Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01688/11.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/20/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores: LEI N.º 21/2009; ARRENDAMENTO SOCIAL; DESPEJO; PAGAMENTO DE RENDAS
Sumário:1 – A habitação social é, em si mesma, um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes.
2 - O direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada condigna, assume essencialmente uma dimensão social, cuja concretização está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo, dele não se retirando um direito imediato a uma prestação efetiva.
2 - A mora no pagamento das rendas por período superior a três meses constitui fundamento para a cessação da utilização do fogo atribuído, exceto se o não pagamento resultar da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alterações da composição do agregado familiar e desde que as alterações referidas sejam comunicadas à entidade proprietária do imóvel antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas, caso em que o ocupante terá direito à renegociação do valor da renda e a um prazo de pagamento faseado do montante da dívida (artigo 3.º/1-d) /4/5 da Lei n.º 21/2009).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:AMML
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
AMML, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município do Porto, tendente, em síntese, a impugnar “o ato administrativo praticado pela Vereadora do Pelouro da Habitação ..., consubstanciada na decisão de cessação do direito de utilização de habitação e despejo administrativo ….”, operada por Edital de 12 de Novembro de 2010, inconformado com o Acórdão proferido em 21 de Junho de 2013 (Cfr. fls. 111 a 119 Procº físico) que julgou a ação “improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/AMML nas suas alegações de recurso, apresentadas em 18 de setembro de 2013, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 125 a 147 Procº físico):

“I - A decisão do Tribunal a quo revela uma deficiente e incompleta análise e fixação da factualidade vertida nos autos e não considera factos provados por documentos constantes dos autos, tidos erradamente como não provados, não se pronuncia sobre a invocação de erro de direito na aplicação de preceito legal de que enferma o ato administrativo e pronuncia-se sobre pedido não constante da p.i., o que conduziu a uma decisão que enferma de erro de julgamento de facto e de uma deficiente subsunção ao direito.

II - Estamos perante uma relação de arrendamento social, que não é de origem contratual, que visa prover habitação minimamente condigna a pessoas carenciadas, de fracos recursos económicos, assente em interesses sociais de proteção dos cidadãos mais carenciados, por parte do Estado, geradora de situações em que o Tribunal deve também controlar o respeito pela Administração dos princípios jurídicos consagrados na lei fundamental como, além de outros, os princípios da igualdade, da imparcialidade, da boa-fé, da justiça e da proporcionalidade.

III - Isto é, escrutinando também se a Administração, no exercício dos seus poderes, está a prosseguir o interesse imposto pelo legislador pelo meio que representa o menor sacrifício para os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, logo com respeito pelo princípio da proporcionalidade.

IV - Se tomarmos o exemplo de uma obra não licenciada em que a Câmara Municipal só deve ordenar a sua demolição se a mesma for totalmente irrecuperável dentro de um projeto a analisar, será que a um agregado familiar de fracos recursos económicos que vive num fogo camarário, com problemas de doença da maior parte dos seus membros e com forte redução dos seus rendimentos devido a situações de desemprego, que se atrasou no pagamento da renda, não poderá ser dada a oportunidade de refazer a sua situação através de uma diminuição da renda e calendarização do pagamento da dívida?

V - Trata-se, no caso sub judice, de uma decisão do Município do Porto, na qualidade de senhorio de bairros sociais, tomada ao abrigo de um poder discricionário, como resulta claramente do conteúdo normativo da Lei 21/2009 de 20 de Maio que no seu artº 3.º n.º 1 estabelece que:

“1- Sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, com os seguintes fundamentos:”

Seguindo, aliás, o que já constava do Decreto 35106 de 6/4/1945 que no seu artº 12.º também estabelecia:

“Os ocupantes das casas podem ser desalojados sempre que se verifique não terem necessidade de ocupar a casa ou se tornem indignos do direito de ocupação que lhes foi concedido”.

VI - Não basta, pois, que o douto Acórdão do Tribunal a quo faça o controlo do ato praticado pelo Município com base no que está consentido na lei, deve também aferir se respeitou os princípios que limitam o seu poder discricionário, tendo em conta as circunstâncias concretas.

VII - Era pois necessário que nessa decisão o Tribunal tivesse analisado se o poder exercido pelo Município, dentro da discricionariedade que lhe é concedida pela lei, escolheu a solução que menores custos acarreta para uma família de fracos recursos económicos afetada por doenças dos seus membros, um dos quais uma idosa de 76 anos acamada e totalmente dependente, e outro, a esposa do Autor, que sofre de doença pulmonar, numa condição física que não permite viver sem a ajuda respiratória e nebulizações de 4 em 4 horas, com fístula traqueo-esofágica intensa (2 orifícios) que obrigou à introdução de prótese de Dumon, tem grande dificuldade em respirar e denota grande esforço para falar e fazer-se ouvir com alguma percetibilidade, e ainda situação de desemprego do próprio autor;

VIII - Comparando esses custos para essa família, com as vantagens que do seu ato esperava para o interesse público, caso não se queira admitir, o que não se consente, que a proteção dos direitos e interesses desta família nas circunstâncias descritas está revestida, por si mesmo, de um interesse público.

IX - Nada disso está espelhado no douto Acórdão do Tribunal a quo, que se limita a uma leitura estrita da letra da lei para concluir em relação a cada facto concreto pela não conformidade da atuação do agregado familiar com a lei e partir daí para concluir que as pretensões do autor são inatendíveis, acabando mesmo por declarar de forma surpreendente que “Se a lei está correta ou não é matéria que não incumbe ao Tribunal imiscuir-se, mas é a lei que vigora à data do pedido de reapreciação” (pag. 9, parte final).

X - Ora, para se chegar a um considerando daquela natureza é necessário afastar o conteúdo do artº 9.º do C.Civil, para que o julgador se sinta impedido de interpretar a lei face às circunstâncias da situação concreta, bem como os Princípios Gerais de direito a que a Administração Pública está subordinada, cf. conteúdo do CPA nomeadamente os artº 3.º a 12.º, com destaque in casu para o princípio da proporcionalidade.

XI - Como é dito por AMML Francisco de Sousa in Código do Procedimento Administrativo - Anotado e Comentado pag. 43 “Quid Juris” Ed. 2009, “O princípio da proporcionalidade em sentido estrito impõe que a exigência da Administração, para ser legal, não represente para o cidadão, no seu cômputo global, custos ou ónus (os aspetos negativos que ela representa) que ultrapassem visivelmente as vantagens (benefícios) que da imposição se esperam para o interesse público”.

E sobre a prossecução do interesse público, refere o mesmo e obra citada, pag. 38:

“5. Um interesse particular pode ter relevância pública e pode transformar-se em interesse público. O interesse público não é uma mera soma de interesses particulares, nem se mede pelo número de particulares beneficiados. O interesse público deve ser a solução mais conveniente à luz dos critérios jurídicos e de política administrativa para o caso concreto, nos limites impostos pela lei e pelo direito. O interesse público é o resultado de uma ponderação (pesagem) de custos e benefícios de uma determinada ação, tolerância ou omissão.

6. A prossecução do interesse público está intimamente ligada à proteção dos direitos e interesses dos cidadãos. Trata-se de polos opostos que, geralmente, se limitam mutuamente”.

XII - Recorde-se que, no caso sub judice, o modesto pedido do autor é tão-somente o seguinte: reapreciação da situação do fogo em causa através de uma reponderação a fazer pelo Município tendo em conta os rendimentos acuais do agregado familiar e a situação de doenças incapacitantes de três dos seus quatro membros, através de uma redução do valor da renda e de um plano que permita o pagamento da dívida atrasada originada pela falta de pagamento da renda durante um certo período de tempo coincidente com situações de aflição no seio familiar pela conjugação de doenças e desemprego, conforme explicado na p.i. para que se remete.

XIII - Posto isto, o Acórdão aqui sob recurso refere que “A questão essencial a decidir resume-se em saber se a situação do agregado familiar ocupante do fogo em apreço encontra acolhimento legal de forma a que o mesmo se possa manter no imóvel” (pag. 5);

XIV - No seu enquadramento legal, os factos que estão na origem da decisão de despejo administrativo – atrasos no pagamento de rendas – ocorreram em períodos compreendidos entre 2008 e 2009, pelo que a Lei 21/2009 de 20 de Maio em que o Município do Porto fundamenta a decisão só se aplica a uma parte deles, os praticados depois de 20-06-2009, data da entrada em vigor da referida Lei, enquanto os praticados anteriormente a essa data são tutelados pelo Decreto 35.106 de 6/11/1945.

XV - Contudo no Ato Administrativo em causa, consubstanciado no Edital n.º CE-GPH-14800-2010 de 12 de Novembro de 2010, o Município apenas invoca a lei 21/2009 para fundamentar a sua decisão de despejo.

XVI - Ora, havendo factos que contribuíram para fundamentar a decisão de despejo ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 21/2009, os efeitos jurídicos desses factos devem ser vistos à luz das previsões normativas vigentes ao tempo em que os mesmos ocorreram, ou seja, do Decreto 35.106 de 6/11/1945.

XVII - Existe por isso desde logo, na decisão do Município do Porto, erro de direito na aplicação de preceito legal, gerador de anulabilidade do ato administrativo impugnado, conforme previsto no art.º 135 CPA.

XVIII - Essa invalidade foi invocada pelo Autor, cf. art.ºs 41.º a 46.º do p.i., donde resulta que o Acórdão do Tribunal a quo padece de falta de pronúncia sobre este ponto concreto, que, só por si, é geradora de nulidade do Acórdão aqui sob recurso (cf. art.º 668.º C.P.C.), vício que aqui fica invocado.

XIX - O Tribunal a quo concluiu que a situação dos autos não se enquadra na previsão legal da Lei 21/2009 segundo a qual não é permitido o desalojamento quando haja uma alteração dos rendimentos dos ocupantes em consequência de desemprego, desde que essa situação de precariedade seja comunicada antes de decorrido o prazo de três meses de falta de pagamento de rendas e que, portanto, a falta de pagamento das rendas não impede o desalojamento (cf. pag. 6).

XX - Ora, dado que uma parte dos factos determinantes da decisão de despejo estão abrangidos pelo Decreto 35.106, este normativo não continha nenhum comando que obrigasse à referida comunicação, antes fazia recair sobre a entidade proprietária o dever de promover a revisão da renda sempre que se verificassem situações de precariedade, conforme previa no seu art.º 8.º o Decreto 35.106:

“Art. 8.º Sempre que se verifique alteração sensível nas possibilidades económicas dos moradores, deverá a entidade proprietária promover que se proceda à revisão da renda, remetendo, para esse efeito, ao Ministro das Finanças os elementos a que se refere o parágrafo único do artigo 5.º”

XXI - No entanto, noutro passo, o douto Acórdão do Tribunal a quo já recorre ao Decreto 35106, não invocado pelo Município do seu Edital na decisão de despejo, para repescar uma norma desproporcionada, contida no mesmo, relativamente à falta de pagamento de rendas ocorrido no período em que ainda não se encontrava em vigor a atual Lei 21/2009 e que determinava que os ocupantes seriam desalojados sempre que deixassem de efetuar o pagamento da renda dentro dos quinze dias posteriores ao vencimento.

XXII - Ou seja, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão na parte em que a aplicação da lei antiga, caso ela tivesse sido invocada pelo Município, que não foi, alcançaria uma desproporcionalidade gritante, esquecendo as circunstâncias em que a mesma foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada - cf. art.º 9.º do C.Civil).

XXIII - Insiste o douto Acórdão, numa leitura estrita da letra da Lei 21/2009, em que este diploma nada refere sobre doenças do agregado familiar em situações como a do caso em apreço, e que por isso a doença só é impeditiva de desalojamento quanto o titular esteja ausente por motivo de doença, (pag. 6, início), esquecendo a função dos limites à discricionariedade da Administração.

XXIV - Numa situação como a do caso sub judice, largamente explicitada na p.i., para que se remete, tendo em conta as circunstâncias em que vive este agregado familiar numa situação de carência socioeconómica grave, de fracos rendimentos, atingido por doenças incapacitantes em três dos seus quatro membros, uma das quais idosa de 76 anos acamada e totalmente dependente e outra que mal pode falar devido a problemas respiratórios, com perfuração da traqueia, e o próprio autor doente e desempregado, a decisão do Município do Porto de despejo deste agregado familiar terá sido a que melhor respeita o princípio da proporcionalidade depois de pesados os custos ou ónus dessa decisão para esta família, e os benefícios que dela esperava para o interesse público?

XXV - Não será este um caso de uma situação particular com relevância pública e por isso abrangido pelo interesse público, como atrás se chama a atenção?

XXVI - Seguidamente, sobre a defesa do direito à habitação, o douto Acórdão do Tribunal a quo cita o Acórdão do STA de 29/03/2006 proc.º 01203/05 e particularmente o ponto VI do Sumário que, no entanto, e salvo o devido respeito, não se ajusta ao resultado que o douto Acórdão pretende atingir, que é o de afastar a tutela do direito à habitação consagrado na CRP invocado pelo Autor.

XXVII - Salvo melhor opinião, a fundamentação usada pelo referido Acórdão do STA tinha contornos diferentes daqueles que estão subjacentes ao caso que aqui nos ocupa, ao analisar uma situação de despejo administrativo em que tinha sido comprovada a falsidade das declarações que determinaram a sua atribuição;

XXVIII - E em que parece normal que o Acórdão do STA citado refira que o direito à habitação assegurado pelo art.º 65.º da CRP é um direito da generalidade dos cidadãos, no contexto do caso concreto em análise nesse Acórdão, em que foram prestadas falsas informações para conseguir a atribuição do fogo camarário e que, obviamente, não merece a proteção do direito à habitação, o qual tem de ser visto face a cada caso concreto, tal como é referido no citado Acórdão, agora já não citado no Acórdão aqui sob recurso, a saber:

"Por outro lado, por força do princípio da justiça, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (art.º 2.º da CRP), quando existirem mais candidatos a habitações sociais do que o número de habitações disponíveis, justificar-se-á que as entidades que concedem o direito de as habitar deem preferência àqueles que tenham mais necessidade dele, quer pelo número de membros do agregado familiar ou sua situação de carência, quer pelo nível de possibilidades económicas.

É uma situação deste tipo que se depara no presente processo, pois, como consta da informação em que se baseou o ato recorrido, a Recorrente obteve o direito a ocupar a habitação cujo despejo foi ordenado na sequência de informação errada dada à Câmara Municipal do Porto sobre a sobreocupação da habitação social ocupada pela sua mãe, não obteria tal direito se não fosse essa informação e, obtendo-o impediu que a casa fosse atribuída a uma das muitas famílias residentes na cidade do Porto carecidas de um teto para se abrigarem (fls. 28)....

Não se demonstra, assim, que o ato recorrido ofenda aquele art.º 65.º da CRP"

XXIX - Ou seja, o Acórdão do STA n.º 01203/05 citado, diz-nos que a necessidade de proteção do direito à habitação consagrado no art.º 65.º da CRP tem que ser demonstrada em cada caso concreto e que, por ser um direito da generalidade dos cidadãos, ele não pode ser assegurado a quem, usando de má-fé, usurpa o direito de habitação que deveria ser usufruído por pessoas mais carenciadas.

XXX - Há assim, salvo melhor opinião, no douto Acórdão do Tribunal a quo aqui sob recurso, uma deficiente e incompleta análise da factualidade que rodeia o caso concreto que aqui nos ocupa.

XXXI - Por outro lado, ainda sobre o direito à habitação, o douto Acórdão do Tribunal a quo refere o seguinte: "Tendo no conjunto do agregado familiar um rendimento de €918,47, não se vislumbra porque deixaram de pagar a renda por tão longo tempo. Até porque, não obstante as invocadas doenças, não são apresentadas despesas inerentes às mesmas, ou seja, recibos de medicamentos, de consultas médicas ou outras despesas clínicas (pag.8), aqui já pretendendo ter em conta as circunstâncias concretas do caso para o enquadrar no direito à habitação.

E prossegue mais à frente (mesma pag.):

Assim, não ocorre violação do direito à habitação, porquanto o mesmo estava assegurado e apenas o não pagamento de rendas ocasionou o desalojamento, sendo que em face do rendimento global a rondar os 900 euros, sem comprovativo de despesas, designadamente de saúde, não se vislumbra possibilidade de poder ser atribuída habitação a custo zero"

XXXII - O Tribunal a quo denota um estranho desconhecimento do custo de vida ao considerar que, tendo no conjunto do agregado familiar um rendimento de €918,47 não vislumbra porque deixou de pagar a renda, significando que considera que uma média de €229,61 por pessoa permite uma gestão mensal das despesas sem problemas.

XXXIII - Ou, pior ainda, tendo em conta que o Tribunal ignorou a existência de despesas de saúde com a doença de três dos seus membros no valor de €253,00, a que se deve somar os gastos mensais de água, luz e telefone em valor estimado de €100,00, renda da habitação de €78,49, achar-se-á que a parte sobrante de €486,00 será suficiente para fazer face aos custos com a alimentação, higiene, vestuário, calçado, transportes, etc. para quatro pessoas, ou seja, €121,50 por pessoa/mês?

XXXIV - Tal significa uma deficiente avaliação da realidade condicionante do caso em apreço, por parte do Tribunal a quo, confirmada ainda no facto de referir que o Autor não apresentou despesas inerentes às invocadas doenças, quando na realidade o Autor juntou comprovativos de despesas de saúde de €253,00 mensais (cf. docs. n.ºs 4 a 7 juntos à p.i. devidamente explicadas no art.º 14.º), o que concorreu para a formação de uma decisão errada nos seus pressupostos factuais.

XXXV - Verifica-se assim que o Tribunal a quo não analisou toda a prova documental junto aos autos, pelo que o seu douto Acórdão sob recurso sofre também de erro por omissão de análise das provas juntas aos autos.

XXXVI - Infelizmente, os valores das prestações sociais auferidos à altura por este agregado familiar sofreram entretanto uma redução por ter terminado o período da prestação de subsídio de desemprego de que usufruía o Autor, tendo passado para uma situação de espera pela pré-reforma sem ter direito a qualquer ajuda social.

Tal alteração representa para o agregado familiar uma diminuição de cerca de 50% do seu rendimento mensal, o que atira esta família para um nível de pobreza insuportável e que reforça, caso fosse necessário, a necessidade de o Município do Porto reapreciar a situação deste fogo camarário.

Junta-se cópia dos documentos 1 e 2 comprovativos dessa nova situação ao abrigo do previsto no art.º 524.º C.P.C.

XXXVII - Por outro lado o douto Acórdão aqui posto em crise, refere na pag. 8 (parte final) o seguinte:

" Assim, não ocorre violação do direito à habitação, porquanto o mesmo estava assegurado e apenas o não pagamento de rendas ocasionou o desalojamento, sendo que em face do rendimento global a rondar os 900 euros, sem comprovativo de despesas, designadamente de saúde, não se vislumbra possibilidade de poder ser atribuída habitação a custo zero".

XXXVIII - Contudo, o Autor não pediu ao Tribunal que ordenasse ao Município do Porto a atribuição de habitação a custo zero, tendo tão-somente pedido uma reponderação da situação tendo em consideração os rendimentos atuais do agregado familiar e a situação de doenças incapacitantes de três dos seus quatro membros, através de uma redução do valor da renda mensal e de um plano de pagamentos da dívida atrasada em valores que tenham em conta a capacidade económica do agregado familiar atual.

A decisão do Tribunal a quo sofre por isso também de uma errada interpretação do pedido feito pelo Autor.

XXXIX - Pelo exposto, deverá ser revogado o douto Acórdão do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação interposta pelo Autor e a sua substituição por outro que declare a invalidade do ato administrativo do Município do Porto consubstanciado no Edital CE-GPH-14800-2010 de 12/11/2010, e ordene ao Município do Porto a reapreciação da situação do fogo em causa através de um reponderação que tenha em consideração os rendimentos atuais do agregado familiar, bem como proporcionar um plano de pagamentos da dívida atrasada, tudo tendo em conta o agravamento sofrido com nova situação atrás referida de redução de cerca de 50% do valor do seu rendimento mensal pela eliminação do subsídio de desemprego que era auferido pelo Autor. Fazendo-se assim Justiça.”

O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 24 de setembro de 2013 (Cfr. fls. 152 Procº físico).

O aqui Recorrido/Município não veio apresentar contra-alegações de recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 02/12/2013, veio a emitir Parecer em 9 de Dezembro de 2013, no qual, a final, se pronuncia no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso.”

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/AMML, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a suscitada indevida aplicação unicamente da Lei nº 21/2009, verificando se terá havido “erro de direito”.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:

“1. O Autor é titular do Alvará n.º 23577, emitido pela Câmara Municipal do Porto, referente à ocupação da casa 12, da entrada 1..., Bloco 14, no Bairro do L..., na cidade do Porto, pela qual paga a quantia mensal de €78,49.
2. Para além do Autor habitam a referida casa a sua esposa (BCML), o filho (HFML) e a sogra (APCM), esta desde Outubro de 2010, sendo o rendimento mensal total do agregado familiar de €918,47, assim distribuído: Autor, €419,10; esposa, €274,79; sogra, €224,58 – vide Docs. 1, 2 e 3, juntos com a PI (fls. 15 a 24 dos autos).
3. A esposa do Autor padece de diabetes Mellitus Insulinodependente, de doença pulmonar crónica, de intercorrência infecciosa respiratória, de fístula traquo-esofágica – docs. de fls. 26 a 29 dos autos.
4. Em 13/08/2009, o Autor encontrava-se em dívida no valor de €1.836,51 (fls. 57 do processo administrativo).
5. Foi proposto e aceite um Plano de Pagamentos, autorizado por decisão de 28/09/2009 e registado como plano de pagamentos n.º 4662 de 200 que especificava: Valor total do processo €1.792,88, Número de prestações 18, Valor da 1.ª prestação €99,60, com início a 28/09/2009; a acumular com o valor da renda mensal de € 78,49.
6. O Autor foi notificado a 16/11/2010 (vide fls. 84 verso do processo administrativo) do Edital n.º CE-GPH-14800-2010, com o seguinte teor:
A casa 12, da entrada 1..., do bloco 14, do Bairro de L..., propriedade do Município do Porto, foi atribuída a AMML, para que este e o respetivo agregado, identificado no processo que instruiu aquela decisão, a ocupasse a título precário, para o que foi emitido o competente título.
Compulsado o processo administrativo referente à casa em questão, concluiu-se que, há mora no pagamento das rendas por um período superior a três meses, ascendendo já, nesta data, o débito a €2.216,16 (dois mil duzentos e dezasseis euros e dezasseis cêntimos), respeitante a rendas, juros e custas. Os ocupantes do fogo foram informados do plano excecional de incentivos à regularização de débitos provenientes do não pagamento das rendas de habitação social, aprovada pela Assembleia Municipal do Porto e que decorreu entre o dia 22 de Abril de 2009 e o dia 31 de Julho de 2009. Os ocupantes do fogo foram também contactados telefonicamente por forma alertá-los para a necessidade de regularizar os débitos, antes do términos daquele prazo, sendo que optaram pela não regularização dos débitos. Não existe nenhum PPP vigente.
Os factos descritos constituem fundamento para a cessação do direito utilização do fogo atribuído, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 3.º da Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio. Nessa medida, nos termos do disposto no artigo 3.º da Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, e do disposto no artigo 156.º do Código do Procedimento Administrativo, está a Câmara Municipal do Porto, enquanto concedente da casa, legitimada a determinar a cessação do direito de utilização do fogo atribuído e a promover a sua desocupação.
Notificado o projeto de decisão a 31 de Agosto de 2009, a esposa do concessionário pronunciou-se em sede de audiência prévia, tendo sido ponderados os argumentos aduzidos, não tendo eles sido porém de molde a modificar o sentido do projeto de decisão, uma vez que não fez prova do alegado relativamente à situação da doença do marido e apesar de ter efetuado um PPP, em 28 de Setembro de 2009, o mesmo foi interrompido por incumprimento, só tendo efetuado um pagamento por conta e a divida continua a aumentar.
Assim, com os fundamentos acima enunciados e em conformidade com o este meu despacho, ao abrigo das competências que me são conferidas, por delegação de competências conferida pela Ordem de Serviço n.º I/144599/09/CMP, de 4 de Novembro, publicada no Boletim n.º 3838, de 10 de Novembro de 2009, com as alterações da Ordem de Serviço n.º I/537201/1º/CMP, de 16 de Abril de 2010, ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro, republicada pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro e com as declarações de Retificação n.º 4/02 e 9/02, de 6 de Fevereiro e 5 de Março, respetivamente, notifica-se V.(s) Ex.a(s) da decisão de cessação do direito de utilização do fogo correspondente à casa 12, entrada 1..., do bloco 14, do Bairro de L..., com os fundamentos supra descritos.
Mais ficam os ocupantes e demais interessados notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 152.º do Código de Procedimento Administrativo conjugado com o n.º 6 do artigo 3.º da Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, de que dispõem de um prazo de 90 dias para desocupar e entregar a habitação livre de pessoas e bens, devendo esta determinação ser voluntariamente cumprida por todos aqueles que ocupam a casa. Caso não ocorra a desocupação e entrega da habitação nos termos e no prazo determinado, ordenar-se-á e executar-se-á o respetivo despejo administrativo, com recurso às autoridades policiais se necessário, removendo-se todos os bens que se encontrem no fogo habitacional, os quais serão depositados em local designado para o efeito.
7. Em 29/11/2010, o Autor apresentou um requerimento mediante o qual referiu ser uma pessoa doente, sofrendo de micose pulmonar, que a sua mulher também é doente, que o atraso no pagamento das rendas se deveu a motivo de doença, que pretende proceder ao pagamento imediato, o que desde já requer, que não tem possibilidades de arrendar nova habitação e que o processo de despejo seja dado sem efeito, uma vez que pode solver numa única prestação o seu débito.
8. O mencionado requerimento não foi objeto de resposta.

IV – Do Direito
Analisemos então o suscitado.
O Recurso foi interposto pelo Autor, em virtude do Acórdão proferido pelo TAF do Porto ter julgado improcedente a ação administrativa especial intentada, tendo uma aquele uma componente predominantemente conclusiva, insistindo em evidenciar os vícios de que padeceria o ato administrativo objeto de impugnação.

Como sublinhado no Parecer do Ministério Público, "Na verdade, o acórdão fundamenta a decisão na Lei 21/2009, pois este foi o diploma utilizado pelo Município na sua decisão administrativa. E, muito embora o acórdão se refira ao DL n° 35.106, apenas o faz com o objetivo de reafirmar que relativamente ao período de tempo em que ocorreu a falta de pagamento de rendas durante a vigência deste decreto, também aqui se «determinava que os ocupantes seriam desalojados sempre que deixassem de efetuar o pagamento da renda dentro dos quinze dias posteriores ao vencimento».
Todavia, toda a fundamentação da decisão recai exclusivamente sobre a Lei 21/2009, bastando atentar no teor do acórdão:
«No que concerne a este último aspeto, a Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, apenas estabelece na alínea a) do n.º 3 do artigo 3.° que não pode ser invocado o fundamento de falta de habitação, quando exista doença regressiva e incapacitante e permanência na habitação pelo período de dois anos, salvo se existir prova clínica de que a doença do arrendatário é irreversível. O diploma em apreço, nada mais refere sobre a doença do titular ou de mais alguém do agregado familiar. Assim, a doença só é impeditiva de desalojamento quando o titular esteja ausente, por motivo de doença; não por falta de pagamento de renda, ocasionada direta ou indiretamente pelo motivo da doença.
Desta forma, inexiste previsão legal que impossibilite a desocupação do fogo devido a doença.
No que concerne à falta de pagamento resultante da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alteração da composição do agregado familiar, a Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio estabelece que, havendo mora no pagamento superior a três meses, pode ser determinada a cessação de utilização da habitação - alínea d) do n.º 1 do art° 3.°. Não obstante, o n.º 4 do mesmo preceito não permitir o desalojamento quando haja uma alteração dos rendimentos ocupantes em consequência de desemprego ou de alteração da composição do agregado familiar, o preceito obriga a que haja comunicação prévia dessa situação de precariedade, e sempre antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas. Ora, não foi o que sucedeu no caso dos autos. A autarquia é que teve sempre a iniciativa de informar de um plano de pagamento das rendas em atraso, o qual não foi cumprido; assim como alertar telefonicamente para os atrasos. Sem que, mais uma vez as rendas fossem pagas - vide ato impugnado acima transcrito. Assim, a situação dos autos não se enquadra dentro da previsão legal, pelo que a falta de pagamento de renda ocorrida, não impede o desalojamento».
Como se constata o acórdão fundamenta a sua decisão de modo exclusivo na Lei 21/2009, não fazendo escolhas entre esta Lei e o DL n° 35106, conforme as conveniências de momento.
E a aplicação da referida Lei conduz inevitavelmente à conclusão de que o ato impugnado não sofre de qualquer vício de facto ou de direito, pelo que deve ser mantido na ordem jurídica.”

Como resulta, designadamente, do Acórdão deste TCAN nº 01064/13.2BEPRT, de 06-03-2015, que se acompanha, “A mora no pagamento das rendas por período superior a três meses constitui fundamento para a cessação da utilização do fogo atribuído, exceto se o não pagamento resultar da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alterações da composição do agregado familiar e desde que as alterações referidas sejam comunicadas à entidade proprietária do imóvel antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas (…)”

O Recorrente suscita que o ato objeto de impugnação será ilegal por violar o direito à habitação.

Em qualquer caso, e como se refere, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.º da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de “um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais”. Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, “pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo” (Acórdão do TC n.º 829/96), dele não se retirando um “direito imediato a uma prestação efetiva” (Acórdão do TC n.º 280/93.

Na situação objeto de apreciação, é patente que a Lei n.º 21/2009 (e, antes dela, o Decreto n.º 35.106) concretiza legislativamente uma certa dimensão do direito à habitação, uma vez que contempla um regime de habitação social, que permite a ocupação de fogos por parte de agregados familiares com menores rendimentos, mediante o pagamento de uma renda “social” ou “apoiada”, ou seja, inferior à de mercado.

Acontece que a habitação social é, em si mesma, “um bem escasso e que visa acudir à satisfação das necessidades básicas da população mais carenciada, pelo que, a ocupação da mesma deve ser atribuída após uma ponderação concreta das necessidades dos indivíduos e famílias elegíveis para o efeito, de modo a que se possa equilibradamente proceder a uma distribuição correta das habitações existentes” (cfr. Acórdão do TCAN, de 01.02.2007, P. 01321/04.9BEPRT). E como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.03.2006, P. 01203/05, “o direito à habitação, assegurado pelo art. 65.º da CRP, é um direito da generalidade dos cidadãos, que não é necessariamente afetado quando é retirado a determinado agregado familiar o direito a ocupar uma habitação social para o atribuir a outro agregado”.

Por isso mesmo, porque está em causa a atribuição de um bem escasso (habitação social) a um determinado agregado familiar, o que é feito necessariamente em detrimento de outras famílias com idênticas necessidades, o legislador prevê um conjunto de exigências de que faz depender a manutenção do direito a utilizar a habitação social, que cessará, entre outros, no caso de melhoria das condições económicas do agregado, de não uso da habitação ou de prestação de falsas declarações sobre os rendimentos.

No que aqui releva, importa sublinhar que a Lei n.º 21/2009 prevê, entre os fundamentos para a cessação da utilização do fogo atribuído, a “mora no pagamento das rendas por período superior a três meses” (artigo 3.º/1-d) da citada lei). Mais estipula que tal fundamento apenas é afastado quando “o não pagamento das rendas resulte da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alterações da composição do agregado familiar, desde que as alterações referidas sejam comunicadas à entidade proprietária do imóvel antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas”, conferindo esta situação o direito “à renegociação do valor da renda e de um prazo de pagamento faseado do montante da dívida”— cfr. artigo 3.º/4/5.

Também o anterior regime, estatuído pelo Decreto n.º 35.106 previa como fundamento para “desalojar” os ocupantes das casas, a circunstância de os mesmos deixarem de efetuar o pagamento das rendas “dentro dos quinze dias posteriores à data do seu vencimento” – artigo 12.º/ §1.º-1.º).

No caso vertente, ficou manifesta e confessadamente provada a mora no pagamento das rendas, a qual determina a cessação da utilização do fogo atribuído (artigo 3.º/1-d) da Lei n.º 21/2009) não tendo tempestivamente sido suscitado que o não pagamento das rendas “resulte da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego”, nem que os mesmos tenham efetuado a necessária comunicação à entidade proprietária, para efeitos do disposto no citado artigo 3.º/4 da Lei n.º 21/2009.

Na verdade, está provado que o Recorrente não pagou um significativo número de rendas e que aquando da emissão do Edital objeto de impugnação o valor em divida ultrapassava já os 2.000€, e que, apesar de lhe ter sido dada a possibilidade de pagar as rendas em atraso através de plano prestacional, o que é facto é que tal não teve consequências.

Por outro lado, o facto invocado de algumas das rendas em atraso se reportarem a momento anterior à entrada em vigor da invocada Lei nº 21/2009, mesmo a confirmar-se, não tem quaisquer consequências processuais e procedimentais, na medida em que, mesmo à luz da nova lei, estão substancialmente ultrapassados os três meses de rendas em atraso, necessários para que pudesse ser promovido o desalojamento dos ocupantes do fogo em questão, ao que acresce o facto da nova lei ser mais permissiva/favorável que a anterior.

Desde logo, e como se deixou dito supra, o Decreto n.º 35.106 dava a possibilidade de “desalojar” os ocupantes das casas “dentro dos quinze dias posteriores à data do seu vencimento”, enquanto a Lei nº 21/2009 viabiliza o mesmo desalojamento só após a verificação de 3 meses de rendas em atraso.

O que importa reafirmar e sublinhar é que independentemente das dificuldades económicas do agregado familiar aqui em questão, o que é facto é que nada de substancial foi invocado, em tempo, que permitisse ao município suster o desalojamento determinado.

Com efeito, o Recorrente não demonstrou, nem comunicou atempadamente, uma situação que, nos termos do artigo 3.º/4 da lei n.º 21/2009, pudesse cabalmente justificar o não pagamento das rendas ao longo de vários anos, único caso em que seria possível afastar o fundamento invocado pela entidade administrativa para a cessação da utilização do fogo e conferiria ao Recorrente o direito à renegociação da renda e a um novo prazo de pagamento faseado do montante em dívida (artigo 3.º/4/5 da Lei n.º 21/2009).

Neste contexto, a determinação constante do identificado Edital, que determinou a cessação da utilização do fogo atribuído, cumpriu a lei aplicável, sendo insuscetível de contender com o direito à habitação da Recorrente que, como acima explicitado, não é um direito absoluto à atribuição de uma habitação sem qualquer contrapartida, mas um direito a, nos termos do regime legal em vigor, candidatar-se à atribuição de habitação social e, quando atribuída, a nela permanecer, mediante o cumprimento das condições exigidas na lei, nomeadamente o pagamento da renda estipulada. Não tendo a Recorrente cumprido essa exigência, cessa esse direito.

Efetivamente, tendo ficado provada a mora no pagamento das rendas, a qual determina a cessação da utilização do fogo atribuído (artigo 3.°/1-d) da Lei n.° 21/209), e não se provando que essa ausência de pagamento das rendas "resulte da alteração do rendimento do ocupante em consequência de desemprego", nem que o mesmo tenha efetuado a necessária comunicação à entidade proprietária, para efeitos do disposto no citado artigo 3.°/4 da Lei n.° 21/2009, não merece pois censura a decisão recorrida.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se o Acórdão Recorrido.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza

Porto, 20 de Maio de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão