Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02255/17.2BEPRRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL – NOVO REGIME – PRAZO DE CADUCIDADE – SUCESSÃO DE REGIMES
Sumário:I – Nas situações em que os créditos salariais decorrem de contrato de trabalho que cessou ainda no âmbito da vigência do anterior regime pelo qual eram garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, mas o respetivo pedido foi apresentado já após a entrada em vigor do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril (isto é, a partir de 04/05/2015), deve este considerar-se tempestivo por efeito da regra estabelecida no artigo 297º do Código Civil quando seja apresentado no prazo de um ano, previsto no artigo 2º nº 8 do novo regime, contado desde a sua entrada em vigor.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

M. (devidamente identificado nos autos) instaurou em 06/10/2017 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ação administrativa contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (igualmente identificado nos autos) na qual impugnou o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 19/05/2017 que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, peticionando a sua declaração de nulidade ou a sua anulação bem como a condenação do réu a praticar o ato que conceda o pagamento dos créditos emergentes desse contrato, no valor de 10.026,00€.
Por sentença (saneador-sentença) datada de 20/07/2018 o Mmº Juiz do Tribunal a quo julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido.
Inconformado o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I - O presente recurso tem por objeto a douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 20/07/2018 que julgou improcedente os pedidos formulados pelo Autor.
II - Perante os factos articulados na P. I. e os constantes dos PA juntos pelo Réu, o Tribunal recorrido considerou como provados, os factos 1) a 17), designadamente, que:
1)“O Autor trabalhou na sociedade “N., S.A.”, desde 1/10/2001 até ao dia 18/04/2011, data em que foi despedido – facto admitido por acordo, atenta aposição exarada pelas partes (cfr. artigos 8.º e 9.º da PI, e 18.º da contestação);
2) Em 19/04/2011, foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade “N., S.A.” que correu termos no 5.º juízo cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, com o n.º de processo 1277/11.1TJVNF;
3) Em 19/05/2011 foi proferida sentença nos autos identificados no ponto anterior, que decretou a insolvência da “N., S.A., onde foi nomeado administrador da insolvência, A.;
4) O Autor reclamou créditos no processo descrito nos pontos 2 e 3 deste probatório, no montante global de € 10.995,65;
5) O Administrador de Insolvência nomeado no processo n.º 1277/11.1TJVNF, melhor descrito nos pontos 2 e 3 deste probatório, reconheceu ao Autor M., o crédito no montante global de € 9.210,34;
6) O Autor impugnou os créditos reconhecidos pelo Administrador de Insolvência;
7) Em 18/07/2011, o Autor apresentou nos serviços do Réu, requerimento, no qual peticiona o pagamento da quantia global de €10.995,65, respeitante a créditos em dívida de retribuições de março de 2011 (€ 86,84 + € 656,00), subsídio de férias de 2010 e 2011 (€ 940,27 + € 1.044,20), proporcionais de subsídio de natal de 2011 (€ 194,10), subsídio de alimentação de março e abril de 2011 (€ 194,92), indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho (€ 6.247,28), e créditos emergentes da violação do contrato de trabalho (€1.632,42), tendo aí referido que auferia a retribuição mensal líquida de € 656,00 e que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de insolvência, a decorrer no tribunal de Vila Nova de Famalicão, 5.º Juízo, processo n.º 1277/11.1TJVNF;
8) Por ofício datado de 07/12/2012, remetido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., ao aqui Autor, foi-lhe comunicado que, por despacho de 23 de Novembro de 2012, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pelo Autor foi indeferido, ali constando, com relevância, o seguinte:
Verifica-se no requerimento em apreço, que os créditos requeridos ao FGS serão extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa, e na exata medida e termos daquele plano de recuperação, termos nos quais inexistem por impossibilidade e inutilidade do seu objeto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do art. 112.º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – n.º 1 do artigo 762.º do Código Civil”;
9) O Autor não deduziu processo judicial contra a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial identificada em 8) deste probatório – por acordo;
10) Em 11/12/2013, a sociedade comercial “N., S.A.” deu entrada em juízo de um processo especial de revitalização, que correu seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2ª. Secção do Comércio, J2, sob o processo n.º 3380/13.4TJVNF, tendo sido proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial provisório;
11) O Autor reclamou créditos no processo descrito no ponto 10 deste probatório, no montante global de € 12.115,65, aí informando que pretendia participar nas negociações no âmbito do PER;
12) Com data de entrada no Centro Distrital da Segurança Social de Braga em 04/05/2016, foi apresentado requerimento, dirigido ao FGS com vista ao pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ao aqui Autor, indicando como nome de empregador a sociedade “N., S.A.”, a retribuição base mensal ilíquida de € 656,00, a data de cessação do contrato de trabalho em 18/04/2011, no qual peticiona o pagamento da quantia global de € 9.210,65, respeitante a créditos em dívida de cotizações e contribuições para a Segurança Social de março de 2011 já pagas (€ 77,29), retribuições de abril de 2011 (€ 464,07), férias e proporcionais (€1.104,17), subsídio de férias e proporcionais (€ 820,00), proporcionais de subsídio de natal (€ 164,00), subsídio de alimentação de março e abril de 2011 (€ 194,92), indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho (€6.247,28) e créditos emergentes de violação do contrato de trabalho (€ 135,51), tendo aí referido que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de PER, a decorrer no tribunal de Vila Nova de Famalicão – Braga, J2, 2ª. Secção de Comércio, processo n.º 3380/13.4TJVNF, cuja ação foi apresentada em 11/12/2013, sendo anexado ao requerimento “lista provisória de créditos”;
13) Em 19/01/2017, foi elaborada informação pelos Serviços da Unidade de Apoio à Direção/Núcleo de Apoio Jurídico do Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos da qual se propunha i indeferimento dos requerimentos apresentados, entre os quais o do aqui Autor, com o seguinte teor, que ora se transcreve no que aqui importa:
“(…)
III- A empresa em referência deu entrada de um processo Especial de revitalização (PER), no âmbito do Processo N.º 3380/13.4TJVNF que correu os seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2.º Secção do Comércio, J2 em 12/12/2013, sendo proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório em 26712/2013, encontrando-se assim, preenchido o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
IV- Os requerentes reclamam créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, em conformidade com a previsão do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
(…)
Proposta:
Nestes termos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, conducentes à intervenção do FGS, parece-nos de indeferir os requerimentos apresentados, porquanto:
B) Os requerimentos não foram apresentados no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril”;
14) No dia 8/03/2017, a informação referida no ponto antecedente deste probatório, foi remetida ao Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial;
15) Em 9/03/2017, foi elaborada informação pelo Fundo de Garantia Salarial, com despacho concordante de 13/0372017, cujo teor, para o que ora interessa, consta o seguinte:
(…)
4. De acordo com a análise efetuada ao processo pelo Centro Distrital, os requerimentos foram apreciados tendo sido entendido que não se encontram preenchidos os pressupostos legais impostos no âmbito do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, conducentes ao indeferimento das pretensões formuladas pelos ex-trabalhadores/requerentes.
