Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01198/05.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/26/2006
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA - ART. 89º-A/2 LGT – MÉTODOS INDIRECTOS – INVERSÃO ÓNUS DA PROVA
Sumário:1 - Com o aditamento à LGT da alínea d) do art. 75º da LGT e do art. 89º-A, efectuado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o legislador criou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados (designadamente, no caso de aquisição de um automóvel ligeiro de passageiros de valor igual ou superior a 50.000 euros, quando o contribuinte declare rendimentos inferiores a 50% do valor no ano de matrícula);
2 - Nesses casos em que as manifestações de fortuna estejam em desproporção com os rendimentos declarados, passou a permitir-se à AF proceder à avaliação indirecta da matéria tributável, a menos que o contribuinte prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas é outra - cfr. artigos 87º, alínea d) e 89º-A, n.º 3, da LGT;
3 - Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 89.º-A, da LGT, se o sujeito passivo não fizer a prova acima referida, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G (incrementos patrimoniais), o rendimento padrão apurado nos termos da tabela daquele preceito legal (para as aquisições de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50 000, o rendimento padrão é de 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 10% por cada um dos anos seguintes – actualmente, após 01/01/2005, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes), a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90.º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior;
4 – Limitando-se o contribuinte a fazer prova que contraiu um empréstimo no montante de € 25 000, tendo ficado com o encargo mensal, para solver tal crédito, de € 568,83, e que declarou rendimentos no montante de € 9 628,83, tendo adquirido um veículo automóvel ligeiro pelo preço de € 71 096,59, tal prova é insuficiente para ilidir a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados naquele ano.
5 - Decorre da conjugação dos nºs 1, 2, al. a) e 4, do art. 89º-A, da LGT, que o legislador pretendeu que a A.F. pudesse lançar mão da avaliação indirecta da matéria colectável quando e tão só o contribuinte procedesse à aquisição de qualquer um dos bens referidos na tabela prevista no nº 4 do referido artigo 89º-A, da LGT. O contribuinte é tributado com recurso a este método de cada vez que tenhamos a ocorrência desse facto aquisitivo e esse facto aquisitivo apenas pode servir de base à tributação no ano em que ocorre ou se tiver ocorrido nos três anos anteriores.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
O Director-Geral dos Impostos (adiante Recorrente), por se não conformar com a sentença proferida pela Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente o recurso deduzido por M... (adiante Recorrido) contra a decisão de fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS nos anos de 2002 e 2004, por métodos indirectos e ao abrigo do disposto no art. 89º-A, da Lei Geral Tributária (LGT), respectivamente em € 35.548,30 e € 28.794,12, recurso esse interposto ao abrigo dos artigos 89º-A, nº 7, da LGT e 146º-B, nº 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dela veio interpor o presente recurso, apresentando, para o efeito, o quadro conclusivo constante de fls. 83 e 84:
1. O recurso judicial instaurado, teve origem no facto de, em 2002 o recorrente ter adquirido um veículo automóvel, novo, de marca Mercedes, modelo E 270, no valor de 71.096,56 Euros, valor este que não era compatível com os rendimentos declarados;
2. A desproporção entre a manifestação de fortuna e o rendimento declarado fez desencadear a aplicação da norma anti-evasão contida no artigo 89o- A da LGT;
3. Notificado para apresentar prova de que a fonte da manifestação de fortuna era rendimento não sujeito a tributação, o contribuinte argumentou que contraiu empréstimos à banca, a familiares e ao seu sócio, e limitou-se dizer que utilizou capitais próprios, mas não apresentando qualquer justificação da proveniência destes;
4. Atendendo ao historial declarativo do contribuinte, a Administração Tributária não pode concluir que a aquisição do veículo tenha sido feita com poupanças de rendimentos de anos anteriores;
5. Que o recorrente utilizou activos de valor suficiente para pagar a aquisição que efectuou, e, portanto os tinha em algum lugar, parece evidente: a questão fundamental é saber como e porquê estavam esses activos à sua disposição;
6. E o recorrente, a quem pertencia o ónus da prova (n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT) quando foi notificado para o efeito, não apresentou, no processo de apreciação da sua situação para tomada de decisão, elementos probatórios que levassem a uma decisão diferente da que foi tomada.
7. A sentença recorrida, ao anular as fixações de rendimento nos anos de 2002 e 2004, considerando procedente o recurso interposto pelo recorrente, fez, salvo o devido respeito, uma errada apreciação da matéria de facto e uma errada interpretação e aplicação do artigo 89°-A da LGT, motivo pelo qual não deve ser mantida.
8. Decorre da matéria provada, que nos termos do no n.° 1 do artigo 89°-A da LGT se encontram verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável do sujeito passivo.
9. A sentença recorrida considera que, nos termos do n.° 3 do artigo referido, o recorrente logrou fazer a prova bastante de que a manifestação de fortuna evidenciada teve origem no recurso ao crédito bancário.
10. No entanto, a prova da existência de um empréstimo de 25 000 Euros à banca, não é de modo algum suficiente para justificar a compra de um veículo que custou € 71 096,59.
11. A douta sentença recorrida não ponderou, salvo o devido respeito, todos os factos relevantes na decisão da causa; tais como, o facto de o recorrente relativamente ao ano de 2001 apenas ter declarado €14 435,41 de rendimento bruto do agregado familiar, o facto de ter o encargo do pagamento da prestação do empréstimo no valor de €562,95 por mês, e não ter feito prova da existência de outros rendimentos que não tivesse obrigado a declarar;
12. Pelo que, não podia a sentença recorrida concluir, que o recorrente justificou a fonte da manifestação de fortuna apenas com a existência de um empréstimo bancário de 25 000 Euros, pois a desproporção entre ambos é notória e manifestamente insuficiente para fundamentar tal decisão.
13. Do mesmo modo, estes argumentos também são válidos, quando a sentença recorrida dá razão ao recorrente, por considerar que a AT não demonstrou a falta de veracidade do declarado no que se refere à fixação da matéria colectável do ano de 2004.
14. Assim, a douta sentença recorrida fez, salvo o devido respeito, uma errada apreciação da matéria de facto e uma errada interpretação e aplicação do artigo 89°-A da LGT, motivo pelo qual não deve ser mantida.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Ex.as., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.

Foram apresentadas contra-alegações em que o Recorrido defendeu a correcção e a manutenção da decisão recorrida, formulando, para o efeito, o quadro conclusivo constante de fls. 95 a 98:
a) O recurso judicial foi interposto, nos termos e de acordo com o preceituado nos arts. 89°-A, n° 7 da LGT e 146°-B, n° 5 do CPPT, contra fixações de matéria colectável, produzidas através de métodos indirectos de avaliação, com referência a IRS relativo aos anos de 2002 e 2004;
b) Os actos de lançamento adicional em causa nestes autos são dos valores de € 33.548,30 e € 28.794,12 respectivamente;
c) A acção inspectiva foi desencadeada por causa da aquisição de um automóvel, no ano de 2002, pelo montante de € 71.096,59;
d) A administração fiscal entendeu, em consequência desse facto, que deveria impor um sacrifício fiscal de acordo com o padrão de rendimento previsto para as situações em que se verificam as designadas "manifestações de fortuna";
e) Os actos de lançamento adicionais são relativos a dois anos (2002 e 2004) mas foram praticados com base num único facto que ocorreu no ano de 2002;
f) O sujeito passivo foi notificado do projecto de decisão, da aplicação de métodos indirectos, para efeito do exercício do direito de audição;
g) O exercício do direito de audição foi praticado através de mandatário constituído para esse efeito;
h) Porém, a administração fiscal não notificou ao referido mandatário o competente despacho definitivo;
i) Ao não cumprir com essa notificação, conforme é imposto pelo art. 40°, n° 1 do CPPT, foram preteridas formalidades legais essenciais - vício de procedimento;
j) Tanto bastaria para o deferimento do pedido, uma vez que a invalidade da notificação parece ser inelutável - o art. 36°, n° 1 do CPPT dispõe que os actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legítimos dos contribuintes, como é o caso, só produzem efeitos em relação a estes quando sejam validamente notificados, o que não aconteceu;
k) Quanto aos meios mobilizados para a aquisição do carro não pode ser desconsiderado que foram utilizados fundos de várias proveniências: poupança resultante de mais de 40 anos de trabalho, uma herança e empréstimos de familiares, de um sócio e do BPI - para além dos rendimentos obtidos que foram declarados;
l) Só o empréstimo do BPI é suficiente para conduzir à procedência da acção pois conforme ficou demonstrado o crédito em causa é do montante de € 25.000, consta dos documentos que acompanham a PI que se destinou à compra de um automóvel (a designação "ligeiro" que consta do documento bancário junto na PI não deixa dúvidas quanto a isto), é anterior e próximo da data da mencionada aquisição (o empréstimo ocorreu em Maio de 2002 e a compra foi concretizada em Julho de 2002);
m) Ora, esse agregado de meios financeiros não é enquadrável nas declarações de rendimentos para efeito do apuramento do IRS;
n) A administração fiscal ao não considerar este contexto incorreu no vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto que motivaram as fixações de matéria colectável atacadas neste processo;
o) Mas pode, e deve, ainda considerar-se que tais actos de lançamento são ilegais também por a fundamentação ser obscura e insuficiente -vício de forma;
p) O apuramento da matéria colectável do ano de 2004 foi atingido sem a consideração de qualquer facto relativo a esse ano;
q) Ao apurar-se o rendimento desta forma aleatória só por uma enormíssima coincidência (tipo acertar na lotaria) é que a matéria colectável não seria erradamente quantificada - vício de errónea quantificação da matéria colectável;
r) Acresce que o recorrente (do recurso judicial) logrou fazer a prova que lhe competia - a relativa ao ano de 2002;
s) E, o recorrente (do recurso jurisdicional) não fez a prova que lhe cabia - a relativa ao ano de 2004;
t) Todos os factos alegados estão documentalmente comprovados nos autos - através do relatório da acção inspectiva e dos documentos que acompanharam a PI;
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, ser confirmada a douta Sentença recorrida e anulado o despacho contra o qual foi instaurado o recurso judicial, por ilegalidade - art. 99° do CPPT, tudo com as demais consequências legais e o sempre douto suprimento de Vossas Excelências, assim se fazendo Justiça.
O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 108 e 109, sustentando que o recurso merece provimento no que respeita à fixação do rendimento tributável respeitante ao ano de 2002, uma vez que o contribuinte não logrou ilidir a presunção resultante dos arts. 87º, al. d) e 89º-A, nº 1, da LGT, já que o encargo anual a pagar pelo empréstimo contraído ascende a € 6.655,40, isto é, a quase totalidade do rendimento tributável declarado em 2002 (€ 9.628,83); quanto ao ano de 2004, não tendo a Administração Fiscal comprovado qualquer facto que lhe permitisse a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta, emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.

Com dispensa de vistos legais dada a celeridade no julgamento do recurso (art. 707º nº 2 do CPC), importa apreciar e decidir.

II
Na decisão recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
a) O presente recurso respeita à fixação do rendimento tributável em IRS para os anos de 2002 e 2004, nos montantes respectivamente de € 35 548,30 e € 28 794,12;
b) No ano de 2002, o recorrente adquiriu por € 71 096,59, o veículo automóvel ligeiro de passageiros marca Mercedes, modelo E 270 CDI, com a matrícula 46-23-TV;
c) O recorrente declarou rendimentos de montante inferior a 50% do rendimento padrão para os exercícios de 2002 e 2004, conforme tabelas constantes do Relatório de Inspecção Tributária, a fls. 28 dos autos, que se dão inteiramente por reproduzidas;
d) O recorrente foi notificado para exercer o direito de audição, através do ofício n° 010158, de 2005.05.31, da Direcção de Finanças de Viseu, no âmbito do projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS, cfr. fls. 9 a 11 dos autos;
e) O ora recorrente exerceu tempestivamente o direito de audição, tendo para o efeito constituído mandatário, cfr. fls. 16 e 17 dos autos;
f) A notificação do Relatório da Inspecção Tributária e do despacho que sobre ele recaiu foi enviado para a morada do recorrente (fls. 22 e sgs.), não tendo sido notificado o mandatário constituído;
g) Em Maio de 2002, o recorrente contraiu um empréstimo bancário de € 25 000 junto do BPI (fls. 44 e 45);
h) A petição inicial do presente recurso deu entrada neste Tribunal no dia 15.09.2005.

Os factos provados assentam na análise crítica dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos, das informações oficiais e dos documentos juntos.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.
* * * *
Ao abrigo dos poderes concedidos a este Tribunal pelo art. 712.º, n.º 1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, n.º 1, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário, aditam-se ao probatório os seguintes factos, em ordem a uma melhor compreensão e a dele constar o encargo resultante do empréstimo concedido ao ora Recorrido para o solver:
i) A acção inspectiva abrangeu os anos de 2001, 2002, 2003 e 2004, de acordo com as ordem de serviço OI200500126 e OI200500263 – cfr. fls. 27;
j) Os rendimentos do agregado familiar do ora Recorrido e pelo mesmo declarados, em sede de IRS, foram os seguintes: para o ano de 2001, € 8.678,53; para o ano de 2002, € 9.628,83; para o ano de 2003, € 24.631,68 e para o ano de 2004, € 12.239,87 – cfr. fls. 27vº;
k) O encargo mensal a pagar pelo ora Recorrido, relativo ao empréstimo concedido e referido na alínea g) que antecede, em 60 prestações com início em Maio de 2002, cifrava-se inicialmente em € 568,83 e, em Fevereiro de 2005 ascendia a € 562,95 – cfr. fls. 44 e 45 dos autos.

III
Antes de mais, importa que nos pronunciemos quanto a dois aspectos suscitados nas contra-alegações, a saber:
Aí se suscita [(alíneas a) a j) das conclusões] a questão da invalidade da notificação do despacho recorrido, questão essa a que foi negado provimento na decisão recorrida.
Poderia o ora Recorrido ter ampliado o objecto do recurso, nas suas contra-alegações, ao abrigo do disposto no artigo 684º-A, do CPC. Não o fez, como claramente resulta do seu pedido, ou seja, limitou-se a solicitar a este Tribunal Superior que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
Não há, assim, que conhecer de novo deste alegado vício.
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Suscita-se aí, ainda, na alínea o) o vício de forma – fundamentação obscura e insuficiente – do despacho de fixação do rendimento tributável.
Esse vício, porém não foi suscitado na petição inicial e, consequentemente, sobre o mesmo se não pronunciou a sentença recorrida.
Ora, como é sabido, os recursos destinam-se a alterar as decisões recorridas, anulando-se ou revogando-se estas, total ou parcialmente, cabendo aos tribunais superiores a reapreciação das questões naquelas decididas.
Não há, assim, que conhecer deste vício que apenas nesta instância é alegado.
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Apreciemos, ora, a questão nuclear do presente recurso, isto é, se a sentença recorrida fez ou não fez correcta interpretação do disposto no nº 3, do artigo 89º-A, da LGT.
A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento – Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável, procedendo a alterações na LGT.
Consultar acerca desta matéria, A Reforma Fiscal Inadiável, de JOAQUIM PINA MOURA e RICARDO SÁ FERNANDES em http://www.min-financas.pt/v30/Documentos/Reforma_Fiscal_Inadiavel.pdf
Assim, aquela lei excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de IRS se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna. Ao aditar à LGT, a alínea d) do art. 75.º e o art. 89.º-A, o legislador criou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados.
Nesses casos em que as manifestações exteriores de riqueza estejam em desproporção com os rendimentos declarados, passou a permitir-se à Administração Fiscal (A.F.) proceder à avaliação indirecta da matéria colectável, a menos que o contribuinte prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas é outra - cfr. artigos 87º, alínea d) e 89.º-A, n.º 3, da LGT.
Nos termos do disposto no n.º 4 do art. 89.º-A, da referida Lei, se o sujeito passivo não fizer a prova acima referida, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G (incrementos patrimoniais), o rendimento padrão apurado nos termos da tabela daquele preceito legal (para as aquisições de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50 000, o rendimento padrão é de 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 10% por cada um dos anos seguintes – actualmente, após 01/01/2005, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro, com o abatimento de 20% por cada um dos anos seguintes), a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90.º da mesma Lei, que permitam à A.F. fixar rendimento superior.
Ora, na situação dos autos, tendo a A.F. constatado que o ora Recorrido adquiriu no ano de 2002 um automóvel ligeiro de passageiros pelo valor de € 71 096,59 e que, para efeitos de IRS desse ano, declarou rendimentos de € 9 628,83, que mostra uma desproporção superior a 50% para menos em relação ao rendimento padrão (€ 35 548,30), solicitou-lhe que comprovasse ser outra, que não os rendimentos declarados, a fonte de fortuna evidenciada.
De igual modo procedeu a A.F. relativamente ao ano de 2004, em que o ora Recorrido declarou rendimentos de € 12 239,87, que mostra uma desproporção superior em 50% para menos em relação ao rendimento padrão (€ 28 794,12).
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Quanto ao ano de 2002, o ora Recorrido veio apresentar documentos bancários através dos quais demonstrou que em Maio de 2002 contraiu um empréstimo bancário de € 25 000 junto do BPI e que ficou onerado com um encargo mensal, para solver tal empréstimo, de € 568,83, o que perfaz nesse ano o montante de € 4 550,64.
Alegou ainda, juntando declarações a fls. 37 a 42, que contraiu dívidas junto de familiares próximos e que utilizou poupanças acumuladas e parte de uma herança por morte do sogro. Na sentença recorrida não se deu como provada esta materialidade alegada, com o fundamento de se tratarem de meros documentos particulares que não provam qualquer movimentação bancária ou de transferência do dinheiro em causa. Este Tribunal de recurso mantém esta fundamentação e, como adrede se constatou, não dá como provada esta factualidade alegada.
Ora, na sentença recorrida, a Juíza do Tribunal de 1ª instância decidiu que, com o recurso ao crédito bancário no valor de € 25 000, o ora Recorrido ilidiu a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados naquele ano de 2002.
Salvo o devido respeito, face à matéria de facto provada e verificando-se que o ora Recorrido declarou, em relação ao ano de 2002, o rendimento de € 9 628,83, contraiu um empréstimo bancário de € 25 000, ao qual importa abater o montante de € 4 550,64, temos de concluir que o mesmo não logrou ilidir a presunção de evasão fiscal resultante dos artigos 87º, alínea d) e 89º-A, nº 1, da LGT, ou seja, não justificou a manifestação de fortuna consubstanciada na aquisição do veículo automóvel ligeiro pelo preço de € 71 096,59.
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Quanto ao ano de 2004, a Juíza do Tribunal de 1ª instância decidiu ainda que, por o único elemento que a A.F. se serviu para apurar o rendimento tributável é o que está conexionado com o ano de 2002, essa presunção de evasão fiscal foi também ilidida.
Na verdade, a A.F. também procedeu à avaliação indirecta do rendimento tributável para o ano de 2004, tomando em conta o que dispõe a Lei, ou seja, “…o rendimento padrão é de 50% do valor no ano de matrícula com o abatimento de 10% por cada um dos anos seguintes …”, no caso correspondendo a € 28 794,12 e que o ora Recorrido declarou o rendimento de € 12 239,87.
Sustenta o magistrado do M. Público neste TCAN que a A.F. deveria comprovar os pressupostos que lhe permitiam a avaliação indirecta da matéria colectável em relação ao ano de 2004 e que, não tendo comprovado qualquer facto que lhe permitisse tal fixação, o recurso nessa parte não merece provimento.
A interpretação da Lei efectuada por parte da A.F., se bem a entendemos e, face aos valores que fixou nas tabelas constantes de fls. 28, foi que verificando-se a aquisição de um automóvel ligeiro de passageiros de valor igual ou superior a € 50 000 por parte do contribuinte no ano de 2002, aliado ao abatimento de 10% por cada um dos anos seguintes, que não podem ultrapassar os três anos, face ao disposto no nº 2, do artº 89º-A, da LGT, concluiu que o mesmo contribuinte declarou nesse ano de 2004 rendimentos (€ 12 239,87) que mostram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no nº 4 (€ 28 794,12).
Se bem entendemos o magistrado do M. Público neste TCAN, teria a A.F. de comprovar a existência de uma aquisição de qualquer um dos bens identificados na tabela prevista no nº 4, do artigo 89º-A, da LGT, nesse ano de 2004, para que pudesse fixar o rendimento tributável por avaliação indirecta.
Estipula o nº 2, do artigo 89º-A, da LGT:
“2 – Na aplicação da tabela prevista no nº 4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;
(…)”.
Decorre da conjugação destas disposições que o legislador pretendeu que a A.F. pudesse lançar mão da avaliação indirecta da matéria colectável quando e tão só o contribuinte procedesse à aquisição de qualquer um dos bens referidos na tabela prevista no nº 4 do referido artigo 89º-A, da LGT. O contribuinte é tributado com recurso a este método de cada vez que tenhamos a ocorrência desse facto aquisitivo e esse facto aquisitivo apenas pode servir de base à tributação no ano em que ocorre ou se tiver ocorrido nos três anos anteriores.
Na situação objecto dos autos, em 2004 o ora Recorrido não exteriorizou qualquer manifestação de fortuna, estando a A.F. a tributar por um facto aquisitivo que já havia tributado para o ano de 2002, como vimos.
Não tendo a A.F. comprovado a existência de uma aquisição de qualquer um dos bens identificados na tabela prevista no nº 4, do artigo 89º-A, da LGT, no decurso do ano de 2004, não se pode manter o despacho que determinou a fixação da matéria colectável por avaliação indirecta, quanto a esse ano.

IV
Face ao exposto decide-se conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se em parte a decisão recorrida e mantendo-se o despacho de fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS no que concerne ao ano de 2002 e negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, mas com distinta fundamentação, no que concerne ao ano de 2004.
Custas em ambas as instâncias pelo Recorrente e pelo ora Recorrido, na proporção do decaimento.
Notifique e registe.
Porto, 26 de Janeiro de 2006
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) Dulce Manuel Conceição Neto
Ass) João António Valente Torrão