Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02408/04.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:ACÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE UM DIREITO. IRC. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Sumário:
I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 662º do C. Proc. Civil, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) Uma vez demonstrada pela Autora a factualidade correspondente à apresentação da dita declaração periódica de rendimentos modelo 22 relativa ao IRC do exercício de 1999 em 31-05-2000, considerada apresentada dentro do prazo legal pela AT, atento o motivo que determinou a respectiva apresentação e, resultando desta um valor a reembolsar (matéria que não é motivo de dissídio entre as partes), verifica-se o nascimento do dever jurídico de a AT proceder, dentro do prazo de 3 meses, ao competente reembolso, o que significa que, em consequência, na ausência do cumprimento daquele dever pela AT no prazo estipulado na lei, são devidos juros indemnizatórios à Autora a partir do termo daquele prazo.
III) O poder/dever da AT de conferir da correspondência entre o declarado e a realidade, designadamente através de inspecção tributária, requerendo os esclarecimentos e documentos para tanto relevantes, não deve impedir a aplicação do disposto no referido preceito legal – n.º 3 e 6 do artigo 82.º do CIRC – por esta ser uma disposição especial destinada, a regular o pagamento e a devolução do imposto a mais suportado pelo contribuinte, atendendo às especificidades do IRC, além de que, atenta a natureza de disposição especial do referido preceito e o fim com que foi instituído, apenas se aplica o que decorre da LGT e do CPPT na parte que ali não se encontre especialmente regulada.
IV) Deste modo, nos termos da lei aplicável, ao contrário do decidido, o erro dos serviços não constituía pressuposto legal para o nascimento do referido dever de efectuar reembolso na esfera jurídica da AT e, em consequência, a invocação da ausência da verificação de erro dos serviços na recolha da mesma declaração por parte da AT, não servir de escudo para recusar a pretensão da ora Recorrente no que concerne ao pedido relativo aos juros indemnizatórios.
V) Mesmo perante a verificação do referido erro de preenchimento da declaração, não se considera que, à data, a AT ficou colocada em situação de impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprimento do referido dever, no prazo estabelecido na lei, situação que é evidenciada pelo facto de a AT, mesmo perante a informação prestada pela aqui Recorrente, demorou mais de seis meses a concretizar a liquidação e a fazer o reembolso (sendo que é sabido que os serviços apenas precisaram de uma semana para constatar qual era o enquadramento da sociedade Recorrente em termos de tributação). *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ENI, SGPS, S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar parcialmente procedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
ENI, SGPS, S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do P..., datada de 24-10-2011, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida, no âmbito da presente ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE UM DIREITO relacionada com a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n° 3182044000331, que correu termos na Direcção de Finanças do P..., onde se peticionava (no domínio da liquidação de IRC) a liquidação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte no montante de Euro 130.273,97, acrescido de juros de mora à taxa legal de 1% ao mês sobre esta importância, desde 13.01.2004 e até integral e efectivo pagamento, e com as demais consequências legais.
*
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 137-153), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A. A douta Sentença, salvo o devido respeito, padece de errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 82º nº 3 do CIRC.
B. Com efeito, aplica expressamente aquele preceito na redacção que lhe foi conferida e renumerada pela Lei nº 30-G/2000, de 29/12.
C. A qual, segundo o seu artigo 21º nº 2, apenas entrou em vigor em 01.01.2001 e é aplicável apenas aos períodos tributários iniciados a partir desta data.
D. Só com a entrada em vigor dessa lei é que a concessão do reembolso no prazo de 3 meses passou a estar condicionada ao facto da declaração de rendimentos não conter erros de preenchimento.
E. De modo que também aquele artigo 21º nº 2 foi violado pelo douto aresto em apreço, já que, segundo a factualidade provada, está em causa uma declaração de rendimentos entregue em 2000 com respeito ao exercício de 1999 (cfr. 1) dos factos provados).
F. Nessa medida, deveria ter sido aplicado o artigo 82º nº 3 do CIRC, na redacção do DL 138/92, de 17/6, segundo o qual “o reembolso será efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for apresentada no prazo legal, até ao fim do 3 mês imediato ao da sua apresentação” -— independentemente da declaração padecer ou não de quaisquer erros de preenchimento.
G. Não tendo sido o caso, a douta Sentença violou aquele preceito, bem como o nº 6 do mesmo normativo, segundo o qual, e não sendo o reembolso efectuado naquele prazo, acrescerão juros à quantia a restituir ao contribuinte.
H. Concomitantemente, a douta Sentença recorrida viola o princípio geral da irretroactividade das leis fiscais, consagrado nos artigos 103º nº 3 da CRP e 12º nº 1 da LGT.
I. Sendo certo que o direito do contribuinte a juros indemnizatórios ou de mora constitui questão de direito tributário material ou substancial, incluída nas “garantias” do contribuinte (cfr. artigo 30º nº 1 e) da LGT) - e não mera questão processual ou procedimental.
J. Integrando as “garantias” do contribuinte, o direito a juros a favor do contribuinte está incluído no “princípio da legalidade”, conforme decorre do nº 2 do artigo 103º da CRP - de modo que tais juros não podem ser coarctados ao contribuinte tendo por base lei inexistente à data a que os mesmos se reportam.
K. A douta Sentença recorrida omitiu ainda o disposto no artigo 43º nº 3 a) da LGT, em vigor desde 01.01.1999, segundo o qual “são também devidos juros indemnizatórios (...) quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos” - mais uma vez, independentemente de quaisquer lapsos de preenchimento declarativo.
L. Deste modo, e contrariamente ao entendimento propugnado na douta Sentença recorrida, a AF deveria ter efectivado o reembolso de imposto até ao fim do 3º mês seguinte ao da apresentação da declaração de rendimentos, independentemente desta conter ou não quaisquer lapsos de preenchimento.
M. Esse prazo de 3 meses é mais do que suficiente para que a AF efectue as análises e fiscalizações que muito bem entenda, efectuando oficiosamente as correcções de quaisquer erros cometidos pelo contribuinte, designadamente de preenchimento declarativo.
N. Aliás, esse prazo era mais do que bastante para que a AF pudesse aferir se o contribuinte, no exercício em questão, deveria ou não ser tributado segundo o regime especial da tributação do lucro consolidado, então consagrado nos artigos 59º e ss do CIRC (redacção de 1999), pois seriam elementos que necessariamente estariam “ex officio” ao seu inteiro dispor (cfr. artigo 74º nº 2 da LGT).
O. Por força do disposto no artigo 87º do CPA, a AF deve oficiosamente averiguar todos os factos,
P. não carecendo de prova ou alegação, pelo contribuinte, os factos “que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções”.
Q. Incumbe à AF, por força do disposto no artigo 58º da LGT, um especial dever de inquisitório e descoberta da verdade material, “não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.