5. Alguns dos requerimentos não se encontram instruídos com os documentos previstos no n.º 2 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
6. Acresce que o Fundo de Garantia Salarial nos termos do art.º 2.º, n.º 8 do Anexo ao Decreto-Lei já referido só assegura o pagamento dos créditos”()quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho”.
6.1 Resulta que os requerimentos apresentados pelos trabalhadores excederam aquele prazo, dado que foram entregues depois de transcorrido o mesmo (…)”;
16) Por ofício datado de 19/05/2017, remetido pelo Instituto da Segurança Social
I.P ao aqui Autor, foi-lhe comunicado, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Assunto: Fundo de Garantia Salarial – Audiência Prévia Indeferimento
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 19 de maio de 2017, do Presidente do Conselho de gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por V.ª. Ex.ª será indeferido.
(…)
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril.
- O requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no n.º 2 do art. 5.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril(…)”;
17) Por ofício datado de 09/06/2017, remetido pelo Instituto da Segurança Social I.P. ao aqui Autor, foi-lhe comunicado, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Assunto: Fundo de Garantia Salarial – Notificação Indeferimento
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 19 de maio de 2017, do Presidente do
Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V.ª Ex.ª foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec.-
Lei n.º 59/2017, de 21 de abril.
- O requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no n.º 2 do art. 5.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril(…)”.

III- Quanto a estes factos dados como provados importa salientar que a sentença enferma de diversos erros factuais, a saber:
- no ponto 2), quando se dá como provado que foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade N., S.A., cuja ação correu termos no 5.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, o que deveria ter sido dado como provado é que aquela sociedade se apresentou à insolvência, e cujo processo correu termos no 5.º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, atualmente, Tribunal Judicial de Braga, Juízo de Comércio - Juiz 4, de Vila Nova de Famalicão;
- no ponto 3), quando se dá com provado que a sentença que decretou a insolvência daquela sociedade foi no dia 19/05/2011, deveria ter sido dado como provado que a sentença que decretou a insolvência é do dia 16/05/2011;
- no ponto 7), dá-se como provado que o Autor peticionou, no requerimento apresentado ao Réu, em 18/07/2011, “(…) créditos em dívida de retribuições de março de 2011(€ 86,84 + € 656,00) (…)”, quando dever-se–ia ter dado como provado que o Autor peticionou € 86,84, referente a retribuições do mês de Março, e € 656,00, referente ao mês de Abril de 2011;
- no ponto 12), onde se dá como provado que o Autor “peticiona o pagamento da quantia global de € 9.210,65”, e as “retribuições de abril de 2011 (€ 464,07)”, dever-se-ia dar como provado que o Autor peticiona a quantia global de € 9.210,34 e o valor de € 467,07 a título de retribuições do mês de Abril de 2011.
IV – A sentença recorrida não considerou provados factos com relevância para a presente ação que, alegados pelo Autor, e não tendo merecido contestação do Réu, deveriam ter sido dados como provados e que resultam dos documentos juntos à PI e aos PA, designadamente:
a) Que o Plano apresentado no âmbito do PER n.º 3380/13.4TJVNF, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão- Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi homologado no dia 4 de Abril de 2017, por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 3380/13.4TJVNF.G3, da 2ª. Secção Cível), como resulta dos documentos juntos à PI sob os n.ºs 15 e 16, que não foram impugnados;
b) Que o Réu, perante o Provedor de Justiça havia assumido que iria rever a sua posição relativamente a todos os trabalhadores, quanto à decisão de indeferimento de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho requeridos na sequência do processo de insolvência n.º 1277/11.1TJVNF, como resulta dos documentos juntos aos autos;
c) Que o Réu, muito embora tenha pago aos trabalhadores que intentaram ações judiciais contra aquela decisão, como a que se encontra junta aos autos, não procedeu ao pagamento dos restantes trabalhadores, em que se inclui o ora Autor, indo contra a sua posição anteriormente assumida, e que criara expectativas nos trabalhadores, considerando o Provedor de Justiça uma decisão “manifestamente injusta e injustificada” e que contrariava “o sentido da informação que oportunamente lhe foi prestada”;
d) Que o FGS tem pleno conhecimento que o PER que corre termos no Tribunal de Vila Nova de Famalicão – Braga, J2, 2ª. Secção de Comércio, processo n.º 3380/13.4TJVNF, surge na continuidade do Processo de Insolvência.
V – Considerando que o FGS não contestou os factos que supra se considera deveriam ter sido dados como provados e o disposto no artº 83º do CPTA, com a epígrafe «Conteúdo e instrução da contestação», que dispõe que:
«(…)
5 – Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º, a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios.», o Tribunal recorrido deveria apreciar livremente a atitude da entidade demandada, podendo concluir que aquela omissão constitui uma confissão fática daqueles elementos não contestados.
