Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00198/12.5BEMDL |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 12/16/2016 |
Tribunal: | TAF de Mirandela |
Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA; SEGURADORA. |
Sumário: | 1. A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor. 2. As acções emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidade pública, por acto de gestão pública, podem ser intentadas também contra a pessoa jurídica privada para quem aquela, por contrato de seguro anterior, haja transferido a sua responsabilidade. 3. Os tribunais administrativos são competentes, em razão da matéria, para conhecer e julgar actos de gestão pública, mas esta conclusão não se altera pelo facto de intervir, no lado passivo da acção, uma entidade privada.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
Recorrente: | G... – Companhia de Seguros, SA |
Recorrido 1: | A... Norte – Auto–Estrada do Norte, S.A. |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Sumaríssima (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser julgado o Tribunal Administrativo materialmente competente para conhecer do presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação do despacho saneador recorrido. |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Invocou para tanto, em síntese, que o Tribunal aqui recorrido, ao julgar-se incompetente, violou, porém, o artigo 4º, nº 1, alínea i), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, devendo, como tal, a sua decisão ser revogada e substituída por outra que o julgue competente e determine o prosseguimento dos autos.
A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser julgado o Tribunal Administrativo materialmente competente para conhecer do presente recurso jurisdicional, pugnando pela revogação do despacho saneador recorrido. * Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:1- Tanto o Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, primeiro, como o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, depois, se consideraram incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do litígio em causa nos presentes autos, atribuindo cada um a competência à outra ordem jurisdicional. 2- Verifica-se, pois, um verdadeiro conflito negativo de competência. 3- O Tribunal aqui recorrido, ao julgar-se incompetente, violou, porém, o artigo 4º, nº 1, alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, devendo, como tal, a sua decisão ser revogada e substituída por outra que julgue competente e determine o prosseguimento dos autos. 4- Se, contudo, assim se não entender deverá então resolver-se o sobredito conflito negativo de competência, determinando-se qual o tribunal que, em razão da matéria, deverá ser chamado a julgar a presente acção (cf. artigo 678º, nº 2, alª a), e 107º do Código de Processo Civil). * II – A competência do TAF de Mirandela
Saber se a situação jurídica descrita na petição pela autora está ou não sujeita ao regime jurídico por si invocado é questão que se prende com o mérito da acção e não com o pressuposto processual da competência – ver o acórdão do Tribunal de Conflitos de 9.7.2003, recurso 09/02. Aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (artigo 1º, n.º1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, aplicável à data da propositura da acção, e artigo 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa). No caso concreto foi deduzido um pedido de indemnização fundado num acidente ocorrido numa auto-estrada concessionada à Ré A... Norte – Auto-Estrada do Norte, SA. E são indicados os seguintes factos no articulado inicial, para alicerçar tal pedido: 1-A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade seguradora. 2- No exercício dessa actividade a Autora celebrou com M... Engenharia, Ldª um contrato de seguro do ramo «G... Automóvel», titulado pela Apólice nº 0084 10… (cfr. doc. nº 1), tendo como objecto seguro o veículo automóvel comercial com a matrícula **-LL-**, marca Renault, modelo Clio, pertença daquela referida segurada. 3- Este contrato incluía, entre outras, a cobertura de danos próprios do veículo seguro e encontrava-se em vigor à data dos factos que infra se narrarão. 4- A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à concepção, projecto, financiamento, construção, manutenção e exploração de uma rede de auto-estradas. 5- Sendo concessionária de várias auto-estradas, por contrato de concessão. 6- Entre as quais, a auto-estrada identificada como A7, que faz a ligação Póvoa de Varzim – Vila Pouca de Aguiar. 7- No dia 7 de Julho de 2011, pelas 14h40m, na Auto-Estada A7, no sentido Vila Pouca de Aguiar – Ribeira de Pena, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo supra referido seguro na Autora, na altura conduzido por PMMB. 8-Este último, depois de se ter munido junto da Ré, na respectiva portagem desta, do competente título para poder circular naquela dita auto-estrada, que a Ré, para aquele efeito, lhe entregou, contra o pagamento por aquele, à saída da auto-estrada e na respectiva portagem, do preço por essa circulação, circulava com aquele veículo na referida auto-estrada e indicado sentido de marcha, pela hemi-faixa de rodagem do lado direito, a uma velocidade não superior a 120Km/hora, e atento ao demais trânsito e condições da via. 9-Ao aproximar-se do Km 93, no concelho de Ribeira de Pena, foi o condutor surpreendido pela presença de um objecto metálico – uma banca lava loiça em inox, que se encontrava no meio da sua hemi-faixa de rodagem, a obstruir o trânsito. 10-Não tendo hipótese de se desviar do mesmo, atento o trânsito que se fazia sentir e os veículos que por ali circulavam, como de facto, o faziam, nomeadamente na hemi-faixa de rodagem do seu lado esquerdo, o condutor do LL travou, numa tentativa de evitar o embate, o que tudo não foi, no entanto, possível, acabando o LL por embater com a parte da frente e inferior do LL, na referida banca de inox. 11-Após o embate, o veículo seguro ainda circulou cerca de 1Km, após o que o seu condutor o imobilizou numa zona de SOS. 12- Ao local foram chamadas as autoridades, tendo comparecido a GNR – Posto de Trânsito de Chaves, a qual tomou conta da ocorrência, bem como um funcionário da aqui Ré, tendo todos constatado a presença na via da referida banca lava-loiça em inox, bem como os danos provocados pela mesma no sobredito veículo seguro (cfr. doc. nº 2). 13- A auto-estrada em causa é composta por duas hemi-faixas de rodagem em cada sentido de marcha, com separador central. 14- Na altura do sinistro estava bom tempo e o piso da via encontrava-se seco. 1 5- A Ré permitiu a presença de um objecto estranho de grandes dimensões e susceptível de criar perigo na via, sem o remover ou, de alguma forma, o sinalizar, ou sequer alertar os utentes para o mesmo. 16- O embate do veículo seguro no lava-loiça causou no mesmo diversos danos, nomeadamente no pára-choques e parte inferior do mesmo. 17- Em virtude do contrato referido em 2º e por se terem verificado os riscos nele previstos, a aqui Autora assumiu a sua responsabilidade perante o seu segurado pelo ressarcimento dos danos resultantes no veículo seguro, tendo procedido ao pagamento da reparação do mesmo, no valor de €2.240,70 (cfr. documentos nºs 3 e 4). 18- Face ao disposto no art. 30º das Condições Gerais da Apólice Uniforme do Ramo Automóvel, no art. 136º da Lei nº 72/2008, de 16/04, a Autora na sua qualidade de seguradora, e depois de ter pago, como pagou, as quantias acima referidas, ficou sub-rogada nos direitos dos lesados no acidente supra e tem assim direito de reembolso daquelas contra a aqui Ré, 19- Sendo certo que, se tais obrigações tivessem sido cumpridas, o acidente em discussão nos presentes autos não teria ocorrido. 20- A Autora pretende exercer o seu dito direito, para assim obter da Ré o reembolso do por ela pago. 21) Esta petição deu entrada Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar. 22) Este Tribunal julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando-se incompetente em razão da matéria para apreciação da presente acção e ordenou o envio do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. 23) Este último Tribunal também julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material e, consequentemente, absolveu a Ré da presente instância. Numa situação análoga à dos presentes autos, sustentou-se no acórdão nº 00047/10.9 AVR, do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.04.2006, no processo 02119/04 PRT, citado no acórdão deste mesmo Tribunal, de 20.05.2016, no processo 00239/12.6 CBR: «I. As acções emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidade pública, por acto de gestão pública, podem ser intentadas também contra a pessoa jurídica privada para quem aquela, por contrato de seguro anterior, haja transferido a sua responsabilidade. II. Os tribunais administrativos são competentes, em razão da matéria, para conhecer e julgar actos de gestão pública, mas esta conclusão não se altera pelo facto de intervir, no lado passivo da acção, uma entidade privada. III. Com efeito, a competência que se discute é em razão da matéria controvertida, ou seja, a natureza dos actos ou factos causadores dos danos cujo ressarcimento se imputa ao ente público. O contrato de seguro apenas faz transferir o “quantum” indemnizatório para a empresa seguradora, não a responsabilidade jurídica pelo evento. IV. Aferindo-se a competência material dos Tribunais Administrativos pela alínea g) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, o que implica ou exclui tal competência não é a qualidade dos sujeitos em si mesma considerada mas tal qualidade conjugada com as questões a apreciar que impliquem a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público.» Seguindo, de resto, as pegadas do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.01.2005, no processo 519/08, de 04.02.2009: “ (…) A jurisprudência deste Tribunal tem repetidamente afirmado que nas acções emergentes de responsabilidade civil de pessoa colectiva pública, por acto de gestão pública, podem ser chamadas a intervir as entidades seguradoras para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade. Entendimento que o Acórdão de 6-3-2001 (rec. 46.913) justificou assim: “É que os Tribunais Administrativos são efectivamente competentes para conhecer e julgar os actos de gestão pública que, obviamente, subjazem numa relação jurídica administrativa, nos termos do artigo 3º do ETAF, e que não sejam excepcionados pelo art. 4º, questão pacífica nos autos. E essa conclusão não se altera pelo facto de intervir, no lado passivo da acção, uma entidade privada.Com efeito, a competência do Tribunal que se discute, é em função da matéria controvertida, ou seja, a natureza dos actos ou factos causantes dos danos cujo ressarcimento se imputa à responsabilidade da CMG. É bom não esquecer que a responsabilidade dos danos alegados, é sempre e apenas do autor do facto lesivo, no caso imputado à CMG, haja ou não contrato de seguro a transferi-la, que é alheio a esta questão. Acontece é que, se este existir, lhe serve para cobrar do tomador a medida da responsabilidade, em espécie ou equivalente. Mas apenas para isso e não para alterar os dados da questão subjacente da responsabilidade, ou seja, a natureza dos actos responsáveis, que sempre pertenceram ao ente público, no que de gestão pública forem, e só em função deste têm que ser aferidos. O contrato de seguro faz transferir o quantum indemnizatório para a entidade seguradora, suposta a legalidade dele, não a responsabilidade jurídica pelo evento e a sua autoria. Assim, a função do interveniente principal passivo reduz-se a mero auxiliar ou associado na defesa dos interesses do réu que, se também são seus, são-no porém só reflexamente, na medida das vicissitudes da acção. Assim também, o seu posicionamento na relação jurídica processual tem por objecto os mesmos actos causantes do dano alegado, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido do réu, e não os factos jurídicos derivados do contrato de seguro que os liga. Logo, a pedra de toque que serve para julgar da competência do Tribunal em razão da matéria na acção, é só uma e a mesma, seja para as partes principais, seja para os chamados, tanto quanto são únicos e os mesmos os factos geradores da responsabilidade que são trazidos pelo autor à colação. Este não imputa à CMG responsabilidade pelo alegado contrato de seguro, mas por actos ou omissões dela, no exercício de função pública, que lhe causaram danos. Quem responde por eles é a Câmara e só a Câmara. Quem lhos pagará efectivamente é outra coisa”.
(…)”
No caso vertente, está em causa um acidente de viação envolvendo um veículo e uma banca de lava-loiça em inox, alegadamente sitos em faixa de rodagem da A7, cuja responsabilidade pela sua ocorrência é imputada à Recorrida enquanto concessionária daquela auto-estrada, por incumprimento dos deveres que lhe incumbiam de vigilância e segurança daquele troço de auto-estrada, decorrentes do respectivo contrato de concessão celebrado com o Estado.
Deve, pois, proceder o recurso, com revogação do despacho recorrido. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam o despacho saneador recorrido.
B) Julgam competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela para conhecer da matéria em causa nestes autos.
C) Determinam a baixa dos mesmos para prosseguimento dos respectivos trâmites, se nada mais a tal obstar.
Não é devida tributação. Porto, 16.12.2016 Ass.: Rogério Martins Ass.: Luís Garcia |