade de sentença a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao anterior artigo 668º do CPC antigo) é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos (vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 14/07/2008, Proc. n.º 510/08; de 03/12/2008, Proc. n.º 540/08; de 01/09/2010, Proc. n.º 653/10; de 07/12/2010, Proc. n.º 1075/09; de 02/03/2011, Proc. n.º 881/10; de 07/11/2012, Proc. n.º 1109/12; de 29/01/2014, Proc. n.º 1182/12; de 12/03/2014, Proc. n.º 1404/13, in, www.dgsi.pt/jsta). Para que se esteja perante falta de fundamentos de facto geradores da nulidade de sentença é mister que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que hão-de suportar a decisão que profere. Só aí se estará perante «falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão» a que alude a referida alínea b).
1.1.3 No caso dos autos é patente que essa falta de fundamentação não existe na exata medida em que o acórdão recorrido elenca a factualidade que deu dada como provada, fazendo no seu corpo fundamentador a subsunção jurídica dos factos ao direito. Não ocorrendo, assim, a invocada nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação a que alude o artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo.
1.1.4 Por outro lado, a dimensão em que veio invocada a falta de fundamentação, no que respeita à factualidade que vinha quesitada nos pontos 1., 3. e 4. da Base Instrutória, não conduz à nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação.
1.1.5 É certo que nos termos do disposto no artigo 607º nº 4 do CPC novo, “…na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, tomando ainda em consideração “…os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”(aplicável à ação administrativa especial ex vi do artigo 1º do CPTA, na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, aqui temporalmente aplicável nos termos do artigo 15º nºs 1 e 2). Significando que o legislador consagrou o dever do juiz analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida sobre a prova ou inexistência de prova dos factos, dever que assume especial relevância quando se está perante factos onde vale o princípio da livre apreciação das provas (a qual não abrange, como é sabido, os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes), já que a livre apreciação da prova, por parte do juiz, deve ser efetuada “…segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” (cfr. artigo 607º nº 5 do CPC novo).
Impõe-se, assim, ao julgador que exteriorize o iter valorativo, com a explicitação das razões que o levaram a considerar determinado facto provado ou não provado.
Neste âmbito, o importante é que em sede de fundamentação do julgamento sobre a matéria de facto “se exponham com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas da prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade (…)» - (cfr. Abrantes Geraldes, in,Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 237).
E, como diz o mesmo autor, “ligado ao poder de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto está o dever de fundamentação introduzido pela reforma operada em 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respetivas implicações jurídicas. A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando porque razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º nº 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante dos documentos” - (cfr. Abrantes Geraldes, in,Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 252).
É que são esses fundamentos, indicados pelo julgador, que revelarão as razões em que radica a sua decisão e que se mostrarem determinantes para o juízo formulado. E é a explicitação dessa motivação que permitirá conhecer e controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento da matéria de facto.
Como refere Teixeira de Sousa, inEstudos sobre o Novo Processo Civil”, 2ª Edição, pág. 348, “…o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade”, esclarecendo que “…a exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão”.
1.1.6 Neste contexto, é precisamente o caminho percorrido no campo da motivação do julgador que torna possível aferir se houve erro no julgamento da matéria de facto, por erro na apreciação e valoração da prova, quando nos situamos no campo da sua livre apreciação pelo julgador.
1.1.7 Nesse campo, e como refere Luísa Geraldes, inImpugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, em “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas”, Vol. I, págs. 605 ss., a modificação do julgamento da matéria de facto feita na 1ª instância, deve “… ser efetuada com segurança e rodeada das necessárias precauções, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência - após efetiva audição dos respetivos depoimentos - e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios e nos termos das als. a) e b) do nº 1 do art. 712º do CPC, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo Recorrente. (…) Quer isto dizer que, nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido. O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.
1.1.8 Nesse mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do STJ, disponíveis in, www.dgsi.pt/jstj, de 20/09/2005, Proc. nº 05A2007, em que se sumariou, entre o demais, que «1 - O Tribunal da Relação havendo gravação de prova tem de efetuar uma reponderação pontual e condicionada à alegação do recorrente. 2 - O controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar sem mais a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade» e de 01/07/2010, Proc. nº 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, assim sumariado: «I – O julgamento da matéria de facto em 2ª instância não se pode limitar a ser um mero controle da flagrante desconformidade com os elementos de prova do julgamento de facto em 1ª instância com os elementos de prova. II – Sendo certo que o recurso não significa um julgamento ex novo, mas a reapreciação da decisão recorrida, tal não quer dizer que essa reapreciação não imponha, da parte da Relação, a formação de uma convicção própria que deverá ser cotejada com aquela que está em apreço
1.1.9 Ora, caso não esteja devidamente fundamentada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre algum facto essencial para o julgamento da causa a consequência não será a nulidade da sentença recorrida, mormente por falta de fundamentação a que alude o artigo 615º nº 1 alínea b) do CPC novo. O que deverá suceder em tal caso, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea d) do CPC novo, é que o Tribunal de recurso deva determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente. Sabendo-se, simultaneamente, que a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determinada nos vetores da celeridade e da eficácia - (cfr. Abrantes Geraldes, in,Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 237).
Vide, a este respeito, designadamente, o acórdão deste TCA Norte de 18/10/2019, Proc. nº 544/09.9BEPNF, in, www.dgsi.pt/jtcn, por nós relatado, assim sumariado: «I – O juiz deve analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos decisivos para a convicção adquirida sobre a prova ou inexistência de prova dos factos, dever que assume especial relevância quando se está perante factos onde vale o princípio da livre apreciação das provas já que a livre apreciação da prova, por parte do juiz, deve ser efetuada “…segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” (cfr. artigo 607º nº 5 do CPC novo). II – Em sede de fundamentação do julgamento sobre a matéria de facto o juiz deve expor, com clareza, os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas da prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão possa sindicar o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade. III - São esses fundamentos, indicados pelo julgador, que revelarão as razões em que radica a sua decisão e que se mostrarem determinantes para o juízo formulado; e é a explicitação dessa motivação que permitirá ao Tribunal de recurso conhecer e controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento da matéria de facto. IV – Se os termos em que foi vertida na sentença recorrida a fundamentação da decisão quanto ao julgamento da matéria de facto não permite perspetivar como foi formada a convicção do julgador quanto a determinados factos concretos, sendo eles contraditórios entre si, e tendo sido produzido um acervo probatório que incluiu prova documental, prova pericial e prova testemunhal, esta com prestação de depoimentos por testemunhas arroladas quer pelo autor quer pelo réu, o Tribunal de recurso não está em condições de tomar posição, aderindo e mantendo a convicção do julgador da 1ª instância, ou pelo contrário, afastando-se dessa convicção, o que é tarefa fundamental quando esse julgamento vem impugnado em recurso. V – Em tal caso, o que se impõe fazer, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea d) do CPC novo, é determinar que o tribunal de 1.ª instância fundamente devidamente a decisão proferida sobre o julgamento da matéria causa
1.1.10 Na situação dos autos temos que no despacho-saneador de 22/04/2013 (fls. 344 SITAF) a Mmª Juíza a quo então titular do processo, levou à Base Instrutória a seguinte factualidade, ali assim vertida:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Tendo em sede de instrução sido realizada perícia colegial (cujo objeto foi definido no despacho de 29/10/2013, a fls. 109 SITAF, e cujos respetivos relatórios inicial e complementar constam de fls. 351 a 354 e 396 a 397 do processo físico), tendo ainda os peritos prestado esclarecimentos verbais em sede de audiência final, e nesta (levada a cabo em 28/10/2014 – cfr. ata de fls. 735 SITAF) produzida ainda prova testemunhal, prestando depoimento duas testemunhas arroladas pelo réu MUNICÍPIO DE (...) e uma testemunha arrolada pelo contra-interessado BANCO POPULAR. Meios de prova a que se somou toda a prova documental integrada no processo, entre a qual se conta o Processo Administrativo instrutor.
1.1.11 O Tribunal a quo não deixou de atender, no acórdão recorrido, ao conjunto do acervo probatório produzido, tendo explicitado, ainda que talvez não do modo mais ortodoxo, em que meios probatório concreto se fundou no julgamento da matéria de facto, que fez, incluindo quanto aos factos que vinham controvertidos, e quanto aos quais foi aberto um período de instrução e prova.
E da leitura do acórdão pode extrair-se ter nele sido vertida, pelo menos minimamente, a motivação do julgamento quanto à matéria de facto, em termos que, aliás, permitiram a respetiva impugnação. Estando, simultaneamente, o Tribunal de recurso em condições de tomar posição, aderindo e mantendo a convicção do julgador da 1ª instância, ou pelo contrário, afastando-se dessa convicção, que é a tarefa fundamental quando esse julgamento vem impugnado em recurso.
1.1.12 Assim, se os termos em que foi vertida no acórdão da 1ª instância a fundamentação da decisão quanto ao julgamento da matéria de facto explana em que concretos meios de prova o coletivo de juízes se fundou no que toca ao julgamento da matéria de facto, permitindo compreender, pelo menos minimamente, como foi formada a sua convicção quanto aos factos, e com isso a respetiva impugnação, deve ter-se por cumprido o artigo 607º nº 4 do CPC novo, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, não se justificando, assim, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 662º nº 2 alínea d) do CPC novo, aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA, nos termos do qual quando não esteja devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal ad quem deve determinar a baixa dos autos à 1.ª instância para que a fundamente.
1.1.13 Não colhe, pois, pelo exposto, o recurso nesta parte.

1.2 Dos invocados erros de julgamento quanto à matéria de facto
1.2.1 Vejamos, pois, agora, se ocorrem os erros de julgamento quanto à matéria de facto apontados pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO ao acórdão recorrido - (vide conclusões 4ª a 7ª das alegações de recurso).
Sendo certo que o recorrente cumpriu adequadamente os respetivos ónus de impugnação, tal como previstos no artigo 640º do CPC, aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA, nada, obstando, assim, à sua apreciação.
1.2.2 O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO considera terem sido incorretamente julgados os pontos 25º, 26º, 27º, 29º, 30º, 31º, 35º da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, colocando em causa o julgamento feito quanto à matéria que havia sido quesitada nos artigos 1º, 3º e 4º (este em parte) da Base Instrutória.
1.2.3 O dado como provado pelo Tribunal a quo nos indicados pontos do respetivo julgamento da matéria de facto foi o seguinte:
25º
O Bloco habitacional licenciado pelo acto impugnado está na continuidade do bloco licenciado no processo 190/98, havendo entre ambos apenas uma junta de dilatação desde a cave até ao segundo andar.
26º
No projecto de estabilidade verifica-se que na zona de contacto entre os dois blocos, foram projectadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco).
27.º
A solução estrutural projectada é, por conseguinte, constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas.
29.º
Cada um dos blocos tem a sua entrada própria, escadas próprias.
30.º
A demolição de um dos Blocos mantendo o outro seria possível. Tratar-se-ia de uma operação que teria que ser rodeada de adequadas medidas de segurança (criando incómodos por vários dias aos habitantes do Bloco que permanecesse). Haveria ainda que proceder à reformulação das redes infra-estruturais (nomeadamente com a selagem de todas as ligações dessas redes, nos locais em que deixassem de ser necessárias), em especial a rede de esgotos domésticos e a rede de gás.
31.º
O edificado projectado possuí um único telhado de duas águas.
35.º
Em projecto, todo o edificado partilha redes de águas, esgotos, electricidade e gás e telecomunicações a jusante da rede pública.

1.2.4 Atentemos na tese propugnada pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO analisando se deve ser modificado o respetivo fundamento nos termos defendidos.
1.2.5 No que respeita ao ponto 25º do probatório, sustenta o recorrente que este ponto da matéria de facto não foi corretamente julgado, quer quando, em desconformidade com a resposta pericial dada à 1ª questão da Base Instrutória, não deu como provado que o bloco habitacional licenciado pelo ato impugnado é uma nova construção; quer quando afirma que aquele bloco habitacional está na continuidade do bloco licenciado no processo 190/98; quer ainda quando afirma que entre eles apenas existe apenas uma junta de dilatação desde a cave até ao segundo andar; que se verifica que na resposta pericial à 1ª questão os senhores peritos, sob o ponto 3), consideraram, desde logo, poder afirmar que “o Bloco B” é uma nova construção em relação ao “Bloco A”, muito embora aí tivessem acrescentado que podia, “contudo, até pela circunstância de se encostarem um a outro, ser considerada uma ampliação desse primeiro bloco”; que no esclarecimento pericial que foi suscitado relativamente a essa questão vieram esclarecer que “do ponto de vista construtivo estamos perante uma construção nova, edificada parcialmente em momento distinto, embora, do ponto de vista de definição legal, a construção, desde logo por ser contínua, se enquadre naquela definição de ampliação”, verificando-se, assim, que nesta resposta e esclarecimentos periciais (e para além da questão jurídica, que extravasa o objeto da perícia, de saber ser está - ou não ­causa uma mera ampliação ou a criação de uma nova edificação) os senhores peritos foram perentórios a afirmar que “o Bloco B é uma nova construção em relação ao Bloco A”; que esta afirmação não consta, porém, do indicado ponto 25° da matéria de facto que, precisamente, se funda nessa resposta e esclarecimentos (escritos) periciais; que em segundo lugar, e contrariamente à remissão efetuada na fundamentação desse ponto da matéria de facto para essa resposta pericial à P questão da Base Instrutória e para o seu esclarecimento prestado no relatório complementar, nada se vislumbra, nem numa, nem no outro, que pudesse sustentar as indicadas afirmações insertas nesse ponto da matéria de facto, de que o Bloco B está na continuidade do bloco licenciado no processo 190/98 e de que entre eles apenas existe uma junta de dilatação desde a cave até ao segundo andar; que não se vê que os senhores peritos se tenham aí pronunciado, por qualquer forma, quanto à continuidade afirmada sob o ponto 25° da matéria provada; que quanto à junta de dilatação verifica-se que apenas referenciaram, sob o ponto 4.6), dessa resposta pericial, a existência de uma “fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois blocos”, mas sem, contudo, aí referirem que esta existia apenas da cave até ao segundo andar, verificando-se, deste modo, que estas afirmações insertas no ponto 25° da matéria de facto dada como provada, não encontram qualquer ponto de apoio na resposta e esclarecimentos escritos periciais à 1ª questão da Base Instrutória (em que, aparentemente, se fundam); que para além disso, mostram-se até em contradição com outros elementos probatórios, existentes e produzidos nos autos, seja porque na resposta à 2ª questão da Base Instrutória, os Senhores Peritos afirmaram que o novo bloco (Bloco B) vai ser implantado ao lado do outro, e bem assim que “tem uma estrutura própria, ainda que contígua à desse Bloco, desde a cave até ao sótão, separadas por junta de dilatação”; que no entanto, dos próprios esclarecimentos prestados em audiência pelos senhores peritos, em conjugação com outros elementos probatórios resulta que a referida junta de dilatação, separa as estruturas dos dois blocos desde a cave até à cobertura. Concluindo que deve dado como provado o seguinte: «O Bloco habitacional licenciado pelo ato impugnado (Bloco B) é uma nova construção em relação ao bloco licenciado no processo 190/98 (Bloco A), havendo entre ambos uma junta de dilatação a separá-los desde a cave até à cobertura».
1.2.6 O Tribunal a quo fundou a factualidade que deu como provada no ponto 25º do seu probatório na perícia colegial efetuada, em particular na resposta pericial vertida no Relatório Pericial ao quesito 1 objeto da perícia, e ao respetivo esclarecimento prestado no relatório complementar, quesito que havia assim sido elaborado: «1) Embora se diga, no pedido de licenciamento, que se trata da ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, trata-se na realidade de uma nova construção (Bloco B), sem qualquer ligação funcional com o bloco anterior?».
1.2.7 Pode ler-se no Relatório Pericial (fls. 447 SITAF) que os três peritos que integraram o colégio de peritos responderam de forma unânime aos seis quesitos que lhes foram colocados, e que as suas respostas foram dadas, como ali referem, após deslocações ao local e estudo das cópias dos processos administrativos de licenciamento municipal relativos à construção e utilização do edificado ali presente.
1.2.8 Sendo que no que respeita ao identificado quesito 1º, objeto da perícia a que também respeita, entre outros, o ponto 25º do probatório, verteram o seguinte naquele Relatório Pericial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.2.9 Sendo que no Relatório Complementar (de fls. 530 SITAF) através do qual os peritos visaram dar resposta aos esclarecimentos solicitados, é vertido o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.2.10 Não obstante a ampla alegação do recorrente, do confronto entre a redação que o recorrente pretende seja dada ao ponto 25º do probatório e aquela que dele consta, e concatenado o Relatório Pericial e complementar, com os respetivos esclarecimentos, não se vê em que medida possa o Tribunal a quo ter incorrido em erro de julgamento quanto àquele ponto, nem motivo que justifique a sua modificação nos termos propugnados.
Com efeito, o recorrente não discute propriamente a afirmação de que o bloco habitacional licenciado pelo ato impugnado, isto é, o Bloco B, «está na continuidade» do bloco A, licenciado no processo nº 190/98, existindo entre esses dois blocos uma junta de dilatação a separá-los. O que pretende seja dado como provado é que o identificado Bloco B é uma «nova construção» em relação ao Bloco A.
1.2.11 Todavia o Tribunal a quo explicitou em sede de julgamento da matéria de facto, o seguinte:
«Não se considera provado, de entre o alegado pelas partes, que o edificado licenciado seja um único edifício ou prédio ou que sejam dois, pois, atento o objecto do processo, esta não é uma questão de facto.»
«Tão pouco se considera provado que sejam os dois blocos funcionalmente independentes ou funcionalmente dependentes, pois esta questão assume natureza conclusiva no contexto do objecto do processo.»

Do que tem que extrair-se que o Tribunal a quo considerou que muito embora tivesse sido levada à Base Instrutória, por se ter dado como controvertido, em face das posições contraditórias assumidas pelas partes no processo, a questão de saber se embora o pedido de licenciamento quanto ao Bloco B referisse consubstanciar uma ampliação de edifício (o Bloco A) se tratava na realidade de uma nova construção, sem qualquer ligação funcional com o bloco anterior (vide artigo 1º da Base Instrutória constante do despacho-saneador de 22/04/2013 - fls. 344 SITAF), a sua afirmação (ou a sua negação) não constituíam, em si, uma questão de facto, comportando, diferentemente, um juízo conclusivo.
1.2.12 E assim é, como ademais, não deixa de estar evidenciado nos termos em que o colégio de peritos prestou os esclarecimentos solicitados relativamente ao seu Relatório Pericial, já vertidos supra, para os quais convocou o quadro legal cujos normativos ali citou para deslindar a questão de saber se a obra licenciada (Bloco B) consubstanciava uma «construção nova» ou uma «ampliação» da já existente.
1.2.13 Ora, como é bom de ver, essa questão é eminentemente jurídica e não factual. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao não a considerar enquanto questão de facto.
1.2.14 Razão pela qual, também, não há que proceder à modificação propugnada do ponto 25º do probatório.

1.2.16 No que respeita aos pontos 26º, 27º e 29º do probatório, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO propugna dever ser considerado provado que:
«O novo bloco (Bloco B), implantado ao lado Bloco A, é independente deste último desde a cave até à cobertura; pois:
- Cada Bloco tem a sua estrutura própria, ainda que contígua à do outro, desde a cave até à cobertura, separadas por junta de dilatação;
- Apenas ao nível das fundações, na zona em que os dois blocos se encostam, foram projetadas sapatas que recebem dois pilares cada uma, sendo um pilar de cada bloco;
- Para além disso, a estrutura projetada de cada bloco é constituída por pilares, vigas e lajes independentes;
- Cada bloco tem as suas entradas próprias e as suas escadas interiores independentes

1.2.17 Defende, para tanto, que no quesito 2° da Base Instrutória se perguntava se “O novo bloco vai ser implantado ao lado do outro, mas é independente deste desde a cave até ao sótão, pois cada um dos blocos tem estrutura própria - alicerces, colunas, pilares, pavimentos, entradas, paredes-mestras, escadas?”; que com referência a esse quesito o Tribunal a quo considerou apenas provado o que verteu nos pontos 26°, 27° e 29° do probatório; que todavia a matéria assim considerada provada se mostra incompleta e não dá cabal resposta à questão enunciada no quesito 2° da Base Instrutória; que a integral resposta afirmativa se impunha em face da prova documental existente e da produzida, designadamente, tendo em conta a respostas e esclarecimentos periciais, em conjugação com as peças desenhadas que integram os projetos de arquitetura e de especialidade aprovados pelo ato impugnado, que integram o respetivo Proc. de Obras n° 371/99, e com idênticas peças constantes do Proc. de Obras n° 190/88; que na resposta pericial ao 2° quesito da Base Instrutória os Senhores Peritos começaram logo por afirmar que o “Bloco B, implantado ao lado do Bloco A, tem uma estrutura própria, ainda que contígua à desse Bloco, desde a cave até ao sótão, separadas por junta de dilatação”, acrescentando que “contudo, verifica-se pela análise dos dois projetos de estabilidade, que, na ligação entre os dois blocos, foram projetadas quatro sapatas (designadas por S2) que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco)”, afirmando seguidamente que “A estrutura é constituída por pilares, vigas e lajes independentes, embora contíguas (isto é, encostadas junto à empena que une dos dois Blocos). Há, em cada Bloco, escadas independentes”, e que nos subsequentes esclarecimentos periciais escritos, vieram a afirmar, a final, que: (i) as fundações estruturais não são independentes, dada a existência das sapatas S2, que descarregam pilares dos dois blocos; e (ii) as estruturas acima das fundações são independentes; que da prova produzida em audiência, em conjugação com a prova documental existente em ambos os processos de obras, veio a resultar que, à exceção das referidas sapatas, cada bloco tem a sua estrutura própria, independente da do outro, separadas por junta de dilatação desde a cave até á cobertura (e não apenas até ao sótão), pelo que, assim, resultou dos esclarecimentos prestados, conjuntamente, em audiência pelos Senhores Peritos (gravados de 00.02.29 a 00.44.57 minutos), em que referiram a propósito do ponto 4.6) da resposta pericial ao 1° quesito da Base Instrutória relativo ao revestimento da cobertura e à junta de dilatação nele referida, e também com referência às plantas de fls. 29, 36 e 108 do Proc. de Obras n° 371/99, que quanto à estrutura, a laje é separada; se há junta (de dilatação) em baixo há junta em cima; tudo o que é laje é separado; a junta de dilatação corre entre as paredes; que no revestimento da cobertura não existe junta de dilatação, há uma fiada de telhas sobre a junta de dilatação; que cobertura tem duas estruturas e um revestimento; que também segundo depoimento do autor dos projetos, a testemunha J.J.F.P. (cujo depoimento ficou gravado de 00.44.58 a 01.09.42 minutos) resultou, designadamente, que, apesar de ter começado a referir que estrutura é única, logo acrescentou “mas é dividida por junta de dilatação” e que “o revestimento da cobertura não mostra a junta de dilatação”; a que acresce que da conjugação das peças desenhadas constantes de ambos os processos de licenciamento (v.g. as de fls. 27 a 32, 34 a 36, 104 a 108 do Proc. n° 371/99 e de fls. 24 a 29, 32, 35 a 38, 142 a 146 do Proc. n° 190/98), também resulta inequivocamente que a estrutura dos dois blocos é independente, separada por junta de dilatação, desde a cave até à cobertura, nos termos que, quanto a esta última decorrem das respetivas plantas, v,g., de fls. 146 do Proc. n° 190/98 e de fls. 108 do proc. 371/99), resultando demonstrado da conjugação da prova documental existente nos dois processos de licenciamento e da prova produzida, que o novo bloco vai ser implantado ao lado do outro, mas é independente deste desde a cave até à cobertura (v. resposta pericial quesito 2°, a prova produzida em audiência acima referida e as peças desenhadas constantes de ambos os processos de licenciamento, v.g. as de fls. 27 a 32, 34 a 36, 104 a 108 do Proc. n° 371/99 e de fls. 24 a 29, 32, 35 a 38, 142 a 146 do Proc. n° 190/98); que ao nível das fundações, na zona em que os dois blocos se encostam, foram projetadas quatro sapatas (designadas por S2) que recebem dois pilares cada uma, sendo um pilar de cada bloco (v. resposta pericial ao quesito 2°, a referida prova produzida em audiência e fls. 141 do Proc. n° 190/98 e fls. 103 do Proc. n° 371/99); que à exceção do projetado ao nível de fundações (na zona em que os dois blocos se encostam), cada um dos blocos tem uma estrutura própria, desde a cave até à cobertura, constituída por pilares, vigas e lajes independentes, embora contíguas; ou seja, o Bloco B, implantado ao lado do Bloco A, tem uma estrutura própria, ainda que contígua à desse bloco, desde a cave até à cobertura, separadas por junta de dilatação (v. resposta pericial ao quesito 2° e demais elementos anteriormente referenciados); que cada um dos blocos tem entradas próprias e escadas interiores independentes (v. resposta aos quesito 2°, esclarecimentos periciais escritos e as plantas de cada um dos blocos, v.g. as de fls. 24, 30 a 34 do Proc. n° 190/98 e de fls. 30 a 32, 37 a 41 do Proc. n° 371/99, em que, designadamente, são visíveis escadas interiores independentes e entradas principais para cada um dos blocos nos alçados principais, entradas "de serviço" e 5 portas de garagem nos alçados posteriores de cada um dos blocos, sendo que, quanto ao Bloco A, é ainda visível a entrada para a 6ª garagem no alçado lateral esquerdo e que, quanto ao Bloco B, a entrada (exterior) para duas das seis garagens privativas pertencentes a esse Bloco, as designadas pelas letras G e H, é comum - v. ainda fls. 27 e 34).
1.2.18 O Tribunal a quo deu como provado o seguinte nos indicados pontos 26º, 27º e 29º do probatório:
26º
No projecto de estabilidade verifica-se que na zona de contacto entre os dois blocos, foram projectadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco).
27.º
A solução estrutural projectada é, por conseguinte, constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas.
29.º
Cada um dos blocos tem a sua entrada própria, escadas próprias.

E fundou a factualidade que assim ali deu como provada, no que tange aos pontos 26º e 27º do probatório, na perícia colegial efetuada, em particular na resposta pericial vertida no Relatório Pericial ao quesito 2 objeto da perícia, e ao respetivo esclarecimento prestado no relatório complementar, quesito que havia assim sido elaborado: «2) O novo bloco vai ser implantado ao lado do outro, mas é independente deste desde a cave até ao sótão, pois cada um dos blocos tem estrutura própria – alicerces, colunas, pilares, pavimentos, entradas, paredes mestras, escadas?». E no que tange ao ponto 29º do probatório nas peças desenhadas do procedimento.
1.2.18 No que respeita ao identificado quesito 2º objeto da perícia o colégio de peritos verteu o seguinte no Relatório Pericial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Acrescentando no Relatório Complementar, visaram dar resposta aos esclarecimentos solicitados nesse aspeto, o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.2.18 Ora, confrontado o que foi dado como provado pelo Tribunal a quo sob os pontos 26º, 27º e 29º do probatório e o que o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO propugna que, em sua substituição, é bom de ver que o por pretendido não merece provimento.
1.2.19 Desde logo a questão da junta de dilatação existente entre os dois blocos A e B, contíguos entre si, mas com estruturas próprias e independentes, já se encontra fixada nos pontos 25º e 28º do probatório.
1.2.20 Depois, também, a questão de que ao nível das fundações, na zona em que os dois blocos se encostam, terem sido projetadas sapatas que recebem dois pilares cada uma, sendo um pilar de cada bloco, foi ela própria fixada no ponto 26º do probatório, já em que ali foi dado como provado que «No projecto de estabilidade verifica-se que na zona de contacto entre os dois blocos, foram projectadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco)», e bem assim no ponto 28º do probatório (não vindo este impugnado no recurso) não se vendo em que medida ou aspeto haja divergência quando ao que neste aspeto foi dado como provado e ao que é propugnado pelo recorrente.
1.2.21 O que também sucede no que tange à demais estrutura projetada, já que o Tribunal a quo deu como provado no ponto 27º do probatório que «A solução estrutural projectada é, por conseguinte, constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas.» e o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO afirma dever dar-se como provado que «Para além disso, a estrutura projetada de cada bloco é constituída por pilares, vigas e lajes independentes».
1.2.22 Da mesma forma, não se vê também a relevância da modificação propugnada pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido de dever ser dado como provado «Cada bloco tem as suas entradas próprias e as suas escadas interiores independentes» na medida em que o que foi dado como provado pelo Tribunal a quo foi que «Cada um dos blocos tem a sua entrada própria, escadas próprias». Não havendo, assim, qualquer divergência essencial quanto àquele ponto do probatório que justifique a modificação do julgamento feito pela 1ª instância.
1.2.23 Eis porque não há que proceder à modificação propugnada dos pontos 26º, 27º e 29º do probatório.
1.2.24 Sustenta ainda o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO que no quesito 3° da Base Instrutória pretendia-se responder à questão de saber se: “Cada um dos blocos tem as suas paredes próprias, separadas, apenas encostadas”, que na matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido não se vislumbra qualquer menção quanto à prova ou não prova dessa matéria de facto; que essa resposta era possível em face da prova documental existente e da prova pericial realizada nos autos; que no Relatório Pericial, os Senhores Peritos responderam expressamente a essa questão de modo afirmativo, explicitando que “cada um dos dois Blocos tem as suas próprias paredes, que estão apenas encostadas junto à empena que une os dois blocos”; que essa afirmação positiva resulta também das peças desenhadas constantes dos projetos aprovados, designadamente as de fls. 27 a 32, 34 a 36, 104 a 108 do Proc. n° 371/99 e de fls. 24 a 29, 32, 35 a 38, 142 a 146 do Proc. n° 190/98, e que assim deveria ser dado como provado, tal como quesitado, que “Cada um dos blocos tem as suas paredes próprias, separadas, apenas encostadas”.
Assiste, neste aspeto, razão ao recorrente.
1.2.25 Com efeito no artigo 3º da Base Instrutória havia sido quesitado o seguinte: «3) Cada um dos blocos tem as suas paredes próprias, separadas, apenas encostadas?».
Mas o Tribunal a quo omitiu o julgamento quanto a esta concreta factualidade, não a dando nem como provada nem como não provada. Ainda que de certo modo possa, indiretamente, retirar-se do que já resulta provado nos pontos 26º, 27º e 28º do probatório. Mas tratando-se de questão factual que foi especifica e concretamente submetida a instrução, deveria sobre ela ter sido produzida resposta.
No caso essa questão fez parte do objeto da perícia, e o colégio de peritos deu-lhe resposta positiva, vertendo a tal respeito o seguinte no Relatório Pericial:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.2.26 É certo que a prova pericial não tem força probatória plena, sendo ao invés a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente pelo tribunal (cfr. artigo 389º do Código Civil), valendo por conseguinte o princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 607º nº 5 do CPC novo, ex vi do artigo 1º do CPTA) - (neste sentido, entre outros, vide o acórdão do TCA Sul de 02/06/2016, Proc. nº 11323/14, in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores; o acórdão do STJ de 16/12/2010, Proc. nº 819/06.9TBFLG.P1.S1, in, www.dgsi.pt/jstj).
1.2.27 Mas a resposta assim dada pelo colégio de peritos no Relatório da Perícia, e os esclarecimentos prestados em Relatório complementar, suportado onde referem que “cada um dos dois blocos tem as suas paredes próprias que estão apenas encostadas junto à empena que une os dois blocos”, apoiada ademais nas peças dos processos de licenciamento em causa, e a ausência de prova distinta ou contrária (mormente a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, cuja respetiva gravação ouvimos atentamente, e que, ademais, o corrobora), conduz-nos a dar como provada tal factualidade.
1.2.28 Assistindo, pois, razão neste aspeto ao recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO, procede-se ao respetivo aditamento.
1.2.29 Adita-se, assim, ao probatório o seguinte ponto 27º-A com a seguinte redação:
«27º-A
Cada um dos blocos tem as suas paredes próprias, separadas, que estão apenas encostadas junto à empena que une os dois blocos».
1.2.30 No que respeita ao ponto 31º do probatório, em que se deu como provado que «O edificado projectado possui um único telhado de duas águas», o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO defende que esse ponto se encontra incorretamente julgado, sustentando desde logo que atenta a terminologia usada «edificado projetado», não é inteiramente percetível se nele se pretende referir o que consta dos projetos licenciados em ambos os processos de obras ou se se pretende referir ao edificado que efetivamente existe no local; que só a primeira hipótese será relevante para o objeto do processo, considerando que a validade do ato impugnado só pode ser aferida em função do que foi projetado e licenciado (e não do que veio a ser posteriormente construído); que na prova desse ponto da matéria de facto esteve subjacente a resposta pericial à questão 1ª da Base Instrutória, mas que porém se constata facilmente do teor da resposta pericial, e as menções que os peritos fizeram no ponto 4) do Relatório Pericial quanto “à existência de ligações funcionais entre os dois Blocos” (incluindo, assim, o referido sob o ponto 4.6), tiveram subjacente o que aos senhores Peritos foi possível verificar no local (com confirmação pontual nos projetos dos processos municipais de licenciamento), e no que especificamente concerne ao ponto 4.6), resulta do seu teor que a menção aí efetuada se reporta apenas ao que foi detetado e visível/percetível no local, sem fazerem sequer qualquer alusão ao projetado; que na verdade referem os senhores peritos que "deteta-se um revestimento de cobertura uniforme no conjunto dos dois Blocos, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos. O revestimento da cobertura (concretizado através de telhas de barro cerâmico) é contínuo, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos"; que, assim, se afigura, que o teor daquela resposta pericial não permite que, perentoriamente, fosse dado como provado, como foi, que o edificado projetado possui um único telhado de duas águas; que além do mais essa referência a um único telhado de duas águas nem se mostra inteiramente precisa e correta, estando, até, em contradição com os pontos 27° e 28° da decisão da matéria de facto (em que decorre provada a existência de duas estruturas acima do pavimento da cave e que se trata de dois blocos com estruturas independentes, com exceção das sapatas sobreditas, referidas no ponto 26°, com processos de licenciamento distinto e com projetos de arquitetura e de engenharia de especialidades distintos); que resulta inequivocamente da respetivas plantas, v.g, as de fls. 27 a 32, 34 a 36, 104 a 108 do Proc. n° 371/99 e de fls. 24 a 29, 32, 35 a 38, 142 a 146 do Proc. n° 190/98, existe a separação das estruturas dos dois blocos desde a cave até à cobertura, na qual continua a existir junta de dilatação a separá-las, ou seja, a própria estrutura da cobertura de cada um dos Blocos é independente da outra (ou, como decorre da resposta pericial ao quesito 2° e nos respetivos esclarecimentos escritos, as estruturas acima das fundações são independentes, separadas por junta de dilatação); que não se pode confundir a existência dessas duas estruturas de cobertura, que são independentes, com o mero revestimento dessa cobertura, que se apresenta uniforme no conjunto dos dois Blocos, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos; que tal decorre das passagens da prova gravada referidas no antecedente ponto 2), em que, designadamente, os Senhores Peritos esclareceram, inequivocamente, em audiência que "a cobertura tem duas estruturas e um revestimento", tendo referido, designadamente (a partir de 00.29.11 minutos da gravação), que: - Quanto à estrutura, a laje é separada; se há junta (de dilatação) em baixo há junta em cima; tudo o que é laje é separado; a junta de dilatação corre entre as paredes - de 00.30.35 minutos a 00.30.59 minutos da gravação; - No revestimento da cobertura não existe (junta de dilatação), há uma fiada de telhas sobre a junta de dilatação - de 00.35.05 minutos a 00.35.19 minutos da gravação. - A cobertura tem duas estruturas e um revestimento - de 00.35.20 minutos a 00.35.30 minutos da gravação; que assim, tendo por estrito fundamento a invocada resposta pericial à questão 1 da Base Instrutória (mais concretamente no seu ponto 4-6)) o Tribunal a quo apenas poderia, quando muito, considerar provado sob o indicado ponto 31° da matéria de facto o que estritamente consta dessa resposta, ou seja, que: “No local, deteta-se um revestimento de cobertura uniforme no conjunto dos dois Blocos, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos. O revestimento da cobertura (concretizado através de telhas de barro cerâmico) é contínuo, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos”.
Vejamos.
1.2.31 O Tribunal a quo deu como provado no ponto 31º do probatório o seguinte:
«31.º
O edificado projectado possuí um único telhado de duas águas.»
E assentou esse julgamento factual na resposta pericial dada à questão 1ª da Base Instrutória.
1.2.32 Mas o que consta da resposta pericial quanto a esse aspeto é o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.2.33 Por outro lado não foi concretamente quesitado se o telhado do conjunto dos dois Blocos A e B era único, nem tal questão foi submetida ao colégio de peritos. O que os peritos foram chamados a responder, no âmbito do artigo 1º da Base Instrutória, era se o pedido de licenciamento do Bloco B consubstanciava a ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, ou pelo contrário de uma nova construção sem qualquer ligação funcional com o primitivo Bloco (Bloco A). E foi nesse contexto que explicitaram que o revestimento da cobertura (dos dois Blocos) é concretizado através de telhas de barro cerâmico e se apresenta como contínuo e uniforme no conjunto dos dois blocos (A e B), com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilação entre os dois blocos, não sendo visível no talhado qualquer murete separador dos dois Blocos.
1.2.34 Não podia, pois, ter-se dado como provado, com base naquela resposta do colégio de peritos, que «o edificado projectado possuí um único telhado de duas águas», mas apenas o que do Relatório Pericial consta quanto a esse aspeto.
1.2.35 Assiste, pois, razão ao recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.
Pelo que se procede à modificação do julgamento factual constante do ponto 31 do probatório, passando dele a constar o seguinte:
«31º
O revestimento de cobertura, concretizado através de telhas de barro cerâmico, apresenta-se contínuo e uniforme no conjunto dos dois Blocos A e B, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos».

1.2.36 Sustenta também o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO que o ponto 35º do probatório, no qual é dado como provado que «Em projecto, todo o edificado partilha redes de águas, esgotos, electricidade e gás e telecomunicações a jusante da rede pública», se encontra incorretamente julgado, na medida em que não especifica que essa partilha se reporta, apenas e tão-só, às redes exteriores, de ligação à rede pública; e que, ao invés, cada um dos dois blocos tem a sua própria entrada e a sua própria distribuição interna de águas, esgotos, eletricidade e gás, como, de resto, resulta de, forma explícita e inequívoca, do facto de, em cada um dos respetivos processos de licenciamento, terem sido apresentados distintos e autónomos projetos de especialidades. Sustenta a tal respeito que apesar de na resposta ao quesito 1° os Senhores Peritos terem referenciado, sob o ponto 4.3), que os "dois Blocos possuem redes infraestruturais em comum", veio a resultar esclarecido que essa comunhão é apenas relativa às redes exteriores, já que nos seus esclarecimentos conjuntos prestados em audiência (gravados de 00.02.29 a 00.44.57 minutos), referiram/admitiram, designadamente (a partir de 00.09.43 minutos até 00.20.10 minutos da gravação) que: - A referência efetuada, sob o ponto 4.3), de que "os dois Blocos possuem redes infraestruturais em comum", se reporta ao que verificaram no local e se refere só às redes exteriores (00.10.01 minutos a 00.10.43 minutos da gravação); - As interiores, a partir dos contadores são independentes (00.10.44 minutos a 00.10.57 minutos da gravação); - Instados a pronunciarem-se, por várias vezes, em termos de projeto (v.g. a partir de 00.12.45 minutos da gravação), ainda referiram, a propósito da rede de água, que "se à porta de cada bloco há um tubo para cada um deles, ou não, não sabemos porque está enterrado", acabando depois, em face das plantas de fls. 119 e 117, por referir que "a partir daqui é independente" (de 00.14.20 minutos a 00.14.40 minutos da gravação), - Referindo mais tarde, em face do projeto da rede de água, que a rede interna é uma para cada bloco, com uma entrada para cada um; e que não há continuidade de um bloco para o outro (00.16.27 minutos a 00.16.49 minutos da gravação); - Quanto ao projeto da rede de esgotos, dentro de cada edifício são independentes; no interior são independentes - 00.18.29 minutos a 00.18.49 minutos da gravação; - A mesma coisa para a eletricidade - 00.18.50 minutos a 00.18.52 minutos da gravação; - Para o gás, "deve ser igual", independente em cada bloco, com um ponto de entrada em cada bloco - 00.20.05 minutos a 00.20.10 minutos da gravação. Também o próprio autor do projeto, a testemunha J.J.F.P., cujo depoimento ficou gravado de 00.44.58 a 01.09.42 minutos, referiu, designadamente, que: - Quanto à eletricidade, foi projetado para ter um ramal, derivando depois para cada bloco - 00.56.40 minutos a 00.56.50; - Quanto às águas e esgotos, há sistemas que são executados em cada bloco e depois são levados em comum para o mesmo destino - 00.57.00 minutos a 00.57.40 minutos da gravação; - Quanto ao gás, foram projetados dois postos de garrafas para abastecer cada um dos blocos - 00.57.41 minutos a 00.58.03 minutos da gravação; que também tal resulta, de forma explícita e inequívoca, do facto de, em cada um dos respetivos processos de licenciamento, terem sido apresentados, e licenciados, para cada bloco habitacional projetos de especialidades distintos e autónomos, conforme deles consta e como foi dado como provado no acórdão recorrido, respetivamente, sob os pontos 6° e 7° (fls. 84 a 242 do Proc. de Obras 190/98) e sob os pontos 14° e 15° (fls. 63 a 220 do Proc. de Obras n° 371/99) e ainda sob o ponto 28° da matéria de facto provada. Resultando, efetivamente, da análise das pertinentes peças escritas e desenhadas constantes dos respetivos projetos de especialidades, que são distintos e independentes para cada Bloco, que foi projetada para cada um deles (v.g. quanto às respetivas redes de águas, esgotos, gás, telecomunicações e eletricidade), pelo menos, uma entrada (ou drenagem) distinta e redes de distribuição interna próprias e independentes das do outro; que, assim, designadamente, e tendo em conta os projetos de especialidades apresentados e aprovados em cada um dos respetivos processos de licenciamento n° 190/98 e n° 371/99, verifica-se que: - Os projetos das redes de telecomunicações de cada um dos blocos são distintos (v.g. fls. 84 e 98 do Proc. n° 190/98 e fls. 63, 209 a 219 104 a 115 do Proc. n° 371/99), verificando-se deste último que nele consta uma ficha técnica autónoma referente às instalações telefónicas de um "bloco habitacional constituído por 5 pisos num total de 6 habitações unifamiliares garagens e sótão (...)"; verificando-se ainda das subsequentes plantas, v.g. das de fls. 213 relativa ao rés-do-chão e de fls. 214 a 216, que se mostra assinalada uma entrada diferenciada para esse Bloco, e bem assim que existe uma distribuição interna própria desse bloco, que possui a sua rede interna individual; - Os projetos das redes interiores de águas e esgotos também são autónomos relativamente a cada um dos blocos (v.g. fls. 84, 172 a 191 do Proc. n° 190/98 e fls. 63, 117 a 136 do Proc. n° 371/99), possuindo cada um deles a sua própria rede predial de drenagem de águas residuais (composta cada uma delas por ramais de descarga dos aparelhos sanitários, tubos de queda, coletores prediais de ligação ao sistema exterior de tratamento comum - composto exteriormente por fossa séptica e poços absorventes - e um sistema próprio de ventilação), bem como a sua própria rede predial de águas, com entrada e distribuição interna distintas em cada bloco, cada uma delas com ramal de ligação à rede de distribuição de água e uma bateria de sete contadores "situada na entrada do edifício, em espaço de condomínio" (v.g., no que concerne ao Bloco B, fls. 119, 121, 126 a 129, 131 a 134); - As redes pluviais são também independentes nos blocos (v. fls. 190 do 1° processo de licenciamento e fls. 135 do 2° processo; v. ainda a resposta pericial); - Os projetos de redes prediais de gás combustível canalizado também são distintos para cada bloco (v.g. fls. 84, 156 a 71 do Proc. n° 190/98 e fls. 63, 184 a 200 do Proc. n° 371/99), possuindo cada um deles uma ligação à futura rede e uma bateria de garrafas de 45 kg, uma entrada e distribuição interna distintas, com uma válvula de corte geral e um alvéolo técnico, cada um com seis contadores (v., quanto ao Bloco A, fls. 158, 166 e 169 e, quanto ao Bloco B, fls. 186, 194 e 196 dos respetivos processos de licenciamento); que os projetos de abastecimento de energia elétrica também foram apresentados distintamente para cada Bloco, dando origem a diferentes pareceres da CENEL/EDP, cada um deles referindo a necessidade de a caixa para a instalação do contador dever ser colocada "no exterior da instalação de utilização" e de o disjuntor de controlo de potencia ser instalado "no interior da instalação de utilização, preferencialmente em conjunto com o quadro geral", e cada um deles sendo mencionado como condicionante dos respetivos licenciamentos (v. fls. 84, 97, 244 e respetivo alvará do Proc. n° 190/98 e fls. 63, 220, 222 e 249 do Proc. n° 371/99), concluindo que deveria ter sido dado como provado que: «Os dois Blocos partilham as redes exteriores de águas, esgotos, eletricidade, gás e telecomunicações, de ligação à rede pública. Para cada Bloco foram projetadas redes prediais de águas, esgotos, eletricidade, gás e telecomunicações próprias, com entrada ou drenagem distintas e com distribuição interna autónoma e independente da do outro
Vejamos.
1.2.37 O Tribunal a quo deu como provado no ponto 35º do probatório o seguinte:
«35.º
Em projecto, todo o edificado partilha redes de águas, esgotos, electricidade e gás e telecomunicações a jusante da rede pública.»
E assentou este julgamento nas respostas periciais à questão 1 da PI e à 1ª questão da Base Instrutória com os esclarecimentos verbais prestados unanimemente pelos peritos.
1.2.38 Consta do Relatório Pericial, com relevância para este aspeto, designadamente o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)»
1.2.39 A argumentação do recorrente não põe propriamente em causa o julgamento factual feito pelo Tribunal a quo. O que aparenta pretender é que seja explicitado que a partilha das redes de águas, esgotos, eletricidade e gás e telecomunicações, a jusante da rede pública, se reporta, apenas e tão-só, às redes que denomina de «exteriores», de ligação à rede pública, possuindo cada um dos dois blocos a sua própria entrada e a sua própria distribuição interna de águas, esgotos, eletricidade e gás. E por isso propugna que seja dado como provado que «os dois Blocos partilham as redes exteriores de águas, esgotos, eletricidade, gás e telecomunicações, de ligação à rede pública» mas que «para cada Bloco foram projetadas redes prediais de águas, esgotos, eletricidade, gás e telecomunicações próprias, com entrada ou drenagem distintas e com distribuição interna autónoma e independente da do outro
1.2.40 Mas a afirmação que faz, que pretende seja dada como provada, não contende, propriamente, com a que é vertida no julgamento factual feito no acórdão recorrido. Nem a prova produzida, seja a que consta do Relatório Pericial seja a que decorre dos esclarecimentos verbais efetuados pelo colégio de peritos em sede de audiência de julgamento, conduz à constatação de erro que justifique a modificação do vertido no ponto 35º do probatório.
1.2.41 Os peritos reponderam de forma clara como ocorre a partilha, em comum, entre os Blocos A e B das redes (isto é, a parte em que ela se verifica). Obviamente, tratando-se de habitação multifamiliar, com propriedade horizontal, cada uma das frações autónomas possui, no que respeita à rede de abastecimento de água e energia, contadores próprios. E a circunstância de se tratam de dois Blocos (A e B) contíguos, encontrando-se as frações habitacionais distribuídas à razão de duas por piso de cada um dos blocos (rés-do-chão, primeiro e segundo andar), não é indiferente para o modo como foram traçadas, concebidas e consequentemente executadas as redes de águas, esgotos, eletricidade, gás ou telecomunicações, com derivações dos pontos em comum (dos ramais ou redes) com condução subsequente a cada um dos Blocos A e B com vista a servir as frações habitacionais situadas em cada um deles.
1.2.42 Mas isso não significa que existam «redes exteriores comuns» e «redes interiores autónomas e independentes» entre si. Aliás em sede de esclarecimentos verbalmente prestados pelos peritos em audiência de julgamento estes foram claros em afirmar que, designadamente, quanto às redes de água ou de eletricidade, que se o respetivo ramal (baixada) fosse cortado era cortado para todo o prédio (englobando os Blocos A e B).
1.2.43 Assim sendo, e pelo exposto, não colhe razão, neste aspeto, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO, não havendo motivo justificativo da modificação do julgamento feito no acórdão recorrido no ponto 35º do seu probatório.
1.2.44 O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO defende também que o ponto 30º do probatório se encontra igualmente incorretamente julgado, na medida em que igualmente não especifica que a referenciada “reformulação das redes infraestruturais” é apenas e tão-só relativa àquelas em que existe partilha, ou seja, às redes exteriores. Sustenta, a tal respeito, que a partilha das redes infraestruturais referida no relatório pericial é restrita às redes exteriores, de ligação às redes públicas de águas, esgotos, eletricidade, gás e telecomunicações e que consequentemente, a aí também aludida reformulação das redes infraestruturais que seria necessário realizar em caso de demolição de um dos Blocos, mantendo o outro, terá, necessária e logicamente, que se reportar também, e apenas, ­às redes infraestruturais que, antecedentemente, tinham sido consideradas no relatório pericial; e que, assim, deveria ser dado como provado que: «A demolição de um dos Blocos mantendo o outro seria possível. Tratar-se-ia de uma operação que teria que ser rodeada de adequadas medidas de segurança (criando incómodos por vários dias aos habitantes do Bloco que permanecesse. Haveria ainda que proceder à reformulação das redes infraestruturais exteriores, de ligação às redes públicas (nomeadamente com selagem de todas as ligações dessas redes nos locais em que deixassem de ser necessárias), em especial a rede de esgotos domésticos e a rede de gás».
1.2.45 Todavia, também aqui não lhe assiste razão. Vejamos porquê.
1.2.46 No ponto 30º do probatório do acórdão recorrido foi dado como provado o seguinte:
«30.º
A demolição de um dos Blocos mantendo o outro seria possível. Tratar-se-ia de uma operação que teria que ser rodeada de adequadas medidas de segurança (criando incómodos por vários dias aos habitantes do Bloco que permanecesse). Haveria ainda que proceder à reformulação das redes infra-estruturais (nomeadamente com a selagem de todas as ligações dessas redes, nos locais em que deixassem de ser necessárias), em especial a rede de esgotos domésticos e a rede de gás.»

Julgamento que assentou na resposta dos peritos ao “quesito” pericial 10.
1.2.47 O Relatório Pericial verte a tal respeito o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

1.2.44 O recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO não aponta, propriamente, erro ao que foi dado como provado com base no Relatório Pericial. O que propugna é que não está especificado ou referenciado que a “reformulação das redes infraestruturais” seria apenas e tão-só a relativa àquelas em que existe partilha, isto é, às que apelida de «redes exteriores», devendo-o ser, na sua perspetiva.
1.2.45 Mas essa questão prende-se já com aquela outra, como aliás é explicitado pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO, atinente aos termos em que se encontram estabelecidas as redes águas, esgotos, eletricidade, gás ou telecomunicações, em particular onde são comuns ou partilhadas entre os dois Blocos A e B e onde são autónomas ou independentes para cada um dos Blocos. E essa questão já se encontra definida.
1.2.46 Não há, pois, motivo justificativo da modificação do julgamento feito no acórdão recorrido no ponto 30º do seu probatório, não colhendo razão, neste aspeto, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.
1.2.47 Defende, por último, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO que nos quesito 1° e parte do quesito 4° da Base Instrutória perguntava-se se «(...) trata-se na realidade de uma nova construção (Bloco B), sem qualquer ligação funcional com o bloco anterior?» e de «Trata-se de duas construções, com (...) funcionalidade independente (...)?», mas que todavia estas questões não foram objeto de pronúncia pelo Tribunal a quo, propugnando que deveria ter sido dado como provado, tal como oportunamente questionado na Base Instrutória, que:
- «Embora se diga, no pedido de licenciamento, que se trata da ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, trata-se na realidade de uma nova construção (Bloco B), sem qualquer ligação funcional com o bloco anterior»;
e que
-«Trata-se de duas construções, cada uma com a sua funcionalidade independente».
1.2.48 Sustenta para tanto, que a resposta afirmativa a estas questões resulta como corolário lógico das respostas aos antecedentes quesitos (nos termos propugnados no recurso) e como ilação a tirar de factos instrumentais (v. art. 607° n° 4 do CPC), tendo presentes, não só a resposta pericial que foi dada a esse específico quesito (ao 1°, para a qual foi também remetida a resposta pericial á questão da "funcionalidade independente" inserta no quesito 4°) e aos demais, mas também os esclarecimentos e depoimentos prestados em audiência; e, principalmente, o que consta dos respetivos projetos de arquitetura e de especialidade que foram apresentados e aprovados em cada um dos referidos processos de licenciamento (n°s 190/08 e 371/99); que mais do que a realidade construída que foi possível aos Senhores Peritos verificar no local (nos termos referidos no próprio relatório pericial), importa, essencialmente, aferir da realidade projetada, pois é, em face desta, e não daquela, que terá que ser apreciada a legalidade do ato impugnado; que se afigura incontornável que os dois blocos projetados e aprovados constituem duas construções que, com exceção das sapatas situadas na zona em que os mesmos se encostam, têm as suas estruturas inteiramente independentes, desde a cave até à cobertura; que além de terem sido apresentados diferentes projetos de arquitetura e de especialidades para cada um deles, também se verifica que os respetivos os processos de arquitetura e de especialidades (à exceção das ditas sapatas e dos elementos exteriores aos blocos) são também independentes em relação a cada um deles, possuindo cada um dos blocos a sua funcionalidade independente; que se verifica, na verdade, como ressalta dos respetivos projetos e da própria resposta que os peritos deram no ponto 4) do quesito 1° e dos esclarecimentos que os mesmos prestaram a esse propósito (por escrito e em audiência), que os blocos apenas partilham elementos exteriores (v.g. acessos, logradouro, redes infraestruturais exteriores), mas entre os próprios blocos, em si mesmos, não existem quaisquer partes comuns que funcionalmente os ligassem entre si, constituindo, pelo contrário, cada um deles uma unidade autónoma (com seis fogos cada uma), que não depende funcionalmente do outro para cumprir a finalidade habitacional a que está destinado, de tal forma que, como decorre da resposta ao quesito 10° (ponto 30° da matéria de facto), seria possível demolir um dos blocos sem afetar a funcionalidade do outro; que apesar de sob o ponto 4.3) da resposta ao quesito 1° os Senhores Peritos terem referenciado que foi possível verificar no local (com confirmação pontual nos projetos municipais de licenciamento) que os "dois Blocos possuem redes infraestruturais em comum", veio a resultar esclarecido, por escrito e em audiência, que essa comunhão é apenas relativa às redes exteriores; e que, como também foi esclarecido e resulta da análise das pertinentes peças escritas e desenhadas apresentadas em cada um dos processos de licenciamento, os projetos de especialidades de cada um dos Blocos são distintos e independentes (pelo menos, a partir de determinado momento), estando projetado para cada um deles (maxime, quanto às redes de água, gás e eletricidade), pelo menos, uma entrada distinta e redes de distribuição interna próprias e independentes das do outro, nos termos já assinalados supra sob o ponto 5); que a essa autonomia funcional dos dois blocos entre si não obsta o facto de, como referido pelos Senhores Peritos sob o ponto 4.5) da resposta ao quesito 1°, existir, na projeção horizontal dos fogos do Bloco A, uma garagem para estacionamento individual, designada por G, afeta ao Bloco B, e cujo acesso, localizado em quase toda a extensão da área do Bloco B, é comum ao de outra garagem individual, designada por H, também afeta a um fogo do Bloco B, porque como resulta do exposto, e decorre das peças escritas e desenhadas apresentadas em cada um dos processos de licenciamento, estava em causa em cada um deles a construção de dois blocos habitacionais autónomos, que mais tarde vieram a ser designados por A e B, cada um deles constituído por 6 fogos, com 6 garagens individuais e um espaço destinado a arrumo do condomínio em cave e seis espaços destinados a arrumos de cada um dos fogos no sótão, verificando-se apenas que, relativamente ao 1° Bloco, as seis garagens individuais para ele projetadas em cave, identificadas com as letras de A a F, tinham acesso individual ao exterior; enquanto, relativamente ao 2° Bloco, das seis garagens individuais que quanto a este também foram projetadas em cave, designadas com as letras G a L, apenas quatro delas (I, J, K e L) tinham acesso individual ao exterior, e as restantes duas garagens desse Bloco (G e H), embora individuais, partilhavam o mesmo acesso ao exterior, mas sem que, todavia, exista, também a esse nível (da cave), qualquer ligação funcional dos dois blocos entre si, porque as caves projetadas para cada um dos blocos são também distintas e autónomas entre si; que se verifica ainda dos respetivos projetos que, à semelhança do que se passa no restante projetado para cada uma dessas construções, também não existem ao nível na cave de cada um desses blocos quaisquer partes comuns que os pudessem ligar funcionalmente entre si (constando-se, pelo contrário, que em cada uma das caves foi até projetado um espaço destinado a arrumos do respetivo condomínio); que assim não se vê de que forma o referido pelos Senhores Peritos sob o indicado ponto 4.5) da resposta ao quesito 1° poderia revelar uma qualquer ligação funcional dos dois blocos entre si; que por outro lado, existindo separação das estruturas dos dois blocos desde a cave até à cobertura, afigura-se-nos que o facto referido sob o ponto 4.6) da resposta ao quesito 1º, de o (mero) revestimento dessa cobertura (concretizado através de telhas de barro cerâmico) ser uniforme, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos (v.g. na projeção da junta de dilatação que separa as respetivas estruturas inclusivamente até à cobertura), também não configura, em si e por si, qualquer ligação funcional entre os dois blocos; que alguns dos elementos referidos pelos Senhores Peritos na resposta a esse quesito que, a seu ver, revelaria a "existência de ligações funcionais entre os dois Blocos" (v.g. acessos rodoviários e pedonal, logradouro com estacionamento descoberto sem afetação a qualquer deles e zona verde comum aos dois blocos), são, na realidade, elementos meramente exteriores aos blocos e que, portanto, e ainda que de uso comum, não consubstanciam qualquer ligação funcional dos próprios blocos entre si; que quanto à referência também aí efetuada às redes infraestruturais em comum, só exteriormente são comuns e, portanto, e atenta a sua autonomia interna ao nível de cada bloco, não poderão consubstanciar qualquer partilha funcional dos dois blocos entre si; que a referência que, para esse efeito, veio a ser efetuada, em sede dos esclarecimentos escritos, à estrutura ao nível das fundações não poderá terá qualquer relevância nesse âmbito, por ser de natureza estrutural e não funcional; que se os dois blocos se destinam, como é o caso, à habitação, a ligação funcional entre si teria necessariamente que lhes advir da existência de partes interiores comuns destinadas a satisfazer as necessidades próprias dessa finalidade habitacional, não emergindo nem se bastando com a existência de espaços e redes infraestruturais exteriores comuns; que como se verifica do relatório pericial e dos esclarecimentos escritos dos Senhores Peritos, não foi referenciada a existência, porque ela não ocorre (como se constata dos respetivos projetos aprovados em cada um dos dois processos de licenciamento), de quaisquer partes interiores comuns de um ou dois blocos que estivem destinadas a satisfazer as necessidades próprias da sua finalidade habitacional.
1.2.48 Não obstante a ampla alegação do recorrente, e tal como já se disse supra propósito da propugnada modificação do ponto 25º do probatório, cumpre ter presente que o Tribunal a quo explicitou em sede de julgamento da matéria de facto, o seguinte:
«Não se considera provado, de entre o alegado pelas partes, que o edificado licenciado seja um único edifício ou prédio ou que sejam dois, pois, atento o objecto do processo, esta não é uma questão de facto.»
«Tão pouco se considera provado que sejam os dois blocos funcionalmente independentes ou funcionalmente dependentes, pois esta questão assume natureza conclusiva no contexto do objecto do processo.»

Do que tem que extrair-se que o Tribunal a quo considerou que muito embora tivesse sido levada à Base Instrutória, por se ter dado como controvertido, em face das posições contraditórias assumidas pelas partes no processo, as questões de saber se embora o pedido de licenciamento quanto ao Bloco B referisse consubstanciar uma ampliação de edifício (o Bloco A) se tratava na realidade de uma nova construção, sem qualquer ligação funcional com o bloco anterior, e se de tratam de duas construções, com as suas estruturas independentes, funcionalidade independente, e processos de arquitetura e de especialidades independentes (vide artigos 1º e 4º da Base Instrutória constante do despacho-saneador de 22/04/2013 - fls. 344 SITAF), a sua afirmação (ou a sua negação), na parte questionada no recurso, não constituía, em si, uma questão de facto, comportando, diferentemente, um juízo conclusivo.
1.2.49 E assim é, como ademais, não deixa de estar evidenciado nos termos em que o colégio de peritos prestou os esclarecimentos solicitados relativamente ao seu Relatório Pericial, já vertidos supra, para os quais convocou o quadro legal cujos normativos ali citou para deslindar a questão de saber se a obra licenciada (Bloco B) consubstanciava uma «construção nova» ou uma «ampliação» da já existente.
1.2.50 Ora, como é bom de ver, as questões em causa, atinentes à qualificação do Bloco B como uma «nova construção» ou como uma «ampliação» da pré-existente (Bloco A) e à existência ou inexistência de ligação funcional, são questões eminentemente jurídicas e não factuais, a cuja resposta, de todo o modo, haverá de chegar-se, como o ilustra, aliás, a argumentação esgrimida pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO, a partir da factualidade concretamente apurada.
1.2.51 Razão pela qual não há que proceder ao aditamento propugnado neste aspeto pelo recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.
1.2.52 Aqui chegados, e em conclusão, a impugnação do julgamento da matéria de facto merece apenas acolhimento parcial, procedendo-se, nos termos supra decididos, às seguintes modificações:
- adita-se o ponto 27º-A ao probatório, com a seguinte redação:
«27º-A
Cada um dos blocos tem as suas paredes próprias, separadas, que estão apenas encostadas junto à empena que une os dois blocos».
- modifica-se o julgamento factual constante do ponto 31º do probatório, passando dele a constar o seguinte:
«31º
O revestimento de cobertura, concretizado através de telhas de barro cerâmico, apresenta-se contínuo e uniforme no conjunto dos dois Blocos A e B, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos».

No demais mantém-se o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo.
*
1.3 Do apontado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa
1.3.1 Vejamos, agora, se o acórdão recorrido padece do apontado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, ao considerar que o ato impugnado não padece das invocadas nulidades de falta de elemento essencial, nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA/92, e aquela a que se encontra prevista no artigo 52º nº 2 alª b) do DL nº 445/91 de 20/11 - (vide conclusões 8ª a 47ª das alegações de recurso).
1.3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou a presente ação administrativa especial peticionando a declaração de nulidade do despacho de 07/09/2000 do Vereador da Câmara Municipal de (...), que aprovou os projetos de especialidades do processo de licenciamento n° 371/99.
Para o que alegou, em suma, que embora no pedido de licenciamento se diga que se trata da ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, se tratava, na verdade, de uma nova construção (Bloco B), sem qualquer ligação funcional com o bloco anterior, cujo processo de obras tinha o nº 190/98, que o novo bloco (Bloco B) é implantado encostado ao outro mas é independente deste desde a cave até ao sótão, pois cada qual tem a sua estrutura própria, alicerces, colunas, pilares, pavimentos, entradas, paredes-mestras, escadas; que deste modo estava em causa a divisão de um prédio em pelo menos dois lotes destinados à construção urbana, pelo que o licenciamento das obras estava sujeito a prévia operação de loteamento, conforme artigo 3° alínea a) do DL. nº 448/91, de 29 de novembro, na redação dada pelo DL. nº 334/95, de 28 de dezembro. E invocando em abono da sua tese os acórdãos do STA de 14/03/2002. Rec. nº 48250, proferido no âmbito do Proc.º n.º 659/2000 do TAF de Coimbra; e de 27/02/2007, Rec. nº 1038/06 no âmbito do Proc. n.º 331/02 do mesmo TAF de Coimbra), sustentou faltar ao ato impugnado um elemento essencial, a saber, o prévio licenciamento do loteamento, e que assim tal o ato é nulo e de nenhum efeito, seja nos termos do artigo 133º nº 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), seja nos termos do artigo 52º nº 2 alínea b) do DL. nº 445/91, de 20 de novembro, na redação dada pelo DL. nº 250/94, de 15 de outubro, defendendo que no regime do licenciamento de obras particulares eram nulos os atos administrativos que violassem o disposto em alvará de loteamento em vigor, e que, assim, se é nulo o ato que viole alvará de loteamento em vigor, por maioria de razões, deve também ser considerado nulo o ato que licencia uma obra sem que previamente o terreno onde a mesma foi implantada tenha sido objeto do necessário loteamento.
1.3.3 O Tribunal a quo começou por explicitar, por ter sido suscitada pelo réu MUNICÍPIO DE (...) a questão da inaplicabilidade do DL nº 448/91 por ao tempo da prolação do ato impugnado tal diploma se encontrar entretanto revogado pelo RJUE aprovado pelo DL nº 555/99, que «ao tempo do acto impugnado e relativamente às operações de loteamento requeridas na data em que teve início o Procedimento de licenciamento sub judice aplica-se, independentemente das datas das decisões aí proferidas, o Regime jurídico dos Loteamentos Urbanos aprovado pelo DL nº 448/91 de 29/11, na redacção republicada consolidadamente pelo do DL nº 334/95 de 28/12». E que «Pela sobredita ordem de razões, mutatis mutandis, aplicável é, também, in casu, o DL nº 445/91 de 20/11 – Regime de Licenciamento de Obras Particulares – revogado pelo mesmo RJUE». Pelo que na análise dos fundamentos da impugnação do ato teve em consideração aquele quadro normativo, o que não vem discutido no presente recurso.
1.3.4 E procedendo à análise dos fundamentos da impugnação do ato de licenciamento o Tribunal a quo julgou-as não verificadas. Vertendo, a tal respeito, a seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«De como não ocorre a nulidade do acto por falta de um elemento essencial, nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA:
Salvo o devido respeito, o argumento esgrimido pelo Mº Pº em vista da demonstração da ocorrência desta causa de nulidade é falacioso (no sentido de que a sua coerência lógica é meramente aparente). Vejamos:
É certo que segundo o nº 1 do artigo 133º do CPA são nulos os actos administrativos a que falte qualquer dos elementos essenciais. Porém, e naturalmente, os elementos do acto administrativo são os elencados no artigo 123º nº 1, a saber:
a) A indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
b) A identificação adequada de destinatário ou destinatários;
c) A enunciação dos factos ou actos que lhe deram origem, quando relevantes;
d) A fundamentação, quando exigível;
e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respectivo objecto;
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane.
Alguns destes elementos que sempre o acto administrativo deve integrar serão essenciais, outros não, podendo dizer-se que essenciais serão aqueles que permitam configurar uma decisão (al. e), identificar o seu autor imediato (al.s a) e g), primeira parte) e conhecer o objecto (mediato) da decisão (al. e).
Ora o que o Autor designa equivocamente como elemento essencial do acto não é mais do que aquilo que ele entende ser um pressuposto de facto – essencial, embora - da prática legal do concreto e determinado acto que é o licenciamento da construção nas circunstâncias descritas supra e na PI, a saber, o prévio licenciamento de um loteamento.
Certo: atentos os termos dos artigos 1º nº 1 e 3º alª a) do Regime Jurídico do Licenciamento das Operações de Loteamento e das Obras de Urbanização, é essencial que haja o prévio licenciamento de um loteamento para que sejam licenciadas obras de construção que pressuponham a divisão de um terreno em vários lotes. Mas a falta desse pressuposto apenas pode inquinar de ilegalidade o acto que decida licenciar semelhante construção “passando por cima” do necessário licenciamento do loteamento. Quanto ao licenciamento da construção, lícito ou ilícito, o elemento essencial do acto que é a decisão de licenciar a obra está lá, os elementos essenciais que são a identificação e a assinatura do Autor, estão lá, o elemento essencial que é a menção do objecto da licença (a construção do bloco habitacional em determinada parcela de terreno está lá, pelo que de modo nenhum se pode dizer que o Acto impugnado é nulo por lhe faltar um qualquer elemento essencial.
Improcede, pelo exposto, a primeira causa de nulidade do acto impugnado, apontada pelo Autor.

De como não ocorre a nulidade cominada no artigo 52º nº 2 alª b) do DL nº 445/91 de 20/11, por maioria de razão.
Nos termos do nº 1 do artigo 133º do CPA, são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
É certo que a sobredita norma comina expressamente a nulidade para o acto administrativo que viole alvará de loteamento em vigor. Mas não há norma que sancione expressamente com nulidade o acto administrativo praticado em violação da obrigatoriedade de loteamento.
O argumento da “maioria de razão”, invocado pelo Autor, reside numa operação racional que bem poderia aqui fazer valer a sanção de anulabilidade. Efectivamente, se o legislador proscreve o aproveitamento de um acto administrativo que viole alvará de loteamento em vigor, também proscreve o do acto administrativo que tenha prescindido ilegalmente do licenciamento do loteamento. Porém, cominar uma nulidade expressamente é dizê-lo expressamente, preto no branco, o que não acontece relativamente a falta de prévio licenciamento de um loteamento se apenas se comina a nulidade para a violação dos termos de um alvará de loteamento.
Pelo exposto, não pode proceder a alegação de nulidade a partir do artigo 52º 1 b) do DL nº 445/91.
Cumpre notar, a este propósito, que os acórdãos do STA invocados pelo Autor foram proferidos relativamente a actos de licenciamento de obras (sem o supostamente devido loteamento) praticados quando vigorava a versão originária do artigo 56º nº 1 a) do DL nº 448/91, a qual sancionava com nulidade os actos administrativos relativos “a quaisquer obras de construção civil” que “não tenham sido precedidos de consulta das entidades cujos pareceres sejam legalmente exigíveis”. Da obrigatoriedade do loteamento prévio, associada à obrigatoriedade da consulta de determinadas entidades externas ao Município, para o licenciamento da operação de loteamento; e da expressa cominação de nulidade para o licenciamento de “quaisquer obras de construção civil” sem as consultas e pareceres devidos nos loteamentos, puderam aqueles arestos concluir pela nulidade do acto do licenciamento que prescindira de prévio loteamento e, portanto, das tais consultas. Porém, com a substancial alteração introduzida neste artigo pelo DL nº 334/95 de 28/12, alteração em que a nulidade veio dar lugar à mera anulabilidade, deixou de ser profícuo aquele argumento relativamente aos licenciamentos pedidos de então em diante.
Por isso é que o Autor olha agora para o ao artigo 52º nº 2 al. b) do DL nº 445/91 e para o argumento de maioria de razão – debalde, pela razão já exposta.
Resta dizer que, suposto que o acto impugnado tenha violado efectivamente a obrigatoriedade de prévio loteamento decorrente dos artigos 1º nº 1 e 3º a) do DL nº 448/91 na redacção republicada pelo DL nº 334/95 de 28/12, designadamente por se tratar de dois edifícios e duas autónomas ocupações de solo construtivo, o mesmo acto, por este motivo, seria, então, anulável, conforme prevê o artigo 135º do CPA. Porém, a acção para obtenção da anulação do acto impugnado com este fundamento já há muito caducara quanto a presenta acção deu entrada (29/1/2010). De um ponto de vista substantivo, que é o que agora releva, melhor será dizer que o acto impugnado, no que diz respeito a esta alegada causa de invalidade, se porventura ilegal, já se havia consolidado irrevogavelmente na ordem jurídica.
Assim, em conclusão, tem de improceder igualmente a alegação de nulidade do acto impugnado com fundamento em violação do artigo 52º nº 2 alª b) do DL nº 445/91 de 20/11, por maioria de razão; e sempre estaria suprida pelo decurso do tempo a anulabilidade consistente numa eventual violação da conjugação dos artigos 1º nº 1 e 3º a) do DL nº 448/91 na redacção republicada pelo DL nº 334/95 de 28/12.»

1.3.5 Comece por ter-se presente que tal como o Tribunal a quo considerou, e não vem posto em causa no recurso, é de convocar para a solução da situação objeto dos presentes autos o quadro normativo decorrente quer o Regime de Licenciamento de Obras Particulares aprovado pelo DL nº 445/91 de 20 de novembro, quer o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo DL nº 448/91 de 29 de novembro (na redação republicada pelo do DL nº 334/95 de 28/12).
Com efeito, não obstante à data em que foi prolatado o ato impugnado nos presentes autos (o despacho de 07/09/2000 do Vereador da Câmara Municipal de (...), que aprovou os projetos de especialidades do processo de licenciamento n° 371/99) já ter sido publicado e entrado em vigor o DL. nº 555/99, de 16 de dezembro, que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) revogando, quer o Regime de Licenciamento de Obras Particulares aprovado pelo DL nº 445/91, quer o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo DL nº 448/91 (cfr. artigos 129º e 130º), nos termos do regime transitório ali previsto aos processos de licenciamentos então pendentes, como era o caso, aplicava-se, ainda, o regime jurídico anterior (cfr. artigo 128º nº 1).
1.3.6 O que também sucede quanto às normas do Código de Procedimento Administrativo (CPA), mormente a que respeita à invocada nulidade do ato aqui impugnado nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA/91 (DL. nº 442/91), já que era esse o CPA que se encontrava à data em vigor, e não, obviamente, o novo CPA que haveria de vir a ser aprovado pelo DL. 4/2015, cujos normativos referentes à nulidade dos atos administrativos se haverão de aplicar apenas aos atos administrativos praticados após 06/04/2015, data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 8º).
1.3.7 Depois, diga-se desde já, que assiste razão ao recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO quando propugna no presente recurso ter sido demasiado redutor que o entendimento feito pelo Tribunal a quo a respeito do conceito de «elemento essencial» relevante para efeitos do disposto no invocado artigo 133° n° 1 do CPA/91 - (vide, designadamente, conclusões 9ª a 13ª das alegações de recurso).
1.3.8 É que o Tribunal a quo entendeu que a falta de prévia operação de loteamento (devidamente licenciada) para que sejam licenciadas obras de construção que pressuponham a divisão de um terreno em vários lotes não configuraria nulidade desse ato, mas mera falta de um pressuposto de facto. Ressumando da fundamentação que verteu no acórdão recorrido que quando falte o necessário licenciamento de operação de loteamento essa falta simplesmente inquina o ato de licenciamento das obras de construção inquinar de ilegalidade tornando-o anulável e não nulo.
E idêntico raciocínio fez no que que respeita à invocada nulidade do ato de licenciamento, por referência ao artigo 52º nº 2 al. b) do DL nº 445/91, dizendo que mesmo a considerar-se que o ato de licenciamento da obra de construção teria que ser obrigatoriamente precedido de prévia operação de loteamento ele seria, então, meramente anulável, pelo que a ação para obtenção da sua anulação com tal fundamento já havia caducado há muito, mostrando-se, assim, o ato consolidado na ordem jurídica, improcedendo igualmente a alegação de nulidade com fundamento na violação do artigo 52º nº 2 al. b) do DL nº 445/91 de 20/11, por maioria de razão que vinha também invocada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
1.3.9 Para o Tribunal a quo o elemento essencial do ato de licenciamento das obras de construção, que é a decisão de licenciar a obra, está lá, os seus elementos essenciais que, a seu ver, são a identificação e a assinatura do autor, estão lá, o elemento essencial que é a menção do objeto da licença (a construção do bloco habitacional em determinada parcela de terreno) está lá, e que assim, de modo nenhum se podia dizer que o ato de licenciamento impugnado era nulo por lhe faltar um qualquer elemento essencial.
1.3.10 Mas a nosso ver, não é de subscrever o entendimento assim feito pelo Tribunal a quo. E ele não mostra, também, acolhimento seja na doutrina seja na jurisprudência que a tal respeito de tem produzido.
1.3.11 O nº 1 do artigo 133º do CPA/91 consagrava uma cláusula geral de nulidade por natureza ao estatuir na primeira parte daquele normativo que “…são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais”.
Normativo atualmente ausente do artigo 161º do CPA novo (DL. nº 4/2015) referente aos atos nulos, e cuja abolição é justificada no preâmbulo do DL nº 4/2015 nos seguintes termos: “…por razões de certeza e segurança, determina-se que a nulidade pressupõe a respetiva cominação legal expressa, eliminando-se a categoria das «nulidades por natureza», definidas através de conceitos indeterminados, que suscitariam dúvidas de interpretação”.
Mas, como já vimos, não é de subjugar a situação dos presentes autos ao quadro normativo constante do CPA novo (aprovado pelo DL. nº 4/2015), mas ao do CPA antigo (aprovado pelo DL. nº 441/91). Pelo que é este, o antigo, que devemos ter por referência, como também já se disse.
1.3.12 Ora, é precisamente, no âmbito e a respeito do artigo 133º nº 1 do CPA/91 que se mostra consolidado, podemos, dizê-lo, o entendimento de que os «elementos essenciais» referidos naquele normativo não correspondem às menções que nos termos do artigo 123º do mesmo código devem constar do documento no qual o ato se exterioriza.
1.3.13 Assim o entenderam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, inCódigo do Procedimento Administrativo – Comentado”, 2ª Edição, Almedina (4ª Reimpressão da edição de 1997), pág. 642 (em anotação ao artigo 133º nº 1 do CPA), de que os “elementos essenciais” referidos não correspondem às menções que nos termos do artigo 123º do CPA/91 devem constar do documento no qual o ato se exterioriza. E, como ali afirmaram, «elementos essenciais» no sentido do artigo 133º nº 1 do CPA, cuja falta determina a nulidade do ato administrativo, serão “...todos aqueles que se ligam a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos”.
A ideia de que aqui deve valer, e que também se estabilizou, é a de que a interpretação, e aplicação, da cláusula geral de nulidade, por natureza, contida no nº 1 do artigo 133º do CPA/91, convoca a questão da densificação do conceito de “elementos essenciais” do ato, a qual sempre dependerá do tipo de ato que esteja em causa. E é a tal respeito, e nesse contexto, que aqueles autores (op. cit, pág. 642) referem poder considerar-se serem nulos, nos termos daquele dispositivo “…os atos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de ato em causa ou da gravidade do vício que o afeta”.
Dizendo também Diogo Freitas do Amaral, inCurso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, pág. 249, que elementos essenciais do ato administrativo serão aqueles sem os quais o próprio ato, em si considerado, não existe ou sem os quais não pode produzir quaisquer efeitos jurídicos.
Ou, ainda Mário Aroso de Almeida, in, “Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares: instrumentos jurídicos de atuação administrativa”, Almedina, 2012, pág. 196, ali dizendo “(…)A solução parece ser, portanto, a de adotar um critério material, associando o conceito de elementos essenciais” a requisitos legais de validade cuja falta, mesmo quando a lei não comine expressamente para ela a sanção da nulidade, se deva entender que, pela sua essencialidade, não deve ser apenas submetida ao regime de anulabilidade.”
E afirmando André Folque, in, “Curso de Direito da Urbanização e da Edificação”, Coimbra Editora, pág. 59 (ainda que a respeito e no âmbito do RJUE-DL. nº 555/99, mas cujo raciocínio se apresenta como igualmente válido no âmbito do anterior regime jurídico do licenciamento de obras particulares e dos loteamentos urbanos), “…assim, se no artigo 68.º, alínea a), é fulminado com a nulidade o ato positivo desconforme com o teor da licença ou da autorização de loteamento, então, a falta de operação de loteamento, como pressuposto desta norma, há de gerar, bem assim, nulidade. Só este entendimento permite reconhecer unidade e coerência à ordem jurídica, estabelecendo a concordância racional entre normas ordenadas num mesmo sistema”.
O que também é entendido por Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maças, in “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – comentado”, 2.ª edição, Almedina, pág. 428.
1.3.14 E na jurisprudência, no mesmo sentido, entre muitos outros:
- o Acórdão do STA de 18/06/2008, Proc. nº 0957/07, in, www.dgsi.pt/jsta, onde foi sumariado, entre o demais, o seguinte: «(…) II - O conceito de “elementos essenciais do ato administrativo” para efeitos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses elementos, que decorre dos tipos de atos em causa ou da gravidade dos vícios que os afetam; III - Devendo considerar-se inquinados de nulidade, nos termos daquele normativo, os atos a que falte qualquer dos elementos indispensáveis para que se possa constituir qualquer ato administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta, ou feridos de vícios graves e decisivos equiparáveis àquela carência. (…)»;
- o Acórdão do STA de 19/11/2008, Proc. nº 070/08, in, www.dgsi.pt/jsta, em que foi sumariado, entre o demais, que «(…) IV - O conceito de “elementos essenciais do ato administrativo” para efeitos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA, tem a ver com a densificação desses elementos, que decorre dos tipos de atos em causa ou da gravidade dos vícios que os afetam (…)»;
- o Acórdão do STA, de 17/10/2012, Proc. 0187/12, in, www.dgsi.pt/jsta, de cujo sumário se extrai o seguinte: «(…) IV - Elementos essenciais, no sentido do nº 1 do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo, cuja falta determina a nulidade do ato administrativo, serão todos aqueles que se ligam a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos, além daqueles a que se refere o seu nº 2, não preenchendo esse critério o alegado vício relativo aos pressupostos de facto, que conduz apenas à mera anulabilidade»;
- Acórdão deste TCA Norte de 25/05/2006, Proc. nº 00475/02BECBR, in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou, designadamente, o seguinte: «(…)V. A expressão “elementos essenciais” a que se refere o artigo 133.º, n.º 1 do CPA não respeita aos elementos ou referências que, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 «devem sempre constar do ato», nem aos elementos da respetiva noção contidos no art. 120.º do CPA».
1.3.15 Encontrando-se, ainda, na jurisprudência vários e múltiplos casos em que se decidiu pela nulidade de ato de licenciamento de obras de construção, precisamente por falta de elemento essencial, convocando, assim, o artigo 133º nº 1 do CPA/91, em situações em que se concluiu que era necessária prévia operação de loteamento (devidamente licenciada), e que o ato de licenciamento da obra de construção operou, na prática, o loteamento do terreno em que as construções haviam de ser edificar, procedendo a uma divisão fundiária sem a observância dos respetivos condicionalismos legais, fossem de forma ou de substância.
1.3.16 E foi, precisamente, nessa dimensão, que o MINISTÉRIO PÚBLICO invocou a nulidade do ato de licenciamento da obra objeto do processo de licenciamento n° 371/99 aqui em causa. Sustentando que através dele se operou um fracionamento do terreno onde foram implantados dois edifícios (os identificados Blocos A e B) sem prévio (e necessário, no seu entender) licenciamento de operação de loteamento.
Sendo certo que de harmonia com o disposto no artigo 3º alínea a) do Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo DL nº 448/91 configuravam operações de loteamento “…todas as ações que tenham por objeto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana”.
1.3.17 Tal sucedeu no Acórdão do STA de 14/03/2002, Rec. nº 048250, in www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte: “(…) o essencial do conceito de loteamento, tendo em vista o disposto na alínea a) do art. 3° do DL nº 448/91, de 29/NOV, traduz-se na divisão de um ou vários prédios, em lotes destinados a construção urbana, apenas devendo excluir-se de tal conceito normativo e bem assim do regime dos loteamento urbanos todas as situações em que, fundamentalmente, não há lugar à formação de unidades autónomas”. Processo em que aquele Supremo Tribunal Administrativo decidiu que o licenciamento para construção de duas moradias independentes uma da outra, que apenas partilhavam uma parede, “não podia ser deferido sem que o prédio rústico fosse juridicamente dividido, isto é, sujeito previamente a loteamento”, e que assim aquela operação deveria ter sido precedida dos pareceres, autorizações ou aprovações exigidos no art.º 56.º do DL 448/91, concluindo pela nulidade do ato de licenciamento, que declarou.
Considerou-se, pois, ali, ser nulo o ato de licenciamento em causa por ter deferido o pedido de construção em que era exigível loteamento prévio e sem que este tivesse sido feito.
Assim como no acórdão do STA de 27/02/2007, Proc. nº 01038/06, in, www.dgsi.pt/jsta, em que se sumariou o seguinte: «(…) II - O essencial do conceito de loteamento, tendo em vista o disposto na alínea a) do art.3° do DL nº 448/91, de 29/NOV, traduz-se na divisão de um ou vários prédios, em lotes destinados a construção urbana, apenas devendo excluir-se de tal conceito normativo e bem assim do regime dos loteamento urbanos todas as situações em que, fundamentalmente, não há lugar à formação de unidades autónomas. III - Consubstancia operação de loteamento, e sujeita portanto ao seu regime, o desencadear de um procedimento que, relativamente a um terreno rústico levou à sua divisão em unidades habitacionais autónomas, concretamente em oito moradias inteiramente individualizados de rés-do-chão e andar, pese embora a verificação de alguma comunhão no que tange, v.g., a rede de esgotos e gaz, de terreno de logradouro e de acesso às garagens. IV - Assim sendo, uma tal operação, face ao disposto no art.º 56.º do DL 448/91, deveria ter sido precedida de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigidos (seja o parecer da C.C.R, seja o das entidades a que se refere o artigo, 42º do Dec. Lei nº 448/9), pelo que não tendo assim procedido o acto que de tal prescindiu, e nos termos do mesmo normativo, incorreu em nulidade», ali se tendo entendido que porque o pedido de licenciamento a que respeitava a operação em causa naquele caso corporizou, na verdade, um loteamento, deveria, então, face ao disposto no artigo 56º do Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos (DL nº 448/91) ter sido precedido de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigidos, tendo em vista, designadamente, assegurar o interesse público de um correto ordenamento do território e verificar da articulação com planos e projetos de interesse regional, intermunicipal ou supramunicipal e do cumprimento das disposições legais e regulamentares vigentes, e do parecer da CCR-Centro, nos termos dos artigos 12º, 42º e 43º do mesmo Regime, e que não o tendo sido o respetivo ato de licenciamento incorreu em nulidade.
1.3.18 Igual entendimento seguimos, também, no acórdão que então relatámos em 1ª instância em 21/05/2009 no Proc. nº 702/04.2BEVIS, confirmado em sede de recurso pelo acórdão deste TCA Norte de 01/10/2010 (inédito), em que se considerou que o deferimento do pedido de licenciamento da obra de construção ali em causa, que correspondia na sua configuração, em linguagem comum, à de construção de duas moradias geminadas, sendo estas perfeitamente autónomas e independentes uma da outra, e sem que se mostrasse excluída do conceito normativo de loteamento urbano acolhido no artigo 3.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 448/91 (divisão de um ou vários prédios em lotes destinados a construção urbana”), nem do respetivo regime jurídico a que se encontrava sujeita, em especial, aquelas em que não há lugar à formação de unidades autónomas, como será o caso, v.g., da constituição do direito de superfície e da realização de duas construções sobrepostas que mantêm entre si unidade ou relacionamento (cfr. Acórdãos do STA de 14/03/2002, Rec. nº 048250; de 08/06/1999, Rec. 43953, estes in, www.dgsi.pt/jsta; e de 16/02/1994, Rec.33160, este publicado in APDR de 20/DEZ/96) se traduziu-se, na prática, numa operação de loteamento, sem que, contudo, tenha sido observado o respetivo procedimento a que se encontrava sujeito (elencado nos Capítulos II e III do DL. nº 448/91, a seguir de acordo com o critério previsto no artigo 2º daquele diploma), desde logo, sem requerimento do particular nesse sentido, sem aferição, no seio daquele procedimento, se no caso se verificavam os respetivos requisitos para levar a cabo o loteamento urbano, e bem assim, e fundamentalmente, sem definição precisa dos «lotes» criados, cujas respetivas áreas e confrontações devem, ademais, constar do Alvará de Loteamento, documento que titula o licenciamento da operação de loteamento, em conformidade com o disposto nos artigos 28º e 29º nº 1 alínea e) do DL. nº 488/91, consubstanciando, nesse contexto, um ato nulo à luz do artigo 133º nº 1 do CPA/91, por falta dos elementos essenciais.
Assim como no Proc. n.º 16/10.9BEAVR, cuja sentença transitada datada de 30/11/2011, em que igualmente se considerou nulo nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA/91, que o ato de licenciamento ali em causa, por as duas moradias (geminadas), objeto de tal ato formarem duas unidades autónomas, duas edificações perfeitamente individualizadas, com a configuração própria de duas moradias unifamiliares, sem qualquer ligação funcional ou estrutural, pelo que devia ter sido sujeita a prévia operação de loteamento.
1.3.19 Esse entendimento foi, também, o seguido no acórdão deste TCA Norte de 23/09/2015, Proc. nº 00015/10.0BEAVR, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou, entre o demais, que: «1 – Não poderá ser efetivado um licenciamento urbanístico por via de Propriedade Horizontal, nos termos do artigo 1438-A do Código Civil, quando esteja em causa a divisão de um ou vários prédios, em lotes autónomos destinados a construção urbana.
Havendo autonomia de cada edifício, de modo que possam ser desprezadas as partes comuns, aí importará recorrer necessariamente a loteamento. 2 – Uma vez que o licenciamento em questão deu origem a edificações perfeitamente individualizadas, com a configuração própria de moradias unifamiliares, deveriam ter sido sujeitas a prévia operação de loteamento, nos termos da alínea i), do artigo 2.º, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. 3 - O artigo 1438.º-A do Código Civil não isenta o promotor da operação de loteamento. O loteamento constitui uma das mais relevantes formas de ocupação dos solos, pelo que as iniciativas dos particulares visando a urbanização do solo conducente à formação de unidades autónomas devam ser enquadradas num processo administrativo em que seja assegurada a defesa de interesses públicos designadamente em matéria de urbanismo e de proteção do ambiente.
Já a propriedade horizontal consiste predominantemente um instrumento destinado a regular as relações entre os condóminos, o que não colide com o artigo 1438.º-A do Código Civil, que prevê a possibilidade de aplicar o respetivo regime a um conjunto de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem. (…)»
Como ainda no acórdão deste TCA Norte de 20/05/2016, Proc. 00097/10.5BECBR, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou o seguinte: «I- Por elementos essenciais do ato não podem entender-se os elementos constantes do artigo 123º do anterior CPA, mas devem entender-se todos os elementos que devam ser considerados legalmente relevantes para a formação do ato de licenciamento, o que está em causa nos presentes autos. II- No caso dos autos, verifica-se da matéria de facto dada como provada que estamos perante duas edificações individualizadas pelo que deveria o seu licenciamento ser objeto de prévia operação de loteamento. (…)» - (acórdão este, aliás, e cumpre explicitá-lo, proferido na ação Proc. nº 97/10.5BECBR, em que o MINISTÉRIO PÚBLICO impugnou o ato de licenciamento proferido no processo camarário nº 190/98, esse referente às obras de construção do Bloco A, identificado nos presentes autos).
1.3.19 Perante isto, e por tudo o que se disse supra, tem que concluir-se que andou mal o Tribunal a quo ao entender que as causas de nulidade que foram assacadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ao ato de licenciamento impugnado nos presentes autos, assentes, em suma, na circunstância desse ato de licenciamento não ter ser precedido de uma operação de loteamento, não consubstanciavam fundamentos de nulidade do ato, como vinha invocado, mas meras causas de (eventual) ilegalidade geradora da anulabilidade do ato.
1.3.20 Pelo que assiste, neste aspeto, e por conseguinte, que tange, concretamente, às conclusões 9ª a 13ª e 27ª a 29ª das alegações de recurso, razão ao recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO.
1.3.21 E se assim é, o que há que aferir agora, e que era o que ao Tribunal a quo se impunha fazer, é se perante o contexto factual especificamente apurado nos presentes autos, o ato aqui impugnado (o despacho de 07/09/2000 do Vereador da Câmara Municipal de (...)), que é aquele pelo qual foi licenciada a obra de edificação do identificado Bloco B referente ao processo camarário nº ° 371/99, é nulo pelos fundamentos apontados, tal como sustentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO na ação.
E é esse julgamento que vai ditar a procedência ou improcedência da ação.
Vejamos, então.
1.3.22 Já sabemos que à luz da jurisprudência supra citada, e pelos fundamentos nelas plasmados, que se percorreram supra, será de considerar nulo, nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA/91, o ato de licenciamento de obras de construção naquelas situações em que através dele se operou, na prática, o loteamento do terreno em que as construções haviam de ser edificadas, procedendo a uma divisão fundiária sem a observância dos respetivos condicionalismos legais, de forma e de substância, por não ter sido antecedido de operação de loteamento.
1.3.23 No caso sub judice temos que foi requerido à Câmara Municipal de (...) em 06/06/1998 o licenciamento da obra construção de um bloco habitacional, edifício habitacional multifamiliar de 6 fogos, com cave e sótão, num prédio rústico situado no lugar de (...) - (...), inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo matricial com o n° 341, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 01151, dando origem ao procedimento de licenciamento de obras nº 190/98, obra que após aprovação do projeto de arquitetura, foi licenciada através do despacho de 13/09/1999, tendo sido subsequente emitido em 07/10/1999 o respetivo alvará de licença de construção n° 197/99 (vide 1., 2., 5., 7. e 9. do probatório).
Posteriormente, em 03/11/1999, foi requerido para o mesmo indicado prédio rústico o licenciamento da obra de construção de um outro bloco habitacional, ali referenciado como sendo de ampliação do objeto do processo de licenciamento nº 190/98, com implantação projetada no seguimento desse, igualmente de 6 fogos, com cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andares e sótão, requerimento que deu origem ao procedimento de licenciamento de obras nº 371/99, obra que após aprovação do projeto de arquitetura, foi licenciada através do despacho de 09/09/2000, tendo sido subsequente emitido em 04/12/2000 o respetivo alvará de licença de construção n° 291/00 (vide 10., 11., 13., 15., 17. do probatório).
Simultaneamente, em 04/10/2000, a Câmara Municipal de (...), deferiu o requerimento de autorização para a constituição do edifício constituído por aqueles dois blocos, se constituísse em propriedade horizontal (vide 16. do probatório). O que veio a suceder.
1.3.24 Temos, assim, que numa mesma parcela de terreno vieram a ser edificados dois blocos (Bloco A e Bloco B), confinantes entre si, e com idêntica configuração, ambos de habitação multifamiliar, com seis fogos cada, à razão de dois fogos por piso. Tendo sido constituída propriedade horizontal sobre a totalidade do edificado, correspondendo os fogos habitacionais situados no Bloco B (o licenciado no processo de obras nº 371/99 aqui em causa) às C, D, G, H, L e K (vide 16. do probatório).
Resulta também apurado nos autos que o Bloco B, é contiguo ao Bloco A, havendo entre ambos apenas uma junta de dilatação desde a cave até ao segundo andar; que nos termos do projeto de estabilidade na zona de contacto entre os dois blocos A e B foram projetadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco); que, assim, a solução estrutural projetada é constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, embora haja, ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas, mas tendo cada um dos Blocos as suas paredes próprias, separadas, que estão apenas encostadas junto à empena que une os dois blocos; que o revestimento de cobertura, concretizado através de telhas de barro cerâmico, apresenta-se contínuo e uniforme no conjunto dos dois Blocos A e B, com uma fiada de telhas na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos (vide 25., 26., 27., 27-A. e 31. do probatório).
E quanto às infra-estruturas apurou-se também que para os dois Blocos foram apresentados processos de licenciamento distintos e com projetos de arquitetura e de engenharia de especialidades distintos, não obstante, o conjunto do edificado, abrangendo os Blocos A e B, partilha redes de águas, esgotos, eletricidade e gás e telecomunicações a jusante da rede pública, em termos que a demolição de um dos Blocos mantendo o outro, ainda que possível, consubstanciaria uma operação que teria que ser rodeada de adequadas medidas de segurança, havendo que proceder à reformulação das redes infra-estruturais, nomeadamente com a selagem de todas as ligações dessas redes, nos locais em que deixassem de ser necessárias, em especial a rede de esgotos domésticos e a rede de gás (vide 28., 30. e 35. do probatório).
Noutra perspetiva, os dois Blocos de habitação multifamiliar, que se apresentam idênticos, na essência, com seis fogos habitacionais cada, à razão de dois por piso, e contíguos, têm cada um a sua entrada própria, com escadas próprias de acesso aos vários pisos (vide 29. do probatório).
Sendo que para acesso à globalidade da parcela de terreno em que se encontram implantados o conjunto dos dois Blocos existe um só arruamento, assim como um logradouro único, bem como um único muro de vedação que delimita o perímetro da parcela, inexistindo muros intermédios (vide 32., 33. e 34 do probatório).
1.3.25 A primeira observação a fazer é a de que para a solução à questão essencial a resolver na ação, que é a de saber se o seu licenciamento, em particular o ato que licenciou as obras de construção do Bloco B (que é o ato impugnado nos presentes autos) é nulo por não ter sido precedido de prévia operação de loteamento do terreno em que foi implantado, não é decisiva a questão de saber se estamos (ou não) perante um único edifício, formado pelos identificados dois blocos A e B. Quando, na tese dos recorridos, o conjunto do edificado reúne os requisitos da propriedade horizontal, que como tal foi constituída.
1.3.26 O regime jurídico da propriedade horizontal encontra-se expressamente consagrado nos artigos 1414º a 1438º-A do Código Civil, que importa convocar.
O artigo 1414.º do Código Civil, dispõe que “…as frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.”.
O artigo 1415.º do Código Civil dispõe que “…só podem ser objeto de propriedade horizontal as frações autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.”
O artigo 1438.º-A, do Código Civil (introduzido pelo DL. n.º 267/94, de 25 de outubro) dispõe que “…o regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem.”
1.3.27 A norma do artigo 1438.º-A do Código Civil introduzida pelo DL. n.º 267/94, de 25 de outubro, alargou, assim, o leque das situações passíveis de se sujeitarem ao regime de propriedade horizontal, abarcando agora não só os edifícios únicos, mas também os “conjuntos de edifícios”, desde que “funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem”.
1.3.28 A propósito da possibilidade de aplicação do regime da propriedade horizontal a conjuntos de edifícios conferida pelo artigo 1438.º-A, do Código Civil, vide André Folque, in, “Curso de Direito da Urbanização e da Edificação”, Coimbra Editora, pág. 55, onde se diz o seguinte: Aquilo que nos parece é que o disposto no artigo 1438.º-A do Código Civil não isenta o promotor da operação de loteamento, observados que sejam os pressupostos desta (41). Pode muito bem constituir-se a propriedade horizontal – com as necessárias adaptações no título – a vários lotes edificados, desde que existam partes comuns, nomeadamente para uso privativo dos lotes a que se reporta o disposto no artigo 43.º do RJUE.”, acrescentando ainda mais adiante (pág. 57), que: “Insistir em que no artigo 1438.º-A do Código Civil se contém um tertium genus é ignorar o contexto sistemático desta norma – uma norma de direito civil que pretende disciplinar relações jurídicas reais e, de modo nenhum, uma norma de direito público, destinada a salvaguardar interesses gerais de natureza urbanística. Aquilo que o preceito visa regular é a administração das partes comuns que sejam de utilização privada – as áreas a que se reporta o artigo 43.º n.º 4, e a que já se referia o artigo 15.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro.”
Vide também a propósito do regime de propriedade horizontal os sumários reproduzidos, das lições ao curso de Direitos Reais, de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra, 1967, página 270, onde pode ler-se o seguinte: Em face do regime geral do direito de propriedade sobre imóveis, qualquer edifício incorporado no solo só pode ser objeto de um único direito de domínio – direito que abrangerá toda a construção, o solo em que esta assente e os terrenos que lhe serviam de logradouro. É o que facilmente se infere das regras sobre acessão industrial imobiliária (arts. 1339.º a 1343.º) do preceito delimitador da propriedade imóvel (artigo 1344.º, n.º 1). Este princípio, porém, sofre derrogação no instituto da propriedade horizontal.” Referindo ainda este autor, mais adiante (a págs. 300), que: “Deve entender-se, pois, que o núcleo da propriedade horizontal é constituído por direitos privativos de domínio, direitos estes a que estão associados, com função instrumental (mas de modo incindível), direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva. Precisamente para distinguir as situações de propriedade horizontal das de simples contitularidade ou comunhão sobre coisa indivisa, o nosso legislador recorreu ao conceito de condomínio. O condomínio é, assim, a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre frações determinadas.”
E importa ainda ter presente a propósito do regime da propriedade horizontal a conjuntos de edifícios artigo 1438.º-A, do Código Civil e sua articulação com o regime do loteamento urbano, em situação assaz idêntica ao dos autos, o que é dito no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/02/2007, Proc. 01038/06, in www.dgsi/jsta.pt, que já referimos supra, que se passa a citar:
Abreviando, pode dizer-se que o loteamento respeita à forma de ocupação dos solos constituindo uma das mais relevantes como acima se disse. Daí que as iniciativas dos particulares visando a urbanização do solo conducente à formação de unidades autónomas devam ser enquadradas num processo administrativo em que seja assegurada a defesa de interesses públicos designadamente em matéria de urbanismo e de proteção do ambiente.
A propriedade horizontal, por seu lado, constitui essencialmente um instrumento destinado a regular as relações entre os condóminos.
Tal não deixa de o ser mesmo com a adição ao Código Civil do artigo 1438.º-A pelo Dec. Lei 267/94 de 25/10, o qual prevê a possibilidade de aplicar o respetivo regime a um conjunto de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem, quando anteriormente tal só era possível quanto às frações de um edifício. Efetivamente, como pode ler-se no preâmbulo daquele diploma legal, «Salvaguardou-se, porém, a interdependência das frações ou edifícios e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condomínio».
1.3.29 Ora, a concreta situação dos autos não se apresenta como semelhante ou sequer equivalente àquelas que foram apreciadas nos acórdãos citados supra, já que naqueles o licenciamento respeitava à construção de moradias unifamiliares, que se apresentavam como autónomas e independentes entre si, sem que se vislumbrasse existir entre elas qualquer espécie de ligação funcional, designadamente pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas das frações.
Isto com exceção do acórdão deste TCA Norte de 20/05/2016, proferido no Proc. nº 97/10.5BECBR, em que foi impugnado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO precisamente o ato de licenciamento proferido no processo camarário nº 190/98, esse referente às obras de construção do Bloco A. Mas só neste caso o licenciamento apreciado respeita a blocos de edifícios multifamiliares, sendo todos os demais, concretamente apreciados nos arestos supra citados, respeitantes a moradias unifamiliares.
1.3.29 Esta diferença pode até não ser decisiva, mas não é de todo despicienda. Ponto é que, e é isso que emerge como relevante, se possa concluir que com o licenciamento das obras de construção se fez operar, na prática, a divisão fundiária do terreno, evitando a submissão a operação de loteamento, com observância do respetivo processualismo e requisitos legais que seria necessária, porque só assim o ato de licenciamento será nulo nos termos do artigo 133º nº 1 do CPA/91, por falta de um elemento essencial.
1.3.30 No acórdão deste TCA Norte de 20/05/2016, proferido no Proc. nº 97/10.5BECBR, referente ao licenciamento das obras de construção do Bloco A (processo camarário nº 190/98), foi entendido o seguinte:
«(…)Do assim descrito temos de concluir que de facto estamos perante dois edificados que apenas têm em comum entre si áreas que, só por si, não dão para se concluir estarmos perante um só edifício.
Estamos perante duas estruturas, como se deu provado, dois blocos separados por uma junta de dilatação e que faz com que sejam dois edificados apesar de terem o mesmo telhado. Estamos perante duas estruturas individualizadas. Têm duas entradas independentes e resultado disso mesmo dois acessos e escadas independentes, uma vez que não há ligação dentro dos edifícios. O logradouro e o acesso são comuns, mas esta questão não é relevante, uma vez que se tivéssemos no local a construção de, 3, 4, 5 edifícios separados, também poderíamos ter o mesmo acesso e o mesmo logradouro. Ou seja, não é esta a diferença que pode levar a concluirmos estar perante um só edifício. O mesmo se passa com as redes de águas, esgotos e electricidade. A jusante da rede pública são comuns, como o poderiam ser se estivéssemos perante várias construções, mas depois são separados para entrada em cada bloco. Também não é por este facto que temos de concluir estarmos perante um edifício.
Por seu lado também não é por o telhado ser comum que torna o edifício num só. Quantas urbanizações não se encontram construídas em que se verifica existirem dois ou mais blocos com o mesmo telhado e logradouro, mas com construções individualizados umas das outras, com entradas separadas e redes de água, electricidade e gás, com baixadas próprias para cada edifício.
Assim sendo, não há dúvidas que estamos perante dois edifícios, aliás o caso é semelhante aos descritos no Acórdão do STA anteriormente referido, pelo que sendo dois edifícios a construção do edificado sempre teria de ser precedida por operação de loteamento.
Ocorre assim nulidade do licenciamento nos termos do artigo 3º e 56º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro.»
1.3.31 Deste acórdão foi interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 26/01/2017, P. 01376/16 (disponível in, www.dgsi.pt/jsta), mas ainda não decidido.
Pelo que o transcrito acórdão deste TCA Norte datado de 20/05/2016, proferido naquele Proc. nº 97/10.5BECBR não transitou em julgado, nem tal processo se encontra, ainda, definitivamente decidido.
Está, pois, ainda em aberto a nulidade do ato que licenciou as obras de construção do Bloco A.
Todavia, e se a realidade de facto subjacente, atinente às características do edificado e espaços circundantes, é a mesma, já os atos objeto de impugnação num e noutro processo são distintos, e foram prolatados em contextos diferentes. Note-se que o referido Bloco A foi o primeiramente licenciado, e que o pedido de licenciamento da construção do Bloco B, aqui em causa, foi apresentado (e deferido) na subordinação do primeiro. Sendo também que foi após o licenciamento do Bloco B que a Câmara Municipal autorizou que o edifício composto pelos dois blocos fosse constituído em propriedade horizontal, deferindo em 04/10/2000 o pedido feito nesse sentido. Pelo que nada obsta à apreciação do presente recurso. Sendo certo que uma e outra ação foram instauradas separadamente e correram autonomamente, sem que se tivesse procedido em momento algum à respetiva apensação, ademais não promovida por nenhuma das partes. Apensação que, agora, em face do diferente estado atual dos processos, se mostra desaconselhada (cfr. artigo 28º nº 1 do CPTA).
1.3.32 E cumprindo decidir, tem que ser dada resposta negativa à pretensão do recorrente MINSITÉRIO PÚBLICO no que tange ao pedido de declaração de nulidade do ato de licenciamento impugnado nos presentes autos.
1.3.33 É que, como já se viu supra, resulta apurado nos autos que o Bloco B é contiguo ao Bloco A havendo entre ambos uma junta de dilatação desde a cave até ao segundo andar, e que nos termos do projeto de estabilidade na zona de contacto entre os dois blocos A e B foram projetadas sapatas que recebem dois pilares cada uma (um pilar de cada Bloco); que, assim, a solução estrutural projetada é constituída por pilares, vigas e lajes ou pavimentos que constituem duas estruturas acima do pavimento da cave, havendo ao nível das fundações, sapatas comuns a essas estruturas. Existe, pois, uma ligação estrutural entre os dois blocos.
Depois, e quanto às infra-estruturas, também se apurou que o conjunto do edificado, abrangendo os Blocos A e B, partilha redes de águas, esgotos, eletricidade e gás e telecomunicações a jusante da rede pública, em termos que, aliás, a demolição de um dos Blocos mantendo o outro, ainda que possível, consubstanciaria uma operação que teria que ser rodeada de adequadas medidas de segurança, havendo que proceder à reformulação das redes infra-estruturais, nomeadamente com a selagem de todas as ligações dessas redes, nos locais em que deixassem de ser necessárias, em especial a rede de esgotos domésticos e a rede de gás. Pelo que a circunstância de terem sido apresentados para cado um dos dois Blocos processos de licenciamento distintos com projetos de arquitetura e de engenharia de especialidades também distintos, não é aqui decisivo, já que foram também apresentados pedidos de licenciamentos separados.
Por outro lado também não se pode olvidar que o colégio de peritos explicitou como ocorre a partilha, em comum, entre os Blocos A e B das redes (isto é, a parte em que ela se verifica). E que, obviamente, tratando-se de habitação multifamiliar, com propriedade horizontal, cada uma das frações autónomas possui, no que respeita à rede de abastecimento de água e energia, contadores próprios. E a circunstância de se tratam de dois Blocos (A e B) contíguos, encontrando-se as frações habitacionais distribuídas à razão de duas por piso de cada um dos blocos (rés-do-chão, primeiro e segundo andar), numa divisão tradicional entre esquerdo e direito, não é indiferente para o modo como foram traçadas, concebidas e consequentemente executadas as redes de águas, esgotos, eletricidade, gás ou telecomunicações, com derivações dos pontos em comum (dos ramais ou redes) com condução subsequente a cada um dos Blocos A e B com vista a servir as frações habitacionais situadas em cada um deles. O que também contribui para a relação de interligação entre os blocos, desenvolvido como um todo.
E, por último, a circunstância de o acesso à globalidade da parcela de terreno em que se encontra implantado o conjunto dos dois Blocos se fazer por um só arruamento, sendo também o logradouro único e comum, bem como um único o muro de vedação que delimita o perímetro da parcela de terreno, inexistindo quaisquer muros divisórios intermédios.
E ainda que não seja decisivo isoladamente, o facto de o telhado, composto por telhas de barro cerâmico, se apresenta contínuo e uniforme no conjunto dos dois Blocos A e B, possuindo na projeção da junta de dilatação entre os dois Blocos com uma fiada de telhas, não sendo visível no telhado qualquer murete separador dos dois Blocos, nem sendo percetível, no local, que tenha sido realizado em dois momentos distintos, também não é de menosprezar totalmente.
1.3.34 Neste concreto contexto, em que o edificado foi projetado e erigido sob a forma de dois blocos de habitação multifamiliar, contíguos e partilhando elementos estruturais e funcionais, comuns entre si, não pode ter-se por nulo, por aplicação do artigo 133º nº 1 do CPA/91, o ato que licenciou as obras de construção do segundo deles, por não ter sido precedido de prévia operação de loteamento, na medida em que, nestas circunstância, o mesmo não a pressupunha ou exigia, nem implicou uma divisão fundiária de facto, mantendo-se a parcela de terreno implantada com o edifício formado pelos dois blocos, estrutural e funcionalmente como una.
1.3.35 Não se podendo, ademais, descurar-se que perante a gravidade das consequências que a nulidade do ato de licenciamento de uma obra de construção acarreta, ela apenas deve ser declarada com apoio no artigo 133º nº 1 do CPA/91 quando seja efetivamente de concluir, sem sombra de dúvida nem qualquer margem de incerteza, pela essencialidade da prévia operação de loteamento. O que não pode dizer-se suceder no caso concreto objeto dos presentes autos.
1.3.36 E se assim é, não colhendo a invocada nulidade do ato de licenciamento por falta de elemento essencial, aludida no artigo 133º nº 1 do CPA/91, por não se apresentar como exigível, no caso, face às suas concretas circunstâncias, que tivesse de haver lugar a prévia operação de loteamento do terreno, também cai por terra a invocada nulidade por referência ao artigo 52º nº 2 al. b) do DL nº 445/91.
1.3.36 Assim sendo, não se verificando, pelos fundamentos supra, as invocadas causas de nulidade do ato de licenciamento aqui impugnado, tem que manter-se a improcedência da ação decidida pelo Tribunal a quo, ainda que com distinta fundamentação.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, ainda que com distinta fundamentação, a decisão de improcedência da ação.

Sem custas, por delas estar isento o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigo 4º nº 1 alínea a) do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 31 de janeiro de 2020


M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato