Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00722/09.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/16/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACIDENTE DE TRABALHO; VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL;
AUSÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA;
FALTA DE ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO; IMPROCEDÊNCIA DOS RECURSOS;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» propôs AÇÃO ADMINISTRATIVA
Contra o MUNICÍPIO ... E A COMPANHIA DE SEGUROS [SCom01...], S.A., todos melhor identificados nos autos, formulando o seguinte pedido:
Termos em que, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e serem as RR. solidariamente condenadas:
a) No pagamento da quantia de € 4.354,03, a título de danos patrimoniais,
b) No pagamento da quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais,
c) No pagamento de juros, à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde a data da citação.
Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada procedente a acção e, em consequência, condenados os Réus, solidariamente, no pagamento à Autora da quantia global de € 6.604,03, acrescida de juros de mora desde a citação.
Desta vêm interpostos recursos pelo Município e pela Companhia de Seguros.
Alegando, aquele formulou as seguintes conclusões:
I. Os presentes autos correm sob a forma de acção comum, sendo inaplicáveis os pressupostos da acção urgente, com evidência para os prazos processuais, não se suspendendo em férias judiciais nem sendo reduzidos a metade.
II. Ocorre manifesta discrepância entre o objecto do litígio fixado por douto despacho saneador e a fixação do mesmo em sede da sentença recorrida, tendo sido todo o litígio conduzido no sentido de se apurar da existência do “direito da Autora a ser pago pelos Réus dos valores peticionados a título de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de serviço sofrido pela Autora”.
III. A sentença proferida fundamentou a responsabilidade do Recorrente numa alegada responsabilidade extracontratual pela omissão do tratamento devido, desconsiderando o objecto do litígio e enunciação de temas de prova previamente fixados em sede de despacho saneador.
IV. O que implica que a sentença sob recurso se encontra ferida de nulidade nos termos do artigo 596.º, 195.º, 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 1 al. c), do CPC o que expressamente se invoca.
V. O tribunal a quo veio assim a condenar em objecto diverso do pedido formulado, redundando uma vez mais em que a sentença sob recurso seja nula nos termos do disposto nos artigos 607.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1 al. d) e e) e 3.º do CPC o que expressamente se invocada e se pretende doutamente declarado e reconhecido.
VI. Não se constata qualquer responsabilidade do Recorrente, quer contratual quer extracontratual, por manifesta falta de preenchimento dos pressupostos necessários à sua verificação.
VII. A Autora não cumpriu com o legal dever que lhe é imputável da comunicação formal ao Recorrente para que este requeira a realização de junta médica, o que, invariavelmente, resultou no total desconhecimento da factualidade concreta do caso sub judice.
VIII. Qualquer comportamento omissivo no caso sub judice será da própria Autora, por falta da comunicação a que se refere no ponto anterior e nunca do Recorrente.
IX. A haver qualquer responsabilidade, apenas poderá ser imputável à Apelante [SCom01...], pois, considerando-se que ocorre omissão do dever de tratamento apenas se constataria junto da Apelante [SCom01...] nunca podendo ser responsabilizada pelos seus actos, in casu, omissões.
X. Assim, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 20.º, 45.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e os artigos e 342.º e 798.º e seguintes do Código Civil o que, invariavelmente implica a improcedência da pretensão deduzida pela Autora (que sequer correspondente efectivamente ao pedido formulado por esta), devendo a sentença sob recurso ser alterada nos termos e com os fundamentos melhor estigmatizados no contexto.

Termos em que, revogando-se a decisão do Tribunal de 1.ª Instância e proferindo nova em conformidade com o supra alegado, se fará
JUSTIÇA!
A 2ª Ré, em alegações, concluiu:
I) No despacho saneador datado de 03-12-2015 o processo foi saneado e, fixando-se o objecto do litígio “em saber se à Autora assiste o direito a ser pago pelos Réus dos valores peticionados a título de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de serviço sofrido pela Autora” e organizando-se os temas de prova nos termos do artigo 596.º, n.º 1 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, momento anterior ao início da instrução, rectius, à produção da prova constituenda, tendo o processo prosseguido para julgamento, tendo culminado da prolação da sentença agora sob recurso na qual foi alterado o objecto do litigio, sem a previa comunicação às partes para “o direito de indemnização da autora pelos danos sofridos na sequência da omissão de tratamento devido e atempado na sequência de acidente em serviço sofrido pela autora a 12.09.2006”;

II) não seria expectável que tendo sido definido o objecto do litígio no despacho saneador e dele não ter existido qualquer reclamação se alterasse o contexto definido como objecto do litígio se abordasse responsabilidade extracontratual por omissão de tratamento tal como ficou decidido na sentença, pelo que não tendo o objecto do litígio e temas da prova fixados no despacho saneador correspondência com a decisão final a sentença encontra-se ferida de nulidade nos termos do artigo 596.º, 195.º, 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 1 al. c), do CPC o que expressamente se invoca;

Sem prescindir,

III) o Tribunal a quo extrapolou os seus poderes alterando o objecto e apreciando uma questão completamente distinta e ao fazer isso, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre o objecto que devia conhecer e que se encontrava previamente fixado, alterando-o e pronunciando-se sobre um novo objecto que não se encontrava em discussão, condenando a final em objecto diverso do pedido, pelo que, não tendo a decisão judicial correspondência com a causa de pedir nem com o pedido plasmados no despacho saneador que fixou o objecto do litígio e os temas da prova e consequentemente tendo deixado de apreciar o objecto definido e apreciando um outro distinto a mesma encontra-se ferida de nulidade, nos termos do artigo 607.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1 al. d) e e) e 3.º, n.º 1 do CPC o que expressamente se invoca:

sem prescindir,

IV) A violação do dever de reserva do Juiz que, no caso, se observa nos comentários parciais acima transcritos bem como por toda a sentença, demostra-nos que não existiu uma análise imparcial da prova o que claramente veio influir no exame e decisão da causa, comprometendo directamente o seu conhecimento e assim nos termos do artigo 195.º e do artigo 615.º, n.º 1 d),determinando assim a nulidade da decisão em crise, o que expressamente se argui.
Ainda sem prescindir,

V) Considerando o depoimento da própria autora «AA» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do minuto 00:08:56 a 00:09:19, do minuto 00:10:12 a 00:10:31] devem o facto 1 ser alterado para “1) A autora foi admitida ao serviço da Câmara Municipal ... em 02.11.1998, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens, direção e fiscalização e mediante retribuição, ocupando a categoria profissional de Ajudante de Bibliotecária ” e o facto 2 para 2) O local de trabalho da autora é na Biblioteca Municipal de ..., com horário de trabalho entre as 9:30 e as 17:30, com intervalo para almoço entre as 12:30 e as 14:00 e ainda o facto 4 por não corresponder o documento;

VI) Deve ser eliminado o facto 5 dos factos dados como provados com fundamento no depoimento da autora «AA» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do minuto 00:47:13 a 00:47:24 e do minuto 00:47:28 a 00:47:37] e do depoimento da «BB» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do minuto 01:45:24 a 01:45:34, do minuto 02:02:40 a 02:02:43 e do minuto 02:10:34 a 02:10:45] bem como na ausência de prova suficiente para o convencimento nesse sentido e atento o disposto no art.º 342.º do CCiv e 414.º do CPCiv;

VII) Considerando o depoimento da autora «AA» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do minuto do minuto 00:47:54 a 00:47:57, do minuto 00:49:10 a 00:49:12], do depoimento da «BB» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do minuto do minuto 02:02:40 a 02:02:43] e da testemunha «CC» ouvido na sessão de julgamento do dia 15-10-2021 [passagens do minuto 02:40:45 a 02:40:47 e do minuto 02:41:36 a 02:41:42] deve ser alterado o facto 6 para “6) Foi transportada para o Hospital ..., em ..., onde recebeu tratamento hospitalar”;

VIII) Devem ser eliminados os factos 13), 14), 15), 16), 17),20), 21), 22), 23) e 24) dos factos dados como provados com fundamento no depoimento da testemunha «DD» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do do minuto 01:35:40 a 01:35:50], do depoimento da testemunha «BB» ouvida na sessão de julgamento do dia 02/07/2021 [passagens do minuto 01:52:16 a 01:52:23] bem como na ausência de prova suficiente para o convencimento nesse sentido e atento o disposto no art.º 342.º do CCiv e 414.º do CPCiv;

IX) Devem ser eliminados os factos 28) e 35), dos factos dados como provados com fundamento na ausência de prova suficiente para o convencimento nesse sentido e atento o disposto no art.º 342.º do CCiv e 414.º do CPCiv e ainda de acordo com o depoimento da testemunha Dr. «EE» ouvido na sessão de julgamento de 15/10/2021 [passagens do minuto 01:23:43 a 01:23:58, do minuto 01:23:58 a 01:24:01, do minuto 01:25:46 a 01:26:06, do minuto 01:26:10 a 01:26:13 e do minuto 01:32:02 a 01:32:05];

X) Devem ser eliminados os factos 44) e 45), dos factos dados como provados com fundamento na ausência de prova suficiente para o convencimento nesse sentido e atento o disposto no art.º 342.º do CCiv e 414.º do CPCiv e ainda de acordo com o relatório pericial (não existindo qualquer espelho científico) o depoimento da testemunha Dr. «EE» ouvido na sessão de julgamento de 15/10/2021 [passagens do minuto 01:23:43 a 01:23:58, do minuto 01:23:58 a 01:24:01, do minuto 01:25:46 a 01:26:06, do minuto 01:26:10 a 01:26:13 e do minuto 01:32:02 a 01:32:05] e ainda relatório pericial elaborado pelo perito medico Dr. «FF» em 20-05-2019 este procedimento em nada se encontra relacionado com o acidente em causa nos autos, aliás corroborado por todos os médicos ouvidos em sede de audiência – tratou-se de uma meniscectomia, e por isso mesmo devem apenas ser elencados os factos que tenham qualquer relevo para a causa;

XI) Devem ser eliminados os factos 46), 47), 48), 49 e 50), dos factos dados como provados com fundamento na ausência de prova suficiente para o convencimento nesse sentido e atento o disposto no art.º 342.º do CCiv e 414.º do CPCiv e ainda de acordo com o relatório pericial na medida em que em nenhum momento foi dito por um médico que da lesão que adveio do alegado acidente é passível de verificação qualquer um dos sintomas descritos nesses factos;

XII) Quanto aos factos dados como não provados os pontos 2, 4 e 5 devem ser alterados e dados como provados com fundamento na prova documental junta e não impugnada pela autora, concretamente relatório do episódio de urgência, a RMN realizada em Setembro de 2006 (15 dias após o evento) e o relatório do médico ortopedista (Dr. «GG») e ainda de acordo com o depoimento do Dr. «HH» [depoimento do minuto 00:00:07 a 00:55:25] e do Dr. «EE» [passagem do minuto 01:54:17 a 01:55:03, do minuto 02:01:07 a 02:01:22] ambos ouvidos na sessão de julgamento de 15/10/2021;

XIII) Pelo que trata-se de dois diagnósticos distintos...e assim sendo, e atendendo que o mesmo apenas foi relatado em Junho de 2007 a autora tinha o ónus de demonstrar que o mesmo decorria do acidente de trabalho ocorrido em Setembro de 2006, (nos termos do artigo 4, n.º 2 do DL 503/99) Assim sendo, não se encontrando provado o nexo de causalidade entre o dano físico e o dano do acidente de serviço pelo que não pode ser a recorrente condenada a indemnizar o autor nos termos do artigo do artigo 4, n.º 2 do DL 503/99;

XIV) Conforme refere Antunes Varela a responsabilidade civil pode assumir tanto a modalidade de responsabilidade extracontratual quando resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causem prejuízo a outrem, e a modalidade de responsabilidade contratual quando provem da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contractos, de negócios unilaterais ou da lei;

XV) Para se verificar o direito a indemnização será necessário averiguar se se observam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: facto, ilícito, culposo, o dano e o nexo causal;

XVI) Acresce que a responsabilidade extracontratual não é oponível à recorrente na medida em que ela apenas responde pela responsabilidade contratual atendendo à relação existente entre as partes;

XVII) Mesmo que se queira admitir a existência da responsabilidade civil extracontratual, atendendo à relação das partes a verdade é que não se encontram verificados os pressupostos da mesma, como acima se demonstrou;

XVIII) A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 20.º, 45.º do DL 503/99 e os artigos e 342.º e 798.º e seguintes do CC é manifesta a improcedência da pretensão deduzida pela autora contra a ré e a decisão recorrida merece censura, devendo a mesma ser alterada.

NESTES TERMOS, E NOS DE DIREITO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA: A) SER DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA;
SEM PRESCINDIR,

B) SER ALTERADA A DECISÃO QUANTO Á MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADA NOS TERMOS SOBREDITOS E SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE, JULGUE A ACÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVA A RECORRENTE DOS PEDIDOS, POR SER DE INTEIRA
JUSTIÇA!
A Autora juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Por tudo quanto o exposto, deverá ser negado provimento ao Recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se, em toda a linha, a decisão recorrida.

Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deverá o recurso de apelação ser declarado totalmente improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) A autora foi admitida ao serviço da Câmara Municipal ... em 02.11.1990, data a partir da qual passou a trabalhar para a mesma sob as suas ordens, direção e fiscalização e mediante retribuição, ocupando a categoria profissional de Ajudante de Bibliotecária;

Doc. ...... junto com a p.i.; declarações de parte
2) O local de trabalho da autora é na Biblioteca Municipal de ..., com horário de trabalho entre as 9:30 e as 18:00, com intervalo para almoço entre as 12:30 e as 14:00;
Doc. ...... junto com a p.i.; declarações de parte
3) O Município réu celebrou com a ré Seguradora um contrato de seguro para cobertura de acidentes de trabalho referente a acidentes em serviço dos seus trabalhadores, correspondente à apólice n.º ...;
Doc. ... junto com a contestação da Seguradora
4) A referida apólice prevê nas condições gerais que a apólice garante «prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa» e que «as referidas prestações serão atribuídas ao próprio acidentado até ao momento em que os serviços clínicos da Seguradora o considerarem curado das lesões ou em que o acidentado passar à situação de reformado»;
Doc. ... junto com a p.i.
5) No dia 12.09.2006, pelas 14h05, a autora encontrava-se no interior da biblioteca, a carregar alguns livros, quando caiu e bateu com o joelho no chão, tendo-se lesionado no joelho direito;
Declarações de parte; depoimento de «BB»
6) Foi, de imediato, transportada para o Hospital ..., em ..., onde recebeu tratamento hospitalar;
Declarações de parte; depoimento de «BB»
7) Da supra mencionada queda resultou joelho doloroso à direita, em contexto de tendinite do tendão rotuliano, pós-traumática;
Relatório pericial; depoimento de «EE»
8) Foi elaborada Participação de Acidente de Trabalho;
Doc. ...... junto com a p.i.
9) A autora foi acompanhada pelos serviços clínicos da ré Seguradora;
Doc. ... junto com a p.i.; Doc. ... junto com a contestação da Seguradora; declarações de parte
10) Entre 10.10.2006 e 11.12.2006 a autora fez 42 sessões de fisioterapia por apresentar sequelas de estiramento do joelho;
Declaração de 04.05.2018; declarações de parte
11) Tendo-lhe sido dada alta a partir do dia 14.02.2007;
Doc. ...... junto com a p.i.
12) No boletim de exame e alta foi inscrito como causa de cessação de tratamento «cura clínica», tendo-se também inscrito a existência de IPP de 5%;
Doc. ... junto com a contestação da Seguradora
13) A autora apresentava ainda dores e dificuldade em movimentar o joelho na data em que lhe foi dada a alta;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB» e «CC»
14) O joelho mantinha-se inchado;
Declarações de parte; depoimento de «CC»
15) E cada vez lhe doía mais;
Declarações de parte; depoimento de «DD» e «CC»
16) Não conseguia colocar o pé no chão;
Declarações de parte; depoimento de «CC»
17) E sentia dor constante;
Declarações de parte; depoimento de «DD» e «CC»
18) A dor sentida, em resultado das lesões sofridas, é de graduar em 4/7;
Relatório pericial
19) Tentou regressar ao trabalho, mas não conseguia estar a trabalhar, pelo que referiu nos serviços do Município que não podia trabalhar pelas dores que sentia;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB», «CC» e «II»
20) A autora tentou várias vezes a reabertura do processo, o que foi recusado pela Seguradora;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB», «CC» e «II»
21) A autora sentia-se angustiada pelo comportamento dos serviços da Seguradora;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB» e «JJ»
22) Sentia-se abandonada pelos médicos da Segurados;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB» e «JJ»
23) Sentindo-se cada vez com mais dores e mais limitada;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB» e «JJ»
24) Mostrava-se aflita, nervosa e chorosa;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB» e «CC»
25) A 11.06.2007, a autora foi a uma consulta de Clínica Geral, tendo despendido a quantia de € 40,00;
Doc. ... junto com a p.i.
Declarações de parte; depoimento de «CC»
26) A 14.06.2007, foi-lhe prescrito que fizesse uma ressonância magnética ao joelho direito e um Raio-X ao mesmo joelho, o que a autora fez, tendo gasto, respetivamente € 247,50 e € 36,00;
Docs. ... a ... juntos com a p.i.
27) Por requerimento, datado de 26.06.2007, a autora, através do seu mandatário, indicou à ré Seguradora que não se encontrava curada e solicitava a continuidade do tratamento médico;
Doc. ... junto com a p.i.
Declarações de parte
28) No dia 26.06.2007 a autora foi a uma consulta de ortopedia, prestada pelo Dr. «KK», que a informou que teria de ser submetida a uma intervenção cirúrgica, por apresentar, como sequela do acidente referido síndrome do pólo inferior da rótula;
Docs. ..., ...5 e ...7 juntos com a p.i.
Declarações de parte; depoimento de «CC»
29) Despendeu com tal consulta o montante de € 57,50;
Doc. ... junto com a p.i.
30) Para preparação da mencionada intervenção cirúrgica, a autora submeteu-se a análises clínicas e a um eletrocardiograma, com o que despendeu as quantias de € 2,18 e € 12,50, respetivamente;
Docs. ... e ... juntos com a p.i.
31) No dia 25.07.2007, a autora foi sujeita a intervenção cirúrgica, na Clínica ..., na cidade ..., nela tendo ficado internada até ao dia 27 do mesmo mês;
Docs. ...0, ...5 e ...7 juntos com a p.i.
Declarações de parte; depoimento de «CC»
32) A referida cirurgia custou à autora €1.212,55;
Doc. ...0 junto com a p.i.
33) A que acresceram os honorários da equipa médica e de enfermagem no valor global a € 2265,00;
Docs. ...1 a ...4 juntos com a p.i.
34) Em tratamento subsequente de enfermagem a autora gastou € 8,25;
Doc. ...5 junto com a p.i.
35) A intervenção cirúrgica referida tornou-se necessária única e exclusivamente devido ao acidente em trabalho referido;
Relatório pericial
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB», «EE» e «CC»
36) Entre 03.09.2007 e 20.12.2007 despendeu em serviços de fisioterapia a quantia global € 405;
Docs. ...6 a ...0 juntos com a p.i.
37) Em medicamentos, a autora despendeu a quantia de € 67,55;
Docs. ...1 a ...4 juntos com a p.i.
38) A consolidação médico-legal das lesões que a autora sofreu em decorrência do acidente em serviço ocorreu a 31.12.2007;
Relatório pericial
39) A 04.02.2008 o médico ortopedista «KK» declarou que a autora se encontrava melhorada e que poderia retomar a sua atividade profissional a partir de 06.02.2008;
Doc. ...5 junto com a p.i.
40) Após a intervenção cirúrgica de 25.07.2007 e a subsequente fisioterapia a autora passou a conseguir dobrar o joelho;
Declarações de parte; depoimento de «DD», «BB» e «CC»
41) E, apesar das dores que manteve passou a poder andar sem se apoiar, ainda que continuando a apresentar alguma dificuldade em se locomover;
Declarações de parte
Depoimento de «DD», «BB» e «CC»
42) A autora remeteu, através do seu mandatário, requerimento, datado de 27.02.2008, a solicitar o pagamento da quantia de € 4648,45 relativas ao valor de tratamentos recebidos em consequência de acidente de trabalho;
Doc. ...6 junto com a p.i.
43) A Seguradora a 27.05.2008 informou a autora que consideravam «não existir qualquer nexo causal entre a mesma [a cirurgia de 25.07.2007] e o acidente de trabalho ocorrido a 12/09/2006»;
Doc. ... junto com a contestação da Seguradora
44) A autora ficou com uma cicatriz operatória na face anterior do joelho direito e com rigidez articular, hidrartose crónica e flacidez muscular;
Doc. ...7 junto com a p.i.;
Declarações de parte; depoimento de «CC»
45) A 14.10.2008 a junta médica da Caixa Geral de Aposentações determinou que do acidente em serviço resultou para a autora uma incapacidade permanente parcial de 10 %;
Doc. ... junto a 26.05.2015
46) A autora sente dores no joelho na mudança de tempo;
Declarações de parte; depoimento de «CC»
47) A perna falha-lhe a subir e descer;
Declarações de parte
48) Deixou de fazer caminhadas e hidroginástica;
Declarações de parte; depoimento de «CC»
49) Deixou de poder pegar no filho ao colo, que na data do acidente tinha 2 anos;
Declarações de parte; depoimento de «CC»
50) Tem dificuldades em fazer a limpeza da casa.
Declarações de parte; depoimento de «CC»
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
Das nulidades -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
E a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

Retomando o caso posto não se vislumbra que o aresto sob escrutínio padeça de quaisquer nulidades.
Argumenta-se, como fundamentação para as nulidades invocadas, que: i) a sentença recorrida fixou um objeto do litígio diverso do fixado em sede de despacho saneador; ii) a sentença recorrida não tem correspondência com a causa de pedir nem com o pedido plasmados no despacho saneador; iii) que o Senhor Juiz violou o seu dever de reserva.
Entende-se também que “[e]m nenhum momento, nem em sede de produção de prova ou julgamento, as partes foram confrontadas com o objecto do litígio que a sentença se debruça”;
Continuando: “[n]ão seria expectável que tendo sido definido o objecto do litígio no despacho saneador e dele não ter existido qualquer reclamação se alterasse o contexto definido como objecto do litígio se abordasse responsabilidade extracontratual por omissão de tratamento tal como ficou decidido na sentença”.
Concluindo que: “[n]ão tendo o objeto do litígio e temas da prova fixados no despacho saneador correspondência com a decisão final a sentença encontra-se ferida de nulidade nos termos do artigo 596.°, 195.°, 607.°, n.° 4 e n.° 5 e 615.°, n.° 1 al. c), do CPC o que expressamente se invoca”.
Não vemos que assim seja.
O despacho saneador fixou como objeto do litígio o seguinte: “O objeto do presente litígio consiste em saber se à Autora assiste o direito a ser pago pelos Réus dos valores peticionados a título de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de serviço sofrido pela Autora”.
Por seu turno, a sentença recorrida determinou que: “O objeto do litígio é o direito de indemnização da autora pelos danos sofridos na sequência da omissão de tratamento devido e atempado na sequência de acidente em serviço sofrido pela autora a 12.09.2006”. Ou seja, a sentença ora em crise concretiza, em consequência da produção de prova, aquilo que havia sido possível extrair dos articulados apresentados e que ficou fixado em sede de despacho saneador.
Ora, o que se verifica da leitura dos excertos constantes do despacho saneador e da sentença recorrida é que o objeto de litígio é exatamente o mesmo, não constituindo a sua concretização qualquer alteração.
Desatende-se, por isso, esta argumentação.
Do erro de julgamento de facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2005 no proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267, o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88). Entendimento semelhante posto em causa no Tribunal Constitucional, por ofensa da garantia do duplo grau de jurisdição, foi considerado conforme à Constituição (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”. A este propósito e tal como sustentado pelo Professor Mário Aroso e pelo Conselheiro Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” - em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 743).
“Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.

Como se consignou, entre outros, nos Acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, proc. 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, proc. 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.


Ressalta ainda do sumário do proc. 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I.“Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal «ad quem».

Assim, das considerações jurisprudenciais e doutrinais exemplificativamente referidas e em função dos elementos disponíveis, não se vislumbra a existência de fundamento para alterar a matéria de facto.
O Tribunal a quo explicou devidamente os alicerces da sua convicção. Em sede de factualidade não provada fez constar:
Com interesse para a decisão da causa, importa dar como não provados os seguintes factos:
1- No exame de RMN de 19.01.2007 constatou-se que a autora padecia, já antes do acidente, de laceração da cartilagem do revestimento da rótula sem anomalias do padrão de sinal ósseo;
2- A 14.02.2007 a autora estava curada das lesões sofridas pelo acidente;
3- A intervenção cirúrgica que a autora teve a 25.07.2007 não tem qualquer relação com o acidente em serviço participado;
4- A lesão provocada pelo acidente foi apenas lateral;
5- A intervenção cirúrgica referida tornou-se necessária devido a uma lesão frontal, comum nas pessoas obesas e com desvio da inserção do tendão rotuliano por desvio de eixo.
E, em sede de motivação da factualidade assente e não apurada, consignou que:
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, Os documentos em causa são especificados em cada um dos pontos.
Teve-se também em consideração a aceitação expressa dos factos 1° a 7° e 36° da pá. contante do artigo 4° da contestação do Município.
Teve-se ainda em consideração o relatório pericial (fls. 741). Não obstante terem sido juntos aos autos relatórios e pareceres anteriores, certo é que o relatório pericial de fls. 741 é aquele que resultou da análise dos vários documentos que foram sendo juntos aos autos pelas partes, pelo que é o único elemento técnico que tem em consideração todos os exames a que a autora foi submetida. Especialmente relevante é a consideração de que a consolidação médico-legal das lesões da autora é fixável a 31.12.2007, ou seja, em momento significativamente posterior à alta que os serviços médicos da ré Seguradora deram à autora (em 14.02.2007). Este relatório é especialmente relevante também no que respeita às sequelas que a autora sofreu em decorrência do acidente («joelho doloroso à direita, em contexto de tendinite do tendão rotuliano, pós-traumática»). Foi ainda especialmente relevante o relatório pericial em causa para estabelecimento do nexo causal entre tais sequelas e o evento em causa e a necessidade de tratamento da condropatia rotuliana (síndrome do polo inferior da rótula). Foi também relevante o relatório pericial para a fixação do quantum doloris.
Teve ainda em consideração as declarações de parte da autora. Afigura-se que a autora depôs de forma objetiva, isenta e sincera. O seu depoimento encontra eco seja nos documentos juntos com a pá. seja também no depoimento de «CC», esposo da autora, seja das testemunhas «DD», «BB» e «II». É certo que há aspetos em que os depoimentos não coincidem, no entanto, afigura-se que o fazem no essencial e que não pode deixar de se sublinhar que o acidente e os tratamentos da autora que estão em causa nos autos ocorreram entre 2006 a 2008, pelo que se afigura normal a existência de lapsos e incongruências, dado o lapso temporal já decorrido.
Foi também tomada em consideração o depoimento das testemunhas inquiridas. Especialmente relevante foi a testemunha «CC» no que se reporta ao esclarecimento dos factos relativos ao dia a dia da autora, já que a testemunha referida é esposo da autora e acompanhou-a de perto após o acidente. Apesar de ser esposo a testemunha prestou um depoimento objetivo, e que se afigurou como isento e credível.
Ao nível da prova, o processo apresenta uma impossibilidade probatória difícil de ultrapassar: o médico que consultou e operou a autora após a alta dada pelos serviços da Companhia de Seguros, «KK», e que, portanto, poderia melhor descrever a situação clínica da autora nesse período, faleceu na pendência do processo, o que dificulta a perceção direta e real das razões da intervenção cirúrgica de 25.07.2007. No entanto, afigura-se que foi possível, através dos elementos de prova apresentado apreender tais razões seja porque são conhecidas as ressonâncias que o referido médico terá consultado, seja através do que escreveu no processo da autora, seja ainda através das declarações de parte e do depoimento de «CC», seja pelo depoimento de «EE», médico ortopedista que acompanha a autora desde 2014: a autora efetivamente não se encontrava clinicamente curada, mas antes sofria de um quadro que se agravava e que decorria do acidente em serviço sofrido e que carecia de intervenção médica. É certo que a testemunha «EE» face aos elementos apresentados sugeriu que poderia ter sido efetuada uma outra intervenção que não a cirúrgica, mas o que se afigura claro é que a autora na altura em que lhe foi dada alta não se encontrava clinicamente curada. É certo que, como admitiu expressamente a testemunha «EE», a ressonância de 19.01.2007, apesar de pouco detalhada comparativamente à ressonância de 25.09.2006, poderia levar a que se duvidasse se estaria ou não curada. No entanto, resulta dos autos que a autora apresentava dores e que tentou por diversas vezes que se reabrisse o processo e que a sua situação fosse revista, o que os serviços da Seguradora, cega e arbitrariamente, recusaram, como decorre quer das declarações de parte, quer do depoimento de «LL» e «II». Repare-se que não existe qualquer ressonância posterior da parte dos serviços da Companhia à de 19.01.2007, sendo certo que é de reter a perplexidade espontânea da testemunha «EE» ao ser confrontado com tal ressonância e que revelou que face à gravidade e detalhe da ressonância de 25.09.2006, a de 19.01.2007 nem parecia do mesmo joelho.
A testemunha «EE» afigurou-se de especial relevância e bastante claro, objetivo e isento. Foi especialmente incisivo e esclarecedor sobre os factos da área clínica sobre que depôs. De ressaltar para o presente caso, a explicação dada sobre a complexidade das estruturas que compõem o joelho, e que devem ser vistas como um todo, estando a rotação e estabilidade ligadas. De ressaltar ainda que a testemunha demonstrou, de uma forma muito espontânea, perplexidade ao ser confrontado com a ressonância de 25.09.2006 (porque a lesão da autora era muito mais grave do que pensava) e com a ressonância de 19.01.2007 (porque lhe custou aceitar que se trata do mesmo joelho). Ressalta, pois, uma estranheza demonstrada espontaneamente pela testemunha face à ressonância de 19.01.2007, apontando que a anterior apresente muito mais detalhe.
Face às várias ressonâncias a testemunha em causa foi explicando de modo claro, objetivo e detalhado o significado dos elementos aí constantes, as várias possibilidades e vários quadros que podem ocorrer quer do ponto de vista de um possível quadro degenerativo quer de um quadro traumático. E explicou, ao analisar as várias ressonâncias, que a situação da autora não poderia provir de um quadro degenerativo, em primeiro lugar pelo lapso de tempo que as ressonâncias têm (referiu que não havendo história traumática, o grau III aparece em vários anos 2, 3 ou 4 anos), em segundo lugar porque a autora, como explicou, tem joelhos varos, o que significa que a haver quadro degenerativo seria no menisco interno e não na rótula, em terceiro lugar porque a haver quadro degenerativo as várias ressonâncias mostrariam existência de edema. Conclui, pois, que a situação da autora foi provocada por um quadro traumático e que se foi agravando ao longo do tempo. Este aspeto do depoimento foi considerado especialmente relevante para demonstração do nexo causal.
Relativamente às diligências que a autora terá levado a cabo junto da Seguradora, foram especialmente relevantes não só as declarações de parte, como também o depoimento de «CC», mas também, e sobretudo, o depoimento de «II», que referiu que a autora pediu a reabertura do processo várias vezes e que tal foi recusado pela Seguradora, tendo os vários pedidos que apresentou passado diretamente pela testemunha.
Quanto ao depoimento da testemunha «HH», afigura-se que o mesmo não deve ser considerado. A testemunha em causa foi quem deu alta à autora. Afigurou-se que no seu depoimento procurou uma defesa algo intransigente da decisão tomada, demonstrando, pois, alguma falta de isenção. Além disso, afigura-se que o seu depoimento é algo contraditório, já que trata o mecanismo lesional do joelho decorrente do acidente como algo simples e estático: bateu com o lado externo e por isso a lesão só pode verificar-se aí; mas quando fala do possível quadro degenerativo que no seu entender a autora tinha antes do acidente então as estruturas do joelho já estão todas relacionados e ligadas e um problema afeta outras estruturas, o que não admite no caso da lesão. Contrasta bem com o depoimento da testemunha «EE», muito mais detalhado nas explicações, espontâneo, ponderando várias hipóteses e soluções. Pelo contrário, afigura-se que a testemunha «HH» se propôs defender a decisão tomada quando deu alta à autora e por isso demonstrou-se incapaz de analisar os elementos documentais com que foi sendo confrontado de modo objetivo e isento e tendo em conta a complexidade das estruturas biológicas. Por isso mesmo se desconsiderou o depoimento da testemunha em causa.
Deu-se como não provado o facto 1- por não ter sido apresentada prova convincente sobre o mesmo. O relatório pericial (fls. 741) faz referência a duas possibilidades: ou do traumatismo da autora resultou lesão condral ou resultou o agravamento de lesão condral prévia não visualizável na ressonância magnética de 25.09.2006. No entanto, não existe qualquer elemento de prova que demonstre razoavelmente a existência de lesão condral prévia da autora. Ora, nos termos do disposto no artigo 342.°, n.ºs 1 e 2 do CC é sobre a ré Seguradora que recai o ónus de prova sobre a alegada lesão anterior da autora, sendo a dúvida decidida desfavoravelmente à tal ré (artigo 346.°). O relatório pericial, efetivamente, admite a possibilidade de existir uma lesão condral prévia não visualizável na ressonância magnética de 25.09.2006, mas também admite a possibilidade de estar em causa um traumatismo de que resultou lesão condral, pelo que se deu como não provado o facto em causa. Pelo contrário das declarações de parte da autora resultam indícios de que não existiria lesão prévia, já que a autora fazia caminhadas e hidroginástica e não apresentava quaisquer queixas do joelho. Este aspeto foi confirmado, não só, pela testemunha «CC», esposo da autora, e que relatou a vida ativa que tinham antes do acidente, bem como pelas testemunhas «DD» e «BB». Sendo unanime o depoimento dessas testemunhas no sentido de nunca terem presenciado a autora a queixar-se de dores no joelho.
Deu-se como não provado o facto 2- por nenhuma prova consistente ter sido apresentada no sentido de que a autora estivesse clinicamente curada na data em que os serviços hospitalares da Seguradora lhe deram alta. Efetivamente, a ressonância magnética que a autora efetuou a 19.01.2007 ao joelho direito conclui pela verificação de «distensão de grau I da vertente proximal do ligamento colateral medial» e «foco de condropatia de grau III da superfície medial da rótula». O próprio relatório pericial expressamente menciona que tal ressonância demonstra que a autora apresentava «um foco de condropatia de grau II (laceração de cartilagem) da superfície medial da rótula». Portanto, a autora, a 14.02.2007 não se encontrava clinicamente curada. O relatório pericial contém ainda uma explicação razoável e plausível, de acordo com a experiência comum, e de acordo com a experiência colhida em outros processos judiciais respeitantes a lesões corporais, que respeita ao facto de a ressonância nem sempre demonstrar as consequências globais da lesão sofrida em resultado da existência de edema medular ósseo.
Relativamente aos factos 3-, 4- e 5-, afigura-se não ter sido apresentada qualquer prova minimamente convincente dos mesmos. Por outro lado, como já se referiu supra, da conjugação do relatório pericial, das declarações de parte, e do depoimento de «DD», «BB», «EE», «CC» e «II» é possível perceber que a situação da autora decorreu diretamente do acidente e que à data da alta não estava clinicamente curada, carecendo de assistência médica, que não lhe foi prestada e foi sendo consecutivamente recusada pela Seguradora, e que levou à intervenção cirúrgica a 25.07.2007, que a autora suportou a expensas suas.
Assim, não se bulirá no probatório pois, reexaminada a prova, não se detetou qualquer erro, mormente grosseiro, palmar, ostensivo, na avaliação dos factos levada a cabo pelo Tribunal; pelo contrário, deparou-se esta Instância com um Tribunal empenhado na busca da verdade material.
Destarte cai por terra qualquer propósito de questionar a imparcialidade do Senhor Juiz e o dever de reserva a que está (todos estão/todos estamos adstritos).
E o que dizer do apontado erro de julgamento de direito?
Apenas que pouco há a acrescentar à fundamentação da sentença recorrida.
Vem a Recorrente alegar que não pode ser condenada a indemnizar a Recorrida nos termos do artigo 4.º, n.º 2, do DL 503/99, de 20 de novembro, uma vez que “não há agravamento - atendendo a que falamos de partes anatómicas diferentes com funções diferentes e desenhos anatómicos diferentes”.
Ora, conforme resultou assente em sede de produção de prova, o joelho funciona como um todo, daí que uma lesão traumática lateral implique consequências para o resto das estruturas, não sendo plausível que a cirurgia a que a Recorrida foi submetida encontre justificação numa outra lesão, provocada pelo excesso de peso ou doença degenerativa.
No que à responsabilidade civil extracontratual respeita, entende a 2ª Recorrente que a mesma não lhe é oponível, uma vez que apenas responde através do contrato de seguro celebrado. E pelo facto de o artigo 20.º do referido Decreto-Lei conferir ao trabalhador a faculdade de requerer à entidade empregadora a apresentação a junta médica.
Neste âmbito, apenas há a referir a transferência de responsabilidade para a entidade empregadora que a Recorrente Seguradora leva a cabo e à qual a Recorrida é alheia.
De forma pragmática, o que a Recorrida pretende é que lhe sejam pagas as quantias que teve de despender em consequência de auxílio médico insuficientemente prestado.
E o que é facto é que se mostram preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, tal como estabelecido na sentença recorrida.
Em suma,
Como sentenciado, analisados os factos apurados, afigura-se que nos presentes autos resulta que foi negada à autora a assistência médica legalmente devida ao lhe ter sido atribuída alta que não respeita à previsão estabelecida no artigo 20.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.
Efetivamente resulta dos autos que, tendo o acidente sofrido pela autora, a 12.09.2006, sido qualificado como acidente em serviço e tendo o réu Município participado o mesmo para efeitos da ativação do seguro que tinha junto da ré Seguradora, foi dada alta à autora em data anterior à efetiva consolidação médica das consequências desse acidente: resulta dos autos que os serviços da ré Seguradora deram alta médica à autora a partir do dia 14.02.2007. No entanto, afigura-se também resultar dos autos que a autora manteve uma situação que carecia de cuidados médicos, o que a autora obteve por conta própria através de consultas suportadas por si, de uma operação a que foi sujeita e que teve que pagar, bem como tratamentos médicos e de fisioterapia posteriores.
Como resulta dos autos a consolidação médica das sequelas que o acidente provocou à autora apenas ocorreu a 31.12.2007, o que significa que a autora não deveria ter tido alta anteriormente e que carecia de acompanhamento e tratamentos médicos que nem o Município nem a sua Seguradora disponibilizaram à autora, como estavam legalmente obrigados. A autora recebeu, pois, tratamentos médicos a expensas suas entre 14.02.2007 e 31.12.2007, quando legalmente deveriam tais despesas médicas ter sido suportadas pelo Município ou sua Seguradora.
Como resulta dos autos e da fundamentação da matéria de facto, a situação da autora era bastante grave e carecia de acompanhamento, que mesmo a ressonância magnética de 19.01.2007 não fazia dispensar. Repare-se aliás que resulta dos autos que a autora procurou várias vezes reverter a alta dada não tendo os serviços da companhia sido minimamente diligentes e atentos à complexidade da situação clínica da autora, e que estava demonstrada pela gravidade patente na ressonância tirada após o acidente, o que levaria um normal destinatário dessa informação clínica a ter uma abordagem especialmente conservadora e atenta porque a instalação de um edema, como revela o relatório pericial, poderia impossibilitar que a ressonância revelasse toda a extensão real dos danos sofridos.
Assim, afigura-se que a omissão de assistência médica à autora violou o dever de assistência a que tinha direito. E como se referiu supra, a mesma tinha por propósito a proteção da saúde e integridade física dos trabalhadores.
Portanto, afigura-se que quanto a este aspeto se verificou ilicitude.
(…)
Analisa a matéria de facto apurada, afigura-se que o pressuposto em causa também se encontra preenchido.
Efetivamente, afigura-se censurável de um ponto de vista ético-jurídico que, embora tenha sido dada alta à autora, erradamente, a 14.02.2007, quando esta apresentava dores e dificuldade em movimentar o joelho, e quando a consolidação médica das lesões só ocorreu posteriormente, não se tenha tomado em devida consideração o requerimento apresentado pela autora, através do seu mandatário, a 26.06.2007, onde esta relatava que não se encontrava ainda curada e solicitava a continuidade do tratamento médico. Repare-se que a autora antes de fazer tal requerimento já havia ido, a 11.06.2007 a um uma consulta e efetuado ressonância magnética e raio-X a 14.06.2007, pelo que o seu requerimento tem como fundamento uma análise médica e meios de diagnóstico prévios que contrariavam a decisão que lhe dar alta.
Ao contrário do sustentado pelo réu Município na sua contestação, a obrigação de assegurar os tratamentos médicos dos seus trabalhadores em caso de acidente de serviço impende diretamente sobre si. O facto de ter sido celebrado um contrato de seguro não elimina nem transfere as obrigações legais que sobre si recaem, apenas oneram a Seguradora pelo pagamento dos tratamentos devidos médicos devidos.
Os contratos de seguro não desoneram ou desresponsabilizam o segurado, já que são acordos que não vinculam o lesado, que é um mero terceiro, vinculando as obrigações assumidas em tal contrato apenas a seguradora e o segurado.
Um terceiro lesado pode, evidentemente, pretender ver-se ressarcido de eventuais danos seja pelo lesante, seja pelo seu seguro, seja por ambos.
Deste modo, ao contrário do que consta da contestação, o presente litígio não respeita apenas a uma questão contravertida entre a autora e a Companhia de Seguros, posto que a autora pretendeu acionar a Seguradora e o Município, não estando em causa, pois, uma eventual responsabilidade subsidiaria do Município, como este invoca no artigo 8° da contestação, mas antes uma eventual responsabilidade solidária.
É certo que o Município celebrou o contrato de seguros em causa para assegurar o pagamento de prestações médicas aos seus trabalhadores no caso de acidente em serviço. No entanto, recaindo as obrigações legais de assistência médica aos trabalhadores lesados diretamente sobre si, o simples facto de ter celebrado um contrato de seguros não permite concluir que não lhe possa ser assacada culpa ou responsabilidade quando se comprove a existência de ilicitude na não prestação de cuidados médicos a um trabalhador lesado em acidente em serviço, como acontece no presente litígio.
Repare-se, aliás, que, ao contrário do que parece resultar da alegação do artigo 11° da contestação Município, não é sobre a autora que recai qualquer obrigação de comunicar ao Município o que quer que seja, a autora é titular do direito à prestação dos cuidados médicos em causa, sendo sobre o Município que recai a correspondente obrigação legal. É certo que a Lei permite ao Município celebrar um contrato de seguros para cobrir tais custos associados aos tratamentos médicos, no entanto, em parte alguma se refere que o Município, celebrado tal contrato, fica desonerado das obrigações legais que sobre si recaem. Portanto, o facto de alegadamente a autora não lhe ter comunicado os problemas que estavam a surgir na prestação de cuidados médicos, não desonera o Município, já que lhe cabia assegurar que tais prestações eram efetivamente prestadas à autora, já que esta é apenas um terceiro face ao contrato celebrado entre o Município e a Seguradora, que mais não é que uma prestadora de um serviço contratado pelo Município e que o cumpre nos termos contratados com ele, cabendo ao Município assegurar que os cuidados contratados fossem efetivamente prestados à sua trabalhadora.
De qualquer modo, ao contrário do que pretende o Município, não é razoável admitir que o Município não soubesse ou não devesse saber da situação da autora: a autora é trabalhadora do Município, e este, enquanto entidade empregadora não pode razoavelmente pretender que desconhecesse que a autora, não obstante a alta dada pela seguradora, continuava ausente do posto do trabalho.
Como se percebe pela leitura conjunta dos artigos 3.°, als. i), j), l) e m), 19.° e 20.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro, as lesões que o trabalhador sofreu em decorrência de um acidente em serviço podem implicar incapacidade para o mesmo exercer as suas funções, podendo esta ser caraterizada em função do âmbito temporal (temporária ou permanente) e da abrangência (parcial ou absoluta). Ora, a alta, como resulta do artigo 20.°, n.° 1 do mesmo diploma, ocorre quando o trabalhador possa ser considerado clinicamente curado ou quando as lesões sejam insuscetíveis de modificação com terapêutica adequada.
Portanto, sendo dada alta ao trabalhador a lei preconiza duas situações distintas: ou o trabalhador regressa ao trabalho ou o trabalhador continua ausente a aguardar a realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.
Ora, no caso em apreço, o Município tinha consciência (e não é plausível vislumbrar que seja de outra forma) que a autora, que sofreu um acidente em serviço, e à qual foi dada alta não regressou ao trabalho e não se encontrava a aguardar pela realização da junta médica da Caixa Geral de Aposentações.

Neste quadro específico, um empregador minimamente diligente e atento procuraria perceber a razão pela qual a autora tendo alta não regressava ao trabalho.
Assim, afigura-se censurável a própria atitude que o Município procura sustentar na contestação de que nada sabia por culpa da autora. Nada sabia porque não quis saber apesar de as circunstâncias concretas da autora apontarem para a existência de aspetos estranhos à previsão estabelecida no artigo 20.° do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.
O Município ignorou, ilícita e culposamente, a situação do trabalhador que sofreu o acidente em serviço em causa: a autora tinha que se apresentar ao serviço no 1° dia útil seguinte à alta (artigo 20.°, n.° 1), mas não o fez, não estando em causa uma situação em que tenha sido solicitada a realização de junta médica.
O Município sabia que a autora, depois de lhe ter sido dada alta, continuava ausente do serviço, não procurando inteirar-se das circunstâncias que justificassem tal ocorrência anormal e sem solicitar a sujeição da autora a junta médica ou a médico do trabalho (artigo 20.°, n.os 2 e 4). E não resulta dos autos que o Município tenha procurado, sequer, inteirar-se dos fundamentos de tal ocorrência seja junto da autora seja junto da companhia de Seguros.
Preenchidos os três primeiros pressupostos legais, importa verificar se existem danos.
(…)
Analisada a matéria de facto, afigura-se resultar dos autos a prova deste pressuposto legal.
Resulta efetivamente dos autos que a autora, teve que suportar tratamentos médicos que respeitam às consequências da lesão sofrida e que legalmente deveriam ter sido suportadas pelo Município ou sua Seguradora. Tal conduz a um empobrecimento patrimonial.
Por outro lado, também resulta demonstrada a existência de danos morais decorrentes dessa omissão de assistência, resultantes do facto de ter sido dada alta à autora e omitidos tratamentos quando esta ainda sentia dores e não se encontravam ainda estabilizados os danos decorrentes do acidente em serviço.
Afigura-se que esta situação, como é evidente, provoca preocupação e angústia decorrentes da incerteza e sentimento de abandono por parte da entidade empregadora e sua Seguradora.
Verificado o quarto pressuposto legal, importa verificar o último pressuposto, ou seja, verificar que existe um nexo causal entre os danos demonstrados nos autos e o facto ilícito e culposo.
(…)
Ora, face aos factos provados e à respetiva fundamentação da matéria de facto, afigura-se ter ficado demonstrado nos autos a existência de uma relação entre as lesões sofridas pela queda da autora no local de trabalho e as sequelas que apresenta no joelho. Efetivamente, como se constatou na fundamentação da matéria de facto, está demonstra a existência de uma relação de agravamento da situação clínica da autora que levou à intervenção cirúrgica de 25.07.2007, que a autora suportou diretamente.
A Seguradora nos artigos 14° e ss. da sua contestação invoca não ter o dever de indemnizar a autora pela existência de patologia anterior.
Afigura-se que não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, porque o artigo 7.°, n.° 5 do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro expressamente prevê que “a predisposição patológica ou a incapacidade anterior ao acidente não implica a sua descaracterização, nem prejudica o direito à reparação, salvo quando tiverem sido ocultadas.
Portanto, para que a pretensão da seguradora tivesse procedência seria necessário que demonstrasse não só que o trabalhador tinha uma predisposição patológica ou incapacidade anterior, mas também que ele as tinha ocultado.
Deste modo, ao contrário do alegado pela Seguradora não basta a existência de uma patologia anterior para que esta possa negar à autora o direito à reparação dos danos decorrentes do acidente em serviço.
Em segundo lugar, não existe nos autos qualquer alegação ou prova que demonstre que a autora tenha ocultado predisposição patológica ou incapacidade anterior ao acidente.
Em terceiro lugar, resulta do facto não provado 1- e da respetiva fundamentação que não ficou demonstrado nos autos que a autora padecia já antes do acidente de laceração da cartilagem do revestimento da rótula sem anomalias do padrão de sinal ósseo, como alegado pela ré Seguradora no artigo 16° da contestação.
Em quarto lugar, ao contrário do alegado pela ré Seguradora, afigura-se resultar dos autos que a lesão em causa carecia de tratamento. Poderá discutir-se se a intervenção cirúrgica de 25.07.2007 seria a mais adequada ou se haveria tratamentos médicos menos invasivos e com resultados idênticos. Mas o que é certo é que a autora não estava clinicamente curada nem sequer a situação estava clinicamente estabilizada.
A autora, não sendo médica, e vendo a sua saúde em risco, procurou, dentro das suas possibilidades e conhecimentos, um modo de minorar as lesões e sofrimento que sentia, perante a recusa dos serviços médicos da ré Seguradora de lhe prestar os cuidados médicos a que tinha direito.
Em quinto lugar, a tese da ré Seguradora de que o traumatismo do joelho sofrido pela autora foi lateral e não frontal carece em absoluto de sentido prático e de razoável experiência comum. O joelho apesar da sua complexidade é relativamente pequeno, pelo que carece de sentido pretender, como alega a ré Seguradora, que da queda da autora só pode ter ocorrido lesão lateral sem qualquer impacto na parte frontal do joelho. Assim, mesmo que se seguisse o entendimento da ré Seguradora, ainda assim não lhe assistiria razão. É que é pacífico nos autos que a autora sofreu uma queda que lhe provocou um traumatismo no joelho. E por isso mesmo, tal como resulta da fundamentação da matéria de facto, quer tenha existido uma lesão direta resultante da queda, quer tenha resultado o agravamento de uma lesão anterior, há sempre uma conexão com a queda, pelo que a autora tinha direito a tratamentos médicos relativos quer a essa lesão quer ao agravamento de lesão anterior. Mesmo que se demonstrasse que não existiu um traumatismo direto da estrutura operada, o facto de existir um impacto negativo na estrutura do joelho não afetada diretamente, não significa necessariamente que o acidente nada teve a ver com a necessidade de intervenção médica. Efetivamente, a afetação, ainda que indireta, de uma parte do joelho (frontal) apresenta um nexo causal com o acidente, já que se não ocorre o acidente e a fragilização da estrutura subjacente (lateral) não teria ocorrido a fragilização de outra parte do joelho, que até poderia ter uma lesão anterior.
Assim, a recusa da ré Seguradora em assegurar tratamentos médicos à autora ainda que relativa a uma estrutura biológica que só indiretamente foi afetada pela queda, constitui uma circunstância juridicamente censurável e que a responsabiliza diretamente à luz do que supra se foi referindo.
Reunidos os pressupostos legais, a autora tem direito à reparação dos danos sofridos em resultado do facto ilícito e culposo.
(…)
E continuou: Tendo em conta as circunstâncias do caso, visto que resulta dos autos que a autora foi deixada à sua sorte quando carecia de cuidados médicos, visto o dano corporal efetivo sofrido com o acidente em causa, que importou o reconhecimento de uma IPP de 10 %, com um quantum doloris fixado em 4/7, e que, a situação careceu de intervenção cirúrgica e o tempo que decorreu após a alta dada e que efetiva consolidação médico legal, que é o período em que a autora deveria ter sido acompanhada e lhe deveria ter sido prestados cuidados médicos que lhe foram negados e que teve que resolver pelos próprios meios, bem como o sentimento de angústia e abandono que a autora sentiu durante esse período, afigurar-se-ia que à autora deveria ser atribuída como equitativa uma indemnização que se fixaria no valor de € 10 000,00 a título de indemnização por danos morais.
No entanto, uma vez que o Tribunal não pode condenar em valor superior ao pedido, e posto que os danos patrimoniais apurados foram atribuídos na sua totalidade, e visto o pedido originário e o que resulta da ampliação, é de estabelecer, a título de indemnização por danos morais na quantia de € 2250,00.
Assim, a autora tem direito ao pagamento da quantia global de € 6604,03.
Temos assim uma circunstância juridicamente censurável e que responsabiliza os Recorrentes, na medida em que a Recorrida tem o direito constitucional à assistência e justa reparação em consequência de acidente de trabalho ou doença profissional - conforme prevê o artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa;
Assim como o direito constitucional à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde (artigo 59.º, n.º 1, alínea c) da CRP);
Como tal, afigura-se-nos razoável o decidido pelo Tribunal a quo, condenando solidariamente os Réus no pagamento à Autora/aqui Recorrida da quantia global de € 6.604,03 (seis mil, seiscentos e quatro euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação.
Manter-se-á na ordem jurídica a sentença recorrida.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento aos recursos.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique e DN.
Porto, 16/02/2024


Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita