Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00235/23.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC;
NULIDADE DE ACÓRDÃO;
CONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO;
Votação:Unanimidade
Decisão:Indeferir arguição de nulidade.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», recorrente nos presentes autos, vem arguir a nulidade do acórdão proferido em 7.12.2023, pelo qual foi negado provimento ao seu recurso, sustentando, em síntese, que se o Tribunal entendeu que a AT tem o dever oficioso de remeter as reclamações pendentes ao Tribunal, pode e deve este Tribunal mandar cumpri-lo.
Alega que a segurança jurídica obriga o reclamante a requerer que seja aclarado esse aspeto do douto acórdão, devendo especificar-se como entende o tribunal que se compatibiliza o que escreveu, de que é necessário requerimento e que esse é, apesar disso, um dever oficioso do fisco, pelo que, a seu ver, ocorre uma contradição dos fundamentos
suscetível de consubstanciar uma nulidade prevista no artigo 615º, nº 1 al. a) do Código de Processo Civil.

1.2. A Recorrida não se pronunciou sobre a arguida nulidade do acórdão.


1.3. Os autos foram com vista ao DMMP.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se o acórdão reclamado enferma de nulidade por contradição dos fundamentos.

3. FUNDAMENTAÇÃO
As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 615º do Código de Processo Civil, dispondo esse preceito, aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do nº 1 do artigo 666º do mesmo Código, que, é nula a sentença quando (a) não contenha a assinatura do juiz,
(b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, (c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, (d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e (e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

É, desde há muito, entendimento pacífico que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento ( error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.

Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125,
o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à atual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
Assim, as nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico).
Como vem sendo pacificamente entendido, na nulidade, ao contrário do erro de julgamento, em que se discorda do teor do conteúdo da própria decisão, invocam-se circunstâncias, legalmente previstas no artigo 615º do CPC, que ferem a própria decisão.

Em suma, as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente a mera discordância em relação ao decidido.

No caso, o Recorrente entende que se verifica uma causa de ininteligibilidade do acórdão porquanto, por um lado, afirma-se que a AT tem o dever de oficiosamente remeter as reclamações pendentes ao Tribunal e, por outro, exige-se que o interessado formule um requerimento nesse sentido.
Ora, não se alcança em que medida o acórdão recorrido é ininteligível, até porque o Recorrente manifestou compreender perfeitamente o seu teor e alcance.
Pode, é certo, discordar do entendimento por nós sufragado e que, de resto, corresponde à solução que, de modo uniforme e reiterado, a jurisprudência e a doutrina defendem como adequada; não pode é aceitar-se a alegação de que é ininteligível, ou seja, que não se consegue entender.
Aliás, cremos que ficou claro no acórdão (e nessa parte o Recorrente não aponta qualquer dificuldade de entendimento) que, no presente meio processual, o juiz tem os seus poderes de cognição limitados ao ato do OEF que, concretamente, é objeto da reclamação; do mesmo modo, esclarecemos que a lei não atribui ao juiz de uma reclamação o poder de avocar e conhecer de quaisquer outras.
Sem embargo, cumpre salientar que, conforme ficou exarado no acórdão «não está demonstrado nos autos que já tenha ocorrido a penhora e venda, o que, atento o teor do acórdão proferido no processo nº 25/23.8BEVIS, não aconteceu até à data sua prolação, em 14.04.2023, dado que ali foi confirmada a sentença de 1ª instância que determinou a subida da reclamação apenas “a final”.». Ou seja, não está sequer demonstrado nos autos que já tenha ocorrido a penhora e a venda no âmbito da execução fiscal e que, por isso, as reclamações pendentes estejam em condições de já subir ao Tribunal.
Improcede, pois, a invocada nulidade do acórdão.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em julgar improcedente a nulidade invocada pelo Recorrente.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Porto, 8 de fevereiro de 2024

Maria do Rosário Pais
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio
Cláudia Almeida