Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01878/18.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/21/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL; DIREITO DESPORTIVO; FEDERAÇÕES DESPORTIVAS
Sumário:
1 – A “escolha” da via recursiva competente não pode ser obtida por via das custas devidas em cada uma delas.
Se é certo que os valores a suportar pelas partes em sede Tribunal Arbitral, no caso do Desporto, são superiores aos que resultam do Regulamento das Custas Processuais, tal não obsta a que se possa obter a necessária tutela jurisdicional efetiva.
2 – As questões estritamente desportivas não são suscetíveis de tutela jurisdicional, com exceção dos casos de tais normas versarem sobre direitos indisponíveis, afetarem direitos fundamentais, ou violarem normas que protegem outro tipo de valores (v. g. corrupção, violência. doping).
Não são assim suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas, as quais podem ser definidas como aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
3 - Consideram-se leis do jogo, o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:DM
Recorrido 1:FPF
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O DM, devidamente identificado nos autos, no âmbito da Providência Cautelar, que apresentou contra a FPF e AFVC, na qual requereu a “suspensão da eficácia quer da norma contida no art. 25.º, n.º 1, do RECITJ, aprovado pela Direção da 1ª Requerida, na reunião de 25.06.2015, publicado em 30.06.2015, através do Comunicado Oficial n,º 435, quer da norma na Tabela 6, do Comunicado Oficial n.º 1 - 2018/2019, publicado em 30 de Junho de 2018, sob a epígrafe “Quotas de transferência de clube estrangeiro para clube nacional”, estabelecendo que as quotas a pagar, pelos clubes nacionais, nas transferências internacionais para clubes nacionais de campeonatos distritais, de futebol sénior masculino, são de € 1.065, por cada jogador de futebol” amador.
O DM, inconformado com a decisão proferida em 27 de setembro de 2018, no TAF de Braga, que declarou o “tribunal administrativo de círculo incompetente em razão da jurisdição para conhecer da matéria patente no presente processo cautelar”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença em 15 de outubro de 2016, no qual formulou as seguintes conclusões:
1. O Comunicado Oficial n.º 1, para a época desportiva 2018/2019, na tabela 5 fixou a quota de transferência entre clubes nacionais, por cada jogador nacional de futebol amador, a pagar pelo clube a disputar os campeonatos distritais, no valor de 37,50€ (trinta e sete euros e cinquenta cêntimos). Por sua vez, na tabela 6 fixou a quota a pagar, pelo clube a disputar os campeonatos distritais, de transferência de clube comunitário para clube nacional, por cada jogador comunitário de futebol amador.
O valor de 1.065€ (mil e sessenta e cinco euros).
2. A 1ª requerida, delegou na segunda 2ª requerida, também esta melhor identificada na P.I., a competência para a organização do processo de inscrição e do registo de jogadores dos clubes do Distrito de Viana do Castelo, sujeito a homologação daquela. É através da 2ª requerida que é efetuado o registo da transferência dos jogadores e é efetuado pagamento da quota requerente a esse ato à 1ª requerida.
3. O requerente pretende proceder ao registo das inscrições dos jogadores de futebol séniores amadores, para a época de 2018/2019, sendo que de entre os registos pretendidos estão as transferências de dois jogadores séniores amadores de nacionalidade de um Estado-Membro, naturais do Reino de Espanha.
4. De acordo com a tabela 6 do Comunicado Oficial n.º 1, para a época desportiva 2018/2019, a 2ª Requerida exige ao Requerente, para registo dos dois jogadores, o valor de 2.130 € (dois mil cento e trinta euros). Valor que o Requerente não consegue suportar dada a sua exígua receita.
5. Apesar de toda a factualidade alegada pela requerente na sua PI e da admissão liminar da providência cautelar interposta, a douta sentença recorrida, apenas considerou o Tribunal Administrativo de Círculo incompetente em razão da jurisdição para conhecer da matéria patente no processo cautelar, absolvendo as requeridas da instância cautelar, por entender:
(1º) Que o tribunal Arbitral do Desporto detém competência exclusiva para conhecer e julgar os litígios respeitantes à validade de normas regulamentares emitidas ao abrigo de poderes públicos.
6. Com todo o respeito, parece-nos que a douta sentença, ora recorrida, assentou em erro nos pressupostos de direito.
7. Com efeito, por meio da atribuição, às federações desportivas, do estatuto de utilidade pública desportiva, são-lhe concedidos poderes públicos, o que impede a submissão da atuação dos órgãos federativos a um quadro normativo exclusivo de direito privado, baseado na natureza jurídica privada de que se reveste a associação.
8. Nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, que estabelece o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, “têm natureza pública os poderes das federações desportivas exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina da respetiva modalidade que, para tanto, lhe sejam conferidos por lei”. Significa isto que, o exercício de poderes públicos, na atuação dos órgãos das federações, manifesta-se por meio da prática de atos administrativos ou aprovação de regulamentos administrativos.
9. Ora, a impugnação de tais atos, é constitucionalmente outorgada à jurisdição administrativa, cuja competência material cabe aos tribunais administrativos por meio da conjugação do n.º 3 do artigo 212.º e n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa com os artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
10. Dado que em causa, no caso concreto, se pretende aferir da legalidade de norma constante de regulamento, aprovado pela 1ª Requerida no exercício de poderes públicos, entende-se assim que a competência para apreciar da ação recai nos Tribunais Administrativos.
11. Constitui princípio invadeável que o TAD não tem o monopólio para apreciar todas as questões que relevam do ordenamento jurídico desportivo, designadamente, aquelas em que são dirimidas ofensas constitucionais e legais destinadas a proteger valores e interesses estranhos ao fenómeno desportivo, sendo estas da competência exclusiva dos tribunais do Estado.
12. Ainda assim, não podemos deixar de nos debruçar sobre o disposto no artigo 1.º, n.º2 da Lei n.º 74/2013, na redação dada pela Lei n.º33/2014 de 16 de Junho, relativo à natureza e regime do TAD: “O TAD tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto”.
13. Olhando, primeiramente, para a parte final do artigo, este remete-nos a litígios “relacionados com a prática do desporto”. Ora, não é plausível afirmar-se que o litígio esteja relacionado com a prática de desporto na medida em que o não pagamento da taxa em análise culmina na impossibilidade de inscrição de jogador no clube e, consequentemente, de participação na competição desportiva. Nessa medida, não se revela exequível falar em “prática de desporto” pois o atleta não chega sequer a obter a qualidade de jogador.
14. É incontestável que, no caso em apreço, estamos diante de um litígio que releva do ordenamento jurídico desportivo, todavia, as violações perpetradas pela norma cuja legitimidade é aqui questionada vão muito além do ordenamento jurídico desportivo.
Estamos perante uma situação de desrespeito de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, e de um princípio basilar do Estado de Direito.
15. O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa dispõe que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, não podendo “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
16. Qualquer tratamento diferenciado, que não apresente justificação válida, não será tolerado. Por isto, como corolário do princípio da igualdade, surge-nos um outro, o da proibição da discriminação, sendo que, por discriminação, entender-se-á qualquer diferenciação arbitrária. Assim, é proibida a discriminação em razão, designadamente, do território de origem.
17. Também a CRP, consagra, no seu artigo 79.º o Direito à Cultura física e desporto, com a seguinte redação:
“1. Todos têm direito à cultura física e ao desporto.
2. Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.”.
18. Da conjugação dos artigos 13.º e 79.º da CRP, deriva uma obrigação Estadual no sentido de garantir, conjuntamente com as associações e coletividades desportivas, o direito de todo e qualquer cidadão, independentemente do seu país de origem, à cultura física e ao desporto.
19. Ora a norma cuja legalidade é trazida a apreciação, ao estabelecer um valor, além de distinto do disposto para os nacionais, excessivamente elevado para a inscrição de atletas estrangeiros ou provenientes de outro estado comunitário, sem que para tal apresente justificação válida, viola não só o princípio da proibição da discriminação, enquanto corolário do princípio da igualdade, como também o direito constitucionalmente consagrado à Cultura física e ao desporto.
20. Forçosamente, torna-se imperativo que diante de tal circunstância, seja a causa julgada no âmbito dos tribunais estaduais e não de um tribunal de natureza privada, como o é o Tribunal Arbitral do Desporto.
21. Ainda que tudo o demais supra explanado não encontre acolhimento neste Tribunal, recorde-se o princípio constitucional do acesso à justiça como direito fundamental de todos, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o artigo 17.º também da CRP, que nos diz que a ninguém deve ser negado o acesso à justiça por insuficiência de meios económicos.
22. Embora a Requerente, se encontre isenta de custas por força do disposto no n.º1, al. f), do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, essa isenção não se estende às custas correspondentes aos litígios que tenham lugar no TAD, fixadas pela Portaria n.º 301/2015 de 22 de Setembro.
23. Ora, conforme se pode deduzir do disposto na mesma Portaria, as custas inerentes ao TAD são elevadíssimas, superando, inclusivamente, o valor devido definido pela norma cuja legalidade se apreciará, para a inscrição dos jogadores estrangeiros.
24. Claro está que a Requerente não tem possibilidade de suportar tão dispendiosas custas.
25. Por tudo o demais não podemos deixar de considerar que o Tribunal competente para conhecer do pedido é o Tribunal Administrativo.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito aplicáveis, deverá a douta decisão recorrida ser revogada em conformidade, reconhecendo-se a competência ao Tribunal Administrativo para conhecer da causa, com todas legais consequências.”
*
A Recorrida, FPF/AFVC veio a apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 31 de outubro de 2018, tendo concluído:
A. Ao presente recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo, tal como expressamente está estabelecido no artigo 143.°, n.º 2, alínea b), do CPTA, sendo absolutamente irrelevante, para este efeito, o juízo que o Recorrente formula quanto ao pretenso efeito suspensivo do presente recurso.
B. O tribunal competente para apreciar a ação administrativa de impugnação de normas, de que a providência cautelar é instrumental, é o Tribunal Arbitral do Desporto, tal como resulta da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, alterada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de junho, que aprova a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto («Lei do TAD»).
C. De acordo com a Lei do TAD, em particular no seu artigo 4.°, n.º 1, o âmbito da arbitragem necessária atribuída ao TAD abrange os atos administrativos e os atos normativos, sendo aquele competente para conhecer dos atos das federações e ligas profissionais «praticados no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação».
D. As normas suspendendas foram justamente emitidas no exercício dos poderes públicos de regulamentação das competições desportivas de futebol, que estão atribuídos à FPF, designadamente, nos termos do disposto no artigo 10°, e nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 41.°, do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho.
E. A circunstância de o Recorrente fundar parcialmente o seu pedido de impugnação de normas - e a respetiva providência cautelar - na violação direta da Constituição, ao contrário do que o Recorrente alega, não determina a competência do tribunal administrativo estadual, pela simples razão de que os tribunais administrativos, nas ações de impugnação de normas destinadas a declarar a ilegalidade com força obrigatória geral, instauradas por particulares (cf. artigos 72.°, n.º 1, e 73.°, n.º 1, do CPTA), apenas têm competência para declarar a invalidade de normas justamente com fundamento na violação de normas legais.
F. E se no âmbito das ações de impugnação de normas destinadas a declarar a ilegalidade com força obrigatória geral, instauradas por particulares, os tribunais administrativos estaduais apenas têm competência para declarar a invalidade de normas justamente com fundamento na violação de normas legais, também o TAD está de igual modo delimitado nos seus poderes de cognição - mas tal conclusão deriva do ordenamento jurídico português e, em particular, do disposto nos artigos 280.° a 282.° da Constituição e nos citados artigos 72.°, n.º 1, e 73.°, n.º 1, do CPTA, e não respeita às normas de repartição de competência entre o TAD e os tribunais administrativos.
G. Decorre também das conclusões anteriores que o TAD é o tribunal competente para julgar a providência cautelar, por ser o tribunal competente para julgar a ação principal (artigo 41.° da Lei do TAD), a qual tem outros fundamentos que não apenas o alegado pelo Recorrente nas Alegações de recurso (o de as normas suspendendas «desrespeita[re]m direitos fundamentais, por isso, do âmbito da jurisdição estadual, nomeadamente a administrativa»).
H. O apelo à ideia de "questões estritamente desportivas" constante das Alegações de recurso para excluir a competência do TAD está, como se sabe, há muito ultrapassado: ainda que o conceito de "questões estritamente desportivas" subsistisse na lei, o mesmo (ou seu sucedâneo atual) serviria para delimitar as questões que ficam excluídas do TAD, tal como, antes da criação deste tribunal, estavam excluídas da jurisdição dos tribunais administrativos (cf. os artigos 12.° da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, aprovada pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, e 12.° do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, ambos revogados pelo artigo 4.° da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que aprovou a criação do TAD e a respetiva lei); o conceito de "questões estritamente desportivas" já não tem relevância legal e, quando a teve, não servia para delimitar a repartição de competências entre o TAD e os tribunais administrativos estaduais.
I. Finalmente, improcede o segundo fundamento do recurso, atinente às "custas elevadíssimas do TAD", visto que a questão da determinação do âmbito da competência material de qualquer tribunal resolve-se através das regras de determinação da competência, às quais são totalmente alheias as regras de fixação do valor das custas judiciais associadas.
J. Mas, sem conceder, o certo é que, atento o valor atribuído à providência cautelar, que é de 5.000,01€, o valor das custas devidas pelo processo no TAD (cf. a Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, que fixa a taxa de arbitragem necessária e os encargos do processo) não será seguramente superior ao devido caso o processo corresse num tribunal administrativo estadual.
K. Face ao que antecede, verifica-se a incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para conhecer da presente providência cautelar, em virtude de a lei atribuir a competência ao TAD, tratando-se de caso de incompetência absoluta, não merecendo a Sentença recorrida qualquer censura a este respeito.
Nestes termos, e nos mais de Direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a Sentença recorrida.
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O Recurso veio a ser admitido por Despacho de 6 de novembro de 2018.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 13 de novembro de 2018, nada veio dizer, requerer ou promover.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Vem suscitada relativamente à decisão recorrida a necessidade de verificar se ficou devidamente decidida a questão da competência material dos tribunais Administrativos para julgar a presente questão, à luz do Artº 4º do ETAF, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
Tendo sido declarada pelo tribunal a quo a sua “incompetência em razão da jurisdição”, a factualidade fixada limitou-se a reproduzir o Requerimento Inicial apresentado, o qual se dá aqui por reproduzido – Artº 663º nº 6 CPC.
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IV – Do Direito
A competência de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir.
A questão está pois objetivamente em saber se a competência dos TAF para julgar a presente Providência se enquadra com o estatuído no ETAF.
Como ficou dito no Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 012/09 de 08-10-2009, “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objetivos com ela prosseguidos.”
Discorreu-se em 1ª instância:
Analisando cuidadosamente o requerimento inicial (causa de pedir e pedidos formulados), constata-se que o Requerente pretende que sejam suspensas (não aplicáveis ao seu caso concreto e específico) (i) a norma contida no art. 25.º, n.º 1, do RECITJ, aprovado pela Direção da FPF, na reunião de 25-06-2015, publicado em 30-06-2015, através do Comunicado Oficial n.º 435, e, (ii) a norma contida na Tabela 6, do Comunicado Oficial n.º 1 – 2018/2019, publicado em 30 de Junho de 2018 (que sob a epígrafe “Quotas de transferência de clube estrangeiro para clube nacional”, estabelece que as quotas a pagar, pelos clubes nacionais, nas transferências internacionais para clubes nacionais de campeonatos distritais, de futebol sénior masculino, são de 1.065 €, por cada jogador de futebol amador).
Como é sabido, a Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho - alterada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro - aprovou a Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD).
Ora, a nossa jurisprudência já se pronunciou no sentido do Tribunal Arbitral do Desporto deter competência exclusiva para conhecer e julgar os litígios respeitantes à validade de normas regulamentares emitidas ao abrigo de poderes públicos. Com efeito, o VENERANDO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL (TCAS), no seu douto Acórdão proferido em 04 de Maio de 2017 (no âmbito do Processo n.º 3/17.6BCLSB), sufragou tal entendimento. Tendo o COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA), no seu douto Acórdão proferido em 04 de Fevereiro de 2018 (no âmbito do Processo n.º 01120/17), confirmado tal doutrina, nos seguintes termos:
“…No capítulo relativo à “Organização dos tribunais” refere o n.º 2 do art. 205.° da CRP que podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz. Como pondera Rui Medeiros, in “Arbitragem Necessária e Constituição”, pp. 19 e 20 «(...)uma leitura integrada da Constituição não favorece o entendimento segundo o qual o direito de acesso aos tribunais tem em vista apenas os tribunais estaduais. Para além do argumento literal, se a Constituição recusa expressamente um monopólio estadual da função jurisdicional e inclui expressamente, na enumeração das categorias de tribunais, os tribunais arbitrais, que são assim qualificados como verdadeiros tribunais, a conclusão para que aponta uma interpretação sistematicamente comprometida do preceito que consagra o direito fundamental de acesso aos tribunais em geral vai justamente no sentido de que a tutela jurisdicional efetiva pode exercer-se quer através dos tribunais estaduais quer por recurso aos tribunais arbitrais — “uns e outros exercem, com igual dignidade, a função jurisdicional”» [Fausto de Quadros, Arbitragem «necessária», «obrigatória», «forçada»: breve nótula sobre a interpretação do artigo 182.º do CPTA, p. 258].
Atenhamo-nos, pois, a clarificar a natureza do TAD interpretando os preceitos aplicáveis nos termos do art. 9º do CC.
Então vejamos.
Dispõe a Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro na redação dada pela Lei n.º 33/2014 de 16 de Junho:
«Artigo 1.º - Natureza e regime
1 - O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é uma entidade jurisdicional independente, nomeadamente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira.
2 - O TAD tem competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto.
3 - São receitas do TAD as custas processuais cobradas nos correspondentes processos e outras que possam ser geradas pela sua atividade, nomeadamente as receitas provenientes dos serviços de consulta e de mediação previstos na presente lei.
4 - Incumbe ao Comité Olímpico de Portugal promover a instalação e o funcionamento do TAD.
(...)
Artigo 3.º - Âmbito da jurisdição
No julgamento dos recursos e impugnações previstas nos artigos anteriores, o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito.
Artigo 4.º - Arbitragem necessária
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de: a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina; b) Decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.»
Por outro lado resulta do art. 3.° da LTAD que o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito. E é precisamente com base neste preceito que se levanta a questão do âmbito dos poderes atribuídos ao tribunal arbitral do desporto. Para aferir se a jurisdição plena em matéria de facto e de direito, no que toca ao julgamento dos recursos e impugnações que compete ao TAD decidir, significa a possibilidade de um reexame global das questões já decididas com emissão de novo juízo comecemos por aferir, desde logo, as razões que estiveram na base da criação daquele Tribunal. Olhando para a Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro que cria o Tribunal Arbitral do Desporto verificamos que resulta da mesma que este é um tribunal sui generis. […] Ou seja, o legislador pretendeu dar ao TAD uma dimensão que não se reduz a um mero substituto dos tribunais administrativos.
E, não se diga que o TAD, não obstante as particularidades que apresenta relativamente aos demais tribunais, está sujeito às restrições dos Tribunais Administrativos no tocante à sindicância da atividade administrativa, designadamente a relacionada com o poder disciplinar. Na verdade, resulta da Lei do TAD que o mesmo é um verdadeiro tribunal, mas com algumas especificidades relativamente aos tribunais administrativos. […] Desde logo, não teria sentido dar ao Tribunal Arbitral do Desporto a possibilidade de conhecer ab initio o litígio desportivo como se fosse uma entidade administrativa e depois limitar-se conceptualmente o âmbito do poder de jurisdição plena em sede de direito e do facto, em sede de recurso da decisão administrativa dos órgãos referidos no nº3 do referido artigo 4º.
[…] Ou seja, com este preceito pretendeu-se dar ao TAD a possibilidade de reexame das decisões em sede de matéria de facto e de direito das decisões dos Conselhos de Disciplina. E, não é esta competência que lhe retira a dimensão de verdadeiro tribunal. Não se invoque, também, com o citado art. 4º nº2 de que, salvo disposição em contrário a sua competência abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, porque se ressalva expressamente, as que lhe forem aplicáveis e a remissão é feita para o meios contenciosos e não para os poderes do tribunal no seu julgamento. Nem se invoque o art. 61º da LTAD ao prever “Em tudo o que não esteja previsto neste título e não contrarie os princípios desta lei, aplicam-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos processos de jurisdição arbitral necessária, e a LAV, nos processos de jurisdição arbitral voluntária” já que o mesmo pressupõe precisamente, em tudo o que não esteja previsto, quando a plena jurisdição de facto e de direito está prevista no referido art. 3º da LTAD. Nem se diga, também, que tal violaria os limites impostos aos tribunais administrativos pelo princípio da separação e interdependência dos poderes (art. 3°, n.º 1 do CPTA), nomeadamente em matéria relacionada com o poder disciplinar, como é o caso. Este art. 3º do CPTA diz respeito aos poderes dos tribunais administrativos e reza: «1 - No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.»
Mas, desde logo, o TAD não é um tribunal administrativo, não integrando a jurisdição administrativa, não obstante as regras do CPTA possam ser de aplicação subsidiária. […]
Não se vê porque o legislador não tenha podido e querido dar ao TAD especificidades relativamente às tradicionais competências dos tribunais administrativos não obstante as normas do CPTA sejam de aplicação subsidiária, no que seja compatível. […]
Pelo que, não existe qualquer absurdo em que o TAD beneficie de um regime, em sede de sindicância da atividade administrativa que, em sede de recurso da sua decisão, não é tido como o tradicionalmente conferido aos tribunais administrativos, limitados na sua ação pela chamada “reserva do poder administrativo»…”.
Aderindo e sufragando os fundamentos consignados no douto Aresto supra reproduzido, é inequívoca a competência do Tribunal Arbitral do Desporto [nos termos do art. 4.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro] para conhecer da validade ou invalidade das normas suspendendas, na medida em que foi, no exercício dos poderes de regulamentação das competições desportivas de futebol que se encontram atribuídos à FPF [cf. art. 10.º e art. 41.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 93/2004, de 23 de Junho], que tais normas suspendendas foram emitidas por tal entidade.
Com efeito, do domínio da arbitragem necessária instituída pela Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho - alterada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro -, compete exclusivamente ao Tribunal Arbitral do Desporto conhecer, além do mais, quer das ações administrativas de impugnação de normas emitidas pelas federações desportivas ao abrigo de poderes públicos quer das respectivas providências cautelares instrumentais daquelas.
Em suma, e tendo presente o teor do requerimento inicial, em articulação com o consignado no art. 4.º da Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho (na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro), a competência para conhecer dos presentes autos cautelares pertence, inequivocamente, à jurisdição arbitral desportiva (Tribunal Arbitral do Desporto) e não a esta jurisdição administrativa [cf. arts. 13.º e 14.º do CPTA; cf. art. 96.º, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º, in fine, do CPTA]. Com efeito, terá de se considerar a matéria dos autos cautelares excluída do conhecimento da jurisdição administrativa e, ao invés, incluída no âmbito da jurisdição arbitral desportiva (Tribunal Arbitral do Desporto) [cf. art. 4.º, n.º 1, a contrario sensu, do ETAF], não se olvidando que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente [cf. art. 5.º, n.º 1, do ETAF].
Assim, sem maiores delongas, não é da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo conhecerem de tal matéria, mas antes dos Tribunais Arbitrais (nomeadamente, o Tribunal Arbitral do Desporto) - o que determina a absolvição da presente instância cautelar das Requeridas.”
Há desde logo um lapso, reiterado, no discorrido na sentença recorrida, a que importa aludir, quando se afirma que no “domínio da arbitragem necessária instituída pela Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho - alterada pela Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro”, pois que a cronologia dos diplomas referidos é, naturalmente, a inversa.
Refira-se que se não vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª instância.
O presente recurso visa obter a revogação da decisão proferida em 1ª instância que considerou os TAF como materialmente incompetentes para conhecer e dirimir o litígio submetido à apreciação dos Tribunais desta ordem jurisdicional.
Surpreendentemente o Recurso tem como um dos seus pilares o facto da tabela de custas e encargos do Tribunal Arbitral do Desporto constituir um obstáculo económico ao exercício de direitos de um clube amador.
Entende a Recorrente que o recurso obrigatório para o TAD não assegura a tutela jurisdicional efetiva, o que será agravado pelas custas que alegadamente serão superiores às cobradas nos tribunais administrativos.
Mal seria que as partes pudessem escolher a instância jurisdicional em função das custas que teriam de pagar em cada uma delas.
Se é certo que os valores a suportar pelas partes em sede Tribunal Arbitral poderão ser superiores às que resultam do Regulamento das Custas Processuais, tal não obstará a que se possa obter a necessária tutela jurisdicional efetiva.
Na realidade, se for caso disso, sempre a parte poderá recorrer ao apoio judiciário.
Efetivamente, o Artº 8º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho - acesso ao direito e aos tribunais – assegura expressamente que: 1 - Encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta o rendimento, o património e a despesa permanente do seu agregado familiar, não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo.
2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, às pessoas coletivas sem fins lucrativos.
Sempre teria pois a Recorrente que fazer prova de que «não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo».
Acresce que a Portaria nº 301/2015, de 22 de Setembro, relativa à taxa de arbitragem e os encargos no âmbito da arbitragem voluntária define no seu Artº 4º relativamente ao “Apoio judiciário” que “Nos processos de arbitragem necessária em que tenha sido concedido apoio judiciário, a algum ou alguns dos interessados, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, as taxas de arbitragem e relativas a atos avulsos, bem como as despesas cujo pagamento seja da responsabilidade do interessado que beneficia do apoio judiciário são suportadas pela entidade da área da justiça responsável por arrecadar a receita e efetuar a despesa no âmbito deste apoio”.
Não haveria pois qualquer impedimento a que, se fosse caso disso, a Recorrente pudesse ter recorrido ao instituto do Apoio Judiciário em sede de Tribunal Arbitral.
No que concerne já à competência, referia o Artº 18º da Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto) que “1 - Os litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo, ficando sempre salvaguardados os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva.
2 - Não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
3 - São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.
5 - Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas.
Acontece que o transcrito artigo deixou de vigorar em decorrência da revogação expressa estabelecida na Lei nº 5/2007, pelo Artº 4º alínea b), que aprovou o Tribunal Arbitral do Desporto – Lei n.º 74/2013.
Assim, com a entrada em vigor da Lei nº 74/2013 a controvertida matéria passou a ser regulada pelos seus Artº 1º e 4º, que referem (Artº 1º nº 2) que “o TAD tem competência especifica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto.”
Mais refere o aludido artº 4º relativamente à arbitragem necessária o seguinte:
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de;
a) Deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina;
b) Decisões finais de órgãos das ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 - Com exceção dos processos disciplinares a que se refere o artigo 59.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.
5 - (...)
6 - É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no nº 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
Em face do que precede, mostra-se não ser de aceitar o entendimento preconizado pela Recorrente.
Efetivamente, resulta do transcrito nº 6 do art.º 4 da Lei nº 74/2013 quais as matérias afastadas do âmbito do contencioso.
Assim, apenas as questões essencial e predominantemente desportivas ficam dependentes das federações desportivas.
Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21/09/2010, proferido no Recurso nº 0295/10, as questões estritamente desportivas não serão suscetíveis de tutela jurisdicional, com exceção dos casos de tais normas versarem sobre direitos indisponíveis, afetando direitos fundamentais, ou violando normas que protejam outro tipo de valores (v. g. corrupção, violência. doping).
Como se sumariou no referido Acórdão do STA “(...) não são suscetíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
(...) são questões estritamente desportivas aquelas que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
Por leis do jogo deve entender-se o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva e que se traduzem em regras técnico - desportivas que ordenam a conduta, as ações e omissões, dos desportistas nas atividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas.
(...) não se considerarem questões estritamente desportivas subtraídas à jurisdição do Estado, as decisões que ponham em causa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva (corrupção, "dopagem", etc.).”
Importa sublinhar final e designadamente, que as questões de natureza constitucional suscitadas pelo Recorrente, alegadamente violadoras, nomeadamente do principio da igualdade (Discriminação na contratação de desportistas estrangeiros) não deixam de poder ser colocadas em sede de Tribunal Arbitral, o que não determina que as mesmas só pudessem ser analisadas em sede de Tribunais Administrativos.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 21 de dezembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira