Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00597/13.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO;
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte - Subsecção Social -:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora «AA» e Réu o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN, I.P.), ambos neles melhor identificados, foi proferida decisão pelo TAF de Viseu que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Entidade Demandada da instância.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:

1.ª - Ressalvado sempre o devido respeito por opinião diversa, a douta decisão recorrida ao ter julgado procedente a excepção de caducidade do direito de acção, procedeu a uma inadequada valoração do vício de falta de fundamentação, o que determinou uma errada interpretação e aplicação da lei.

2.ª - É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que ao direito disciplinar – como direito sancionatório que é – são aplicáveis, pelo menos subsidiariamente, o direito penal e o direito processual penal, pelo que, os requisitos de uma decisão disciplinar são os mesmos que os de uma decisão penal, expressamente consagrados no art.° 374.° do CPP, máxime o que respeita à sua fundamentação.

3.ª - Daí que o artigo 379.° do Código de Processo Penal fulmine expressamente com a nulidade a decisão (sentença) que não contenha as menções referidas naquele n.° 2 do artigo 374.°, ou seja, a fundamentação legalmente exigida.

4.ª - Na acção administrativa sub judice, um dos vícios assacados à decisão disciplinar impugnada foi, precisamente, esta falta de fundamentação exigida no n.° 2 do artigo 374.° do Código de Processo Penal, pelo que, a sentença está ferida de um erro de Direito que urge ser corrigido, sob pena de violação daquele artigo 379.° do Código de Processo Penal. Sendo que,

5.ª - À data dos factos e da decisão disciplinar impugnada não era a Lei de Trabalho em Funções Públicas que vigorava sobre esta matéria, como, aliás, se depreende pelo simples facto desta Lei ser a n.° 35/2014, estava, por isso, em vigor, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.° 58/2008, de 9 de Setembro.

6.ª - Nele, e sobre a decisão, constava o disposto no artigo 55.°, que é obviamente norma especial face àquele artigo 374.° do Código de Processo Penal, mas que nenhum acrescento traz à economia do presente recurso, sendo-lhe aplicável esta disposição penal, pois é ela que define o dever de fundamentação em causa.

7.ª - Do mesmo modo, compulsadas as exigências do artigo 54.° do Estatuto Disciplinar, igualmente se constata que nenhuma norma especial sobre a fundamentação da decisão existe.

8.ª - Como tal, é no artigo 374.° do Código de Processo Penal que se encontram as exigências de fundamentação da decisão disciplinar, violando esta norma, a decisão é nula, nos termos já evidenciados do artigo 379.° do Código de Processo Penal. Acresce que,

9.ª - Como decorre da douta decisão recorrida, atenta a data dos factos, o CPA então vigente era o de 1991/96, o qual previa as designadas nulidades por natureza, no n.° 1 do artigo 133.°: “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.”.

10.ª - A fundamentação numa decisão disciplinar (“penal”) é um elemento essencial da mesma que visa concretizar direitos constitucionais, pelo que, à data, os vícios alegados na P.I. subsumiam-se a estas nulidades por natureza do n.° 1 do artigo 133.° do CPA (91).

11.ª - Sendo como é a fundamentação um elemento essencial da decisão em matéria penal e, consequentemente, disciplinar, estamos face a uma nulidade por natureza, tal como previsto no então artigo 133.°, n.° 1 do CPA. Mais,

12.ª - Mesmo em matéria exclusivamente administrativa (acto administrativo), o dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental gerava a mera anulabilidade, mas admitindo-se que geraria a nulidade, nos termos do disposto no n°. 1, e alínea f) do n.° 2 do artigo 133° do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; n.° 1 e alínea d) do n.° 2 do artigo 161° do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do n.° 1 do artigo 133.° do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental. Por isso,

13.ª - Mesmo face ao CPA actual (de 2015), sob o seu regime, também os vícios alegados na P.I. (falta de fundamentação), geram a sanção mais grave, de nulidade, mesmo considerando o fim daquelas nulidades por natureza, pois que, no artigo 161.°, n.° 2 alínea d), prevê-se a nulidade de actos que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental.

14.ª - A situação dos autos enquadra-se na previsão de tal normativo, pois em causa está a falta de fundamentação de uma decisão disciplinar (“penal”), sendo que esta é um elemento obrigatório precisamente para concretizar direitos fundamentais dos cidadãos (aqui, da trabalhadora) em matéria sancionatória, de tal forma que consta expressamente do artigo 205.°, n.° 1 da CRP.

15.ª - Sendo o acto impugnado uma decisão sancionatória, forçoso é concluir que a fundamentação do mesmo, como decorre aliás da lei, é esse elemento essencial, porquanto visa garantir os direitos de defesa da arguida/recorrente, constitucionalmente consagrado no artigo 32.° (e 205.° da CRP).

16.ª - Pelas razões aduzidas, a decisão impugnada e que aplicou a sanção à ora recorrente está ferida de nulidade, pelo que, a presente acção podia ser intentada a todo o tempo, como decorre do artigo 58.° n.°1 do CPTA e ao ter decidido de modo diverso a douta decisão recorrida violou tal normativo, o qual deverá ser interpretado nos termos preditos.

NESTES TERMOS,
DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROCEDENTE, E POR VIA DISSO, SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE, REVOGANDO A DOUTA DECISÃO RECORRRIDA, DECLARE QUE ATENTA A NULIDADE DA DECISÃO IMPUGNADA, A RECORRENTE ESTAVA EM TEMPO PARA INTENTAR A PRESENTE ACÇÃO, ORDENANDO, POR ISSO, O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.
ASSIM DECIDINDO FARÃO

JUSTIÇA.
A Entidade Demandada juntou contra-alegações, concluindo:
1) - Por douta sentença ora impugnada o tribunal a quo deu como provada a exceção de caducidade do direito de ação, absolvendo a entidade recorrida da instância (art. 89.º n.º 1 al. h) do CPTA).
2) - Tal veredito tem por pressuposto que o ato impugnado não padece de qualquer vício gerador de nulidade (art. 58.º n.º 1 do CPTA).
3) - O ato impugnado - uma decisão disciplinar que pune a R. com a sanção de suspensão por 90 dias -, é um ato administrativo, no sentido de que é uma decisão tomada por um órgão da administração, ao abrigo de normas de direito público, que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (art. 120.º do CPA).
4) - Enquanto tal, os requisitos da sua validade, de entre os quais se conta os da respetiva fundamentação, hão de encontrar-se na lei administrativa.
5) - No que em particular se refere aos requisitos da fundamentação das decisões disciplinares, os mesmos resultavam, à data em que o ato impugnado foi proferido, do disposto no art. 54.º n.º1 do EDTFP e, subsidiariamente, do art. 125.º n.º 1 do CPA (art. 2.º n.ºs 1 e 2 al. b), 5 e 7 do CPA).
6) - Nos termos do primeiro normativo, a fundamentação de uma decisão disciplinar sancionatória deveria compreender uma descrição completa e concisa da existência material da ou das faltas imputadas em acusação, a sua qualificação jurídica, de acordo com a respetiva gravidade, com indicação dos preceitos aplicáveis, as importâncias que porventura houvesse a repor e o seu destino, e a indicação da sanção aplicada (arts. 54.º e 55.º do EDTFP).
7) - O art. 125.º n.º 1 do CPA, por seu turno, dispunha que a fundamentação dos atos administrativos devia ser expressa, e consistir numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão ou em declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que passariam a constituir, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
8) - Para lá dos parâmetros definidos por essas duas disposições, as exigências de fundamentação da decisão disciplinar sancionatória deveriam limitar-se ao indispensável à satisfação do fim tido em vista com a consagração desse requisito de forma do ato, designadamente, ao preenchimento da função de autocontrolo pelo autor do ato da legalidade da decisão que profere, decorrente da necessidade de motivação racional da decisão a tomar, e de heterocontrolo dessa mesma legalidade pelo destinatário do ato e pelas instâncias de controlo da legalidade da decisão tomada (art. 34.º do EDTFP).
9) - Compulsando os autos do processo instrutor facilmente se constata que a fundamentação aduzida ao ato impugnado preenche os requisitos fixados nos arts. 54.º e 55.º do EDTFP e no art. 125.º n.º 1 do CPA, acima referidos, desempenhando plenamente as sobreditas funções endógena e exógena que em geral a doutrina atribui à fundamentação dos atos administrativos, como resulta evidente do teor da impugnação deduzida pela ora R., demonstração mais do que suficiente de que a mesma compreendeu perfeitamente a motivação que presidiu à prolação do ato impugnado.
10) - Mas, ainda que se considerasse insuficiente a fundamentação aduzida ao ato impugnado, o que não se concede, nunca o desvalor jurídico que o atingiria seria o de nulidade, como a R. propugna.
11) - Com efeito, e pese embora o art. 133.º n.º 1 do CPA cominasse genericamente o desvalor de nulidade para os atos administrativos a que faltasse qualquer "elemento essencial” ("nulidades por natureza'), nunca a doutrina ou a jurisprudência consideraram a fundamentação como sendo um dos elementos tidos em vista pelo legislador nessa disposição.
12) - É que, mesmo que se considerasse que a falta de fundamentação da decisão disciplinar poderia pôr em causa o direito de audiência e defesa que assiste ao trabalhador em procedimento disciplinar, como a R. a dado momento alega, esse direito, sendo embora equiparável aos direitos, liberdades e garantias, é, ainda assim, um direito de natureza adjetiva, que assiste ao trabalhador enquanto visado num procedimento disciplinar, sendo que, os vícios que se encontravam tipificados no art. 133.º do CPA como fonte do desvalor de nulidade do ato administrativo se reportavam ao ato administrativo propriamente dito, isto é, eram vícios de natureza substantiva; em face do que,
13) - A confirmar-se semelhante vício - falta de fundamentação -, o que repete-se, não se concede, sempre haveria que indagar da repercussão que o mesmo tivera sobre a decisão disciplinar proferida.
14) - Quanto a essa questão, o entendimento à data dominante na jurisprudência era o de que a falta de fundamentação apenas se poderia repercutir na decisão disciplinar em termos de gerar a sua nulidade se o seu efeito se reconduzisse a alguma das nulidades típicas previstas sob as als. c), d) e f) do n.º 2 do art. 133.º do CPA, por se traduzir numa inobservância absoluta de forma legal, por coartar em absoluto as possibilidades de defesa, ou por pôr em causa direitos fundamentais substanciais, como seria o caso de uma decisão disciplinar expulsiva, ato idóneo a pôr em causa o direito à segurança no emprego (art. 53.º da CRP).
15) - Ora, no caso em apreço nos autos, a verificação de qualquer dos mencionados vícios é de afastar liminarmente.
16) – Assim, e quanto ao primeiro - inobservância absoluta de forma legal -, tendo o ato impugnado sido proferido no âmbito de um procedimento disciplinar instaurado, instruído e decidido nos termos da lei, é manifesto que o mesmo não se verifica no caso vertente.
17) – Quanto ao segundo - coartar em absoluto as possibilidades de defesa - considerando que no procedimento a ora R. foi notificada da acusação, da qual constava a imputação por que viria a ser sancionada, que teve oportunidade de apresentar defesa e de requerer a produção de meios de prova, prerrogativa de que viria a fazer uso, a mesma é também de afastar liminarmente.
18) – Por último, a sanção aplicada – 90 dias de suspensão – não contende com o núcleo essencial de qualquer direito fundamental substantivo de que a R. seja titular.
19) - Resulta, assim, evidente que, ainda que se pudesse considerar a fundamentação do ato impugnado insuficiente, nunca a sanção que caberia a um tal vício seria a nulidade do ato, mas, quando muito, a sua anulabilidade, tendo, consequentemente, o tribunal a quo decidido bem ao pronunciar-se pela procedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.
TERMOS, e nos mais de direito que suprirão, em que deve ser negado provimento à pretensão deduzida pela Recorrente, e mantida a decisão recorrida.
Assim decidindo farão
JUSTIÇA!

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Por despacho de 26.06.2012, do Exmo. Senhor Presidente da Entidade Demandada, foi instaurado processo disciplinar contra a Autora [cf. fls. 37 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos, Volume I].
2. Em 05.07.2012, a Autora foi informada do início da instrução do processo disciplinar nº ..., pelo instrutor do processo designado [cf. fls. 41 do PA junto aos autos, Volume I].
3. Em 06.03.2013, o instrutor do processo elaborou o Relatório Final, do qual se destaca [cf. fls. 158 a 172 do PA junto aos autos, Volume III]:
«(...) VIII – PROPOSTA
Tendo em conta a matéria provada, as conclusões supra indicadas, as circunstâncias em que os factos ocorreram, proponho que à arguida seja aplicada a Pena de SUSPENSÃO pelo período de 90 dias.
Na escolha e medida da pena foram atendidos os critérios enunciados no artigo 20º do E.D., como resulta da matéria provada e da apreciação à defesa apresentada, nomeadamente a categoria profissional da arguida e as particulares responsabilidades inerentes ao cargo.
E atendido foi, em especial, que o comportamento da arguida, ao não conferir a contabilidade como devia, tendo até disponibilizado os seus Códigos Pessoais de acesso ao BESnet – password e “cartão Matriz”-, possibilitou que o também arguido neste processo, o escriturário «BB», tivesse desviado através de transferências bancárias da conta da Conservatória para as suas contas pessoais dinheiros dos Serviços e deles se tivesse apropriado, ao longo de quase todos os meses e durante mais de seis anos, no elevado montante de 1 602 474,86 €.»
4. Em 27.03.2013, o Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Demandada proferiu a seguinte deliberação [cf. fls. 176 a 181 do PA junto aos autos, Volume III]:
«DELIBERAÇÃO DO CD. DE 27.03.2013:
- O Conselho Diretivo deliberou aplicar a pena disciplinar de suspensão de funções por noventa dias à Lic. «AA», Conservadora da ... CRP de , nos termos e com os fundamentos referidos na presente informação.», constando da referida informação que: «INFORMAÇÃO
Assunto: Relatório final – proposta de decisão.
Com os fundamentos que constam do relatório final a instruir os autos, de fls. 158 a 172, propomos que se aplique à arguida, Lic. «AA», a pena disciplinar de suspensão de funções por noventa dias, nos termos do disposto nos arts. 9° n° 1 al. c), 10° n°s 3 e 4 e 17°, todos do EDTFP
5. Em 05.04.2013, a Autora foi notificada da decisão referida no ponto antecedente [cf. fls. 179 a 182 do PA junto aos autos, Volume III].
6. Em 29.04.2013, a Autora interpôs recurso tutelar para o Ministro da Justiça [cf. fls. 207 a 223 do PA junto aos autos, Volume III].
7. Em 26.08.2013, a Ministra da Justiça proferiu o seguinte despacho [cf. fls. 278 a 297 do PA junto aos autos, Volume III]:
«DESPACHO
Despacho proferido no âmbito do processo n° ...13 – Recurso tutelar – Processo disciplinar
– Arguida: «AA»
Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação n° ...26 da Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria Geral deste Ministério, datada de 21 de junho de 2013 e da Informação da Adjunta deste Gabinete, de 23 de julho de 2013, indefiro o recurso tutelar interposto pela Conservadora da 1ª Conservatória dos Registos Predial e Comercial de ..., «AA», confirmando-se o ato recorrido, consubstanciado na deliberação do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., de 27 de março de 2013, que, em sede de processo disciplinar, lhe aplicou a pena de suspensão pelo período de noventa dias, nos termos dos disposto nos artigos 9°, n° 1, al. c), 10°, n°s 3 e 4, 11°, n°s 2 e 3 e 17°, al. d) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, aprovado e publicado em anexo à Lei n° 58/2008, de 9 de setembro.»
8. Em 09.09.2013, o despacho referido no ponto antecedente foi notificado à Autora e ao seu mandatário [cf. fls. 300 a 302 do PA junto aos autos, Volume III].
9. A petição inicial foi remetida, por fax, para este Tribunal em 03.12.2013 [cf. fls. 2 do processo físico].

DE DIREITO -
Vejamos,
Está posta em causa a decisão que, julgando verificada a exceção de caducidade do direito de ação, absolveu da instância a Entidade Demandada.
Cremos que se decidiu com acerto.
Com efeito, como sentenciado,
importa referir que, nos termos do artigo 51º do CPTA, é ónus do autor identificar na petição inicial os atos que produziram efeitos lesivos na correspondente esfera jurídica e contra os quais quer reagir (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22.11.2018, proc. nº 1661/17.7BESNT).
Na petição inicial apresentada nos presentes autos, a Autora identifica como ato impugnado a deliberação do Conselho Diretivo da Entidade Demandada que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de funções por 90 dias, indicando expressamente no artigo 6º da sua petição inicial que “[o] ato administrativo traduzido na decisão que lhe aplicou a pena de suspensão é inválido, pelas razões que se explicitarão”, peticionado, a final, que seja “declarado anulado o ato administrativo consubstanciado na decisão que aplicou à Autora a pena disciplinar de suspensão de funções por 90 dias”.
Dúvidas não há de que é esta a decisão que a Autora pretende impugnar, assacando-lhe diversos vícios, e não outra (designadamente, a decisão proferida pela Ministra da Justiça que indeferiu o recurso hierárquico que interpôs daquela decisão), pelo que é a tempestividade da impugnação do ato primário que terá de ser objeto de decisão nestes autos.
Com efeito, nos termos do artigo 51º, nº 1, do CPTA 2002, na redação anterior à de 2015, aplicável aos presentes autos, afastada a exigência de definitividade do ato, pela revisão constitucional de 1989, “serão autonomamente impugnáveis as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, mormente – embora não exclusivamente – aqueles actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.Ocorreu, assim, o afastamento daquela exigência de definitividade do ato, sobretudo, de definitividade vertical, que proibia a sua impugnação contenciosa enquanto o mesmo fosse passível de recurso gracioso.
No que concerne concretamente à impugnação administrativa, dispõe o nº 1 do artigo 60º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTFP), aprovado pela Lei nº 58/2008, de 09.09, diploma aplicável aos presentes autos, sob a epígrafe “Recurso hierárquico ou tutelar”, que “[o] arguido e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele” (sublinhado e realce nosso), significando de forma clara o carácter facultativo desse meio de impugnação administrativa. O que bem se compreende, sendo que, a regra da impugnação administrativa prévia, para efeitos de recurso à via judicial, apenas ocorre no caso de a lei prever expressamente a impugnação administrativa necessária, por via dos recursos hierárquicos necessários (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11.05.2017, proc. nº 00949/14.3BEBRG).
De referir, ainda, que nos termos do artigo 177, nº 2 do CPA, nada redação anterior a 2015, estava expressamente previsto que “[o] recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo(sublinhado nosso).
De resto, sempre se dirá que, in casu, é aplicável o CPA anterior a 2015, bem assim, o EDTFP de 2008, pelo que a questão da eventual natureza necessária do recurso tutelar em causa não se coloca. Com efeito, e tal como se preconizou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 01.03.2019, proc. nº 01033/15.8BEPRT, que aqui perfilhamos:
“A norma que equipara ou faz corresponder a os efeitos suspensivos do recurso hierárquico à natureza necessária de uma impugnação administrativa é uma norma procedimental geral que cria um pressuposto processual especial para impugnação, diverso daquele geral da lesividade geral dos actos administrativos e que cria esse pressuposto onde o mesmo não existia (revogando eventualmente a facultatividade dessa impugnação graciosa).
Sendo a obrigatoriedade ou necessidade da impugnação administrativa prévia uma condição de admissibilidade da acção de impugnação e, portanto, uma condição restritiva do direito de acção não pode a mesma ter aplicação retroactiva porque à data da entrada em vigor do CPA já a aqui Autora tinha exercido esse direito administrativo e judicial relativamente à decisão disciplinar de que foi destinatária.
A aplicação que o Tribunal a quo faz desta norma ao caso concreto é violadora do direito de acção e do direito a um processo justo (equitativo) representando uma restrição desproporcional no referido direito e, a somar a isto, retroactiva, o que além do mais viola o regime dos artigos 17º e 18º da CRP. O artigo 60º vigente no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Função Pública utilizava (como ainda em 2014 o novo regime (224º e 225º/1) o verbo poder para exprimir que o arguido ou o participante podem interpor recurso hierárquico da decisão de acusação ou de arquivamento, respectivamente.
Assim, é evidente que a expressão pode não se coaduna com a necessidade do recurso hierárquico ou com a sua obrigatoriedade. Na lei que disciplina sobre o processo disciplinar da função pública em vigor antes de 2008 constava a expressão recurso hierárquico necessário.
A alteração legislativa ocorrida em 2008 suprimiu tal indicação expressa.
É por isso que a doutrina aponta que, desde 2009, mesmo perante os efeitos suspensivos com que a lei dota o recurso, que as impugnações administrativos em sede disciplinar são facultativas - (cfr. Raquel Carvalho, Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas, Universidade Católica Editora, 2012, pág. 163 e Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Coimbra Editora, 2009, págs. 185/186 e Paulo Veiga e Moura/Cátia Arrimar, em Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 2014, Coimbra Editora, págs. 628/629, autores aqui trazidos pela Apelante).
Acresce que, como decorre da lei, o efeito suspensivo é afastável pelo autor do acto hierarquicamente recorrido, o que só poderá logicamente fazer depois de interposto o recurso.
Na verdade, deixando o legislador ao autor do acto (e não ao órgão para o qual se recorre) uma margem de liberdade para afastar esse efeito suspensivo legal e que (à partida o autor só poderá usar quando for notificado para produzir parecer relativamente ao recurso interposto) então, sempre se dirá, não se poder entender como é possível - sem danos consideráveis no direito de acção, na previsibilidade e certeza que lhe devem estar inerentes - fazer depender os prazos de impugnação da impugnação judicial, e, portanto, a tempestividade do exercício daquele direito de acção, da circunstância necessariamente subsequente à apresentação do recurso pelo recorrente - de o efeito do mesmo estar ou não suspenso ser ou não suspensivo.
Se se der o caso de o autor do acto retirar o efeito suspensivo ao recurso, então o recurso adquirirá sucessivamente - atento o paralelismo legal entre efeitos do recurso e natureza do mesmo - uma natureza facultativa, podendo colocar-se legitimamente a questão de saber se o recorrente neste caso veria, no termo do prazo da decisão hierárquica ou com o indeferimento desse recurso começar a contar o prazo de impugnação daquele ou considerar o mesmo prazo no momento concreto de contagem suspenso quando se interpôs o competente recurso administrativo, contando apenas para o exercício do seu direito de acção o prazo remanescente - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.” (realce e sublinhado nosso).
No que respeita aos prazos de impugnação, o artigo 58º do CPTA 2002, estabelecia:
“(...)
2- Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
3 – A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil.”.
E o regime aplicável aos prazos para a propositura de ações é o que consta do artigo 138º do Código de Processo Civil de 2013 - artigo 144.º do CPC de 1961 -, que dispõe: “1. O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
(...)
4. Os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.”
Assim, nos termos do artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de três meses.
Na apreciação a realizar, importa à partida aferir, em abstrato, qual o desvalor jurídico associado à alegada verificação das invalidades assacada ao ato impugnado, pela Autora, em sede de petição, a qual peticionou a anulação do ato que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de funções por 90 dias.
A Autora alega que a deliberação impugnada padece do vício de violação de lei, por ofensa do disposto nos artigos 3º, nº 1, 21º, alínea d), do EDTFP, uma vez que, atentas as circunstâncias, não lhe era exigível conduta distinta da que adotou e, nessa medida, estava excluída a sua culpa, inexistindo, em consequência, infração; por ofensa do disposto nos artigos 17º, alínea d) e 10º, nºs 3 e 4, do EDTFP, na medida em que a sua conduta não podia ter sido qualificada como “negligência grave”, porque não se provou que a Autora não quis, nem mostrou qualquer interesse em cumprir o seu dever de vigilância da forma correta e esperada; e, ainda, por ofensa do princípio da proporcionalidade quanto à escolha e medida da pena aplicada que considera desproporcionada; padece, igualmente, do vício de forma por falta de fundamentação quanto à necessidade e adequação da pena aplicada à luz dos critérios punitivos e, sem prescindir, por falta de fundamentação quanto às razões de aplicação, ou não, da suspensão da execução da pena aplicada e por violação do disposto no artigo 25º do EDTFP. Invoca, ainda, a Autora, sem concretizar, a violação dos princípios da justiça, da legalidade, da equidade e da boa fé (cfr. artigo 77º da petição inicial).
Pese embora a Autora sustente que o ato padece de nulidade, a verdade é que, para o caso o que releva é que a preterição do dever de fundamentação nos termos suscitados gera a mera anulabilidade do ato administrativo, sendo-lhe, portanto, aplicável o regime previsto nos artigos 135º e 136º do CPA. Como expendido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2019, proc. nº 01198/18.7BEPRT: “(Na verdade, o dever de fundamentação, por regra, como preterição de um direito instrumental, gera a mera anulabilidade; só gera a nulidade, nos termos do disposto no nº 1 e alínea f) do nº 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo [de 1991; alíneas d) e g) do nº 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo de 2015] se a fundamentação assumir, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº 1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº 2 alínea d) do CPA] - neste sentido, cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos:
- do Tribunal Constitucional, de 10/12/2008, no Proc. nº 1111/07, “[..] Ora, o direito de ação ou de recurso contencioso tem por conteúdo a garantia da possibilidade do acesso aos tribunais para a defesa desses direitos e interesses legalmente protegidos, afetados ou violados por atos administrativos.
A fundamentação, apenas, propicia, na perspetiva de um eventual exercício desse direito ou garantia fundamental e da sua efetividade, a obtenção do material de facto e de direito cujo conhecimento poderá facilitar ao administrado, de modo mais o menos determinante e decisivo, a interposição da concreta ação e o seu êxito, através da qual se pretende obter a tutela dos concretos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja ofensa é imputada ao concreto ato e deliberação. Por mor da sujeição da administração ao princípio da legalidade administrativa e através desse instituto, o cidadão terá à mão, porventura, mais facilmente do que acontece nas relações privadas, onde lhe caberá desenvolver a atividade investigatória que tenha por pertinente, os elementos de facto e de direito com bases nos quais se pode determinar, pelo recurso aos tribunais, configurar os concretos termos da causa e apetrechar-se dos meios de prova, para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O dever de fundamentação não tem, pois, uma relação de necessidade com o direito de acesso aos tribunais, existindo este sem aquele. Nesta perspetiva, pode concluir-se que o dever de fundamentação não constitui uma condição indispensável da realização ou garantia do direito fundamental de recurso contencioso contra atos administrativos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. [..] Estabelecendo, embora, o dever da fundamentação, a referida norma constitucional não fixa, todavia, as consequências do seu incumprimento. Como ensina o Prof. Vieira de Andrade, caberá, por isso, à lei ordinária esclarecer, por exemplo, se o vício é [ou é sempre] causa de invalidade do ato administrativo, que tipo de invalidade lhe corresponderá, bem como em que condições serão admissíveis a sanação do vício ou o aproveitamento do ato. Assim sendo, bem poderá, em princípio, o legislador ordinário, na sua discricionariedade constitutiva, sancionar a falta de fundamentação, apenas, com a anulabilidade, erigida a sanção-regra [artigo 135º do CPA], e não com a nulidade, assumida, legislativamente, como sanção específica [artigo 133º do CPA], bem como subordiná-las a diferentes prazos de arguição. E, dizemos em princípio, porque a violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da garantia institucional constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do nº 1 do artigo 133º do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º nº 2 alínea d) do CPA]. Tal acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo ato fundamentando ou quando se trate de atos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma proteção efetiva do direito liberdade e garantia. [...]”;
- do Supremo Tribunal Administrativo de 26/09/2002, no Proc. ...2: “(...) a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade. Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir. Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, “Com efeito, nem todos os elementos do ato administrativo enumerado no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do ato para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projeto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os atos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do ato; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos atos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151”. Sendo a fundamentação dos atos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”).”
Tal como, os demais vícios imputados ao ato impugnado são geradores de anulabilidade do ato impugnado no caso de serem julgados verificados e não de nulidade.
Com efeito, não obstante a alegação da Autora de que o ato em causa padece de nulidade, invocando, tal não basta para reconduzir eventuais vícios à sanção extraordinária da nulidade do ato quando o regime regra é o da anulabilidade.
No que concretamente respeita à eventual violação de vários preceitos constitucionais, o que a lei exige é que o ato ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental, aquele mínimo sem o qual o próprio direito deixa de o ser.
Ademais, acompanhamos Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, Volume 2, Almedina, 3.ª Edição, 2017, p. 362), quando considera que direito fundamental, na aceção da alínea d), do nº 2, do artigo 133º CPA91 (idêntico à mesma alínea do atual artigo 161º do CPA), apenas abrange os “direitos, liberdades e garantias, e os direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza”. Determinante para aferir da sua inclusão no elenco dos direitos cuja ofensa ao núcleo duro seria geradora de nulidade do ato, é o estar, ou não, em causa “a protecção da dignidade da pessoa humana” (idem), o que desde logo excluiria do âmbito da sanção máxima os vários direitos subjetivos públicos de carácter administrativo (direito de informação, direito à audiência prévia, direito à notificação, etc. ...), cuja violação será geradora de “mera anulabilidade” (ibidem).
Ora, se não se nega que em determinadas situações a diferença entre a nulidade e a anulabilidade de um ato pode prender-se com o grau da ofensa ao direito fundamental (consoante essa ofensa fira ou não o núcleo duro, essencial, desse direito), não sendo possível aferir de antemão, sem apreciação do mérito da causa, qual a sanção que tal ofensa convoca, noutras situações a mera imputação, in abstrato, dos vícios que se reputam invalidantes do ato, permitem, desde logo, subsumi-los a determinada forma de invalidade.
É o que sucede no caso dos autos.
Veja-se, ainda, o preconizado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 08.02.2013, proc. n° 00235/11.0BEPNF:
«XXIV. Cientes destes considerandos de enquadramento e revertendo ao caso em presença temos que o A., aqui ora recorrente, deduziu a presente ação administrativa especial invocando, nomeadamente, a “nulidade” das deliberações da edilidade referidas em I) e estribando a sua pretensão em sede de articulado inicial apenas na alegação de ilegalidades consistentes na violação do art. 24.°, n.° 2 do CPA (votação na deliberação datada de 02.06.2010 não haver sido secreta), na ilegalidade da ratificação retroativa operada pela deliberação de 11.06.2010 (alegada violação dos arts. 133.°, 134.°, 137.° e 145.° do CPA), na violação do art. 39.°, n.°s 1 e 3 do ED/2008 (omissão de notificação da data de início do processo disciplinar), na ilegalidade da nota de culpa por não haverem sido consideradas certas passagens das declarações de testemunhas, na ilegalidade por não ter estado acompanhado de advogado na sua audição/inquirição, no erro sobre os pressupostos de facto [mormente, inexistência de prova da sua responsabilidade e dos valores de que alegadamente se apropriou com violação do princípio do «in dubio pro reo»] e, ainda, no facto da pena disciplinar que lhe foi imposta violar também os princípios da imparcialidade, da proporcionalidade e da igualdade (cfr., nomeadamente, arts. 266.° CRP e 06.° CPA).
XXV. Assistir-lhe-á razão? Temos para nós que não assiste razão ao recorrente na argumentação expendida nesta instância.
XXVI. Na verdade, ao invés do que o mesmo considera e sustenta nas suas alegações não se nos afigura que a dedução da presente ação se mostre efetuada de forma tempestiva porquanto pese embora o pedido/pretensão formulado pelo A. a alegação/qualificação por este efetuada em sede de ilegalidades imputadas aos atos administrativos impugnados soçobra visto as mesmas não conduzirem à nulidade mas quanto muito à mera anulabilidade.
XXVII. A qualificação e a consequência em termos de desvalor das ilegalidades que na decisão judicial é feita mostram-se corretas, não enfermando do erro de julgamento que lhe foi assacado.
XXVIII. Desde logo, as decisões administrativas impugnadas não se configuram como nulas por natureza já que não lhes falta qualquer elemento essencial nos termos supra definidos pelo que resta apurar se existe normativo legal a cominar as ilegalidades com aquele desvalor.
XXIX. E neste âmbito temos que também não se descortina existir qualquer normativo que defina que expressamente comine as ilegalidades em questão com o desvalor da nulidade (cfr. art. 133.°, n.° 1 e 2 do CPA), gerando, por conseguinte, a mera anulabilidade.
XXX. Com efeito, presente o que se mostra disposto no art. 37.° do ED/2008 não se vislumbra que qualquer das nulidades invocadas integre a previsão do seu n.° 1 termos em que ficamos reconduzidos à regra geral do desvalor da mera anulabilidade.
XXXI. Aliás e como se sustentou no acórdão do STA de 16.06.2003 (Proc. n.° ...2 in: «www.dgsi.pt/jsta»), cuja doutrina mantém ainda plena atualidade, em “... matéria disciplinar os vícios do procedimento instrutório usualmente designados de nulidade insuprível podem ser invocados em relação ao ato final mesmo que deles tivesse anterior conhecimento o agente visado, mas não são nulidades do tipo mencionado nos artigo 133.° do CPA e determinam apenas a anulabilidade do ato. (...) Existem porém dois casos em que o vício procedimental é suscetível de invalidar irremediável e radicalmente o ato disciplinar punitivo. O primeiro é da inobservância absoluta de forma legal como por exemplo a omissão absoluta de processo administrativo organizado e a segunda é a falta absoluta de possibilidades de defesa seja por ininteligibilidade da acusação seja por se coartarem diligências de defesa de manifesta relevância de modo a causar profunda lesão do direito procedimental de defesa, vícios que ainda se reconduzem ao disposto nas al. c) e f) do artigo 133.° do CPA. (...) Quando se não verifica nenhum dos casos indicados no número antecedente, nem se mostra que estejam em causa direitos fundamentais substanciais como os invocados (ao bom nome, à palavra e crítica) não procedem contra a deliberação impugnada vícios determinantes de nulidade ..”.
(...).
XXXIII. O mesmo importa concluir quanto aos demais fundamentos de ilegalidade invocados, mormente, pretensa infração aos princípios aludidos, sustentada em grande parte de forma genérica e vaga, já que não são cominados por lei expressa e especial, de harmonia com os considerandos supra tecidos, com o desvalor da nulidade mas apenas com a mera anulabilidade na certeza de que não está em causa qualquer violação do núcleo do conteúdo essencial de um qualquer direito fundamental, mormente do art. 17.° da CRP.
XXXIV. Como se sustentou, aliás, também no acórdão do STA de 19.04.2007 (Proc. n.° 0809/06 in: «www.dgsi.pt/jsta») “... conquanto o princípio da igualdade se reveja num direito fundamental (art. 13.° da CRP), a verdade é que a jurisprudência sempre tem afirmado que a sua violação não se resolve através da nulidade, por representarem limites internos de atuação administrativa, desse modo caraterizando violação de lei que somente ocasiona anulabilidade e não nulidade, a não ser nos casos em que esteja ferido o núcleo do conteúdo essencial de um direito fundamental (Acs. STA de 13.04.99, Proc. n.° 041639; de 04.05.2000, Proc. n.° 045905; 31.10.2000, Proc. n.° 046315; 08.03.2001, Proc. n.° 046459). E a justificação que se vem dando é que só ofende esse conteúdo essencial o ato que atinja o cerne do direito vertido nas categorias do n.° 2, do art. 13.° da CRP, em que se colocam descriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras categorias subjetivas traduzidas por «direitos especiais de igualdade», como os que estão contemplados no art. 36.°, n.° 4, da CRP (v.g., cit. acórdão de 8/03/2001) ..” (cfr., neste sentido, ainda os acórdãos deste TCA de 25.03.2011 - Proc. n.° 00606/08.0BEPRT e de 15.07.2011 - Proc. n.° 01397/10.0BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»).»
Atentas as concretas imputações operadas pela Autora contra o ato impugnado, acima enunciadas, resulta de forma insofismável que as mesmas se reconduzem a vícios formais/procedimentais, ou vícios de violação de lei, em ambos os casos sancionáveis com a mera anulabilidade nos termos do artigo 135º do CPA91, que expressamente estatui que “são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção” (realce nosso).
Assim sendo, não sendo o ato primário nulo, teria o mesmo que ter sido impugnado no prazo de três meses [artigo 58º, nº 2, alínea b), do CPTA].
Sucede que, a Autora interpôs recurso tutelar, o qual, como se viu supra, tem caráter facultativo.
Ora, de acordo com o artigo 59º, nº 4 do CPTA 2002, a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
Por sua vez, nos termos dos artigos 172º e 175º, nº 1, aplicável ex vi pelo nº 5 do artigo 177º, todos do CPA (na anterior versão, aqui aplicável), o prazo para a decisão do recurso hierárquico e/ou tutelar é de 30 dias, contado da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, o que deve ocorrer no prazo de 15 dias a contar da receção do requerimento de interposição de recurso.
Acresce que, e tal como enunciado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07.07.2021, proc. nº 1740/10.1BESNT, “[é] também jurisprudência pacífica do STA, que salvo no caso da remessa do processo ocorrer em prazo inferior a 15 dias, sendo o interessado notificado desse facto, o prazo que releva para efeitos da contagem do prazo de suspensão são aqueles 15 dias (úteis), aos quais se soma o prazo de 30 dias (úteis) para a decisão de recurso”.
In casu, resulta do ponto 5. do probatório que a Autora foi notificada da decisão final do Conselho Diretivo da Entidade Demandada que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 90 dias no dia 05.04.2013, tendo interposto recurso tutelar no dia 29.04.2013 (cfr. ponto 6. do probatório), de onde resulta que desde o dia 05.04.2013 até ao dia 29.04.2013 decorreram 24 dias seguidos. Com a apresentação deste recurso suspende-se a contagem do referido prazo de 3 meses (convertido em 90 dias), que apenas retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, isto é, que se suspende por 45 dias úteis (30+15 - não constando dos autos a data da remessa do processo para a Ministra da Justiça, temos por certo que devem o prazo de 30 dias úteis ser acrescido o prazo de 15 dias úteis), voltando, depois, novamente a correr.
Portanto, o término deste prazo de 45 dias (úteis) ocorre em 03.07.2013. A partir daqui volta a correr o anterior prazo de 90 dias seguidos (resultantes da conversão do prazo de 3 meses para dias, cf., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.11.2007, proc. n.º 703/07, o que significa que o prazo para a apresentação da ação acabaria transcorridos 66 dias após esta data (90-24=66). O prazo de 90 dias terminava, então, em 24.10.2013, considerando que durante as férias judiciais de 15.07.2013 a 31.08.2013 esteve suspenso - cf. artigos 58º, nº 1, alínea b), 59º, nº 2, do CPTA, 279º, al. b), do CC, e 138º do CPC de 2013 (artigo 144º do CPC de 1961).
Desta forma, na data em que o recurso tutelar (facultativo) foi decidido – em 26.08.2013 (cfr. ponto 7. do probatório) – e consequentemente na data da sua notificação - em 09.09.2013 (cfr. ponto 8. do probatório) - já tinha decorrido o prazo legal para a decisão ao mesmo. Ou seja, ocorreu antes dessa decisão e em primeiro lugar o termo do prazo legal para a decisão de curso e para a notificação dessa. Nos termos do artigo 59º, n.º 4, do CPTA, é essa primeira data que releva para efeitos de retoma da contagem do prazo de caducidade do direito de ação (e não a data da notificação da decisão tomada após a interposição do recurso).
Assim sendo, a petição inicial foi apresentada neste Tribunal em 03.12.2013, logo, após o termo daquele prazo.
Mas mesmo que se tivesse em consideração que o prazo apenas retomaria com a notificação da decisão do recurso, também nesse caso se encontrava verificada a caducidade do direito de ação. Com efeito, tendo a mesma sido notificada em 09.09.2013, retomando a contagem dos restantes 66 dias, o respetivo termo ocorreria em 14.11.2013, pelo que tendo a petição inicial sido apresentada em 03.12.2013, também já o foi após o termo do referido prazo.
Revemo-nos por inteiro no entendimento do Tribunal a quo.
O recurso está votado ao insucesso porquanto a Recorrente se limita a repetir os seus argumentos, todos eles, como se viu, devidamente escalpelizados na sentença recorrida.
Em suma,
Inconformada, a Autora veio interpor recurso, alegando, em síntese, que a fundamentação das decisões disciplinares condenatórias deve observar os requisitos fixados no artº 374.º n.º 2 do CPP para a fundamentação das sentenças penais do mesmo tipo, o que não sucede com o ato impugnado, termos em que deve o mesmo ser considerado nulo, por aplicação do disposto no artº 379.º n.º1 al. a) do mesmo diploma. Em alternativa, deve entender-se que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação, o qual, reconduzindo-se à falta de um elemento essencial do ato impugnado, é gerador da respetiva nulidade, nos termos do disposto no artº 133.º n.º 1 do CPA. Enfermando o ato impugnado do desvalor de nulidade, e sendo este invocável a todo o tempo, requer que o recurso que interpõe seja julgado procedente e, em consequência, seja proferida decisão que, revogando a sentença recorrida, ordene o reenvio dos autos ao Tribunal a quo para julgamento do mérito da causa.
Porém, carece de razão.
Da fundamentação da decisão disciplinar -
A decisão disciplinar é um ato administrativo, no sentido de que é uma decisão tomada por um órgão da administração, ao abrigo de normas de direito público, que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (artº 120.º do CPA). Enquanto ato administrativo, a decisão disciplinar está sujeita a determinados requisitos de validade, de entre os quais o de ser fundamentada (artºs 123.º n.º 1 al. d) e 124.º n.º 1 al. a) do CPA e 268.º n.º3 da CRP). A fundamentação dos atos administrativos obedece a certos requisitos que se encontram fixados na lei. No que se refere aos atos administrativos em geral, o artº 125.º n.º 1 do CPA dispunha que “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato”. O EDTFP, por seu turno, prescrevia, quanto à fundamentação das decisões disciplinares, no seu artº 54.º n.º 1, que “o instrutor elabora (...) um relatório final completo e conciso donde constem a existência material das faltas, a sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, bem como a pena que entenda justa”, proposta que, merecendo a concordância do órgão decisor do procedimento, se converteria na decisão disciplinar (cfr. artº 55.º do mesmo diploma).
A fundamentação dos atos administrativos discricionários (entenda-se, não estritamente vinculados) compreende dois elementos, a saber, a justificação da prática do ato e a motivação do seu conteúdo. Pelo primeiro, o autor do ato descreve os termos em que procedeu ao preenchimento dos pressupostos legais do ato (dos respetivos requisitos), pelo segundo, enuncia as razões (mormente, os interesses públicos e privados em jogo) que o levaram a adotar uma das diferentes soluções possíveis que à face da lei o caso comportava.
Entendida nos termos que se vêm de referir, à fundamentação dos atos administrativos é comummente assacada uma dupla função, endógena e exógena. A endógena, como a designação sugere, dirige-se ao autor do ato, e traduz-se em o levar a fazer uma ponderação séria, cuidada e isenta do caso a decidir, expondo, de uma forma coerente e compreensível, as razões de facto e de direito que o levam a tomar certa decisão, o que viabiliza uma ulterior sindicância em sede impugnatória da respetiva motivação. A exógena, visa proporcionar ao destinatário da decisão (ou às pessoas que por ela sejam afetadas nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos) uma compreensão dos motivos que levaram a administração a decidir como decidiu, habilitando-o a aferir da respetiva procedência e a promover a sua revisão em sede impugnatória, se for o caso.
A fundamentação, enquanto requisito de validade de um ato, tem, pois, uma natureza instrumental, ou seja, é um requisito de forma, a não confundir com o fundamento do ato administrativo, esse sim, um requisito de fundo.
É um facto que a CRP dispõe, nos seus artºs 32.° n.° 10 e 269.° n.° 3, que em processo disciplinar é garantido ao arguido o direito de audiência e defesa, direito de cuja consagração a doutrina e a jurisprudência têm vindo a extrair, como corolário lógico, a aplicabilidade em sede disciplinar dos princípios e regras estruturantes do processo penal, pelo menos dos que sejam compatíveis com a natureza e os fins próprios deste particular ramo do direito sancionatório público (entenda-se, do disciplinar), mas desse facto não se segue que seja lícito concluir por os requisitos de forma dos atos praticados em processo penal serem aplicáveis aos atos praticados no âmbito disciplinar que lhes equivalham e, menos ainda, que o regime sancionatório dos vícios de que possam enfermar seja transponível para o âmbito procedimental disciplinar.
Com efeito, no que em particular se refere à forma dos atos a praticar em procedimento disciplinar, a regra a observar era a consagrada no artº 34.° do EDTFP, que, pela relevância que apresenta para o tema em discussão, passamos a transcrever:
Artigo 34.º
Forma dos atos
A forma dos atos, quando não seja regulada por lei, ajusta-se ao fim que se tem em vista e limita-se ao indispensável para atingir essa finalidade.
Desta norma extraem-se duas conclusões:
1.ª – que a forma dos atos é a que a lei administrativa (a disciplinar e, subsidiariamente, a geral) estipula; e, na ausência de estipulação legal expressa,
2.ª - que a forma dos atos se restringe ao indispensável à satisfação do fim tido em vista pelo legislador com a sua consagração.
Este regime denota uma inequívoca intenção do legislador de consagrar um processo simples e dúctil, com exigências de forma mínimas, proporcionais à lesividade que as sanções disciplinares apresentam, sem prejuízo do respeito pelo direito de audiência e defesa que assiste ao arguido.
No que em particular se refere à fundamentação da decisão disciplinar, o EDTFP, como acima se deixou referido, dispunha, no seu artº 54.º n.º 1, que a proposta de decisão (sancionatória) a elaborar pelo instrutor do procedimento devia preencher os seguintes requisitos:
a) – concluir pela existência material das faltas imputados em sede de acusação;
b) – proceder à sua qualificação, segundo a respetiva gravidade;
c) – apurar quaisquer importâncias que o arguido tivesse a repor, com indicação do respetivo destino; e
d) – propor a aplicação de uma sanção justa, isto é, proporcional à gravidade dos factos imputados.
Eram, pois, estes os requisitos da fundamentação da decisão disciplinar em vigor à data da prática do ato impugnado, e não, como a Recorrente sustenta, os que o legislador fixava no CPP para as sentenças.
Neste sentido, de resto, se pronunciou este TCAN em Acórdão proferido no recurso n.° 03442/19, de 03/12/2021, de cujo texto se transcreve a seguinte passagem com atinência ao tema em discussão:
“O artigo 219.° da LGTFP constitui uma norma especial sobre os requisitos da decisão administrativa disciplinar e que, por isso, afasta o regime do CPP. Ou seja, o relatório final há de ser completo e conciso, indicando os elementos referidos no art.° 219.°, n.°1 da LGTFP, mas não exige “a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, que é exigida pelo art.° 374.°, n.° 2 do CPP para as sentenças proferidas em processo criminal.
Trata-se de estabelecer um regime de menor solenidade comparativamente com as sentenças criminais e que, interpretado à luz das garantias do direito de defesa constitucionalmente assegurado (art.° 32.°, n.° 10 da CRP), exige é que a descrição factual que conste da decisão disciplinar permita ao arguido defender-se dos factos que lhe são imputados de modo a ser-lhe possível, com base nessa perceção, defender-se adequadamente”.
Determinados que estão os requisitos legais da fundamentação das decisões disciplinares, importa agora aferir se o ato impugnado os observou.
Compulsando o relatório final, de fls. 158 a 172.° do PI, que viria a ser incorporado pelo ato impugnado (a decisão disciplinar), facilmente se constata que sim. Efetivamente, e com relevo para o tema em discussão, dessa peça processual consta uma secção intitulada “VI – Matéria Provada”, em que o Sr. Instrutor, como o título sugere, elenca os factos que considera provados, a que se segue uma segunda, intitulada “VII – Conclusões”, em que procede à qualificação jurídica desses factos, enquadrando-os no tipo infracional então previsto sob o art. 17.° al. d) do EDTFP, após o que, na secção seguinte, sob a epígrafe de “VIII – Proposta”, formula a proposta de sanção a aplicar, considerando a gravidade da infração cometida. E nem se diga que o Sr. Instrutor não especificou suficientemente a matéria que considerava provada, já que o faz ao longo de mais de trinta artigos que reproduzem, no essencial, os artigos da acusação que deduziu, cujas imputações a R., na sua defesa, deu mostra de ter compreendido perfeitamente, defendendo-se delas como pôde. Na verdade, nesses artigos, o Sr. Instrutor elenca, com referência a datas e documentos precisos, os múltiplos factos que consubstanciam a omissão ilícita continuada em que a Recorrente incorreu.
Dúvidas não restam, pois, de que o ato impugnado se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito, no duplo sentido acima referido de dele constar a explanação dos pressupostos de facto e de direito da decisão disciplinar proferida e, bem assim, os motivos que presidiram à escolha e graduação da sanção aplicada; fundamentação que, pelos termos em que se encontra redigida, cumpriu plenamente a dupla função a que supra também se aludiu, de instância de auto controlo do autor do ato e de esclarecimento da trabalhadora visada da motivação que presidiu à sua prolação, como inequivocamente resulta do teor da impugnação que deduziu.
(Como é sabido, a fundamentação constitui um dever genérico da Administração, na sua actuação com os administrados.
Com efeito, o artigo 124º do anterior Código do Procedimento Administrativo, na esteira do nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, consagra um dever geral de fundamentação dos actos administrativos, dever que é concretizado no artigo 125º do mencionado Código do Procedimento Administrativo.
Preceitua este artigo 125º - sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação” - nos nºs 1 e 2, o seguinte:
“1.A fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.
2.Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.
Assim, a fundamentação de um concreto acto, para que possa desempenhar em pleno a principal função subjacente à previsão da respectiva exigência, tem que ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou e, ademais, congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Tal como tem sido jurisprudência uniforme do STA, a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, na posição do interessado em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão - cfr., por todos, o Acórdão do Pleno de 14/05/97, segundo o qual, a fundamentação, “(...) varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade (objectivo endo-processual) a assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e a reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)”.
A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer o particular e permitir-lhe o controlo do acto.
O que significa que o administrado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, o que traduz a exigência de que a administração deve dar-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão.
Na verdade, só assim o particular pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo; também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão.
É que, só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não; só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma; finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.
Com a fundamentação visa-se, pois, que o destinatário fique ciente do modo e das razões por que a administração decidiu num e não noutro sentido.
Sobre esta problemática da fundamentação, no âmbito específico dos actos administrativos proferidos no âmbito da actividade discricionária da Administração, pronunciou-se o Acórdão do STA, de 12/04/2007, no proc. ...5, onde sumariou: “ (…) IV - No domínio do exercício dos poderes discricionários a Administração tem de agir tendo sempre em vista a satisfação do interesse público e tal passa não só pela adopção do comportamento mais racional e mais ajustado aos fins que se visa prosseguir, como também pelo respeito dos princípios da legalidade, da igualdade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé. V - Quanto mais alargados forem os poderes discricionários maior é a obrigação do acto ser acompanhado de uma fundamentação clara, precisa e suficientemente desenvolvida pois que só assim se dá as necessárias garantias de defesa do administrado.”.
No mesmo sentido pronunciou-se o mesmo Supremo Tribunal:
A fundamentação - como resulta do que se disse - visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado destinando-se a informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e a permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. E, sendo assim, pode dizer-se que não só a insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, uma vez que as mesmas impedem o devido esclarecimento, como também que um acto está devidamente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familias do artº 487º, nº 2 do CC - fica a saber das razões que o motivaram cfr. nº 3 do artº 268º da CRP, e artº 124º do CPA - entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STA de 19/3/81, (proc. 13.031), de 27/10/82 in AD 256/528, de 25/7/84 in AD 288/1386, de 4/3/87 in AD 319/849, de 15/12/87 in AD 318/813, Marcello Caetano em “Manual”, pág. 477 e Esteves de Oliveira em “Direito Administrativo”, pág. 470.
Desta forma, bem decidiu o Tribunal ao considerar que o acto impugnado se encontra suficientemente fundamentado).
Mas, ainda que o vício que imputa ao ato impugnado procedesse, nunca o desvalor que o atingiria seria o que a Recorrente alega, como a seguir, melhor se verá.
Do desvalor jurídico associado ao vício de falta de fundamentação de um ato administrativo -
Como se referiu na secção anterior, a decisão disciplinar impugnada é um ato administrativo, sendo os requisitos da respetiva validade de aferir à luz da lei administrativa vigente ao tempo da sua prolação (artº 12.º n.º 2 do CCivil).
Partindo deste pressuposto, a Recorrente alega ainda, a título subsidiário, que, prevendo o artº 133.º n.º1 do CPA as denominadas “nulidades por natureza”, caracterizadas como a sanção aplicável aos “atos (administrativos) a que falte qualquer dos elementos essenciais”, a ausência de fundamentação seria de reconduzir a um vício desse tipo, considerando que o ato impugnado tem natureza sancionatória e a respetiva fundamentação é condição do exercício pelo arguido do direito de defesa que lhe assiste, direito equiparável a um direito fundamental, como a jurisprudência tem vindo a considerar. Nesta conformidade, ao omitir a respetiva fundamentação, o ato impugnado teria atingido o núcleo essencial do referido direito fundamental, vício gerador de nulidade do ato impugnado nos termos do disposto no artº. 133.º n.º1 do CPA.
Mais uma vez carece de razão.
A este propósito importa começar por reconhecer que o direito de audiência e defesa é, efetivamente, um direito de natureza análoga aos direitos fundamentais (para o efeito do disposto no artº 17.º da CRP), que é aplicável em sede disciplinar por efeito do disposto nos artºs 32.º n.º 10 e 269.º n.º 3 da CRP, consistindo no direito que assiste ao arguido de ser informado, em artigos de acusação, do ilícito que lhe é imputado, com especificação das circunstâncias de tempo, modo e lugar da sua prática, e das que integrem atenuantes e agravantes, do direito e sanção aplicáveis e da faculdade de alegar as suas razões, requerendo a produção dos meios de prova que considere necessários ao apuramento da verdade (cfr. artºs 48.º n.º 3, 49.º n.º 1, 51.º n.º 6 e 37.º n.º 1 do EDTFP).
Como decorre da caracterização que se deixa feita, trata-se de um direito de natureza adjetiva, isto é, de um direito que assiste ao trabalhador enquanto arguido num processo disciplinar. As nulidades previstas no artº 133.º do CPA, contudo, referiam-se ao ato administrativo propriamente dito, ou seja, eram casos de nulidades substantivas. Sendo assim, sempre haveria que indagar das circunstâncias em que a ocorrência do mencionado vício procedimental se repercutiria sobre a validade da decisão disciplinar, em termos de gerar a sua nulidade.
Sobres esta matéria pronunciou-se o STA no Acórdão proferido no recurso n.º 0360/02, de 26/09/2002, nos seguintes termos:
“Este Supremo Tribunal tem, reiteradamente, decidido que a falta de fundamentação, consiste num vício de forma que não é gerador de nulidade mas de mera anulabilidade.
Vejam-se neste sentido e a título meramente indicativo os Acórdãos da Secção, de 30/11/1995, no recurso n° 35.872, de 21/3/2002, no recurso n° 221/02 e do Pleno de 8/10/1998, no recurso 34.722, que veio reforçar aquela linha jurisprudencial de que não se vislumbram agora razões para divergir. Como se pode ler no primeiro daqueles Acórdãos, "Com efeito, nem todos os elementos do acto administrativo enumerados no n° 2 do artigo 123° do Código do Procedimento Administrativo constituem elementos essenciais do acto para efeitos do disposto no n° 1 do artº 133° do mesmo diploma, sendo entendimento dominante que a falta de fundamentação é geradora de mera anulabilidade. A história dos preceitos confirma este entendimento: na 2ª versão (1982) do Projecto do então chamado Código do Processo Administrativo Gracioso, após se estabelecer a regra de que eram nulos os actos a que faltasse qualquer dos seus elementos essenciais (n° 1 do artigo 174º), também se cominava a nulidade para os actos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigida (alínea f) do n° 2 do mesmo artigo), o que implicava que a fundamentação não era considerada elemento essencial do acto; na versão definitiva do Código, retirou-se do elenco do n° 2 do correspondente artº 133° a menção aos actos que carecessem em absoluto da fundamentação legalmente exigível, “pois a sanção adequada para eles não é a nulidade, mas a anulabilidade” (Diogo Freitas do Amaral e outros, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Coimbra, 1995, págs. 197 e 212; porém, admitindo a existência de casos em que a falta de fundamentação, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, gera nulidade, nos termos da alínea d) do n° 2 do citado artigo 133º, cfr. Mário Esteves de Oliveira e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Volume II, Coimbra, 1995, págs. 96-98 e 151".
Sendo a fundamentação dos actos administrativos em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”
A resposta à questão enunciada não passava, pois, por qualificar a falta ou a insuficiência de fundamentação do ato como um caso de “nulidade por natureza”, por esse ser um elemento essencial do ato à luz do artº 123.º n.º 1 al. d) do CPA, mas, como julgou o STA, por a subsumir a alguma das nulidades típicas previstas sob as als. c), d) e f) do n.º 2 do artº 133.º do CPA, por tal vício se enquadrar numa inobservância absoluta de forma legal; por coartar em absoluto as possibilidades de defesa; ou por a decisão do procedimento pôr em causa direitos fundamentais substanciais, como seria o caso de uma decisão disciplinar expulsiva, por contender com o direito à segurança no emprego (artº 53.º da CRP).
No sentido que se vem de referir julgou o STA no Acórdão proferido no recurso n.º 0327/02, de 17/06/2003, cujas conclusões, na parte que ora releva, são as seguintes:
V - Em matéria disciplinar os vícios do procedimento instrutório usualmente designados de nulidade insuprível podem ser invocados em relação ao ato final mesmo que deles tivesse anterior conhecimento o agente visado, mas não são nulidades do tipo mencionado no artigo 133.º do CPA e determinam apenas a anulabilidade do ato.
VI – Existem, porém, dois casos em que o vício procedimental é suscetível de invalidar irremediável e radicalmente o ato disciplinar punitivo. O primeiro é da inobservância absoluta de forma legal como por exemplo a omissão absoluta de processo administrativo organizado e a segunda é a falta absoluta de possibilidades de defesa seja por ininteligibilidade da acusação seja por se coartarem diligências de defesa de manifesta relevância de modo a causar profunda lesão do direito procedimental de defesa, vícios que ainda se reconduzem ao disposto nas al. c) e f) do artigo 133.° do CPA.
VII - Quando se não verifica nenhum dos casos indicados no número antecedente, nem se mostra que estejam em causa direitos fundamentais substanciais como os invocados (ao bom nome, à palavra e crítica) não procedem contra a deliberação impugnada vícios determinantes de nulidade.
E ainda no Acórdão proferido no recurso n.°1091/08, de 22/06/2010, de cujo sumário transcrevemos as seguintes conclusões:
I - A nulidade insuprível decorrente de falta de audiência do arguido ou de omissão de diligências essenciais em processo disciplinar, não é a nulidade dos atos administrativos a que se alude nos artigos 133.° e 134.° do CPA, antes respeita à nulidade do procedimento disciplinar, por preterição de formalidades essenciais, a qual é geradora de mera anulabilidade do ato administrativo punitivo, sendo-lhe, portanto, aplicável o regime previsto nos artigos 135.° e 136.° do CPA.
II - Revestindo-se o direito constitucional de audiência e defesa de natureza instrumental – só assumindo a natureza de direito fundamental se o dominante o for, o que acontece nos procedimentos disciplinares que culminem com a aplicação de penas de carácter expulsivo que, como tais, atingem o cerne ou o núcleo do direito fundamental à manutenção do emprego - a sua eventual postergação em processo conducente à aplicação de uma simples pena de suspensão não acarretará a nulidade do ato sancionador, mas sim a sua mera anulabilidade.
Retomando o caso dos autos, é por demais evidente que nenhuma das previsões legais constantes das alíneas als. c), d) e f) do n.°2 do artº 133.° do CPA se mostra preenchida.
O ato impugnado foi proferido no âmbito de um procedimento disciplinar instaurado, instruído e decidido nos termos da lei, pelo que, falar de uma “omissão absoluta de processo administrativo organizado” é de todo inviável. Considerando que nesse procedimento a arguida, ora Recorrente, foi notificada da acusação, peça em que lhe foi feita a imputação por que viria a ser sancionada, e do direito que lhe assistia de apresentar defesa, direito que exerceu de forma consequente, falar de uma “falta absoluta de possibilidades de defesa” não seria menos forçado.
Por último, a sanção aplicada – 90 dias de suspensão – não contende com o conteúdo essencial de um qualquer direito fundamental substantivo de que a Recorrente seja titular.
Resulta, assim, evidente que, ainda que se pudesse considerar a fundamentação do ato impugnado insuficiente, o que não é o caso, nunca um tal vício seria gerador do desvalor de nulidade do ato impugnado, mas, quando muito, da sua anulabilidade, termos em que o Tribunal a quo decidiu bem ao pronunciar-se pela procedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.
Estamos aqui, pois, em presença do desvalor decorrente da mera anulabilidade, nos termos do artigo 135º do CPA (cfr. artigo 5º, nº 3, do CPC), porquanto não existe uma violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, que só se verifica nos casos de aniquilamento do sentido fundamental do direito subjectivo protegido (cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 08-012016, proc. nº 01665/10.0BEBRG-A.
A caducidade do direito de acção, como é sabido, constitui uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo e importa a absolvição do Réu da instância, nos termos da al. h), do nº 1 e nº 2 do artigo 89º (actual artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, al. k)) do CPTA, conjugado com os artigos 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, mostrando-se por esse facto prejudicado o conhecimento do fundo da causa.
Na verdade, a caducidade do direito de acção é consagrada a benefício do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo - (v. Manuel Andrade “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, pág. 464).
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 20/10/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Rogério Martins