R. No mesmo sentido, podem ver-se os artigos 56º e 87º nº 1 do CPA.
S. E a AF deve actuar segundo um princípio da celeridade e diligência, conforme consagra o artigo 57º da LGT e 57º do CPA.
T. Pelo contrário, da factualidade provada e dos demais sinais dos autos resulta que só em 2002 é que a AF começou por fazer uma inspecção interna, à qual se seguiu, em 2003, uma inspecção externa, sempre tendo por preocupação tratar-se de um reembolso de elevado valor,
U. e não qualquer preocupação de averiguar do correcto enquadramento tributário do contribuinte - que sempre seria do seu conhecimento oficioso interno - muito menos de qualquer erro de preenchimento declarativo.
V. Com efeito, e como resulta dos sinais dos autos, o inusitado atraso na concessão do reembolso não advém do mero lapso de preenchimento da declaração de rendimentos - foi posta um “x” na quadrícula “lucro consolidado”, quando deveria ter sido aposto um “x” na quadrícula “regime geral”.
W. Muito pelo contrário, ficou provado, e resulta dos sinais dos autos, que o contribuinte diligenciou várias vezes, pessoalmente e por escrito, junto da AF, no sentido de questionar as razões do atraso no reembolso, informando a AF daquilo que já deveria ser do seu conhecimento - que o contribuinte, no exercício em causa, não estava integrado no regime da tributação pelo lucro consolidado.
X. O que deveria ter sido objecto de produção da prova testemunhal oportuna mente requerida - designadamente, dos depoimentos das pessoas que efectuaram essas diligências, oportunamente indicadas pela Recorrente na p.i., a final.
Y. Sendo certo que, por força do disposto no artigo 392º do CC, a prova testemunhal deve ser admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.
Z. E trata-se de matéria que poderá ser relevante para a apreciação de mérito já que, conforme estipula o artigo 57º nº 4 da LGT, o prazo do reembolso, na pior das hipóteses, poderia ter-se suspenso - se bem que apenas pelo período de dilação do procedimento imputável ao sujeito passivo por incumprimento dos seus deveres de cooperação.
AA. Ora, para além do mero lapso inicial de preenchimento da declaração de rendimentos que veio a ficar registada e arquivada no seio da AF, nada mais se provou no sentido de que o contribuinte haja incumprido os seus deveres de cooperação com a AF; muito pelo contrário.
BB. A Recorrente só foi reembolsada em 12.01.2004, como se comprova pelo documento 3 junto à p.i. - facto que deve ser levado ao probatório, tendo por base, precisamente, esse documento.
CC. Note-se que não está em causa qualquer correcção substancial, de fundo, aos valores autoliquidados pelo contribuinte.
DD. Outrossim, o valor que veio a ser liquidado e restituído pela AF, em 2004, foi a exacta reprodução dos valores que haviam sido oportunamente autoliquidados pelo contribuinte, conforme resulta dos sinais dos autos.
EE. Assim, a douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, padece de erro de julgamento, designadamente da matéria de facto, bem como de violação e/ou omissão das sobreditas disposições legais.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., concedendo provimento ao presente recurso, revogando a douta Sentença recorrida e, consequentemente, julgando a acção procedente, com o reconhecimento, à A., do direito aos juros peticionados, V. Exas. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA.”
*
O Director-Geral dos Impostos apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 207-213):
“(…)
I. A Autora sustenta o seu recurso afirmando que a Douta sentença padece de erro na interpretação e aplicação do art° 82°n°3 do CIRC e art° 21° n.° 2 da Lei 30-G2000, de 29/12, e que viola o princípio da Irretroactividade da lei fiscal, cfr. art° 103° n.°3 da CRP e 12° n.° 1 da LGT.
II. O recurso agora interposto, incide sobretudo no erro na interpretação a aplicação do art° 82°n°3 do CIRC e art° 21° n.° 2 da Lei 30-G2000, de 29/12 por entender que a sentença recorrida aplicou uma disposição legal que só entrou em vigor no período de tributação seguinte ao do exercício em causa nos presentes autos.
III. Mas não tem a Recorrente, razão como se verá: desde logo porque parte de um pressuposto salvo o devido respeito errado, de que já está constituído a seu favor o dever de liquidar juros indemnizatórios, e que por isso deviam ter sido ser oficiosamente calculados e pagos, juntamente com o reembolso efectuado.
IV. E não é possível, nem exigível que a AT cumpra o prazo de reembolso estabelecido na lei, quando, por causa de erros nas declarações cometidos pelos contribuintes, os dados declarados carecerem de correcções e até de inspecções tributárias para os resolver, antes que seja possível liquidar o imposto.
V. Ora, é um facto que a então A. prestou uma informação errada, na declaração mod. 22 entregue em 31/05/2000, ao assinar os campos 1 e 8 do Quadro 4, que indicam a tributação pelo regime do lucro consolidado, nos termos do então art. 59º do Código do IRC (CIRC). (Cfr. fls 43 a 45 do P e ponto 6 do probatório).
VI. Perante a indicação, pelo SP, da tributação pelo lucro consolidado, o grupo societário é tratado como uma unidade para efeitos de tributação, sendo o IRC calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo. Por essa razão, a declaração não foi individualmente processada pelo sistema informático da DGCI, ficando na situação de “não liquidável” (cfr. fls. 47 PA).
VII. Daí que, nos termos do n.° 2 do artigo 75° da LGT, a AT estava legitimada pelas regras gerais, para levar a efeito uma inspecção em que se procedeu à análise da situação económica e financeira da então Autora, dado que, a agora Recorrente havia prestado uma informação errada, na declaração mod. 22 entregue em 31/05/2000
VIII. Portanto, a declaração do SP apenas se presume verdadeira e de boa-fé, conforme determina o artigo 75° da LGT, quando apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal.
IX. Em face do exposto, aquilo que levou ao suposto atraso no reembolso, não foi da responsabilidade da AT. Pelo contrário, o atraso no lançamento da liquidação de IRC para o exercício de 1999 ocorreu devido ao facto de a declaração conter dados errados.
X. Portanto, de acordo com os factos assentes, o reembolso só podia ser autorizado após a realização das diligências inspectivas a que se fez referência. Pelo que o atraso no reembolso não foi imputável aos serviços da AT, tendo o procedimento adoptado sido o correcto.
XI. Forçoso é concluir, que a sentença recorrida, não padece de qualquer erro de julgamento, nem violação das disposições legais invocadas, uma vez que, mesmo que não estivessem expressamente previstos no art° 82° n°3 do CIRC, os erros no preenchimento da declaração, a AT teria sempre que proceder a procedimento inspectivo prévio ao reembolso.
XII. Pelo que, também pelas mesmas razões não tem fundamento a violação por parte da Sentença recorrida, do princípio da Irretroactividade da lei fiscal, cfr. art° 103° n.°3 da CRP e 12° n.° 1 da LGT.
XIII. Por outro lado, bem andou a Douta sentença, na interpretação que fez dos factos e na aplicação das disposições legais, ao concluir que, que não se verifica a responsabilidade da Administração Tributária no atraso do reembolso, [al.a) do n°3 do art. 43° da Lei Geral Tributária (LGT)] pois o atraso teve causa na errónea informação prestada pelo contribuinte na declaração mod. 22 que foi entregue em 31/05/2000;
XIV. De tudo o supra exposto, podemos concluir, que a sentença recorrida se encontra bem fundamentada, não violando nenhum preceito legal ou princípio constitucional, razão pela qual deve ser mantida, nos seus precisos termos.
Nestes termos e nos mais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a Sentença recorrida nos seus precisos termos, com todas as legais consequências.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 226 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.
*
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento de facto e a bondade do pedido formulado nos autos no sentido de a liquidação de IRC incluir também a liquidação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte no montante de € 130.273,97, acrescido de juros de mora à taxa legal de 1% ao mês sobre o aludido valor desde 13-01-2004 até integral e efectivo pagamento.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1) Em 31.05.2000, foi entregue, no 6° Serviço de Finanças do P..., declaração periódica de rendimentos Modelo 22 relativa ao IRC do exercício de 1999 do sujeito passivo “ENI, SGPS, S.A.”, na qual estão assinalados os campos 1 e 8 do Quadro 4, que indicam a tributação pelo regime consolidado, tendo essa declaração sido registada sob o nº de lote 21260-18, conforme carimbo aposto por funcionário em 26.06.07 que atesta a sua conformidade com o original (cfr fls 43 a 45 dos processo administrativo, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
2) Dá-se como reproduzido o documento junto aos autos com a petição inicial, a fls 28 a 30, com o seguinte conteúdo, nomeadamente: “Declaração de Rendimentos Modelo 22 IRC”; com as seguintes inscrições: no Quadro 01 “Período de Tributação” com “De 1999/01/01 a 1999/12/31; no Quadro 03 “Identificação e caracterização do sujeito passivo” com “ENI, SGPS,S.A. “; no Quadro 04, “Regimes de Tributação dos Rendimentos” foi assinalado o campo 1: “Geral “. (cfr fls 8 a 10 dos autos e 24 a 26 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
3) Na declaração referida em 1), a Autora autoliquidou um total a reembolsar de € 552.714,14. (cfr fls 10 e 45 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
4) Em 30.09.2002, no sentido de informar o pedido de reembolso de IRC de 1999, os Serviços de Inspecção Tributária da DF do P..., efectuaram uma inspecção, em que procederam à análise da situação económica e financeira da Autora no exercício de 1999 (cfr fls 15 e 27 a 34 do PA).
5) Em carta emitida pela Administração da ENI-S.G.P.S., S.A, em 06.05.2003, e remetida à Direcção de Finanças do P..., com referência à inspecção aludida em 4), foi dito, nomeadamente, que: “1- A empresa não fez parte, durante o ano de 1999, de qualquer perímetro de consolidação fiscal, nos termos do ex-art.º 59º do CIRC. 2. Não apresentou qualquer declaração modelo 22 com sujeição ao Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado, pelo simples facto de não estar sujeita a um tal regime, como o comprova a declaração modelo 22 que se junta, como anexo 1. Por isso, não entende a afirmação constante do ofício em causa e muito menos em que possa estar baseada, mas só pode ser em elementos viciados, em face do referido anexo (?)” (cfr fls 23 do PA).
6) Em 12.05.2003, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à análise interna da declaração modelo 22 de IRC para 1999, informando que:
“1- Em cumprimento da O.S. n° 50949/94 procedeu-se à análise interna da declaração mod.22 do IRC do ano de 1999 apresentada pelo sujeito passivo acima referenciado;
2- Apesar da declaração constar no sistema informático como “não liquidável” e de no duplicado da declaração que veio do arquivo, estar assinalado o campo 8 do quadro 4, isto é, sujeito ao regime de tributação pelo Lucro Consolidado, previsto no ex-art° 59° do CIRC, no decorrer da análise, constatou-se que o sujeito passivo não se encontra sujeito a este regime, mas sim ao regime geral de tributação. (sublinhado nosso).
3- Dado que na declaração mod. 22 entregue foi declarado IRC a recuperar no valor de 552 714,14 e (11.809.237$00), e dado que o contribuinte ainda não foi reembolsado, apesar de ter sido inspeccionado para o efeito, para os fins achado convenientes, junto se anexam os seguintes documentos:
a) Cópia da carta do sujeito passivo recebida em 07/05/03 - Anexo 1, fls 1 a 5,
b) Cópia do G.R n° 232266 de 16/10/02 com a informação prestada pela Inspecção Tributária em 30/09/2002 - Anexo II, fls 1 a 8”. (cfr fls 22 a 26 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas)
7) Em 02.12.2003 a Autora deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação de IRC n° 8010020339.
8) Em 24.11.2004 a Autora deduziu impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa referida em 7).
*
MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos, que se encontram identificados na matéria de facto dada como assente e que não foram impugnados.”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a bondade do pedido formulado nos autos no sentido de a liquidação de IRC incluir também a liquidação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte no montante de € 130.273,97, acrescido de juros de mora à taxa legal de 1% ao mês sobre o aludido valor desde 13-01-2004 até integral e efectivo pagamento.
Para desatender a pretensão da Recorrida, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Ora, nos presentes autos, tal como resulta do probatório, à Autora foi dado conhecimento da inspecção realizada, bem como dos motivos que a ela presidiram (pontos 4 e 5 do probatório). E embora na carta que dirigiu à Direcção de Finanças do P... tivesse referido que: “Não apresentou qualquer declaração modelo 22 com sujeição ao Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado, pelo simples facto de não estar sujeita a um tal regime, como o comprova a declaração modelo 22 que se junta, como anexo “, a verdade é que apenas juntou aos presentes autos fotocópia simples, sem qualquer certificação de conformidade com o original, da declaração Modelo 22 que refere ter entregue.
Também não suscitou a Autora, nos presentes autos, e após a contestação, qualquer incidente em que viesse demonstrar a falsidade da declaração Modelo 22 junta ao PA pela Fazenda Pública (para que remete a contestação), nos termos do artigo 544º do CPC.
De modo que se assume que, em 31.05.2000, entregou a Autora, no 6° Serviço de Finanças do P..., declaração periódica de rendimentos Modelo 22 relativa ao IRC do exercício de 1999 do sujeito passivo “ENI, SGPS, S.A “, na qual estão assinalados os campos 1 e 8 do Quadro 4, que indicam a tributação pelo regime consolidado, tendo essa declaração sido registada sob o n° de lote 2 1260-18.
Face à declaração, e para efeitos de confirmação dos elementos declarados pelo sujeito passivo, nos termos do artigo 2° n° 2 a) do RCPIT, e na sequência da invocação, pelo sujeito passivo do direito aos juros indemnizatórios (enquadrável na alínea h) do referido artigo), foi efectuada análise à situação económica e financeira da sociedade no exercício em questão, seguida de análise interna à declaração modelo 22 do IRC do ano de 1999 apresentada pela Autora, na sequência da qual foi efectuada uma correcção ao regime de tributação (pontos 5 e 6 do probatório). Foi, portanto, corrigido um erro constante da própria declaração.
Ora, a Lei n° 30-G/2000 deu nova redacção ao nº 3 do artigo 82° do CIRC, estipulando, quanto às regras de pagamento dos reembolsos, que:
“3 - O reembolso será efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio”.
Contendo a declaração entregue pela Autora, erro da sua própria responsabilidade, uma vez que por ela foi preenchida, não se encontra a Administração Tributária obrigada a cumprir o prazo de 3 meses, contados da apresentação da declaração, previstos para o pagamento do reembolso.
Termos em que improcede a pretensão invocada pela Autora. …”.
Nas suas alegações, a Recorrente refere que a douta Sentença padece de errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 82º nº 3 do CIRC, na medida em que aplica expressamente aquele preceito na redacção que lhe foi conferida e renumerada pela Lei nº 30-G/2000, de 29/12, a qual, segundo o seu artigo 21º nº 2, apenas entrou em vigor em 01.01.2001 e é aplicável apenas aos períodos tributários iniciados a partir desta data e só com a entrada em vigor dessa lei é que a concessão do reembolso no prazo de 3 meses passou a estar condicionada ao facto da declaração de rendimentos não conter erros de preenchimento, o que significa que também aquele artigo 21º nº 2 foi violado pelo douto aresto em apreço, já que, segundo a factualidade provada, está em causa uma declaração de rendimentos entregue em 2000 com respeito ao exercício de 1999, pelo que, deveria ter sido aplicado o artigo 82º nº 3 do CIRC, na redacção do DL 138/92, de 17/6, segundo o qual “o reembolso será efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for apresentada no prazo legal, até ao fim do 3 mês imediato ao da sua apresentação” - independentemente da declaração padecer ou não de quaisquer erros de preenchimento e, não tendo sido o caso, a douta Sentença violou aquele preceito, bem como o nº 6 do mesmo normativo, segundo o qual, e não sendo o reembolso efectuado naquele prazo, acrescerão juros à quantia a restituir ao contribuinte.
Concomitantemente, a douta Sentença recorrida viola o princípio geral da irretroactividade das leis fiscais, consagrado nos artigos 103º nº 3 da CRP e 12º nº 1 da LGT, pois que o direito do contribuinte a juros indemnizatórios ou de mora constitui questão de direito tributário material ou substancial, incluída nas “garantias” do contribuinte (cfr. artigo 30º nº 1 e) da LGT) - e não mera questão processual ou procedimental, integrando as “garantias” do contribuinte, o direito a juros a favor do contribuinte está incluído no “princípio da legalidade”, conforme decorre do nº 2 do artigo 103º da CRP - de modo que tais juros não podem ser coarctados ao contribuinte tendo por base lei inexistente à data a que os mesmos se reportam.
A douta Sentença recorrida omitiu ainda o disposto no artigo 43º nº 3 a) da LGT, em vigor desde 01.01.1999, segundo o qual “são também devidos juros indemnizatórios (...) quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos” - mais uma vez, independentemente de quaisquer lapsos de preenchimento declarativo e, contrariamente ao entendimento propugnado na douta Sentença recorrida, a AF deveria ter efectivado o reembolso de imposto até ao fim do 3º mês seguinte ao da apresentação da declaração de rendimentos, independentemente desta conter ou não quaisquer lapsos de preenchimento e esse prazo de 3 meses é mais do que suficiente para que a AF efectue as análises e fiscalizações que muito bem entenda, efectuando oficiosamente as correcções de quaisquer erros cometidos pelo contribuinte, designadamente de preenchimento declarativo.
Aliás, esse prazo era mais do que bastante para que a AF pudesse aferir se o contribuinte, no exercício em questão, deveria ou não ser tributado segundo o regime especial da tributação do lucro consolidado, então consagrado nos artigos 59º e ss do CIRC (redacção de 1999), pois seriam elementos que necessariamente estariam “ex officio” ao seu inteiro dispor (cfr. artigo 74º nº 2 da LGT) e por força do disposto no artigo 87º do CPA, a AF deve oficiosamente averiguar todos os factos, não carecendo de prova ou alegação, pelo contribuinte, os factos “que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções”, até porque incumbe à AF, por força do disposto no artigo 58º da LGT, um especial dever de inquisitório e descoberta da verdade material, “não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido” e a AF deve actuar segundo um princípio da celeridade e diligência, conforme consagra o artigo 57º da LGT e 57º do CPA.
Ora, da factualidade provada e dos demais sinais dos autos resulta que só em 2002 é que a AF começou por fazer uma inspecção interna, à qual se seguiu, em 2003, uma inspecção externa, sempre tendo por preocupação tratar-se de um reembolso de elevado valor, e não qualquer preocupação de averiguar do correcto enquadramento tributário do contribuinte - que sempre seria do seu conhecimento oficioso interno - muito menos de qualquer erro de preenchimento declarativo.
Com efeito, e como resulta dos sinais dos autos, o inusitado atraso na concessão do reembolso não advém do mero lapso de preenchimento da declaração de rendimentos - foi posta um “x” na quadrícula “lucro consolidado”, quando deveria ter sido aposto um “x” na quadrícula “regime geral”; muito pelo contrário, ficou provado, e resulta dos sinais dos autos, que o contribuinte diligenciou várias vezes, pessoalmente e por escrito, junto da AF, no sentido de questionar as razões do atraso no reembolso, informando a AF daquilo que já deveria ser do seu conhecimento - que o contribuinte, no exercício em causa, não estava integrado no regime da tributação pelo lucro consolidado, o que deveria ter sido objecto de produção da prova testemunhal oportunamente requerida - designadamente, dos depoimentos das pessoas que efectuaram essas diligências, oportunamente indicadas pela Recorrente na p.i., a final, sendo certo que, por força do disposto no artigo 392º do CC, a prova testemunhal deve ser admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada e trata-se de matéria que poderá ser relevante para a apreciação de mérito já que, conforme estipula o artigo 57º nº 4 da LGT, o prazo do reembolso, na pior das hipóteses, poderia ter-se suspenso - se bem que apenas pelo período de dilação do procedimento imputável ao sujeito passivo por incumprimento dos seus deveres de cooperação.
Ora, para além do mero lapso inicial de preenchimento da declaração de rendimentos que veio a ficar registada e arquivada no seio da AF, nada mais se provou no sentido de que o contribuinte haja incumprido os seus deveres de cooperação com a AF; muito pelo contrário e a Recorrente só foi reembolsada em 12.01.2004, como se comprova pelo documento 3 junto à p.i. - facto que deve ser levado ao probatório, tendo por base, precisamente, esse documento, além de que o valor que veio a ser liquidado e restituído pela AF, em 2004, foi a exacta reprodução dos valores que haviam sido oportunamente autoliquidados pelo contribuinte, conforme resulta dos sinais dos autos, de modo que, a douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito, padece de erro de julgamento, designadamente da matéria de facto, bem como de violação e/ou omissão das sobreditas disposições legais.
Que dizer?
Na matéria das suas conclusões do recurso, a Recorrente questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, sendo que constituindo tal erro de julgamento não só o primeiro aduzido mas, em especial, aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Na óptica da Recorrente, deve ser considerado que apenas foi reembolsada em 12.01.2004, como se comprova pelo documento 3 junto à p.i. - facto que deve ser levado ao probatório, tendo por base, precisamente, esse documento, sendo que, de acordo com o exposto, crê-se pertinente, aditar ao probatório, nos termos do art. 712º nº 1 do C. Proc. Civil (actual art. 662º) o seguinte:
9. A Recorrente foi reembolsada em 12.01.2004 (fls. 11 dos presentes autos).
A partir daqui, importa analisar a bondade da pretensão da Recorrente quando reclama o pagamento de juros indemnizatórios com referência à liquidação de IRC relativa ao exercício de 1999, cuja declaração foi apresentada em 31-05-2000, produzida em 12-01-2004, sendo a Recorrente reembolsada nesta última data.
Nesta matéria, resulta oportuna a consideração da realidade descrita nos termos avalizados pelo recente Ac. deste Tribunal de 31-10-2018, Proc. nº 56-08.9BEPRT [Em que o Relator destes autos teve intervenção como 2º Adjunto], ainda inédito, onde se ponderou que “…Sobre as regras do pagamento do IRC, estabelecia o artigo 82.º, do capítulo VI, do CIRC. Os n.ºs 3 e 6 daquele preceito dispunham assim: “3 - O reembolso será efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for apresentada no prazo legal, até ao fim do 3º mês imediato ao da sua apresentação; 6 - Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no n.º 3, acrescerão à quantia a restituir juros de mora a taxa idêntica à aplicável aos devidos ao Estado” [redacção do Decreto-lei n.º 138/92, de 17.07]. O n.º 6 do referido artigo 82.º viu a sua redacção alterada pelo Decreto-lei n.º 472/99, de 08.11 passando a dispor: “Não sendo efectuado o reembolso no prazo referido no n.º 3, acrescerão à quantia a restituir juros indemnizatórios a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado”. Por sua vez, a Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, aplicável aos períodos de tributação que se iniciem a partir 01.01.2001, conforme estatuído no n.º 2 do seu artigo 21.º, com a epígrafe “Entrada em vigor”, conferiu ao n.º 3 do artigo 82.º do CIRC a redacção seguinte: “O reembolso será efectuado, quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento, até ao fim do 3.º mês imediato ao da sua apresentação ou envio”.
A redacção destes n.ºs 3 e 6 do referido artigo 82.º manteve-se após a renumeração decorrente do Decreto-lei n.º DL 198/2001, 03.07, passando a corresponder aos n.ºs 3 e 6 do artigo 96.º do CIRC.
Ante a sequência de eventos repercutida nos factos assentes, importa, igualmente, assinalar que, na redacção conferida pelo Decreto-lei n.º 442-B/88, de 30.11, o artigo 94.º do CIRC, relativo às obrigações declarativas, estabelecia o seguinte: “2 - As declarações a que se refere o número anterior serão do modelo oficial, aprovado por despacho do Ministro das Finanças, devendo ser-lhes juntos, fazendo delas parte integrante, os documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo oficial. 3 - Serão recusadas as declarações que não se mostrem completas, devidamente preenchidas e assinadas, sem prejuízo das sanções estabelecidas para a falta da sua apresentação. 4 - Quando as declarações não forem consideradas suficientemente claras, os serviços da administração fiscal notificarão os contribuintes para prestarem por escrito, no prazo que lhes for fixado, nunca inferior a cinco dias, os esclarecimentos indispensáveis”. Sendo que, a Lei n.º 30-G/2000, de 29.12, que alterou a redacção do n.º 3 do artigo 82.º, conferiu, ainda, aos n.ºs 3 e 4 deste preceito legal a seguinte redacção: “3 - São regulamentados por portaria do Ministro das Finanças o âmbito de obrigatoriedade, início de vigência e os procedimentos do regime de envio de declarações por transmissão electrónica de dados via Internet. 4 - Serão recusadas as declarações apresentadas que não se mostrem completas, devidamente preenchidas e assinadas, bem como as que sendo enviadas por via electrónica de dados se mostrem desconformes com a regulamentação estabelecida na portaria referida no número anterior, sem prejuízo das sanções estabelecidas para a falta da sua apresentação ou envio”. Ora, as leis tributárias interpretam-se seguindo os princípios gerais, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária [LGT], donde, a letra da lei, ou seja, o seu enunciado linguístico, constitui o ponto de partida e também um limite, não podendo ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente enunciado [artigo 9.º do Código Civil], atendendo-se, simultaneamente, à unidade do sistema jurídico, assim como às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada. Se tivesse sido intenção do legislador que as alterações introduzidas no n.º 3 do artigo 82.º do CIRC pela Lei 30-G/2000 tivessem natureza interpretativa, tê-lo-ia explicitado, nas normas avulsas e transitórias, tal como fez nessa mesma Lei, relativamente a uma alteração efectuada no âmbito do CIRS [cfr. artigo 3.º, n.º 2 Lei 30-G/2000]. Por outro lado, aplicando os princípios de hermenêutica jurídica acima especificados essa natureza não é de inferir ante as circunstâncias em que a nova redacção daquele n.º 3 do artigo 82.º foi introduzida.
Com efeito, considera-se que a introdução das novas menções previstas no n.º 3 do artigo 82.º do CIRC, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12 [“for enviada (…) e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento (…) ou envio”], teve em vista, além do mais, coadunar o regime previsto naquele n.º 3 para o nascimento do dever de reembolsar, por parte da AT, com as novas circunstâncias agora previstas para o envio das declarações também estabelecidas pela Lei n.º 30-G/2000 – as declarações passaram a poder/dever ser enviadas, por meios electrónicos [cfr. redacção do n.º 3 e 4 do artigo 94.º “Obrigações declarativas”, conferida pela Lei n.º 30-G/2000: “São regulamentados por portaria do Ministro das Finanças o âmbito de obrigatoriedade, o início de vigência e os procedimentos do regime de envio de declarações por transmissão electrónica de dados via Internet” e “Serão recusadas as declarações apresentadas que não se mostrem completas, devidamente preenchidas e assinadas, bem como as que sendo enviadas por via electrónica de dados se mostrem desconformes com a regulamentação estabelecida na portaria referida no número anterior, sem prejuízo das sanções estabelecidas para a falta da sua apresentação ou envio”.
Face a tanto, entende-se que a introdução das alterações supra referidas na redacção do n.º 3 do artigo 82.º, simultânea com a introdução da possibilidade de envio das declarações por via electrónica, correspondeu a uma necessidade de salvaguardar que não nasceria para a AT o dever de proceder ao reembolso, no prazo de 3 meses, quando as declarações apresentassem erro de preenchimento, face ao estabelecimentos de novas condições/meios para a respectiva apresentação. Deste modo, a coerência da alteração das regras de pagamento e reembolso do IRC com a alteração das regras que disciplinavam as obrigações declarativas relativamente ao mesmo imposto, conduz à interpretação de que a nova redacção introduzida pela Lei 30-G/2000 no n.º 3 do artigo 82.º se destina a regular o nascimento do dever de reembolsar por parte da AT, relativamente a declarações de rendimentos que sejam apresentadas após o início da sua vigência, que se verificou em 01.01.2001. A propósito da caracterização do mesmo preceito legal [artigo 82.º, correspondente ao 96.º do CIRC, após a renumeração decorrente do Decreto-lei n.º DL 198/2001, 03.07], com interesse face ao que aqui se discute, o Acórdão do STA de 06.03.2013, no processo 0828/12, refere o seguinte: “O mencionado art.º 96º do CIRC disciplina as regras de pagamento e de reembolso do IRC tendo havido pagamentos por conta. Ora, a imposição dos pagamentos por conta enquadra-se no jus imperii do Estado, que, na prossecução do interesse público, visa assegurar o pagamento dos impostos, na suposição de que o contribuinte irá obter rendimentos tributáveis semelhantes àqueles que obteve em exercício anterior – como decorre da sua forma de cálculo, ínsita no art. 97º do CIRC -, não obedecendo, por conseguinte, a uma mera lógica civilística. De resto, o art. 96º do CIRC não trata do imposto em si mesmo, mas tão-só da sua forma de pagamento e de reembolso - como se retira, aliás, na sua epígrafe – nas situações de pagamento por conta do imposto que, a final, vier a ser efectivamente liquidado em face do real rendimento tributável anual, pelo que o eventual excesso só é determinável, e consequentemente, reembolsável, após a entrega da declaração periódica de rendimentos, como resulta do que dispõem os seus nºs 2 e 3”. Assim, verifica-se que o artigo 82.º [posterior artigo 96º] do CIRC disciplina, de forma específica, as regras de pagamento e de reembolso do IRC e, ante as regras contidas no mesmo, conclui-se que o legislador pretendeu estabelecer uma regra especial para a obrigação de restituição oficiosa do tributo e termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios, precisamente, em face da especificidade inerente à forma de pagamento deste imposto. Então, no que toca aos requisitos do nascimento do direito aos juros indemnizatórios e ao termo inicial da contagem dos mesmos, há que atender ao regime ali estabelecido e, aplicar o disposto na LGT e no CPPT, apenas na parte ali não especificamente regulada [cfr. o referido Acórdão do STA de 06.03.2013, no processo 0828/12]. Com interesse para o que se discute, o artigo 43.º da LGT estabelece o seguinte: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios”. A propósito deste preceito legal, Jorge Lopes de Sousa especificou: “ (…) No caso de não cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos [situação prevista na alínea a) do nº 3 do artigo 43º], devendo estes juros, pela sua natureza indemnizatória, corresponder ao período em que o sujeito passivo esteja privado de quantias que deveriam estar em seu poder se não se verificasse uma situação ilegal, eles são devidos desde o termo do prazo legal para a restituição até ao momento em que seja elaborada a nota de crédito. (…)”*em Código de procedimento e de Processo Tributário, Anotado, Áreas Editora, 6.ª Edição, Volume I, nota 10, ao artigo 61º, p. 551]. Note-se, porém, que a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios que decorre do artigo 43º da LGT e é regulada nos termos do artigo 61º do CPPT, não se prende, primacial ou exclusivamente, com a legalidade da liquidação do imposto, mas sim com o excesso do imposto liquidado e suportado, porquanto “indevido” não é sinónimo de “ilegal” [neste sentido, cfr. o supra referenciado Acórdão do STA de 06.03.2013, no processo 0828/12].
Por sua vez, o artigo 61.º do CPPT fixa o modo de cálculo dos juros indemnizatórios, prescrevendo o seguinte:”1- Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respectivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.(…) 3- Os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.
Assim sendo, o nº 3 do artigo 61º do CPPT, releva na situação vertente, para efeito do termo final da situação de falta de restituição oficiosa de tributos, expressamente contemplada no seu nº 1 [no sentido adoptado, confronte-se o mesmo Acórdão do STA de 06.03.2013, no processo 0828/12].
Avançando, diga-se que o probatório informa que em 31.05.2000, foi entregue, no 6° Serviço de Finanças do P..., declaração periódica de rendimentos Modelo 22 relativa ao IRC do exercício de 1999 do sujeito passivo “ENI, SGPS, S.A.”, na qual estão assinalados os campos 1 e 8 do Quadro 4, que indicam a tributação pelo regime consolidado, tendo essa declaração sido registada sob o nº de lote 21260-18, conforme carimbo aposto por funcionário em 26.06.07 que atesta a sua conformidade com o original, sendo que na declaração referida em 1), a Autora autoliquidou um total a reembolsar de € 552.714,14.
Mais se refere que em 30.09.2002, no sentido de informar o pedido de reembolso de IRC de 1999, os Serviços de Inspecção Tributária da DF do P..., efectuaram uma inspecção, em que procederam à análise da situação económica e financeira da Autora no exercício de 1999 e em carta emitida pela Administração da ENI-S.G.P.S., S.A, em 06.05.2003, e remetida à Direcção de Finanças do P..., com referência à inspecção aludida em 4), foi dito, nomeadamente, que: “1- A empresa não fez parte, durante o ano de 1999, de qualquer perímetro de consolidação fiscal, nos termos do ex-art.º 59º do CIRC. 2. Não apresentou qualquer declaração modelo 22 com sujeição ao Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado, pelo simples facto de não estar sujeita a um tal regime, como o comprova a declaração modelo 22 que se junta, como anexo 1. Por isso, não entende a afirmação constante do ofício em causa e muito menos em que possa estar baseada, mas só pode ser em elementos viciados, em face do referido anexo (?)” (cfr fls 23 do PA).
Em 12.05.2003, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à análise interna da declaração modelo 22 de IRC para 1999, informando que:
“1- Em cumprimento da O.S. n° 50949/94 procedeu-se à análise interna da declaração mod.22 do IRC do ano de 1999 apresentada pelo sujeito passivo acima referenciado;
2- Apesar da declaração constar no sistema informático como “não liquidável” e de no duplicado da declaração que veio do arquivo, estar assinalado o campo 8 do quadro 4, isto é, sujeito ao regime de tributação pelo Lucro Consolidado, previsto no ex-art° 59° do CIRC, no decorrer da análise, constatou-se que o sujeito passivo não se encontra sujeito a este regime, mas sim ao regime geral de tributação. (sublinhado nosso).
3- Dado que na declaração mod. 22 entregue foi declarado IRC a recuperar no valor de 552 714,14 e (11.809.237$00), e dado que o contribuinte ainda não foi reembolsado, apesar de ter sido inspeccionado para o efeito, para os fins achado convenientes, junto se anexam os seguintes documentos:
a) Cópia da carta do sujeito passivo recebida em 07/05/03 - Anexo 1, fls 1 a 5,
b) Cópia do G.R n° 232266 de 16/10/02 com a informação prestada pela Inspecção Tributária em 30/09/2002 - Anexo II, fls 1 a 8”.
Que dizer?
Aqui chegados, e continuando a seguir a descrição plasmada no Acórdão supra referido, com as necessárias adaptações, decorrentes da diferente redacção do preceito legal aplicável, porquanto à data, como se viu, o n.º 3 do artigo 82.º do CIRC não integrava as menções “for enviada (…) e desde que a mesma não contenha erros de preenchimento (…) ou envio” entende-se ser de convocar, por facilidade de exposição e honestidade intelectual, o que foi decidido pelo Acórdão do TCAS de 26.06.2012, no processo 03944/10, onde se formularam as seguintes conclusões:
“2. Do conjunto normativo formado pelos n.ºs 2 e 3 do art. 96.º CIRC, decorrem as seguintes implicações: - para haver lugar a reembolso, de IRC, ao contribuinte, basta que o valor, por este, apurado na declaração periódica de rendimentos (ou de substituição) seja negativo ou inferior ao valor dos pagamentos por conta;
- o valor do reembolso será a importância resultante da soma do montante negativo encontrado com o dos pagamentos por conta ou a correspondente à diferença entre o valor apurado na declaração e o superior referente aos pagamentos por conta efetivados;
- quando a declaração periódica de rendimentos for enviada ou apresentada no prazo legal e não contenha erros de preenchimento, a at tem de efetuar o reembolso do contribuinte até ao terminus do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio da declaração.
3. Qualquer contribuinte que comprove autoliquidação de IRC, efetuada dentro do prazo concedido, por lei, para o efeito, a que não sejam apontados erros de preenchimento da declaração suporte, tem direito a ser reembolsado, até ao fim do 3.º mês seguinte ao da apresentação ou envio desta, do imposto liquidado em excesso.
4. Consequentemente, ocorrida uma situação de facto com os contornos vindos de delinear, passa a existir, na esfera da at, o dever jurídico de proceder, dentro do prazo indicado, ao competente reembolso. Por outras palavras, a existência deste dever decorre, necessariamente, de determinada situação fáctica.
5. Esta forma de entender não prejudica a possibilidade, conferida por lei, de a at proceder ao controlo, das declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes, por diversas vias, com destaque para o procedimento de inspeção tributária.
6. A indisponível capacidade de conferência da veracidade, da correspondência entre o declarado e a realidade, não impede o funcionamento do tratado dispositivo legal, nem é prejudicada, inviabilizada, pela anterior ocorrência de reembolso ao contribuinte. Trata-se de aspectos com diversos, independentes, campos de operação, sem prejuízo de, casuisticamente, poderem registar implicações recíprocas”.
A jurisprudência integrada naquele aresto foi secundada pelo Acórdão do mesmo TCAS de 25.09.2012, no processo 05612/12, igualmente pertinente, em termos de enquadramento da questão, com a mesma ressalva, relativa à diferente redacção do preceito aplicável à data dos factos que aqui se discutem, que era o n.º 3 do artigo 82.º, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29.12:
“(…) II) Havendo, por efeito e consideração do valor apurado na competente declaração periódica de rendimentos, lugar a reembolso, ao contribuinte, de IRC, este tem de ser operado, pelos competentes serviços da AT, no prazo fixado na parte final do nº 3 do art. 96º CIRC, desde que e somente desde que aquela declaração tenha sido enviada ou apresentada no respectivo prazo legal e não ostente erros no seu preenchimento”.
Decorre da jurisprudência citada, que aqui se adopta com as necessárias adaptações por inteira concordância com a respectiva fundamentação, que uma vez demonstrada pela Autora a factualidade correspondente à apresentação da dita declaração periódica de rendimentos modelo 22 relativa ao IRC do exercício de 1999 em 31-05-2000, considerada apresentada dentro do prazo legal pela AT, atento o motivo que determinou a respectiva apresentação e, resultando desta um valor a reembolsar (matéria que não é motivo de dissídio entre as partes), verifica-se o nascimento do dever jurídico de a AT proceder, dentro do prazo de 3 meses, ao competente reembolso, o que significa que, em consequência, na ausência do cumprimento daquele dever pela AT no prazo estipulado na lei, são devidos juros indemnizatórios à Autora a partir do termo daquele prazo.
Mais resulta, que o poder/dever da AT de conferir da correspondência entre o declarado e a realidade, designadamente através de inspecção tributária, requerendo os esclarecimentos e documentos para tanto relevantes, não deve impedir a aplicação do disposto no referido preceito legal – n.º 3 e 6 do artigo 82.º do CIRC – por esta ser uma disposição especial destinada, a regular o pagamento e a devolução do imposto a mais suportado pelo contribuinte, atendendo às especificidades do IRC.
Acresce que, atenta a natureza de disposição especial do referido preceito e o fim com que foi instituído, apenas se aplica o que decorre da LGT e do CPPT na parte que ali não se encontre especialmente regulada [cfr. o Acórdão do STA de 06.03.2013, no processo 0828/12].
Deste modo, nos termos da lei aplicável, ao contrário do decidido, o erro dos serviços não constituía pressuposto legal para o nascimento do referido dever de efectuar reembolso na esfera jurídica da AT e, em consequência, a invocação da ausência da verificação de erro dos serviços na recolha da mesma declaração por parte da AT, não servir de escudo para recusar a pretensão da ora Recorrente no que concerne ao pedido relativo aos juros indemnizatórios.
Como se demonstrou, à data, a lei não impunha a verificação de qualquer outro circunstancialismo, designadamente o de que a declaração apresentada não apresentasse erros de preenchimento, para fazer nascer o dever na esfera jurídica da AT de proceder ao reembolso no prazo de três meses a contar da entrega da declaração e, em consequência, fazer nascer o direito aos juros indemnizatórios correspondentes na esfera do contribuinte, quando esse dever não fosse cumprido naquele hiato temporal.
No entanto, como se colhe dos autos, a Entidade Recorrida insiste não lhe ser imputável o erro que gerou o atraso na liquidação do reembolso, situação que afasta a pretensão relacionada com os juros indemnizatórios.
Neste ponto, cremos pertinente o exposto pela Recorrente quando defende que, perante o quadro legal vigente naquela altura, apresentada a declaração de rendimentos, o prazo de 3 meses é mais do que suficiente para que a AT efectue as análises e fiscalizações que muito bem entenda, de molde a cumprir o sobredito prazo de reembolso, efectuando as correcções de quaisquer erros cometidos pelo contribuinte, designadamente de erros de preenchimento declarativo, sendo que, em qualquer caso, tal prazo era mais do que suficiente para que a AT pudesse aferir se o contribuinte, no exercício em questão, deveria ou não ser tributado segundo o regime especial da tributação do lucro consolidado, então consagrado nos artigos 59º e ss do CIRC (redacção de 1999), pois seriam elementos que oficiosamente estariam ao seu dispor (cfr. artigo 74º nº 2 da LGT).
Na verdade, como refere a Recorrente, resulta do disposto no artigo 59º do CIRC, redacção aplicável, a aplicação do regime especial de tributação pelo lucro consolidado demandava um pedido de autorização da sociedade dominante (do grupo de sociedades) e uma autorização expressa e formal do Ministério das Finanças - onde se integrava a Direcção-Geral dos Impostos, de modo que, tendo-se apurado que a declaração de rendimentos na posse da AT acabou por ser erradamente assinalada quanto à inclusão da Recorrente no sobredito regime especial de tributação, certamente que a AT, naquele prazo de 3 meses, poderia, oficiosamente, desfazer o equívoco, pois que, bastar-lhe-ia aferir, oficiosa e internamente, junto do Ministério das Finanças/Direcção Geral dos Impostos, se havia ou não sido concedida, à Recorrente, qualquer autorização para que fosse tributada, em IRC, no exercício de 1999, conjuntamente com outra(s) sociedade(s), segundo o regime de tributação do lucro consolidado, então consagrado nos artigos 59º e ss. do CIRC, verificando-se que só em 30.09.2002 é que os SIT da DF do P... fizeram uma inspecção à A. relativa a 1999 e apesar de a A., em carta de 06.05.2003, remetida à DF do P..., ter informado a AT que, quanto ao exercício de 1999, não integrou o regime da tributação pelo lucro consolidado, a A. só foi reembolsada do valor autoliquidado em 12.01.2004, o que retira qualquer virtualidade ao exposto pela AT neste domínio no sentido de que estamos matéria impeditiva do nascimento do dever de pagamento do reembolso no prazo legal.
Com efeito, mesmo perante a verificação do referido erro de preenchimento da declaração, não se considera que, à data, a AT ficou colocada em situação de impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprimento do referido dever, no prazo estabelecido na lei, situação que é evidenciada pelo facto de a AT, mesmo perante a informação prestada pela aqui Recorrente, demorou mais de seis meses a concretizar a liquidação e a fazer o reembolso (sendo que é sabido que os serviços apenas precisaram de uma semana para constatar qual era o enquadramento da sociedade Recorrente em termos de tributação).
Tudo visto e considerado, por aplicação do disposto nos artigos 82.º, n.º 3 e 6, 94.º, n.º 2, 3 e 4 e 96.º, n.º 8 do CIRC [na redacção vigente até à alteração introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29.12], no 43.º, n.º 3, alínea a) da LGT e no artigo 61.º, n.º 3, in fine, do CPPT, porque provada a situação fáctica prevista na lei, cumpre determinar a condenação da Entidade Demandada a proceder ao pagamento dos juros indemnizatórios à Autora, calculados sobre o montante reembolsado resultante da apresentação da declaração periódica de rendimentos modelo 22 relativa ao IRC do exercício de 1999, contados desde o termo do prazo dentro do qual a AT estava obrigada a proceder ao reembolso, que ocorreu em 01.09.2000, até à data em que foi concretizado a aludido reembolso (12-01-2004), à taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado [cfr. artigo 35.º, n.º 10 da LGT, a taxa é a equivalente à taxa de juros legais fixados nos termos do disposto no artigo 559.º do Código Civil, cifrando-se em 7% ao ano, nos termos da Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril e de 4% ao ano, desde 01.05.2003, conforme a Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril], valor que se cifra em € 118.432,25 (o valor apontado pela Recorrente olvida a alteração da taxa de juro acima descrita), procedendo a pretensão da ora Recorrente neste âmbito e apenas nesta sede, pois que, em relação aos juros de mora, o impetrado também não pode ser atendido.
Como se aponta no Ac. do S.T.A. de 06-02-2013, Proc. nº 01114/12, www.dgsi.pt, “… E relativamente à questão dos juros de mora sobre juros indemnizatórios também a jurisprudência deste Tribunal é no sentido de não a admitir. Como se refere no sumário do acórdão de 2/3/2011, rec. nº 0880/10, «embora a falta de restituição do montante anulado de imposto e juros compensatórios no prazo legalmente previsto para o cumprimento espontâneo pela Administração implique a obrigação de pagamento de juros de mora sobre esse montante se tal for pedido pelo contribuinte, estes juros de mora não podem incidir sobre a quantia devida ao contribuinte a título de juros indemnizatório».
E, como se expressa na fundamentação desse aresto, essa é uma a posição que vem sendo sucessivamente reiterada pela jurisprudência tributária, não havendo motivos substanciais para se decidir aqui de modo contrário. Argumenta-se que: (i) «não há, para os juros indemnizatórios, disposição legal semelhante àquele n.º 8 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária. Sendo juros devidos a favor do contribuinte, em virtude de uma liquidação e subsequente desapossamento ilegais, não podem ser integrados numa dívida de imposto. Do mesmo modo, devido à sua natureza, não podem tais juros moratórios - a favor da Fazenda Pública - incidir sobre juros indemnizatórios a favor do contribuinte» (ii) e que «no domínio do direito fiscal vigora o princípio da legalidade, maxime o princípio da tipicidade, o que veda à administração tributária a possibilidade de convencionar o anatocismo após o vencimento dos juros ou efectuar a dita notificação judicial, uma vez que estas hipóteses não se encontram previstas nas leis tributárias». …”.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar parcialmente procedente a presente acção, condenando-se a Entidade Demandada a pagar à ora Recorrente a quantia de € 118.432,25 a título de juros indemnizatórios, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas pela A. e Entidade Demandada, na proporção do decaimento.
Notifique-se. D.N.
Porto, 13 de Dezembro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos