Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01045/19.2BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Cristina da Nova
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; MOTIVAÇÃO; VALOR DOS DEPOIMENTOS;
DOCUMENTOS; PONDERAÇÃO DA PROVA E PODERES DO TRIBUNAL DE RECURSO;
CONTRATO PROMESSA; MAIS VALIAS EM IRS; NORMA TRANSITÓRIA;
Sumário:
1- No julgamento de facto apenas se relevam factos, despidos de qualquer juízo de valor ou de natureza conclusiva sendo de rejeitar ou ter por não escritos tudo que não seja factual e a asserção se prenda com a questão a decidir.

2- O tribunal de recurso tem poder de fazer uma efetiva reponderação do julgamento da matéria de facto de concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados, com claro reforço de no recurso corrigir efetivos erros de julgamento, sem pôr em causa o facto de o tribunal de recurso constituir uma 2.ª instância, ela tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

3- Na análise da prova de forma crítica e objetiva impõe-se atender ao fator tempo, entre os factos e a produção da prova, quer documental quer testemunhal, assente numa compreensão da realidade concreta da vida à luz dos documentos e do quadro jurídico em que foram produzidos, os depoimentos valem pela sua razão de ciência, pela sua consistência, objetividade, e aderência à realidade relatada, através de uma avaliação descomprometida e distanciada, devendo a seriedade e credibilidade dos depoimentos estar estruturada na objetividade e respaldada em documentos cujos pormenores podem fornecer plausibilidade ao relato, a existência de laços de família e amizade por si só não pode afastar o valor do depoimento.

4- A apreciação da produção da prova documental deve atender também à doutrina jurídica e à jurisprudência, a data para efeitos de transmissão da propriedade poderá ser a do contrato de promessa de compra e venda com pagamento integral do preço acordado, com o reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes comprador e vendedor.

5- Os ganhos obtidos com a venda de um bem imóvel, em que aquisição se deu em data anterior à entrada em vigor do CIRS de 1988, não estão sujeitos a mais valias ao abrigo do art. 5.º do D.L. n.º 442-A/88 de 30-11.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência a Subsecção Comum, da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
«AA» e mulher «BB», vêm recorrer da sentença do TAF de Penafiel que manteve a liquidação do IRS de 2013, a título de mais valias.
*
Formulam os recorrentes, «AA» e «BB», nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«I. Entendem os recorrentes que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que face à prova produzida nos autos, os factos constantes dos pontos 1) e 2) dos factos não provados, foram incorretamente julgados e deviam integrar o elenco dos factos provados.
II. Da prova produzida nos autos resulta que aquando da celebração do contrato promessa, o impugnante entrou de imediato na posse dos prédios, agindo e atuando como o seu legítimo proprietário.
III. Efetuou a terraplanagem e drenagem dos prédios, tendo em vista a construção de uma vinha, transformando a topografia dos prédios, através de obras de grande dimensão e custo, desenvolveu novas culturas agrícolas, efetuou obras nas habitações que faziam parte dos ditos prédios, procedeu ao abate de árvores, passou a receber as rendas dos caseiros e a comprar todos os produtos necessários ao cultivo dos terrenos, agindo como seu verdadeiro dono.
IV. Os factos supra referidos resultaram dos depoimentos, supra transcritos, das testemunhas «CC» (depoimento gravado em suporte digital, no dia 28 de março de 2022, dos 00:01:49 segundos até aos 00:33:58 segundos); «DD» (depoimento gravado em suporte digital, no dia 28 de março de 2022, dos 00:33:59 segundos até aos 00:42:41 segundos); «EE» (depoimento gravado em suporte digital, no dia 28 de março de 2022, dos 00:42:42 segundos até aos 00:57:05 segundos) e «FF» (depoimento gravado em suporte digital, no dia 28 de março de 2022, dos 00:57:06 segundos até aos 01:07:60 segundos), que depuseram de forma serena, coerente e verosímil, inexistindo razões para afastar a sua credibilidade e do teor do contrato promessa, cujas cláusulas, embora sem a prever expressamente, apontam no sentido da imediata tradição dos prédios.
V. Consta expressamente do contrato promessa que o preço foi pago na totalidade aquando da assinatura do mesmo.
VI. Encontra-se clausulado que “... o segundo outorgante suportará todas as despesas com a eventual saída de qualquer caseiro das quintas objecto do presente contrato, isto é, as despesas judiciais que se relacionem com qualquer acção de resolução de contrato nos termos do art. 22 da L. 76/77 de 29 de Setembro, ou acção de preferência nos termos do art. 29 também daquele diploma legal, neste último caso, mesmo que posteriores à celebração da escritura, bem como o pagamento das contribuições e impostos a que os prédios objecto do presente contrato derem lugar”.
VII. Estando ainda previsto que em caso de incumprimento o contrato ficava sujeito ao regime da execução específica.
VIII.O teor de todas as referidas cláusulas contratuais, quando analisadas no seu conjunto, está em perfeita harmonia com o teor do depoimento das testemunhas, reforçando a sua credibilidade e permitindo, sem esforço, concluir que com a celebração do contrato promessa em causa ocorreu a tradição dos prédios que constituíam o seu objeto.
IX. Assim, face à prova produzida nos autos deveria ter sido considerado provado que:
Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, deu-se a tradição dos prédios referidos na alínea A), para o promitente comprador - «AA» -, em 31 de agosto de 1987.
Desde a data em que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador entrou na posse dos ditos prédios, recebendo rendas, promovendo reparações nas habitações que compõem os mesmos, a alteração de culturas agrícolas, a contratação de serviços de drenagem e terraplanagem, tendo em vista a construção de uma vinha, e a aquisição de diversos produtos (fertilizantes) solicitados pelo feitor da quinta, com vista à aplicação nas novas culturas, agindo como seu legítimo proprietário.
X. Deverão, por isso, ser eliminados os pontos 1 e 2 dos factos não provados e o seu teor aditado ao elenco dos factos provados.
XI. Ao não incluir no elenco dos factos provados os factos supra referidos, considerando-os não provados, cometeu o Tribunal a quo erro de julgamento da matéria de facto, violando os artigos 495.º, n.º 2 e 607.º, n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil.
XII. Tendo resultado da prova produzida que o contrato promessa em causa foi celebrado em 31 de agosto de 1987 e que nessa data ocorreu a tradição do prédio para o promitente comprador que passou a exercer sobre o mesmo atos de posse, é aplicável no caso em apreço o regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, estando assim a transmissão em causa isenta do pagamento do imposto de mais-valias.
XIII.Com efeito, é entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que para efeitos de aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do DL 442-A/88, de 30/11, a data relevante como data de obtenção do ganho, por alienação do prédio relativamente ao qual havia sido outorgado contrato-promessa de compra e venda é a data da tradição ou posse, e não a data da outorga da escritura pública, porque o acréscimo de rendimento que origina a tributação, também é o da tradição ou posse (al. a) do n.º 1.º e al. a) do n.º 3, do art. 10.º do CIRS).
XIV. O tribunal recorrido considerou que a tradição dos prédios constantes do contrato-promessa de compra e venda para a posse dos impugnantes apenas ocorreu com a declaração do Conhecimento de SISA realizada em 12/5/1989, invocando que no caso da transmissão de prédios não declarada, o respetivo facto tributário só adquire relevância fiscal a partir do momento em que o sujeito passivo o participa ou declara à Autoridade Tributária, sendo a tradição dos imóveis relevante para efeitos fiscais a partir do momento em que a tradição é comunicada à administração tributária.
XV. Ora, no caso em apreço, à data da tradição dos prédios, ainda não estava em vigor o CIRS, pelo que nenhuma obrigação de declaração para efeitos de tributação das mais-valias recaía sobre os impugnantes, não se vislumbrando qualquer comportamento omissivo que possa justificar o recurso ao instituto do abuso de direito.
XVI. Inexistindo razões para afastar a aplicação do regime transitório previsto no art. 5.º do D.L. 442-A/88, de 30.11 (neste sentido, cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.10.2020, P. 2636/05.4BELSB, disponível em www.dgsi.pt.).
XVII.Assim, sendo aplicável o regime transitório previsto no art. 5.º do D.L. 442-A/88, de 30.11., não é devido imposto de mais-valias pela transmissão dos prédios em causa nestes autos, sendo ilegal a correção efetuada pela Autoridade Tributária, pelo que deve ser anulada a liquidação de IRS impugnada.
XVIII.Ao julgar a impugnação judicial totalmente improcedente violou o Tribunal a quo o artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11; a alínea a) do n.º 3 do art. 10.º do C.I.R.S; o art. 12.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária; os artigos 495.º, n.º 2 e 607.º, n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil e o art. 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, por deficiente interpretação e aplicação dos mesmos, padecendo a sentença de erro de julgamento da matéria de facto e de direito.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue procedente a impugnação judicial sub judice, anulando a liquidação de IRS impugnada, com as legais consequências, assim fazendo V. Exas. a tão costumada
JUSTIÇA»
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A recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
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O Ministério Público, Exº. PGA, junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de aderir à fundamentação da sentença, sendo de a confirmar.
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:
Reconduz-se a saber se há erro de julgamento de facto e se há erro de julgamento nos pressupostos de facto e de direito.
1-Saber se há errado julgamento de facto quanto aos factos não provados, 1 e 2, na sequência do depoimento das testemunhas ouvidas, [identificando os minutos da gravação dos depoimentos acompanhada da a respetiva transcrição], resultar de forma clara que com a celebração do contrato-promessa, em 31-08-1987, deu-se a entrega dos imóveis que constituem a Quinta ... e a partir da aí ter praticado atos de reparação das habitações, recebendo rendas, procedendo a alteração de culturas agrícolas, tendo, ainda, contratado serviços de terraplanagem e drenagem, com vista à construção de uma vinha, agindo como dono e exclusão de qualquer outro.
2- Saber qual a data relevante para a transmissão de facto (ou aquisição) da quinta, se a data em que foi celebrado o contrato de promessa ou a data em que se deu conhecimento do contrato, com a liquidação e pagamento da SISA;
3-Saber se é aplicável o regime transitório do art. 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30-11 que aprovou o CIRS.
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO
Em sede de probatório, a 1.ª Instância fixou os seguintes factos:
« A) Em 3/8/1987, foi celebrado por «AA» – como promitente comprador (ou segundo outorgante) – e «GG» – como promitente vendedora (ou primeira outorgante) –, um contrato-promessa de compra e venda, pelo valor total de 18.000.000$00 (dezoito milhões de escudos), dos seguintes prédios, sitos na freguesia ..., concelho ... (doc. 1 anexo à petição inicial):
1.º – Prédio rústico inscrito na matriz ...27, denominado “Quinta ...”;
2.º – Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...25, denominado “Quinta DAS ...”;
3.º – Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...20, denominado “Quinta ...”;
4.º – Prédio rústico inscrito na matriz ...17, denominado “Campo dos ...”;
5.º – Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...15, denominado “Quinta ...”;
6.º – Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...54, denominado “Tapadas de ..., ... e Costa ...”;
7.º – Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...3, denominado “Casa da ...”;
8.º – Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...4, denominado “Casa da ... – casa de caseiro”;
9.º – Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...6, denominado “Casa da ...”; e
10.º – Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...51.
B) O contrato-promessa referido em A) tinha, entre o mais, o seguinte teor e cláusulas:[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
C) Em 31/8/1987, foi liquidado na Tesouraria da Fazenda Pública de ..., o Imposto do Selo (IS) do contrato, no valor de 180$00, e do recibo de quitação do valor pago com o contrato-promessa de compra e venda, no valor de 54.000$00, no total de 54.180$00 (doc. 13 da petição inicial).
D) Em 12/5/1989 foi efetuado em nome do impugnante – «AA», a liquidação de SISA, pela aquisição dos prédios supra-referidos na alínea A), com exceção do prédio identificado sob o número “7.º – Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...3, denominado “Casa da .....“, que deu origem ao conhecimento de SISA n.º ..90/1886 (doc. 13 anexo à petição inicial).
E) Em 19/12/2003, no Cartório Notarial ... foi outorgada a procuração irrevogável a favor do impugnante marido e de «HH», emitida por «GG», tendo em vista a venda dos prédios referidos no contrato promessa (doc. 14 anexo à petição inicial).
F) Em 27/5/2013 foi celebrado o contrato de compra e venda entre «HH», na qualidade de procuradora de D. «GG» e «CC» – na qualidade de única administradora da sociedade comercial, “[SCom01...], SA”, e no qual esta última declarou a aquisição dos prédios sitos na freguesia ..., do concelho ..., inscritos na matriz sob os seguintes artigos números U-..1, U-..6, U-..4, U..3, R.20, R-..25, R-..27, R..54, R-..15 e R-..17, pelo valor total de €700.000.00 (doc. 15 anexo à petição inicial).
G) Em 15/11/2017, foi instaurado contra o impugnante o processo de inquérito n.º ..7/17.. IDVIS, no qual se concluiu que o mesmo alienou os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos ...1, ...6, ...4, ...3, ..., ...25, ...27, ..., ...15 e ...17, todos na freguesia ..., do concelho ..., à sociedade comercial [SCom01...], SA, pessoa coletiva n.º (NIPC) ...69, pelo valor global de €700.000,00 (doc. 3, fls. 30 a 32 anexo à petição inicial).
H) No processo de inquérito n.º ..7/17.. IDVIS investigam-se os factos em causa nesta impugnação judicial, que aí são suscetíveis de integrar, em abstrato, a eventual prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, alínea b), do RGIT, porquanto no ano de 2013, o impugnante terá omitido os proveitos provenientes da alienação desses imóveis, obtidos nesse ano (fls. 88 a 91).
I) Em 16/5/2023, o processo de inquérito n.º ..7/17.. IDVIS estava pendente, não havendo despacho final (ref.ª: 005133980).
J) Pela Direção de Finanças ..., foi instaurado aos impugnantes, um procedimento de fixação ou alteração dos rendimentos declarados do ano de 2013 em sede de IRS, tendo sido emitido o projeto de decisão, com a seguinte fundamentação (doc. 3, fls. 39 a 40 verso):
“ASSUNTO: IRS 2013 – FALTOSOS/ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS
CONTRIBUINTE: «AA»
NIF: ...39
1. MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
1.1. Na sequência do Processo de Inquérito nº 57/17...., instaurado na Direção de Finanças ..., em 15-11-2017, apurou-se que o contribuinte «AA», supra identificado, alienou os seguintes bens imóveis, sitos na freguesia ..., do concelho ...: U-..51, U-..6, U-..4, U-..3, R-..20, R-..25, R-..27, R-..54, R-..15 e R-..17, à entidade‚ NIPC: ...69 – [SCom01...], pelo valor global de €700.000,00.
Os referidos prédios entraram na sua posse, segundo análise efetuada ao Conhecimento de SISA n.º ..90/1886 lavrado no concelho ... em 12 de maio de 1989 pelo valor global de 15.000.000$00, valor a que correspondem €74.819,68.
Da análise ao documento emitido pelo Serviço de Finanças do ..., na data de 24-05-2013, para efeito de liquidação do IMT, na sequência da presente operação de alienação de imóveis, em conjugação com os elementos constantes do Conhecimento de SISA, obtiveram-se elementos que permitiram elaborar o seguinte mapa de discriminação de valores – Valores de alienação; e Valores de aquisição, para os diferentes prédios:
ArtigoMatéria Colet./IMT% MC/Valor GlobalValor Aquisição (%MC x 74.819,68)
U-251100,000,000,14210.624,39
U-8620.000,000,0292.169,77
U-8420.000,000,0292.169,77
U-83100.000,000,14310.699,21
R-320150.000,000,21416.011,42
R-425100.000,000,14310.699,22
R-42775.000,000,1078.005,79
R-25425.000,000,0362.693,51
R-315100.000,000,14310.699,22
R-31710.000,000,0141.047,47
Total700.000,00174.819,68
1.2, Os ganhos obtidos, derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, constituem Mais-Valias de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10. º do CIRS e‚ consideram-se obtidos no momento da prática dos atos, ou seja, no momento da alienação, sendo o ganho sujeito a tributação de acordo como disposto no n.º3 e 4 da citada norma legal. Assim determinaram-se Mais Valias a tributar no montante de: € 253.771,91 em obediência ao disposto no artigo 43. º e seguintes do Código do IRS tendo sido considerados Encargos no montante de € 6.155,17 correspondentes ao montante do Imposto de SISA suportado conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 51º do mesmo diploma legal. (Mapa demonstrativo em Anexo).
2. – Declaração MOD. 3 de IRS/2013
A consulta do sistema informático da AT, permitiu concluir que no ano em análise, apesar de ter entregue a declaração Mod.3 IR8/2013, com anexo G a declarar a alienação do Art.º U-..0, não declarou a alienação dos referidos prédios a que estava obrigado por força do disposto nos artigos 1º, 15º e 57º do Código do IRS. (...)
4. CADUCIDADE – LIQUIDAÇÃO ADICIONAL IRS/2013
Apesar de estarmos nesta data, na presença de ano caduco nos termos do n.º1 do artigo 45 º da Lei Geral Tributária – o direito à liquidação subsiste por força do disposto no n. 5 do artigo 45, º do mesmo diploma, conforme a sua redação “Sempre que o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 – 4 anos – é alargado até ao arquivamento ou trânsito em Julgado da sentença, acrescido de um ano”, A instauração do Processo de Inquérito n.º 57/17.... ocorreu em 15-11-2017, pelo que a liquidação adicional de IRS/2013 se mostra ainda devida, face ao anteriormente mencionado” (doc. 3, fls. 30 a 32 anexo à petição inicial).
K) O projeto de decisão foi notificado ao impugnante «AA», em 16/4/2019 (fls. 23 do PA e fls. 151 a 194 do SITAF).
L) O impugnante, exerceu o seu direito de audição em 2/5/2019, mediante a apresentação de prova documental e testemunhal (fls. 23 do PA e fls. 151 a 194 do SITAF).
M) Em 12/6/2019, após a análise do direito de audição, a Direção de Finanças ..., manteve o entendimento sancionado no projeto de decisão, tendo determinado que: “Deve o contribuinte ser notificado da Fundamentação das Correções em IRS/2013, por se encontrar abrangido pelo disposto no nº 5 do art.º 45 da LGT, e conforme dispõem o art.º 77º da LGT.” (doc. ... da petição inicial e fls. 24 a 26 do PA).
N) A decisão final do procedimento de fixação ou alteração dos rendimentos declarados do ano de 2013 em sede de IRS, foi notificada ao impugnante por correio registado com aviso de receção em 18/6/2019 (fls. 28 frente e verso do PA).
O) Em 13/7/2019 foram emitidas em nome dos impugnantes as liquidações n.º ...96 e ...00 com referência ao IRS de 2013 e correspondentes juros compensatórios, no montante de €135.627,47 e €27.333,57, respetivamente, perfazendo o total de €162.961,04 (doc. 1 anexo à petição inicial).
P) Os impugnantes foram notificados da nota de demonstração das liquidações impugnadas e da nota de demonstração de acerto de contas, por notificação eletrónica realizada em julho de 2019, recebida pelos impugnantes, com data limite de pagamento do valor a pagar em 26/8/2019 (confissão dos impugnantes no artigo 1 da impugnação e fls. 25 a 27, documento 1 da petição inicial).
Q) Em 2/9/2019 foi instaurado em nome dos impugnantes, o processo de execução fiscal n.º ...20, no montante de €162.961,04 (fls. 34 do PA).
R) Em 19/6/2020 os impugnantes procederam ao pagamento da quantia de €169.066,99 (cento e sessenta e nove mil e sessenta e seis euros e noventa e nove cêntimos) correspondente ao valor da quantia exequenda, juros de mora e custas (docs. 1 e 2, fls. 214 a 224 do PA).
Matéria de facto não provada.
Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga não provado:
1 – Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, deu-se a tradição dos prédios referidos na alínea A), para o promitente comprador – «AA» em 31 de agosto de 1987.
2 – Desde a data em que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador entrou na posse dos ditos prédios, recebendo rendas, promovendo reparações nas habitações que compõem os mesmos, a alteração de culturas agrícolas, a contratação de serviços de drenagem e terraplanagem, tendo em vista a construção de uma vinha, e a aquisição de diversos produtos (fertilizantes) solicitados pelo feitor da quinta, com vista à aplicação nas novas culturas, agindo como seu legítimo proprietário.
3.1.1 – Motivação da decisão de facto.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
Relativamente à matéria de facto julgada não provada em 1) e 2), o Tribunal entendeu que a mesma ficou a dever-se à falta e insuficiência da prova.
Tais factos são factos constitutivos do direito dos impugnantes na medida em que se destinam a comprovar a tradição dos prédios prometidos comprar enquanto facto constitutivo do direito à inexistência de mais-valias à alegada data da aquisição, por ser anterior à entrada em vigor do CIRS e como forma de elidir a presunção da existência do rendimento patrimonial sujeito a mais-valias, nos termos do art. 10.ºdo CIRS. Como tal recaía sobre os impugnantes o respetivo ónus da prova (art. 74.º da LGT), pelo que em caso de insuficiência da prova e dúvida do Tribunal os mesmos têm de ser julgados contra os impugnantes, isto é, têm de ser julgados não provados.
Pese embora as testemunhas tivessem de uma forma genérica e vaga corroborado os factos alegados na petição inicial, designadamente, que a tradição dos prédios prometidos adquirir ocorreu com a celebração do contrato-promessa, passando os impugnantes a deter a sua posse, na ponderação da verosimilhança e valoração dos depoimentos o Tribunal considerou que não pode olvidar as ligações familiares, pessoais, de amizade e dependência profissional das testemunhas aos impugnantes. A testemunha «CC» é irmã do impugnante «AA», e cunhada da impugnante «BB», «DD» conhece o impugnante «AA» desde os seus dezasseis anos, com o qual mantinha uma relação de amizade e profissional, tendo realizado umas obras nos prédios em causa nos autos, «EE» é funcionária do escritório de «CC» há quarenta anos e «FF» foi funcionária durante vinte e oito anos e meio do grupo “[SCom02...]”, propriedade do impugnante e família.
A testemunha «CC», começou por referir que auxiliou e acom­panhou o seu irmão, apenas a título familiar, tendo admitido posteriormente que desempenhou os seus serviços profissionais, ao comprometer-se em reunir as declarações de renuncia dos confrontantes, tendo elaborado o contrato promessa de compra e venda no seu escritório, em parceria com o Dr. «II».
Também a testemunha «DD», cuja razão de ciência sobre a questão em dissidio nos autos, assentava no facto de conhecer o impugnante desde os seus dezasseis anos, com o qual mantinha uma relação de amizade, mas também se fundava, no facto de ter sido contratado por este, para prestar os seus serviços técnicos tendo em vista a feitura de vários trabalhos de drenagem e terraplanagem nos prédios acima referidos, serviços esses que foram contratados tendo em vista a edificação de uma vinha.
No mesmo âmbito profissional, temos o depoimento prestado por «EE», funcionária do escritório de «CC» há quarenta anos, que participou nas buscas efetuadas nas conservatórias aquando da celebração do contrato promessa referido na alínea A) dos factos provados, tendo em vista a identificação dos vários confrontantes dos mesmos. Foi igualmente assegurado pela dita testemunha, que a posse dos prédios passou imediatamente para a esfera do impugnante, após a celebração do contrato-promessa, detalhando que tinha conhecimento que o mesmo estava a frequentar o curso de jovem agricultor, motivo pelo qual efetuou a liquidação de sisa em 1989, uma vez que necessitava de inscrever os prédios em seu nome, por forma a ter acesso a subsídios.
Ainda dentro do âmbito profissional, de salientar o testemunho de «FF», funcionária durante vinte e oito anos e meio do grupo “[SCom02...]”, propriedade do impugnante e família, que declarou que o impugnante adquiriu os referidos prédios em agosto de 1987, recordando-se em particular da data, pois fazia um ano que ela própria tinha iniciado a sua vida profissional no grupo empresarial detido pelo mesmo.
Mais acrescentou, que logo após a aquisição da quinta pelo impugnante, teve a oportunidade de conhecer os planos que o impugnante tinha para a reabilitação da mesma, tendo de imediato iniciado as obras de terraplanagem e a construção da vinha. Precisou ainda que, à altura dos factos, foi ela que ficou de fazer a ponte entre o feitor da Quinta ... – o Sr. «JJ» – e o impugnante, na medida em que o Sr. «JJ» lhe transmitia a lista de produtos que era necessário adquirir para as culturas (fertilizantes, adubos, sulfatos), produtos esses que eram pagos por «AA», do seu próprio bolso, sendo encomendados pela testemunha numa cooperativa, que debitava o custo ao impugnante, e que eram posteriormente levantados pelo Sr. «JJ», concluindo que tal processo da qual a testemunha era responsável, se iniciou em agosto de 1987, logo após a celebração do contrato promessa.
Todas as testemunhas não deixaram de referir, de forma muito similar que o impugnante «AA», pese embora tenha celebrado somente um contrato de promessa de com­pra e venda dos supra referidos prédios, desde a sua celebração, tomou posse dos mesmos, agindo e atuando como o seu legítimo proprietário, recebendo rendas, efetuando reparações nas habitações que faziam parte dos ditos prédios, desenvolveu novas culturas agrícolas transformando a topografia dos mesmos através de obras de grande dimensão e custo, e adquirindo produtos para que fossem administrados nas terras de cultivo.
Ora, todos estes factos (instrumentais) supra referidos e também aduzidos pelos impugnantes em sede de petição inicial (i) recebimento de rendas após a celebração do contrato promessa de compra e venda, (ii) reparações nas habitações que faziam parte dos ditos prédios, (iii) desenvolvimento de novas culturas agrícolas e aquisição de produtos para administrar nas mesmas, (iv) transformação da topografia dos terrenos através de obras de terraplanagem e drenagem dos mesmos, agindo como proprietário das propriedades após a celebração do contrato promessa de compra e venda, não foram suficientemente consistentes para se julgar provado o facto essencial – a tradição dos prédios supra referidos para a posse do impugnante, logo após a celebração do contrato de promessa compra e venda, precisamente em agosto de 1987 – porque perante a manifesta coincidência dos depoimentos, ponderada a relação familiar, de amizade pessoal e profissional das testemunhas com o impugnante levam o Tribunal a ter uma maior exigência na ponderação da valoração dos depoimentos, sobretudo porque pela narração dos factos apresentados pelos impugnantes era plausível que fosse apresentada prova através de testemunhas com menor ligação afetiva e de amizade aos impugnantes, designadamente, antigos caseiros e ou vizinhos da aludida propriedade e que poderiam até ter exercido o direito de preferência e que teriam um maior grau de isenção em relação aos depoimentos prestados e de distanciamento em relação aos interesses em causa nos autos, bem como a junção de outro tipo de prova, designadamente, documental que é necessariamente mais isenta e objetiva e com um valor probatório bastante superior que poderia corroborar e reforçar a credibilidade dos depoimentos testemunhais apresentados. Designadamente atento os factos relatados seria facilmente comprovável por prova documental a alegada frequência pelo impugnante do curso de agricultor e a data em que ocorreu, a realização das alegadas obras efetuadas pelos impugnantes que pelas dimensões e valores referidos teriam certamente provas documentais (faturas e recibos de pagamento das obras, projetos das obras, documentos comprovativos da inscrição e / ou frequência do curso de agricultor, recibos e ou declarações de rendimentos das alegadas rendas auferidas depois da celebração do contrato-promessa, etc...) que atestariam a data da sua ocorrência e corroborariam os depoimentos testemunhais e afastariam seguramente quaisquer dúvidas quando à realidade da tradição dos prédios em causa nos autos, confirmada apenas por prova testemunhal cuja assertividade não é de todo inabalável pelos motivos já referidos e sobretudo pelo seu confronto com a prova documental que revela uma tradição efetiva e uma verdadeira posse dos prédios já no ano de 1989, com a liquidação da SISA devida pela transmissão dos prédios.
A coerência destes factos conjugada com a própria alegação dos impugnantes que pretendiam ter uma prova da posse e tradição dos prédios em causa nos autos para a sua alegada utilização agrícola e concurso a fundos comunitários, leva o Tribunal a ponderar com maior exigência a data efetiva da tradição e a abalar a valoração dos depoimentos das testemunhas quando afirmam de forma genérica que a tradição ocorreu com a celebração do contrato-promessa e com o alegado início imediato das obras nas propriedades, porque se assim fosse a necessidade do impugnante ter prova da posse dos prédios teria ocorrido logo nessa altura, não se compreendendo que apenas tenha vindo a ocorrer dois anos depois da celebração do contrato.
Esta circunstância é ainda abalada, porque a tradição dos prédios para o promitente comprador sempre poderia ter sido salvaguardada no contrato-promessa celebrado, o qual não contém qualquer cláusula que consigne ou salvaguarde a tradição dos prédios e que seria o meio mais natural para o poder fazer.
Esta constatação é ainda reforçada pelas razões invocadas pelos impugnantes e pelas testemunhas (com exceção de «DD» e «FF», que mostraram não ter conhecimento direto do processo propriamente dito de aquisição da quinta), para não ter sido celebrado de seguida o contrato de compra e venda dos prédios, designadamente pela incapacidade de recolher as declarações de renuncia dos vários confrontantes, bem como pelo exercício do direito de preferência levantado pelo feitor da quinta – «KK» – junto da proprietária original da mesma, que sempre condicionariam os outorgantes, e em particular o impugnante, a tentar salvaguardar a tradição dos prédios.
Ainda com relevância para a convicção do Tribunal releva o testemunho de «CC», que foi desvalorizado pelo Tribunal, não só pelos laços familiares que a unem aos impugnantes e ao respetivo interesse ainda que indireto, mas também por algumas incoerências que resultaram do seu depoimento.
Senão veja-se. A testemunha começa por referir que tem conhecimento direto dos factos na qualidade de irmã mais velha, sendo que ela e o seu pai acompanharam este negócio, e que nesse aspeto não teve uma intervenção profissional no processo aquisitivo, na qualidade de mandatária, acrescentando que o contrato promessa compra e venda também não foi por si elaborado, mas ao invés pelo Dr. «II», mandatário da proprietária original.
No entanto, acrescentou que foi ela que ficou incumbida de reunir as declarações de renuncia dos confrontantes, o que não terá sido possível fazer por desconhecimento dos mesmos e dos seus herdeiros. Tendo ainda resultado do depoimento de «EE» (funcionária de «CC»), que o contrato promessa de compra e venda foi minutado no seu escritório.
Mais se acrescenta, da análise da prova documental, nomeadamente do contrato de alienação dos suprarreferidos prédios em 2013 à Sociedade Comercial “[SCom01...], SA”, presente no documento n.º 15 anexo à petição inicial e julgado provado na alínea F), que a predita sociedade apresenta como única administradora, a própria testemunha «CC», facto esse que a mesma, nunca logrou mencionar ao longo do seu detalhado depoimento e que revela o seu interesse mais ou menos manifesto e indireto no desfecho desta impugnação.
Todos estes factos, mostram alguma incoerência no seu testemunho, pelo que o Tribunal ponderando as incoerências e o relacionamento familiar da testemunha com os impugnantes, não ficou convencido com a consistência integral do mesmo.
Ponderada toda a prova produzida o Tribunal não ficou convencido que a tradição dos prédios que constam do facto provado A), os prédios em causa nestes autos, ocorreu efetiva­mente com ou aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda dos mesmos, pelo que atento o disposto nos arts. 74.º da LGT, 342.º e 346.º do CC e 414.º do CPC, perante a insuficiência da prova e a respetiva dúvida, o Tribunal não pode deixar de julgar tais factos contra os impugnantes, isto é, de os julgar não provados, como sucede na matéria de facto julgada não provada nos pontos 1 e 2.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada, por ser irrelevante para a decisão da causa, conforme resultará da fundamentação de direito, ou por constituir considerações pessoais, alegação de factos conclusivos ou matéria de direito.
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4. APRECIAÇÃO JURÍDICA DO RECURSO
Questão prévia.
Antes de entrarmos na análise do recurso em matéria de julgamento de facto, importa, esclarecer que independentemente dele, no julgamento de facto apenas se relevam factos, despidos de qualquer juízo de valor ou de natureza conclusiva sendo de rejeitar ou ter por não escritos tudo que não seja factual e a asserção se prenda com a questão a decidir.

Ora, ter-se-á que excluir do julgamento de facto a afirmação de caráter iminentemente conclusiva e de claro pendor jurídico “tradição”, ou seja, que com o contrato de promessa de compra e venda deu-se a “tradição dos prédios” referidos na al. A).
A questão que está em aberto e separa aos partes é pois saber se na data da celebração do contrato promessa o promitente comprador passou a praticar atos que indiciam de forma objetiva que lhe foi entregue o imóvel, ou, se foi nele investido passando a praticar atos similares ao titular do direito de propriedade, se houve uma inversão do título da posse.
Assim, tem-se por não escrita a redação do ponto 1- dos factos não provados.
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4.1. Saber se há errado julgamento de facto quanto aos factos não provados:
Desde a data em que foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador entrou na posse dos ditos prédios, recebendo rendas, promovendo reparações nas habitações que compõem os mesmos, a alteração de culturas agrícolas, a contratação de serviços de drenagem e terraplanagem, tendo em vista a construção de uma vinha, e a aquisição de diversos produtos (fertilizantes) solicitados pelo feitor da quinta, com vista à aplicação nas novas culturas, agindo como seu legítimo proprietário.

Aduzem os recorrentes que com apelo aos depoimentos e o seu registo em concatenação com a prova documental, contrato promessa com as assinaturas reconhecidas presencialmente, é possível dar como provado que a partir de agosto de 1987 o recorrente passou a tratar os prédios denominados por “Quinta ...”, como proprietário, fazendo reparações nas habitações, contactou os caseiros e deles recebeu as rendas, contratou um projeto de terraplanagem e drenagem para implementar uma cultura nova de vinha, o que foi feito à vista de todos.

Posto que este tribunal de recurso tem o poder que permite uma efetiva reponderação do julgamento da matéria de facto de concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados, com claro reforço de no recurso corrigir efetivos erros de julgamento, sem pôr em causa o facto de este tribunal de recurso constituir uma 2.ª instância.
O tribunal de recurso deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios complementados ou não com as regras da experiência. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Almedina, de António Santos Abrantes Geraldes, pág. 231.
Por conseguinte, o Tribunal de Recurso tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.

Apreciando

A motivação do julgamento de facto da sentença consubstanciou-se numa extensa e complexiva explicação que, por si, abre brechas no seu raciocínio, ou seja, na exteriorização do percurso lógico que conduziu ao juízo probatório sobre factos essenciais ou complementares, juízo probatório que não se compagina com o teor do contrato de promessa, pormenores que são evidenciados pela prova testemunhal e corroborados pelo documento, as regras da experiência, da razoabilidade, o contexto da realidade com referência aos condicionalismos da vida em sociedade, as regras de interpretação das normas no quadro jurídico português à luz do art. 11.º da LGT, não permitindo objetivamente que a sentença afirme que, julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos. Para de seguida afirmar que houve falta e insuficiência de prova relativamente à posse dos imóveis a que se refere o contrato de promessa. [Relativamente à matéria de facto julgada não provada em 1) e 2), o Tribunal entendeu que a mesma ficou a dever-se à falta e insuficiência da prova.]

Olvida o tribunal que do contrato de promessa consta que foi pago a totalidade do preço no ato de assinatura do contrato-promessa [com reconhecimento notarial das assinaturas] e que a promitente vendedora, se dá por completamente paga e que a marcação da data para escritura pública fica na esfera da disponibilidade ou oportunidade do p. comprador e que a p. vendedora se auto vincula a celebrar a escritura, mais ficando consignado que todas as despesas com a saída de qualquer caseiro da Quinta fica a cargo do p. comprador, nomeadamente despesas judiciais com qualquer ação de resolução de contrato nos termos do art. 22.º da Lei 76/77, ou ação de preferência nos termos do art. 29.º daquele diploma, neste caso, mesmo que posterior à escritura pública, bem como na obrigação do pagamento de contribuições e impostos que os prédios objetos do presente contrato venham a dar lugar.
Ora,
Importa aqui relembrar que nos ramos do Direito Tributário de mais ampla tradição civilística, como os que versam sobre a transmissão de bens, estão assentes em conceitos de Direito Privado, não estando em causa que o Direito Tributário possa qualificar qualquer conceito com o sentido que considere conveniente, mas não é menos certo que, normalmente, tais conceitos apresentarão, no âmbito tributário, um sentido semelhante ou muito próximo do que lhes é atribuído nos seus ramos de origem, permitindo, sobretudo, salvaguardar a unidade do Direito e a abordagem e manuseamento de conceitos já longamente estudados noutros ramos do Direito, como é o caso do direito de propriedade e formas de aquisição, o que permitirá uma maior certeza e segurança das relações jurídico-tributárias. LGT anotada e comentada, 4.ª Edição, Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa pág. 119 e seguintes.

Por fim, na análise da prova de forma crítica e objetiva impõe-se atender ao fator tempo que medeia os factos e a produção da prova, quer documental quer testemunhal.

Na verdade, o tribunal não poderia desconsiderar que os factos remontam ao ano de 1987, a sisa foi paga em 1989 e que o contrato de compra e venda, da qual resulta a mais valia, se reporta ao ano de 2013, por fim, a liquidação da mais valia para efeitos do IRS é de 13-07-2019, e, na análise da prova testemunhal ter-se-ia que entrar em linha de conta com este fator quando se afirma que o depoimento da testemunha «CC» [bem como os demais] foi genérico e vago, que era plausível que fosse apresentada prova por pessoas com menor ligação afetiva e de amizade com o impugnante, designadamente antigos caseiros ou vizinhos; a ausência de outra prova mais objetiva, como a documental no que respeita à sua formação de agricultor, de despesas com as alegadas obras realizadas, quer pela suas dimensões e valores [faturas, recibos, declarações das alegadas rendas auferidas após o contrato-promessa] que teriam certamente emprestado outra objetividade e credibilidade aos depoimentos, a falta desta, leva a que o tribunal seja mais exigente com a prova testemunhal.

Embora o tribunal a quo tenha um discurso escorreito, teoricamente esteado nas regras da prova, falha clamorosamente, na compreensão da realidade concreta da vida, a sua contextualização espelhada pelos documentos, e, a subsunção ao quadro jurídico português à data dos factos com repercussão no juízo probatório.

Desde logo, o regime do arrendamento rural que dava preferência legal aos arrendatários no caso da venda dos prédios objetos de arrendamento [art. 29.º da Lei 76/77 de 29/09], o direito legal de preferência dos proprietários de terrenos confinantes [art. 1380º em conjugação com o art.416.º e seguintes do C.C.] que gozam de um direito real de preferência na aquisição de prédios rústicos perante uma venda titulada por escritura pública, o que ajuda a explicar a não realização da escritura pública no imediato ou no tempo mais próximo; as dificuldades que se pode encontrar em contactar pessoas, passados largos anos, que possam depor com base no que viram e ouviram, além das pessoas mais próximas, familiares ou amigos, muitas vezes porque foram essas que mais próximas estiveram dos factos e, naturalmente, de mais fácil contacto; o não dispor de faturas e ou recibos comprovativos, decorridos mais de 30 anos, não permite o juízo probatório que fez a 1.ª instância.

Na verdade, nessa data, no âmbito fiscal os sujeitos passivos tinham o dever de guardar e manter os documentos em ordem, no caso dos rendimentos e encargos declarados à DGI, pelo período de 5 anos [art. 119.º do CIRS, atualmente 4 anos de acordo com o art. 128.º, n. º3,] e, no caso de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, o prazo era dez anos consecutivos Arts. 113.º do CIRS na redação de 2000, atualmente continua a ser 10 anos, cfr. art. 130.º, n. º1, do CIRC em vigor..
Por conseguinte, não é compaginável com a regras legais de manutenção documental a exigência complementar de prova documental que, no mínimo, tem mais de 25 anos.

Ainda quanto à prova testemunhal, este tribunal deverá com redobrado rigor apreciar a “seriedade” das dúvidas invocadas quanto à credibilidade dos depoentes ou com o teor dos depoimentos, importa ponderar todo o circunstancialismo envolvente e o relevo maior ou menor que poderá ser atribuído a algum ou todos os depoimentos.

Ora, a razão de haver laços de família e amizade por si só não pode afastar ou diminuir o valor do depoimento.
Os depoimentos valem pela sua razão de ciência, pela sua consistência, objetividade, e aderência à realidade relatada, tal é o caso do depoimento da testemunha «CC» que na qualidade de irmã mais velha do impugnante, disse que o acompanhou até ... para fazer o negócio com a proprietária da Quinta, na verdade, resulta do contrato de promessa que ele foi assinado com reconhecimento notarial no Cartório de ... em 31-08-1987, tal como disse a testemunha, o que é um indicador de verossimilhança e/ou credibilidade, o facto de ela ser uma recém licenciada em direito a exercer a advocacia, são factos que justificam este acompanhamento e proximidade às negociações e à realização do negócio. Também não espanta que vivendo e conhecendo as pessoas da terra, fosse ela a tomar o encargo de redigir os documentos de renúncia ao direito de preferência dos confinantes e, ao mesmo tempo, contactá-los, por fim, naturalmente que a funcionária do seu escritório de advocacia estaria à data ciente destes factos relacionados com os documentos de renúncia e mesmo da redação do contrato que em nada abala o facto de a testemunha «CC» ter dito que foi minutado pelo advogado, Dr. «II», da promitente vendedora, nada impedia que ela tivesse minutado o contrato e que o seu colega, ao que se indicia com mais experiência profissional, tivesse optado por o fazer, e, vir a ser este o assinado.
De qualquer modo, importa aqui realçar que o fator tempo tem naturalmente de ser ponderado e levar a uma leitura mais descomprometida e distanciada.
Ainda na descredibilização do depoimento não se entende como o tribunal o relaciona com o facto de a testemunha ser a única administradora da sociedade que comprou a Quinta em 2013, quando o que está em causa são mais valias na esfera do impugnante e a seu cônjuge.

Ainda neste contexto de seriedade e credibilidade não se compreende que se afaste, com os argumentos expendidos na motivação, o depoimento de um Eng.º, embora amigo desde jovem do impugnante, contactado para fazer as obras na Quinta, que relacionou os trabalhos com um acidente com a máquina que esteve a executar a terraplanagem e drenagem.

Por fim, derradeiramente, temos que atender ao facto de o preço ter sido logo pago na data do contrato de promessa e assumir o p. comprador todos encargos com os caseiros, litígios, e contribuições ou impostos relacionados com a propriedade dos prédios que compõem a Quinta ....

Ora, se não houvesse mais nada, mas há, sempre haveria que ponderar e retirar algumas consequências desta realidade no quadro do ordenamento jurídico e da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

Por princípio o contrato-promessa não confere ao promitente-comprador do imóvel o animus sibi habendi, configurando-o, nessa medida, como um mero possuidor precário ou simples detentor. Contudo, excecionalmente pode ocorrer que se dê inversão do título de posse [cfr. artigo 1263.º e 1265.º do Código Civil], nomeadamente porque o promitente-vendedor se demita, para com o promitente-comprador, de exercer os atos correspondentes ao direito real de propriedade, ao mesmo tempo que este assuma tal intenção e do que constituirá, sem dúvida, um sinal forte e, eventualmente, bastante, a circunstância do último passar a dispor do imóvel, com pagamento integral do preço de aquisição acordado para a transmissão da propriedade.

A jurisprudência do STA, no seguimento, sobretudo, da doutrina de Antunes Varela Na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124, n.º 3812, pág. 347 e seguintes., tem vindo a decidir no sentido de que “são concebíveis (…) situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, dando-se como exemplo as situações em que “havendo sido pago já a totalidade do preço a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espirito, ele pratica sobre ela diversos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade”. Entre outros os acórdãos do STA de 10/2/2002 no recurso 026295 e de 27/10/2010 no processo 0453/10 e o Acórdão do TCA Norte de 18/1/2012, no processo 00642/09 disponíveis em www.dgsi.pt


Temos por certo, igualmente, que a circunstância de alguns “sinais factuais” se reunirem na pessoa do promitente-comprador, se bem que possa constituir uma presunção natural de passar a atuar como se dono fosse do imóvel, ainda assim, não implica que, inelutavelmente, se tenha de concluir em tal sentido, podendo tal presunção mostrar-se fundadamente abalada por outros quaisquer condicionalismos de sinal contrário, mas que não se encontram no caso.

Com efeito, o facto de o conhecimento da sisa datar do ano de 1989 não significa, no âmbito da relações jurídico-privadas, maxime o direito de propriedade ou posse titulada e de boa fé, se consuma com a prática deste ato tributário, pagamento da sisa.
Também não se entende que não se repute de verosímil que em 1989 ao candidatar-se a fundos comunitários lhe exigissem que demonstrasse que os prédios que constituem a Quinta estivessem inscritos em seu nome na matriz predial e registados na repartição de finanças respetiva!

Assim,
O pagamento do preço estipulado no contrato de promessa, bem como as demais obrigações assumidas, deverá ser valorado, pois, como facto que se revela como sério indicador de que com aquele contrato se quis entregar o prédio, transferir a posse para o promitente comprador, o que se pretendeu foi a tradição dos imóveis, transferir a propriedade.
A prova documental produzida, com a exibição do contrato promessa, acoplada a uma prova testemunhal que não se afasta do que dele emerge, atendendo às regras da experiência deverá ser valorada e atendida, ainda que o não fosse em toda a sua extensão.
Por outro lado, o tribunal a quo ao afastar a prova testemunhal, no contexto aqui escalpelizado, incorreu em manifesto erro de julgamento, de tal modo que aqui importa inferir que com a celebração do contrato de promessa passou a atuar como seu proprietário, numa verdadeira inversão do título da posse.
Se atentarmos que numa decisão de facto devemos ater a um nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa ser dada como provada, ou seja, que possa ser aceite como verdadeira terá de conter uma probabilidade prevalente ou “mais provável que não”, será dizer que entre as várias hipóteses de facto devemos preferir como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais, aquela que seja mais provável de ser verdadeira do que ser falsa, estamos assim no campo da probabilidade lógica de um grau de confirmação a partir das provas disponíveis; se sobre os factos existirem provas contraditórias deve o julgador sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que lhe pareça relativamente provável, tendo em conta os meios de prova disponíveis.
Por esta razão, de harmonia com a prova testemunhal objetiva e criticamente avaliada no confronto com a prova documental já identificada, o julgamento tem de sofrer alteração, com exclusão do restante ponto 2) dos factos não provados, para constar nos factos provados a al. S) a seguinte redação:

S) Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda dos prédios referidos na alínea A) e B), «AA», em 31 de agosto de 1987, passou a receber rendas, promoveu reparações nas habitações que compõem os mesmos, a alteração de culturas agrícolas, a contratação de serviços de drenagem e terraplanagem, tendo em vista a construção de uma vinha, e a aquisição de diversos produtos (fertilizantes) solicitados pelo feitor da quinta, com vista à aplicação nas novas culturas agindo como seu dono, à vista de todos e sem oposição.
Procede, assim, nos moldes indicados, o recurso do julgamento de facto.
Estabilizado o julgamento de facto cumpre, agora, subsumir os factos ao direito aplicável.
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4.3. Importa agora avaliar qual a data relevante para a transmissão de facto (ou aquisição) da Quinta, se a data em que foi celebrado o contrato promessa ou se a data em que se deu conhecimento do contrato, com a liquidação e pagamento da SISA para depois inteirarmo-nos se é aplicável o regime transitório do art. 5.º do DL n.º 442-A/88 de 30-11 que aprovou o CIRS.
A fundamentação da AT na liquidação das mais valias assentou no seguinte:” Na sequência do Processo de Inquérito nº 57/17...., instaurado na Direção de Finanças ..., em 15-11-2017, apurou-se que o contribuinte «AA», supra identificado, alienou os seguintes bens imóveis, sitos na freguesia ..., do concelho ...: U-..51, U-..6, U-..4, U-..3, R-..20, R-..25, R-..27, R-..54, R-..15 e R-..17, à entidade‚ NIPC: ...69 – [SCom01...], pelo valor global de €700.000,00. Os referidos prédios entraram na sua posse, segundo análise efetuada ao Conhecimento de SISA n.º ..90/1886 lavrado no concelho ... em 12 de maio de 1989 pelo valor global de 15.000.000$00, valor a que correspondem €74.819,68.
Da análise ao documento emitido pelo Serviço de Finanças do ..., na data de 24-05-2013, para efeito de liquidação do IMT, na sequência da presente operação de alienação de imóveis, em conjugação com os elementos constantes do Conhecimento de SISA.
Os referidos prédios entraram na sua posse, segundo análise efetuada ao Conhecimento de SISA n.º ..90/1886 lavrado no concelho ... em 12 de maio de 1989 pelo valor global de 15.000.000$00, valor a que correspondem €74.819,68.
Os ganhos obtidos, derivados da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, constituem Mais-Valias de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10. º do CIRS e‚ consideram-se obtidos no momento da prática dos atos, ou seja, no momento da alienação, sendo o ganho sujeito a tributação de acordo como disposto no n. º3 e 4 da citada norma legal. Assim determinaram-se Mais Valias a tributar no montante de: € 253.771,91 em obediência ao disposto no artigo 43. º e seguintes do Código do IRS tendo sido considerados Encargos no montante de € 6.155,17 correspondentes ao montante do Imposto de SISA suportado conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 51º do mesmo diploma legal.”
Do que se vem de relatar logo se intui que a data relevante para efeitos da transmissão da propriedade é a data da celebração do contrato promessa no qual o promitente comprador pagou de imediato o preço total, e, passou, a partir desse momento, a atuar como legítimo proprietário à vista de todos e sem oposição de terceiros [arts. 1259.º, 1260.ºe 1262.º em conjugação com os arts. 1316.º e 1317.º todos do código Civil]
Ora, a sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso do direito de propriedade [art. 2.º, 2.º e §2.º do C. Sisa], tratando-se de um imposto direto e de obrigação única que se revela na captação de riqueza no momento de aquisição de imóveis [art. 7.º do CS] pelo que deveria ter sido na data do contrato comunicado às finanças com vista a pagar o respetivo imposto [art. 19.º] contudo, não tendo sido realizado no momento devido não é, naturalmente, a consequência que retira a AT no ato de liquidação impugnado[arts. 115.º e 116.º e seguintes do CS].
Assim, é apodítico que os recorrentes não estão sujeitos ao pagamento de mais valias decorrentes da venda escriturada em 2013, pois, quando adquiriram a propriedade dos imóveis[31-08-1987] que constituem a “Quinta ...” ainda não tinha entrado em vigor o CIRS e, por isso, não tinham a obrigação de declarar em 2013 as mais valias resultantes entre a aquisição e a venda da Quinta.
Com efeito, no caso aplica-se a norma transitória do art. 5.º do DL 442-A/88 de 30-11.
Artigo 5.º
Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

Por conseguinte, os recorrentes ao fazerem prova de que haviam adquirido os prédios da Quinta ... em 1987, com a transmissão da posse dos mesmos Acs. TCA Norte de 07-12-2017 no processo n.º 01456/08 BEPRT e 08-07-2021 no processo n.º 01454/08 BEPRT., o ganho obtido com a sua transmissão onerosa em 2013 não está sujeito a mais valias, porque a situação integra-se no regime transitório do art. 5.º do citado diploma legal[diploma preambular do CIRS] que aprovou o Código do IRS e dai que não caia na alçada do art. 10.º, n.º3, al. a) e n.º4 do CIRS.
Como os recorrentes em 19-06-2020 procederam ao pagamento da quantia de €169.066,99, a título de quantia exequenda com juros de mora e custas, têm direito a ser reembolsados da quantia, acrescido dos juros indemnizatórios desde aquela data até efetivo e integral reembolso.

O art. 43.º da LGT estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento a dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, direito que encontra regulamentação processual na norma do art. 61.º do CPPT.

Juros indemnizatórios que mais não são do que a outra face da mesma moeda em relação aos juros compensatórios a favor do contribuinte, visando retribuir o desembolso indevido por certo lapso de tempo de quantias pecuniárias que, por facto imputável à parte contrária, não são entregues em devido tempo ao seu credor, no fundo, entroncam nos princípios gerais da responsabilidade civil contidos nas normas dos art. 483.º e sgs. e 804.º do CC, de que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, e em que nas obrigações pecuniárias tal reparação consiste nos juros a contar do dia da constituição dessa mora, nos termos do disposto no art.º 806.º do CC.

A sentença que assim não decidiu terá que ser necessariamente revogada pelo que julgar-se-á procedente a impugnação, com a restituição da quantia paga no montante de €169.066,99, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios.
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5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar procedente o recurso, revogar a decisão recorrida, e, com a procedência da impugnação condena-se à restituição da quantia de 169.066,99, acrescida dos juros indemnizatórios, até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo da Recorrida, não havendo lugar a taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado
Notifique e comunique ao processo de inquérito.
Porto, 20 de dezembro de 2023

Cristina da Nova
Celeste Oliveira
Paulo Moura