Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02638/21.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/02/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
CADUCIDADE;
LEVANTAMENTO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
Nos presentes autos em que é Requerente «AA» e Requerido o Município ..., ambos neles melhor identificados, foi proferida sentença pelo TAF do Porto que declarou a caducidade da providência decretada e ordenou o respetivo levantamento.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Requerente formulou as seguintes conclusões:

1. A acção principal a deduzir pelo requerente dependia unicamente do prazo de prescrição do direito a peticionar o ressarcimento de danos em acção de responsabilidade civil.

2. O que define esta acção como uma acção sujeita a prazo.

3. De resto, não resulta do ordenamento do CPTA, um prazo de caducidade para a interposição de tal acção.

4. Deste modo, a providência cautelar decretada, nos termos do artº 133º do CPTA, não cai na alçada do nº 1, alínea a) e nº 2, do artº 123º do CPTA que, in casu, não é aplicável.

5. Não merece acolhimento o entendimento da sentença recorrida de que o legislador, no art. 123.º, n.º 2, do CPTA, quando se refere a uma “via contenciosa não sujeita a prazo” “se refere à eventual existência de um prazo de caducidade e já não de prescrição, na medida em que uma via contenciosa sujeita a prazo corresponde a situações em que um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, o que corresponde ao enquadramento legal do prazo de caducidade, conforme decorre do art. 298.º, n.º 2, do CC.”

6. Acresce que, a norma em causa do artº 123º do CPTA resulta da sistematização do CPTA de 2002 que acolhia a diferenciação entre acção administrativa especial e acção administrativa comum,

7. E destinava-se a prevenir a distinção da sindicância entre actos meramente anuláveis e actos nulos ou inexistentes, sendo que estes não estavam sujeitos a prazo, como aqueles (vide artº 58º do CPTA de 2002).

8. Pelo que se destinava às acções administrativas especiais e não às acções administrativas comuns (no sistema do CPTA de 2002)

9. Há que concluir que a estipulação de uma regra dependente de caducidade do direito à acção, tem como destinatárias as acções de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos, e não as acções declarativas sujeitas a outros prazos, designadamente de caducidade ou prescrição do direito que a fundamentarem.

10. Na sistematização do CPTA, atento o âmbito jurisdicional estipulado pelo ETAF, as acções de responsabilidade civil são notoriamente acções com prazo, porquanto decorrentes de direitos sujeitos a estritos prazos de prescrição

11. Acresce que há que ter em conta a peculiaridade desta providência (artº 133º do CPTA) que se destina a uma regulação provisória por estar verificada a situação de grave carência económica do requerente, por se prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis; e ser provável que a pretensão a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

12. E que, tendo como limitações o que for estipulado de acordo com o nº 3 do artº 133º do CPTA, tendo a sentença proferida na providência estipulado um limite expresso da obrigação pré-indemnizatória estabelecida, contém a providência em si mesma, a regra delimitadora da sua cessação, por limite do valor da prestação provisoriamente atribuída,

13. Daqui se infere que, a protecção da posição do requerido foi admitida e limitada, nesta norma, o que deverá também ser considerado na não aplicação dos invocados alínea a) do nº 1, e nº 2, do artº 123º do CPTA.

14. Tendo antes da prolação da sentença ora em causa, sido interposta pelo requerente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA PARA EFECTIVAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, nos termos do artº 37º, nº 1, al. k), do C.P.T.A., ficou ultrapassada qualquer declaração de caducidade da Providência cautelar.

15. Além de não estar sujeito a uma indefinição de prazo, face à existência de um prazo de prescrição do direito do requerente, o requerido estava/está defendido pela estipulação feita nos termos do nº 3 do artº 133º do CPTA

16. Incumbia ao requerido formular um pedido fundamentado, a ser apreciado após prévia audição das partes, o que tem como consequência que a apreciação e decisão só podia ter lugar perante a situação concreta exposta e verificada, não podendo ter efeitos rectroactivos.

17. Não se aplicando, in casu, a distinção material dos institutos da caducidade e da prescrição, mas as expressas normas processuais.

18. Pelo exposto não devia ser deferida a requerida declaração de caducidade da providência cautelar decretada, tendo sido erradamente aplicadas as regras do nº 1, alínea a) e nº 2, do artº 123º do CPTA

Nestes termos, e nos melhores de Direito que suprirão, deve ser conferido provimento ao presente recurso e, por via dele, ser anulada a sentença recorrida, declarando-se vigente a providência cautelar decretada.

O Requerido juntou contra-alegações e concluiu:


A. O recurso ao qual se responde é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual declarou a caducidade da providência decretada nos autos, ordenando o seu respetivo levantamento.

B. Contudo, pelos fundamentos que infra se densificam, a sentença sub judice não merece qualquer censura, porquanto aplicou, irrepreensivelmente, o Direito aos factos, devendo, em virtude disso, ser confirmada na íntegra pelo Tribunal ad quem, com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes.

C. Brevitatis causa, sustenta o Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao entender que a ação principal do qual depende a providência cautelar de regulação provisória para pagamento de quantias não se encontra sujeita a prazo, razão pela qual, seria aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 123.º do CPTA.

D. Ora, cotejado o disposto no artigo 123.º do CPTA com os factos dados como provados na sentença recorrida, é apodítico que, in casu, a tutela dos interesses que a providência cautelar se destina assegurar é através de via contenciosa não sujeita a prazo.

E. Porquanto, o meio processual adequado à tutela dos interesses do Recorrente é a ação administrativa com fundamento no regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, previsto na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

F. O prazo a que se reporta o disposto no 123.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPTA é um prazo de caducidade do direito de ação e não um outro qualquer prazo aplicável, nomeadamente, da prescrição do Direito.

G. Note-se que, a prescrição reporta-se a um exercício de um direito, enquanto que a caducidade reconduz-se ao direito de ação.

H. De igual forma, não poderá proceder a tese segundo a qual “Há que concluir que a estipulação de uma regra dependente de caducidade do direito à acção, tem como destinatárias as acções de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos, e não as acções declarativas sujeitas a outros prazos, designadamente de caducidade ou prescrição do direito que a fundamentarem”.

I. E isto porque, face ao teor literal do n.º 2 do artigo 123.º do CPTA, não é possível concluir que o legislador quis restringir a sua aplicabilidade às ações, com vista à anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos,

J. Uma vez que, tal entendimento, não tem qualquer tipo de correspondência com a letra do artigo, inexistindo ponderosas razões para entendimento contrário.

K. Com efeito, se fosse intenção do legislador restringir a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 123.º do CPTA às ações administrativas com vista à declaração de nulidade de atos administrativos teria, certamente, expresso na letra da lei tal premissa. O que não se verifica.

L. De igual forma, não poderá proceder o argumento do Recorrente segundo o qual a questão da caducidade da providência cautelar estaria sanada, uma vez que antes de ser proferida a decisão de caducidade, o mesmo intentou a ação principal da qual depende a providência cautelar.

M. Ora, como bem refere o Tribunal a quo, “[a] questão [da caducidade da providência] é apreciada por referência ao momento em que se produziu o facto extintivo e não por referência ao momento em que é proferido o despacho de caducidade da providência (cfr. Ac. do TRL de 13.03.2019, proc. n.º 3703/05.0TTLSB.L3-4, in www.dgsi.pt)”.

N. Com o devido respeito, a tese do Recorrente daria lugar a que o escopo do artigo 123.º do CPTA ficasse completamente esvaziado, conseguindo o requerente da providência cautelar contornar as consequências previstas na lei para a sua inércia.

O. Por outro lado, note-se que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”.

P. Destarte, em nada pode relevar para sorte do recurso ao qual se responde, a alegação segundo a qual, “atente-se a que, a situação extremamente debilitada da posição do ora recorrente, criou-lhe dificuldades em assentar mais cedo numa situação que lhe permitisse fundamentar de forma concreta e atualizada a ação para efetivação da responsabilidade civil. Mantendo-se doente e impossibilitado de trabalhar, sujeito aos resultados de um tratamento e assente já que terá de ser submetido a nova intervenção cirúrgica, teve constrangimentos especiais que o impediram de apresentar mais cedo a acção definitiva. E esta, mantém-se, é uma das situações previstas no tipo de providência como a que está em causa, que motivou a regra limitadora do nº 3 do artº 133º, que não ode ser ignorada e ultrapassada por uma aplicação cega do n° 1, e n° 2, do art° 123° do CPTA”.
Q. Tudo visto, e pelos fundamentos constantes da decisão recorrida, deverá ser negado provimento ao recurso, com todas as devidas e legais consequências daí decorrentes.

TERMOS EM QUE,
Deverá o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o despacho recorrido, fls. ... dos autos, com o que será feita
JUSTIÇA!

A Senhora Procuradora Geral Adjunta não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

Fundamentos
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1.Em 28.06.2022, foi proferida sentença que considerou procedente o presente processo cautelar, com o seguinte segmento decisório:
“Em face do exposto, defiro a presente providência, por provados os respetivos pressupostos, e determino, a título de regulação provisória, que o Requerido pague ao Requerente a quantia mensal de EUR 1.771,00, até ser atingido o valor global de EUR 24.000,00.” (cfr. fls. 453 e ss do Sitaf)
2. Em 16.09.2022, na sequência da apresentação de recurso da decisão referida em 1, foi proferido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que confirmou a decisão recorrida (cfr. fls. 585 e ss do Sitaf).
3. O acórdão referido no ponto anterior foi notificado às partes por ofício datado de 19.09.2022, não tendo sido até à data apresentado recurso (cfr. fls. 622 e ss do Sitaf).
4. Em 17.03.2023, o Requerente apresentou junto deste Tribunal Administrativo e Fiscal a pi. que deu origem à ação administrativa que corre termos sob o n.º 571/23.3BEPRT (cfr. Sitaf, proc. n.º 571/23.3BEPRT, fls. 1).

De Direito -

Atente-se no discurso fundamentador da decisão em crise:

Vejamos então se procede o presente incidente de declaração de caducidade da providência decretada.
Atentas as alegações das partes, a questão que desde logo se coloca prende-se com a existência ou não de um prazo para intentar a ação principal de que a presente tutela cautelar depende.
Considera o Requerido que a ação principal consiste numa ação de responsabilidade civil que não se encontra sujeita a prazo, pelo que o Requerente dispunha de um prazo de 90 dias para intentar a ação principal, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 123º do CPTA.
Por seu turno, considera o Requerente que a ação principal se encontra sujeita a prazo, uma vez que vigora o prazo de prescrição, pelo que será aplicável o disposto no art. 123.º, n.º 1, al. a), do CPTA, não havendo lugar à caducidade da providência.
Nos termos do art. 123.º, n.º 1, al. a), do CPTA, as providências cautelares caducam, entre outros, “se o requerente não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou”.
A este respeito, prevê o n.º 2 deste mesmo preceito que, “quando a tutela dos interesses a que a providência cautelar se destina seja assegurada por via contenciosa não sujeita a prazo, o requerente deve, para efeitos da alínea a) do número anterior, usar essa via no prazo de 90 dias, contado desde o trânsito em julgado da decisão”.
Aquilo que releva é saber se uma ação administrativa para efetivação de responsabilidade civil deve ou pode ser considerada uma via contenciosa sujeita a prazo por via do prazo de prescrição previsto no art. 498.º do Código Civil.
Para tanto, importa atentar nas diferenças do regime dos prazos de prescrição e de caducidade.
A respeito dos dois tipos de prazo, prevê o art. 298.º do Código Civil o seguinte, nos respetivos números 1 e 2:
“1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
2. Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”
Quanto às diferenças de regime decorrentes da lei, salienta-se o seguinte, recorrendo às doutas palavras do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015, proc. n.º 273/13.9YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt:
“I - O decurso de um prazo de prescrição não extingue o direito a que corresponde; antes confere ao sujeito passivo o poder de se opor ao respectivo exercício (art. 304.º, n.º 1, do CC).
II - Diversamente, o decurso do prazo de caducidade extingue o direito de cujo exercício se trate; a caducidade não tem por fundamento primeiro a protecção do sujeito passivo mas sim o valor da certeza e segurança dos direitos.
III - As diferenças de regime tornam imprescindível saber se, quando a lei estabelece um prazo para o exercício de um direito, se trata de um prazo de prescrição ou de caducidade; razão pela qual a lei fixou a regra de que, na falta de qualificação, se aplicam as regras da caducidade (art. 298.º, n.º 2, do CC).
Ora, aplicando uma tal distinção à norma em causa nos autos, há que concluir que o legislador, no art. 123.º, n.º 2, do CPTA, quando se refere a uma “via contenciosa não sujeita a prazo” se refere à eventual existência de um prazo de caducidade e já não de prescrição, na medida em que uma via contenciosa sujeita a prazo corresponde a situações em que um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, o que corresponde ao enquadramento legal do prazo de caducidade, conforme decorre do art. 298.º, n.º 2, do CPC.
Se assim não se entendesse e se optasse pela interpretação sufragada pelo Requerente, no sentido de que o preceito contido no n.º 2 não abrange as ações em que o direito a exercer se encontra sujeito a um prazo de prescrição, caberiam na alínea a) do n.º 1 do art. 123.º todas as situações em que um direito estivesse sujeito ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, o que se afigura incompatível com a intenção subjacente regime do art. 123.º, n.º 2.
É que, com tal preceito, pretende-se obviar a que o requerido de uma providência fique sujeito, por tempo excessivo ou indeterminado, aos efeitos de uma decisão de natureza cautelar e provisória, que assenta num juízo sumário e urgente (cfr. Ac. do TRL de 22.04.2021, proc. n.º 32518/15.5T8LSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt).
Neste sentido, vejam-se as seguintes doutas palavras do Tribunal Central Administrativo Norte:
A previsão no n.º 2 do art. 123.º do CPTA em termos de caducidade da providência reconduz-se, como referimos e no que ora ao caso importa considerar, apenas ou unicamente à situação em que, decretada a providência cautelar com fundamento na verificação dos requisitos legais exigidos e em que os desvalores das ilegalidades assacadas são geradores de nulidade ou inexistência, decorreu o prazo de três meses contado desde o trânsito em julgado da decisão e que ali definido tão-só com o propósito de impor ao requerente cautelar, que beneficia de decisão favorável em termos daquela tutela preventiva, da obrigação da instauração, naquele prazo, da acção principal pese embora com fundamento em ilegalidade(s) geradora(s) daqueles desvalores enquanto contrapartida da posição que passou a gozar com o deferimento da pretensão cautelar. É que se assim não fosse, como também referimos supra, o requerente cautelar poderia manter-se indefinidamente inactivo e, desta forma, alcançar por meios ínvios a paralisação definitiva dos efeitos do acto sem que nunca se chegasse a conhecer a título principal da sua pretensão substantiva ...” (Ac. TCAN de 01.10.2009, proc. n.º 00761/08.9BEPNF, in www.dgsi.pt).
No sentido de que as ações com vista à efetivação de responsabilidade civil constituem ações não sujeitas a prazo para efeitos do art. 123.º, n.º 2, vejam-se as seguintes palavras do autor Miguel Prata Roque:
Note-se, porém, que os raciocínios tecidos na presente anotação não podem deixar de ser transponíveis para quaisquer outras providências cautelares administrativas – distintas da providência de suspensão de acto administrativo – que sejam instrumentais face: i) a qualquer um dos tipos de acção administrativa comum, cuja instauração, em regra, não se encontra dependente de qualquer prazo (art. 41.º, n.º 1, do CPTA), salvo quando se trate de acção para anulação, total ou parcial, de contratos administrativos (art. 41.º, n.º 2, do OPTA) (...)” (PRATA ROQUE, Miguel – Providências cautelares com prazo de validade? – O protelamento no acesso à tutela cautelar administrativa – Ac. do TCA Sul de 9.3.2006, P.1307/05. In Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 73, janeiro/fevereiro 2009, p. 37).
Assim, afigura-se que o Requerente efetivamente dispunha do prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de decretamento da providência para obviar à caducidade da providência decretada, trânsito este que ocorreu com o decurso do prazo de 15 dias a contar do dia 22.09.2022 (cfr. ponto 3 do probatório), em 08.10.2022, nos termos conjugados do art. 147.º, n.º 1, do CPTA, e dos arts. 248.º e 628.º do CPC.
Ora, tal prazo claramente não foi cumprido, uma vez que o Requerente apenas apresentou a pá. da ação principal em 17.03.2023, conforme decorre do probatório (cfr. pontos 2 a 4 do probatório), pelo que há que concluir pela caducidade da providência.
Não procede o argumento do Requerente no sentido de que a situação se encontra regularizada, uma vez que tal questão é apreciada por referência ao momento em que se produziu o facto extintivo e não por referência ao momento em que é proferido o despacho de caducidade da providência (cfr. Ac. do TRL de 13.03.2019, proc. n.º 3703/05.0TTLSB.L3-4, in www.dgsi.pt).
Também não releva o facto de os efeitos da sentença se encontrarem delimitados, na medida em que a lei não distingue o regime aplicável em função de tal circunstância.
Deste modo, ao abrigo do art. 123.º, n.º 2, do CPTA, afigura-se procedente a invocada caducidade da providência decretada, com efeitos para o futuro, estando em causa um meio de extinção ex nunc (Ac. do TRL de 16.11.2016, proc. n.º 473/15.7T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt).

X

É objecto de recurso esta sentença que declarou a caducidade da providência decretada nos autos, ordenando o respetivo levantamento.
Atente-se nas conclusões de recurso, que, aliás, constituem o seu objeto limitador.
De acordo com o alegado tal decisão padece de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPTA, porquanto, no seu entendimento, “a ação principal a deduzir pelo requerente dependia unicamente do prazo de prescrição do direito de peticionar o ressarcimento de danos em ação de responsabilidade civil”.
Cremos que carece de razão.
Vejamos,
Sucintamente, sustenta o Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao entender que a ação principal do qual depende a providência cautelar de regulação provisória para pagamento de quantias não se encontra sujeita a prazo, razão pela qual, seria aplicável o disposto no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPTA.
Ora, estabelece a alínea a) do n.° 1 do artigo 123.° do CPTA, sob a epígrafe “caducidade das providências”, que “os processos cautelares extinguem-se e, quando decretadas, as providências cautelares caducam: a) Se o requerente não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção da providência cautelar se destinou”.
Acrescentando o n.º 2 do citado normativo que, “quando a tutela dos interesses a que a providência cautelar se destina seja assegurada por via contenciosa não sujeita a prazo, o requerente deve, para efeitos da alínea a) do número anterior, usar essa via no prazo de 90 dias, contado desde o trânsito em julgado da decisão”.
Em anotação ao aludido preceito legal, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha:
“A instrumentalidade da tutela cautelar explica, entretanto, que, até nos casos em que a propositura da ação principal não esteja sujeita a prazo de caducidade (pense-se, desde logo, nos processos dirigidos à declaração de nulidade de atos administrativos, nos termos do artigo 58.), o n.º 2 deste artigo 123.º imponha a quem tenha obtido uma providência cautelar o dever de intentar o processo principal dentro de um prazo, que fixa em 90 dias (na redação resultante da revisão de 2015), contado desde o trânsito em julgado da decisão que concedeu a providência.
Neste último caso, o processo principal continua, naturalmente, a poder ser intentado mesmo para além deste prazo, mas extinguem-se os efeitos da decisão que tinha concedido a providência, que, desse modo, caduca.
De outro modo, estar-se-ia a submeter os interesses contrapostos aos do requerente da providência a prejuízos superiores aos que seriam estritamente necessários, sujeitando-os, por indeterminado, a uma definição que tinha sido adotada, com base numa apreciação sumária, no pressuposto de que ela apenas se destinaria a vigorar pelo prazo estritamente indispensável à emissão, no processo principal adequado, de uma sentença sobre a questão de fundo”.
Cotejado o disposto no artigo 123.º do CPTA com a factualidade assente, é apodítico que, in casu, a tutela dos interesses que a providência cautelar se destina a assegurar é através de via contenciosa não sujeita a prazo, uma vez que o meio processual adequado à tutela dos interesses do Recorrente é a ação administrativa com fundamento no regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas, previsto na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Ora, o prazo a que se reporta o disposto no 123.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CPTA, reporta-se à caducidade do direito de ação e não a um outro qualquer prazo aplicável, nomeadamente, da prescrição do Direito.
Note-se que, a prescrição reporta-se ao exercício de um direito, enquanto que a caducidade se reconduz ao direito de ação.
Tal como resulta da fundamentação da sentença recorrida, “(...) há que concluir que o legislador, no art. 123.º, n.º 2, do CPTA, quando se refere a uma “via contenciosa não sujeita a prazo” se refere à eventual existência de um prazo de caducidade e já não de prescrição, na medida em que uma via contenciosa sujeita a prazo corresponde a situações em que um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, o que corresponde ao enquadramento legal do prazo de caducidade, conforme decorre do art. 298.º, n.º 2, do CPC”.
E continua “se assim não se entendesse e se optasse pela interpretação sufragada pelo Requerente, no sentido de que o preceito contido no n.º 2 não abrange as ações em que o direito a exercer se encontra sujeito a um prazo de prescrição, caberiam na alínea a) do n.º 1 do art. 123.º todas as situações em que um direito estivesse sujeito ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos, o que se afigura incompatível com a intenção subjacente ao regime do art. 123.º, n.º 2”.
De igual forma, não poderá proceder a tese segundo a qual, “há que concluir que a estipulação de uma regra dependente de caducidade do direito à acção, tem como destinatárias as acções de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos, e não as acções declarativas sujeitas a outros prazos, designadamente de caducidade ou prescrição do direito que a fundamentarem”.
E isto porque, em primeiro lugar, por força do disposto no artigo 9.º do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir; mesmo que se possa entender que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham.
Segundo a doutrina, o artº 9.º, n.º 1, o texto é, desde logo e antes de mais, o ponto de partida da interpretação da norma, pois o intérprete deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo; parte-se do texto da lei para procurar o espírito da lei, o pensamento, o sentido, que o texto pretende manifestar.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; ou seja, de entre os vários sentidos possíveis que a consideração de todos os elementos de interpretação possa sugerir ao intérprete (ou que resultem de aspetos puramente subjetivos do mesmo intérprete), não poderão ser considerados aqueles que não tenham na letra da lei alguma correspondência, ainda que mínima ou remota.
Com efeito, funcionando a letra da lei como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de José Oliveira Ascensão, “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação”, na situação dos autos, face ao teor literal dos n.ºs 1, alínea a), e 2 do artigo 123.º do CPTA, não é possível concluir que o legislador quis restringir a sua aplicabilidade às ações com vista à anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos, uma vez que tal entendimento não tem qualquer tipo de correspondência com a letra do artigo, inexistindo ponderosas razões para entendimento contrário.
Com efeito, se fosse intenção do legislador restringir a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 123.º do CPTA às ações administrativas com vista à declaração de nulidade de atos administrativos teria, certamente, expresso na letra da lei tal premissa. O que não se verifica.
Por tal motivo, é que a doutrina tem vindo a considerar que (…) os raciocínios tecidos na presente anotação não podem deixar de ser transponíveis para quaisquer outras providências cautelares administrativas – distintas da providência de suspensão de acto administrativo – que sejam instrumentais face: i) a qualquer um dos tipos de acção administrativa comum, cuja instauração, em regra, não se encontra dependente de qualquer prazo (art. 41.º, n.º 1, do CPTA), salvo quando se trate de acção para anulação, total ou parcial, de contratos administrativos (art. 41.º, n.º 2, do CPTA)”.
Segundo o preceito legal visado, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.

E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.

Pelo exposto, face ao material fáctico levado ao probatório e às normas legais aplicáveis, nenhuma censura pode ser assacada ao Tribunal a quo ao decidir que,“(...) afigura-se que o Requerente efetivamente dispunha do prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de decretamento da providência para obviar à caducidade da providência decretada, trânsito este que ocorreu com o decurso do prazo de 15 dias a contar do dia 22.09.2022 (cfr. ponto 3 do probatório), em 08.10.2022, nos termos conjugados do art. 147.º, n.º 1, do CPTA, e dos arts. 248.º e 628.º do CPC”.
Ademais, após o requerimento apresentado em juízo pelo aqui Recorrido, com vista à declaração de caducidade da providência cautelar decretada, o Recorrente, ainda que plenamente convicto da não aplicabilidade do prazo previsto no n.º 2 do artigo 123.º do CPTA, “apressou-se” a intentar a ação administrativa do qual dependia a presente lide cautelar, alegando que, deste modo, à partida, sempre estaria ultrapassada a eventual caducidade da providência cautelar.
Refere ainda que, “incumbia ao requerido formular um pedido fundamentado, a ser apreciado após prévia audição das partes, o que tem como consequência que a apreciação e decisão só podia ter lugar perante a situação concreta exposta e verificada, não podendo ter efeitos rectroactivos”.
Porém, também no que a este ponto diz respeito, nenhuma razão assiste ao Recorrente.
Como sentenciado, “[a] questão [da caducidade da providência] é apreciada por referência ao momento em que se produziu o facto extintivo e não por referência ao momento em que é proferido o despacho de caducidade da providência (cfr. Ac. do TRL de 13.03.2019, proc. n.º 3703/05.0TTLSB.L3-4, in www.dgsi.pt)”.
De facto, a tese do Recorrente daria lugar a que o escopo do artigo 123.º do CPTA ficasse completamente esvaziado, conseguindo o requerente da providência cautelar contornar os efeitos e as consequências previstas na lei para a sua inércia.
Por outro lado, note-se que, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas” - artº 6º do C.Civil.
Destarte, em nada pode relevar para o desfecho do recurso a alegação segundo a qual, “atente-se a que, a situação extremamente debilitada da posição do ora recorrente, criou-lhe dificuldades em assentar mais cedo numa situação que lhe permitisse fundamentar de forma concreta e atualizada a ação para efetivação da responsabilidade civil. Mantendo-se doente e impossibilitado de trabalhar, sujeito aos resultados de um tratamento e assente já que terá de ser submetido a nova intervenção cirúrgica, teve constrangimentos especiais que o impediram de apresentar mais cedo a acção definitiva. E esta, mantém-se, é uma das situações previstas no tipo de providência como a que está em causa, que motivou a regra limitadora do nº 3 do artº 133º, que não pode ser ignorada e ultrapassada por uma aplicação cega do nº 1, e nº 2, do artº 123º do CPTA”.
Em suma,
-O Requerente efetivamente dispunha do prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da decisão de decretamento da providência para obviar à caducidade da providência decretada, trânsito este que ocorreu com o decurso do prazo de 15 dias a contar do dia 22.09.2022;
-Tal prazo não foi cumprido, uma vez que o Requerente apenas apresentou a pi. da ação principal em 17.03.2023, conforme decorre do probatório (cfr. pontos 2 a 4 do probatório), pelo que há que concluir pela caducidade da providência;
-Não pode proceder o argumento do Requerente/Recorrente no sentido de que a situação se encontra regularizada, uma vez que tal questão é apreciada por referência ao momento em que se produziu o facto extintivo e não por referência ao momento em que é proferido o despacho de caducidade da providência;
-Também não releva o facto de os efeitos da sentença se encontrarem delimitados, na medida em que a lei não distingue o regime aplicável em função de tal circunstância.
Improcedem, assim, as Conclusões das alegações.

Decisão

Termos em que se nega provimento ao recurso, com todas as legais consequências.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e DN.
Porto, 02/6/2023

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Isabel Jovita (em substituição)