VI - Acontece que o Tribunal recorrido, na decisão da matéria de facto, é omisso quanto à interpretação da falta de contestação do Réu FGS quanto a estas questões e às consequências processuais de tal omissão, nomeadamente em sede probatória, pelo que aquele deveria ter dado tais factos como assentes, por admitidos e confessados pelo FGS, porque alegados na PI e os documentos que os sustentam não terem sido impugnados, tanto mais que profere despacho no qual afirma não existir matéria de facto controvertida.

VII – Assim, embora não seja possível a consideração sumária da confissão daqueles factos alegados, fazendo-se mister a prévia interpretação da falta de apresentação da contestação, feita esta para efeitos probatórios, resta inconteste que houve, afinal, admissão e confissão daqueles factos articulados pelo Autor.
VIII- A questão que se coloca nos autos é a de saber se o despacho de indeferimento do Senhor Presidente do Conselho de Gestão do FGS relativamente ao requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, na importância de € 10.026,00/€ 9.210,34, apresentado em 03/05/2016, pelo Autor, é ilegal e/ou inconstitucional, por violação dos mais básicos princípios de um Estado de Direito Democrático e constitucionalmente consagrados, e por incorreta interpretação e aplicação do n.º 8 do art. 2.º do NRFGS.
IX- O Tribunal recorrido, na esteira do preconizado pelo FGS, entende que a interpretação e aplicação, efetuada por este, daquele preceito, não é merecedora de qualquer censura, desde logo, porque considera que o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, de 4 de Maio de 2016, não constitui uma reapreciação, renovação/repetição do requerimento apresentado no dia 18/07/2011, no âmbito de processo de Insolvência da sociedade N., S.A., que correu seus termos sob o processo n.º 1277/11.1TJVNF, do 5.º Juízo Cível dos Juízo de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão e atualmente no Tribunal Judicial de Braga, Juízo de Comércio-Juiz 4, de Vila Nova de Famalicão, alegando que o fundamento é diverso, por um ter por base o processo de Insolvência e o outro o PER, ignorando que os factos que estão na base dos requerimentos são exatamente os mesmos: o contrato de trabalho do recorrente com a sociedade N., S.A., o seu despedimento unilateral e sem justa causa em 18/04/2011, os créditos que ficaram por pagar e que foram reclamados, a Insolvência daquela sociedade seguida do PER, em 11/12/2013.
X- Como tal o Fundo de Garantia Salarial tinha a obrigação de proceder à reapreciação oficiosa dos requerimentos que haviam sido recusados no âmbito do processo de insolvência da sociedade N., S.A., com fundamento no facto daqueles créditos serem “extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa, e na exata medida e termos daquele plano de recuperação, termos nos quais inexistem por impossibilidade e inutilidade do seu objeto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do art. 112.º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – n.º 1 do artigo 762º do Código Civil”, ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 3, al. b), do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril.
XI- Até porque o requerimento indeferido em 09/06/2017 mais não é do que a repetição/renovação/reapreciação do pedido que foi apresentado no dia 16/07/2011, e que, embora tempestivo, foi considerado, incorreta e injustamente, indeferido, como se veio a comprovar pelas decisões judiciais que vieram a ser proferidas no âmbito de ações judiciais intentadas por alguns trabalhadores, sendo certo que o Autor não recebeu qualquer quantia enquanto viu outros seus colegas receberem, criando desigualdades, gorando expectativas legitimamente fundadas, gerando sentimentos de desconfiança nos órgãos públicos e, até, de conflitualidade social, porque os trabalhadores que vêm os pedidos de pagamento dos seus créditos recusados pelo FGS, quando confrontados com trabalhadores que receberam, sentem-se injustiçados, como é o caso do Autor, violando-se, de forma manifesta o Princípio da Igualdade na medida em que beneficiou uns trabalhadores da N. em detrimento de outros, que se encontravam na mesma situação de despedimento na sequência da Insolvência, pois aquele foi despedido na mesma data que muitos outros trabalhadores que viram o seu pedido reapreciado, sendo que contribuiu de igual forma para o sistema público da Segurança Social através das suas contribuições mensais e apresentou atempadamente o requerimento que a lei lhe impunha a fim de lhe serem pagos os seus créditos emergentes do contrato de trabalho.
XII- Atente-se que o PER n.º 3380/13. 4TJVNF, do Juízo de comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, surge na sequência do processo de Insolvência, sendo que no âmbito deste, foi proferida sentença sobre a Impugnação dos Créditos Reconhecidos apenas no dia 22 de Janeiro de 2018, e o Plano, no âmbito do PER, só foi homologado por acórdão de dia 4 de Abril de 2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 3380/13.4TJVNF.G3, da 2ª. Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães), existindo uma identidade nos requerimentos, uma continuidade, que não pode ser ignorada, e que é do conhecimento do FGS.
XIII- A sentença proferida no âmbito da Impugnação de Créditos, no processo de Insolvência só agora é junta aos autos, porque proferida depois da fase dos articulados e porque o Tribunal recorrido que não havia lugar a audiência prévia por se encontrar na posse de todos os elementos necessários para proferir decisão e por entender que se trata de processo de manifesta simplicidade, encontrando-se, por isso justificada a sua junção nesta fase – doc. 1.
XIV- Além disso, O Tribunal recorrido entende não existir qualquer vício de violação de lei, nem de forma, por falta de fundamentação, nem qualquer inconstitucionalidade, defendendo que o prazo de um ano, do n.º 8 do art. 2.º do NRFGS é um prazo de caducidade, não sujeito a quaisquer interrupções ou suspensões.
XV- Desde logo, o Tribunal recorrido incorre em diversos erros fácticos, como seja, ao considerar provado que o despacho do FGS, referente ao primeiro requerimento, data de 23/11/2012, quando na realidade a decisão final é de Maio de 2013, como melhor resulta do PA, o qual se encontra junto aos autos, e que o Tribunal tem de considerar para efeitos probatórios, pois tem a obrigação de analisar criticamente todas as provas, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 2 e 3 do CPTA, enfermando, neste aspeto, a sentença de ilegalidade.
XVI- Na realidade, os fundamentos da sentença recorrida incorrem numa enorme incoerência, uma vez que estão em clara contradição, desde logo, com o teor do Acórdão n.º 328/2018, de 27 de Junho de 2018, o qual julgou “inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
XVI - A partir da conjugação dos elementos e documentos dos autos impunha-se decisão diversa da recorrida, verificando-se erro manifesto na interpretação e aplicação do direito e contradição na apreciação da prova.
XVII- Ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 1 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, publicado em anexo ao DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, “o Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior (os resultantes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação), com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida”- parêntesis nosso -, o que conduziria a que o FGS tivesse que pagar a importância de € 10.026,00 ao Autor, a título de créditos emergentes do contrato de contrato, por virtude da sua cessação, por despedimento sem justa causa.
XVIII -Esta norma foi criada para salvaguardar a posição dos trabalhadores cujo pedido de acesso ao Fundo de Garantia Salarial foi recusado, sujeitando a reapreciação oficiosa os pedidos apresentados na pendência de PER, bem como os pedidos apresentados entre 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015 relativos a créditos salariais abrangidos por plano de insolvência homologado no âmbito do processo de insolvência, no entanto, numa interpretação meramente formal e legalista, gera desigualdades em situações são em tudo idênticas, por uma mera questão temporal, pois, requerimentos para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentados por trabalhadores da N., S.A., que foram despedidos em data posterior ao despedimento do Autor foram deferidos, porque apresentados dentro daquelas datas de 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015, enquanto que os trabalhadores que não apresentaram os seus requerimentos dentro daquelas datas, porque não o podiam ter feito, uma vez que o seu contrato de trabalho cessou no dia 18 de Abril de 2011, não foram oficiosamente reapreciados.
XIX- Afigura-se, pois, ao Autor ter havido má-fé e abuso de direito por parte do FGS, que adiou a decisão sobre os requerimentos apresentados na sequência da Insolvência da N., com o intuito claro de impedir que os trabalhadores viessem a ser ressarcidos.
XX- O FGS, embora seja um fundo autónomo, relaciona-se com o âmbito de proteção social garantido pelo sistema de segurança social, quer pela via de parte do seu financiamento, quer pela via da sua gestão entregue ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. (IGFSS, I. P.), que é um instituto público, integrando a administração indireta do Estado (cfr. arts. 2.º e 3.º, n.º 1 da Lei 3/2004, de 15 de janeiro, na redação dada pelo DL n.º 96/2015, de 29 de Maio.
XXI – Como o FGS não reapreciou oficiosamente o requerimento do Autor, este viu-se obrigado a apresentar novo requerimento, para relembrar o Fundo de Garantia Salarial da necessidade da sua reapreciação, compulsando aquela instituição a proferir uma decisão sobre o seu requerimento, a qual voltou a ser de indeferimento, agora com o fundamento mencionado no ponto 17 dos factos dados como provados.
XX- É entendimento do Autor que o FGS não poderia indeferir o seu requerimento com o alegado fundamento, nem com qualquer outro, quer por força do n.º 3 do art. 3.º do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, que obriga à reapreciação oficiosa dos requerimentos recusados, e que sejam apresentados na pendência de PER, como se verifica no caso do concreto do Autor, quer porque esse indeferimento viola os mais elementares princípios do direito que regem a atividade dos órgãos da Administração Pública, como sejam os da legalidade, da igualdade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade, da boa-fé e do Estado de Direito Democrático.
XXI- Assim, ao contrário do sustentado na Sentença recorrida o ato impugnado padece do vício de violação de lei, pois o FGS, como órgão público, gerou no Autor a expectativa que lhe fosse pago o que tinha direito, pautando a sua conduta pelo respeito do direito à certeza e seguranças jurídicas, pelo que o indeferimento, além de violar o Princípio da Igualdade, previsto no art. 6.º do CPA, viola os princípios da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos (art. 4.º do CPA), da Proporcionalidade (art.7.º do CPA), da Justiça e da Razoabilidade (art. 8.º do CPA), da Imparcialidade (art. 9.º), da Boa-Fé, da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art. 10.º do CPA), sendo, também, por isso, ilegal (art. 3.º do CPA), enfermando, pois aquela de manifestos erros de julgamento tendo violado frontalmente, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nas normas e princípios legais referidos, gerando um resultado injustiço, resultado esse que o legislador não quis, e que é contrário à razão de ser da existência do próprio Fundo.
XXII- Como supra referido, o FGS não atuou em obediência aos princípios da Boa-Fé, da Justiça e da Razoabilidade, isto porque, desde logo, quando indefere os requerimentos do Autor, sabe que está a praticar uma ilegalidade, tando assim é, que posteriormente acata as decisões dos tribunais proferidas nesse sentido, e a intenção que manifesta junto do Provedor de Justiça de corrigir a sua decisão inicial, incorrendo num manifesto abuso de direito – cfr. documentos juntos à PI – pois, como pessoa de bem, deveria ter procedido imediatamente à reapreciação de todos os requerimentos, tanto mais que nunca ficaria prejudicado, porque ficaria sub-rogado nos direitos dos trabalhadores.
XXIII - Não devendo ter de ser a parte mais fraca, mais frágil, mais desgastada em todo este processo, o trabalhador que ficou sem o emprego e sem os seus créditos, fruto do trabalho prestado, a ter de requerer a extensão dos efeitos de sentenças transitadas em julgado, como sugerido na sentença recorrida, de que o Autor só vem a ter conhecimento muito tarde, com o ónus de ter conhecimento de um certo número de sentenças, transitadas em julgado, favoráveis e desfavoráveis, para dar cumprimento aos pressupostos do art. 161.º do CPTA, para obter uma decisão que desde sempre lhe deveria ter sido favorável.
XXIV - A Boa-Fé consiste num princípio geral da ação administrativa que impõe que, no seu desenvolvimento, deve existir uma conduta leal, conduta segundo o direito que tem um aspeto negativo: não lesar a ninguém, e outro positivo: agir de maneira ativa na execução da prestação devida, cumprir fielmente a sua parte na obrigação; enfim, respeito aos direitos do administrado.
XXV- Apesar do art. 2.º, n.º 8 do referido Regime estatuir que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”, aquele prazo não é de caducidade, ao contrário do sustentado pela sentença ora recorrida, como aliás, já decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 328/2018, de 27 de Junho de 2018, o qual julgou inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.” – negrito nosso – e está, por isso sujeito a interrupções e suspensões.
XXVI- O que está em causa nos presentes autos é o direito a proteção por parte do Estado, no caso concreto, na sequência de um Processo de Insolvência, seguido de um Processo Especial de Revitalização, consagrado na Lei, na Constituição da República Portuguesa (art. 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3) e no Direito da União Europeia (Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008), sendo certo que, de acordo com o Acórdão do TC supra mencionado, “o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1 da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efectividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objectivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição)” – negrito nosso.
XXVII – Considerando que só em 22/01/2018 foi proferida sentença no processo de Impugnação dos Créditos, no âmbito da Insolvência n.º 1277/11.1TJVNF e que a homologação do Plano do PER só ocorreu em 4 de Abril de 2017, deve considerar-se existirem causas de interrupção ou suspensão do referido prazo de um ano.
XXVIII -Além dos alegados vícios do ato ora em apreço, o Autor não concorda com a sentença recorrida quando preconiza não existir qualquer vício de forma no despacho em causa, por falta de fundamentação, sobre o qual, aliás, não expende grandes considerações, porquanto o art. 152.º do CPA, que impõe o dever de fundamentação dos atos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, sendo que, de acordo com o art. 125.º, do mesmo diploma, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com parecer.
XXIX- Sendo certo que a obrigação de fundamentar a decisão administrativa surge como concretização da obrigação geral de fundamentação dos atos administrativos, que, de forma expressa e acessível devem dar a conhecer aos respetivos destinatários os motivos por que se decide de determinado modo e não de outro, sendo que a doutrina e a jurisprudência são pacíficas quando entendem que só se considera a fundamentação devidamente levada a cabo “quando cumpridas as exigências externas de clareza e suficiência, exigências essas que são, concomitante e endogenamente exigíveis, aliás na linha do disposto no art. 268.º, n.º3 da CRP” – cfr. Novo Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado, pág. 196, 2016, 3ª. Ed., Almedina – sendo um dever constitucional que impõe à Administração que pondere antes de decidir – contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão – e visa, por outro lado, permitir ao administrado a compreensão do processo mental que conduziu à decisão.
XXX - A nossa Jurisprudência tem vindo a entender que a fundamentação do ato administrativo é um conceito relativo – porque varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto – mas que a fundamentação só é suficiente quando permite que um destinatário normal se aperceba do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
XXXI- A fundamentação do ato consubstancia um dever da Administração, bem como um direito subjetivo do administrado de conhecer os fundamentos factuais e as razões legais que permitem à autoridade administrativa conformar-lhe negativamente a sua esfera jurídica, traduzindo-se em enunciar de forma explícita as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do ato, enunciar as premissas de facto e de direito nas quais a respetiva decisão administrativa assenta.
XXXII- A obrigação de fundamentar constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa, e o direito à fundamentação constitui instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação do ato administrativo.
XXXIII – No entanto, analisando o ato administrativo impugnado, verificamos que o fundamento para o indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor foi o seguinte: “O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril” (negrito e sublinhado do Autor) e que “não se encontra instruído com os documentos previstos no n.º 2 do artigo 5.º do Dec-Lei59/2015, de 21 de abril”, constatando-se que do seu teor sejam patentes as referências factuais e os normativos aplicáveis, o que permite a conclusão de que o ato impugnado não se encontra fundamentado de facto e de direito, nem que documentos se encontram em falta para a instrução do processo, padecendo, pois, do vício de forma por falta de fundamentação que o torna ilegal, gerando a sua NULIDADE ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais do Autor reclamados (art. 161.º, n.º 1, al. d) do CPA); se assim não se entender, o ato é anulável nos termos do artigo 163.° do CPA, anulabilidade essa que aqui expressamente se argúi.
XXXIV - A sentença recorrida também enferma de erro manifesto na interpretação e aplicação do direito, quando conclui não existir qualquer inconstitucionalidade na aplicação e interpretação efetuada pelo FGS ao n.º 8 do art. 2.º do NRFGS, ao considerar que o prazo de um ano é de caducidade, sem possibilidade de interrupções e suspensões, bem como os segmentos da norma do art. 3.º, n.º 3, als. a) e b), do mesmo diploma, que excluem da reapreciação oficiosa, por parte do FGS, os requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados na pendência de PER que surge na continuidade daquele processo de Insolvência, bem como os que foram apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, para cumprimento da tempestividade dos mesmos, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, por violação do Princípio da Igualdade amplamente consagrado nos arts. 13.º e 59.º, nºs. 1, al. a) e 3 da CRP, do Princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que tem como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da legalidade da administração e da justiça administrativa, da proporcionalidade (art. 18.º da CRP), e dos direitos constitucionais consagrados nos arts. 59.º e 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, designadamente o direito ao acesso à Segurança Social nas situações de maior carência e fragilidade psicológica e económica.
XXXV - O art. 336.º do CT/2009 e os arts. 2.º, n.º 8 e 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, na interpretação que lhes foi dada pelo FGS e pelo Tribunal recorrido, violam, desde logo, o princípio da Igualdade amplamente consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa e, em especial, na igualdade dos trabalhadores na retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna, assistência material e promoção pelo Estado das condições de retribuição a que os trabalhadores têm direito, bem como nas garantias especiais de que gozam os salários, e bem assim do direito de acesso à segurança social e solidariedade e à protecção do sistema de segurança social e de solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades (cfr. arts. 59.º, n.º 1, alíneas a), e e), e n.ºs 2 e 3, e 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP).
XXXVI - Na sua dimensão material ou substancial o Princípio Constitucional da Igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário, mas não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
XXXV - É que tal princípio constitucional não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
XXXVI - O Princípio da Igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
XXXVII - Esta dualidade de tratamento, sufragada pela interpretação seguida pelo acto administrativo impugnado, na medida em que permite que trabalhadores da mesma empresa declarada insolvente, despedidos na mesma data, com as suas contribuições pagas, com os requerimentos dirigidos ao FGS apresentados tempestivamente, sejam tratados injustificadamente de forma diferenciada, perfila-se como uma desigualdade desprovida de fundamento material ou objectivo bastante.
XXXVIII - Não se vislumbra qualquer razão sustentada em valores ou interesses radicados numa racional fundamentação ou na prossecução de valores constitucionalmente tuteláveis que justifique uma diferenciação consubstanciada na garantia do pagamento da aludida prestação pecuniária para as situações em que os trabalhadores apresentaram os seus requerimentos ao FGS entre os dias 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015, e para a negação desse pagamento a outras situações, como aquela em que se encontra o Autor, apenas porque o FGS e o Tribunal recorrido não fizeram uma correta interpretação e aplicação das normas estabelecidas nos arts.2.º, n.º 8 e 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril.
XIX - Tendo presente esta argumentação e a realidade factual subjacente ao presente litígio, O Autor tem para si que o ato administrativo impugnado incorreu no vício de inconstitucionalidade que lhe vem assacado, o que aliás, parece confirmado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional já referido e que assenta a sua decisão nas normas constitucionais (arts. 2.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3 da CRP) e europeias, bem como nas decisões jurisprudenciais do TJUE, designadamente, segundo o Tribunal de Justiça”(…) quando se verifica uma discriminação contrária ao direito comunitário e enquanto as medidas que restabelecem a igualdade de tratamento não forem adotadas, o respeito do princípio da igualdade só pode ser assegurado pela concessão, às pessoas da categoria desfavorecida, das mesmas vantagens de que beneficiam as pessoas da categoria privilegiada (acórdão Rodriguez Caballero[…] n.º 42). (…) Em tal hipótese, o juiz nacional deve afastar toda e qualquer disposição nacional discriminatória, não tendo de pedir ou aguardar a sua eliminação prévia pelo legislador, e aplicar aos membros do grupo desfavorecido o mesmo regime de que beneficiam os outros trabalhadores (acórdão Rodriguez Caballero […] n.º 43, e jurisprudência aí indicada). Esta obrigação incumbe-lhe independentemente da existência, no ordenamento jurídico nacional de disposições que lhe atribuam competência para assim proceder” - “ processo C 309/12, Anacleto Cordero Alonso c. Fondo de Garantia Salarial (Fogasa), acórdão de 7 de setembro de 2006, ECLI:EU:C:2006:529, pontos 45 e 46.”- negrito nosso.
XL - Perante os factos alegados e os documentos juntos, o Tribunal recorrido adotou uma posição legalista e formalista, em detrimento da realização da justiça material e efetiva, da defesa dos direitos fundamentais do trabalhador, garantidos constitucionalmente, como seja a garantia especial dos salários incluída no Fundo de Garantia Salarial, a qual é efetivada através do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, em virtude da situação de insolvência da entidade empregadora ou de processo especial de revitalização (art. 1.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), a satisfazer pelo FGS, nos termos da Constituição da República Portuguesa (art.º 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3, e do art. 336.º do CT/ 2009.
XLI - Aquele pagamento visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de insolvência ou de PER da entidade empregadora, através da concessão de prestação pecuniária pelo Estado substitutiva dos rendimentos da atividade profissional perdidos, constituindo uma prestação pecuniária indemnizatória / compensatória, e que é efetivada por se verificar a situação de insolvência ou PER da entidade empregadora, destinando-se a assegurar aos trabalhadores, detentores de créditos remuneratórios em dívida e indemnização relativa à cessação da relação de trabalho, os rendimentos que estes deixaram de auferir, tornando-se um dos direitos que dão “expressão àquilo que poderá designar-se por constituição social (não, obviamente, no sentido de ordem constitucional da sociedade, mas sim no sentido de ordem constitucional dos direitos e prestações sociais)” [Vide neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 814] e parece estar também abrangida pelo teor literal dos n.ºs 1 e 3 do art. 63.º da CRP, que consagram o direito do acesso à segurança social e à solidariedade e do direito à protecção do sistema de segurança social e à solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades.
XLII - E aqueles direitos têm a natureza análoga a direito, liberdade e garantia (cfr. art. 17.º da CRP), atenta a sua densificação constitucional [Vide neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1993, págs. 141-142 e 318-320], pelo que os direitos constitucionais dos trabalhadores à igualdade na retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna, assistência material e promoção pelo Estado das condições de retribuição a que têm direito, bem como nas garantias especiais de que gozam os salários, e bem assim do direito de acesso à segurança social e solidariedade e à protecção do sistema de segurança social e de solidariedade em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência, em igualdade de oportunidades, aproveitam do regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias.
XLIII - Em suma, os arts. 13.º, 59.º e 63.º da CRP são dotados de aplicabilidade direta, não obstante caber ao legislador ordinário a tarefa de assegurar a sua efetividade e concordância com os direitos constitucionalmente protegidos, sendo que as leis que os restrinjam têm de revestir carácter geral e abstrato, e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e alcance do seu conteúdo essencial (arts. 17.º e 18.º da CRP).
XLIV - Isto porque o art. 3.º, n.º 3 do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, ao estatuir a reapreciação oficiosa dos requerimentos apresentados pelos trabalhadores no âmbito de PER e os que tiverem sido entregues entre os dias 1 de Setembro de 2012 e a data da entrada em vigor daquele diploma, ou seja, dia 4 de Maio de 2015, viola o mencionado Princípio da Igualdade, previsto nos artigos supra identificados da Constituição: Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, quando interpretado no sentido de excluir dessa reapreciação oficiosa os requerimentos apresentados no FGS, com vista ao pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores da mesma entidade empregadora insolvente, apresentado atempadamente, cujo fundamento de indeferimento inicial foi o mesmo, em data anterior a 1 de Setembro de 2012, porque assim eram obrigados para cumprimento da lei, e permitir a reapreciação de requerimentos de trabalhadores que os apresentaram no intervalo de tempo entre 1 de Setembro de 2012 e 4 de Maio de 2015, isto porque foram despedidos mais tarde.
XLV- Aquela norma, quando interpretada no sentido de excluir a reapreciação oficiosa por parte do FGS dos requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, é inconstitucional por violação grosseira do Princípio da Igualdade, previsto no arts. 13.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1, al. a) e 3 da CRP, e do princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que tem como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da legalidade da administração e da justiça administrativa.
XLVI - O Tribunal recorrido ao não concluir desta forma, viola aqueles dispositivos legais e constitucionais.
XLVII - E não se diga que o trabalhador tinha meios de defesa, pois embora que sendo verdade que o recorrente poderia ter impugnado aquela decisão, é também verdade que foi induzido em erro pelos diversos despachos proferidos pelo FGS, e que constam do PA, e pelo facto daquele ter assumido perante o Provedor de Justiça que iria rever todos os requerimentos apresentados pelos trabalhadores, tendo faltado ao seu compromisso.
XLVIII- Diga-se, ainda, que o FGS ao interpretar o art. 3.º, n.º 3 do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, no sentido em que o fez, importa também a violação do Princípio da Proporcionalidade, previsto nos arts. 2.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP.
XLIX - Aos tribunais é vedada a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição, ou os princípios nela consignados, devendo recusar a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade (cf. Arts. 204.º, 277.º e 280.º, n.º 1, da CRP), pelo que deverá proceder a presente ação, devendo a Sentença ser alterada e ser judicialmente determinado que o FGS proceda ao pagamento ao Autor da quantia de € 10.026,00, à qual deverá subtrair-se as deduções legais.
L -Pelo que o Despacho do Senhor Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 25 de Maio de 2017, que indeferiu o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pelo Autor, além de inconstitucional, nos termos supra expostos, é NULO, nos termos do art. 161.º, n.º 1, al. d), do CPA, por ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais do Autor; se assim não se entender, é anulável, nos termos do artigo 163.º do citado diploma, ANULABILIDADE essa que aqui também expressamente se deixa arguida.
LI- A douta decisão recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento tendo violado frontalmente, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nas normas e princípios legais e constitucionais supra referido, incluindo o art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, ao não fundamentar devidamente de facto e de direito a decisão tomada, nem analisando criticamente as provas, ignorando documentos com relevância para os presentes autos.

Termina, pugnando dever:
A) Ser admitida a certidão da sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação de Créditos, proferida no dia 22/01/2018, que se junta, atendendo a que a mesma é posterior à fase dos articulados e o Tribunal recorrido proferiu de imediato despacho saneador, sem audiência prévia;
B) Ser alterada a matéria de facto dada como provada, aditando aos «Factos Provados» os factos constantes do ponto 7 do presente recurso e IV das Conclusões, bem dando como provados os factos constantes do ponto 6 e III das Conclusões;
C) Declarar-se modificada a Sentença recorrida para ser substituída por outra, pela qual, julgue a ação totalmente procedente e condene o Réu FGS a pagar ao Autor a quantia de € 9.210,34, acrescida dos respetivos juros legais, à qual deverá subtrair-se as deduções legais, por violação:
a) do princípios da Legalidade, da Igualdade, previsto no art. 6.º do CPA, da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos (art. 4.º do CPA), da Proporcionalidade (art.7.º do CPA), da Justiça e da Razoabilidade (art. 8.º do CPA), da Imparcialidade (art. 9.º), da Boa-Fé, da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art. 10.º do CPA);
b) do princípio da Igualdade amplamente consagrado nos arts. 13.º e 59.º, nºs 1, al. a) e 3 da CRP, do princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que têm como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da Legalidade da Administração e da Justiça Administrativa, da Proporcionalidade (art. 18.º da CRP), no art. 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, designadamente o direito ao acesso à Segurança Social, porquanto a interpretação da norma do art. 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, no sentido de excluir a reapreciação oficiosa por parte do FGS, os requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados na pendência de PER que surge na continuidade daquele processo de Insolvência, bem como os que foram apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, para cumprimento da tempestividade dos mesmos, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, é inconstitucional;
D) Declarar-se a inconstitucionalidade do art. 2.º, n.º 8 do NRFGS quando interpretado no sentido de se estar perante um prazo de caducidade, com a consequência do mesmo estar sujeito a interrupções e suspensões.

O recorrido não contra-alegou.

Remetidos os autos a este Tribunal de recurso, neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de o recurso não dever merecer provimento, nos termos seguintes:
«(…)
2 – Recorre o Autor alegando, nas suas conclusões, que resume em quarenta e seis pontos:
2.1 – Que deve ser admitida nos autos uma certidão da sentença proferida no processo de reclamação de créditos nº 1277/11.1TJVNF-A, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, onde se declara a inutilidade de reconhecer os créditos constantes da lista apresentada pelo sr. Administrador da Insolvência, tendo em consideração que naqueles autos foi aprovado PER, e o plano de insolvência já não seria cumprido.
2.2 – Que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada, sendo-lhe aditados os factos que constam dos pontos III e IV das suas conclusões.
2.3 – Que em consequência se deverá revogar a sentença recorrida e substituí-la por outra que julgue a acção totalmente procedente e condene o FGS a pagar ao Autor as quantias por si peticionadas.
2.4 – Considera que caso assim não se entenda, sempre estará a ser seguida uma interpretação inconstitucional do artigo 3º nº 3 als. a) e b) do DL 59/2015, de 21 de Abril, no sentido de excluir a reapreciação oficiosa, por parte do FGS, dos requerimentos para pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados na pendência de PER que surge na continuidade daquele processo de insolvência, bem como os que foram apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, e ainda do artigo 2º nº 6 do NRFGS, quando interpretado no sentido de se estar perante um prazo de caducidade.
3 – Não houve resposta ao recurso.
4 –Da matéria de facto dada como provada, extrai-se que a entidade patronal do Autor, a sociedade comercial « N. S.A.» foi considerada insolvente em 19.05.2011, tendo o mesmo reclamado os seus créditos salariais, no valor de € 10.995,65, no processo respectivo. A relação de trabalho extinguira-se a 18.04.2011. O Administrador de Insolvência reconheceu-lhe o direito a € 9.210,34, tendo o Autor impugnado este último valor. Contudo, em 7.12.2012, recebeu uma comunicação do FGS que lhe negou o pagamento dos seus créditos porque os mesmos foram considerados extintos, nas precisas palavras daquela entidade administrativa «…por força da homologação do plano de recuperação da empresa, pelo que passaram a inexistir por impossibilidade do seu objecto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do artº 112º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – nº 1 do artº 752º do Código Civil.» O Autor não impugnou judicialmente esta decisão administrativa. Em 11.12.2013, a »N.» deu entrada em juízo a um processo especial de revitalização ( PER), tendo o autor reclamado nesse processo os seus créditos, então já no montante de € 12.115,65. Esse novo pedido foi indeferido pelo FGS, por despacho do respectivo Presidente do Conselho de Gestão, de 19 de Maio de 2017, com o fundamento de que o requerimento não foi apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos previstos no artº 8º nº 2 do DL 59/2017, de 21 de Abril. Foi este despacho que originou a presente acção.
5 – É ainda referido neste último despacho do FGS que o pedido do Autor foi também rejeitado por não se mostrar instruído com os documentos previstos no artº 15º nº 2 do mesmo diploma legal.
III - EXAMINANDO,
4 – Recurso próprio, atempado, legítimo, nada obstando ao seu conhecimento.
5 – Começaremos por fazer notar que o regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial visa assegurar aos trabalhadores por conta de outrem que sejam afectados por uma situação de insolvência da sua entidade patronal, o pagamento dos seus créditos decorrentes da prestação de trabalho relativos aos seis meses anteriores ou com vencimento posterior, reclamados no prazo aí previsto e que tenham ficado em dívida.
6 – Assim, dificilmente se compreende a posição que o FGS, entidade que tem por missão assegurar aos trabalhadores despedidos esse serviço, comunicou ao autor em 7.12.2012, negando-lhe o direito ao pagamento dos seus créditos porque os mesmos foram considerados extintos, nas precisas palavras daquela entidade administrativa «…por força da homologação do plano de recuperação da empresa, pelo que passaram a inexistir por impossibilidade do seu objecto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do artº 112º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – nº 1 do artº 752º do Código Civil.»
7 – No entanto, a verdade é que o Autor não impugnou essa decisão.
8 – Outros seus colegas na mesma situação, como resulta dos autos, fizeram-no e obtiveram ganho de causa (vjs. a sentença do TAF de Almada que se encontra a fls. 71 e ss. dos autos).
9 – Defende agora o Autor que a sua inércia de então não o deve prejudicar, e que deve ser revogado o despacho do sr. Presidente do Conselho de Gestão datado de 19.05.2017, acima referido.
10 – Mas não vemos como tal revogação lhe pode aproveitar, tendo em consideração que assente se mostra, como se diz na sentença recorrida, que o requerimento apresentado pelo Autor em 4.05.2016 não é uma reapreciação do que apresentara em 15.07.2011, pelo que se tem de concluir que foi excedido o prazo previsto no artº 8º nº 2 do NRFGS para apresentação tempestiva do requerimento, e que ainda que assim não fosse, por força do disposto no artº 2º nº 4 do mesmo diploma legal, já não haveria créditos a garantir, porque há muito haviam decorrido os «seis meses anteriores» aí previstos.
TERMOS EM QUE,
Somos de parecer que o presente recurso não merece provimento.»

Sendo que dele notificadas nenhuma se apresentou a responder.
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Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
II. 1 QUESTÃO PRÉVIA
Com as suas alegações de recurso o recorrente juntou um documento (fls. 376 SITAF), dizendo tratar-se de certidão da sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação de Créditos, proferida no dia 22/01/2018, e requerendo a sua admissão atendendo a que a mesma é posterior à fase dos articulados e o Tribunal recorrido ter proferido de imediato despacho saneador, sem audiência prévia.
De harmonia com o disposto no artigo 651º nº 1 do CPC novo, aplicável aos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, “…as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.
Ressuma deste normativo que a junção da prova documental deve ocorrer na 1ª instância, já que os documentos se hão-de destinar a demonstrar factos cuja verificação o Tribunal é chamado a aferir no respetivo julgamento.
De modo que apenas será legítimo às partes juntarem documentos com as respetivas alegações de recurso quando a sua apresentação não tenha sido possível em momento oportuno na 1ª instância. Impossibilidade que poderá decorrer quer da superveniência objetiva do documento quer da sua superveniência subjetiva (conhecimento).
Sendo que também será legítima a apresentação de documentos com as alegações quando a sua apresentação se revele necessária por virtude da decisão proferida. Assim, se não será de admitir a junção de documentos em fase de recurso para prova de factos que já se mostravam controvertidos antes da prolação da sentença recorrida (designadamente em face dos articulados apresentados), já será admissível a junção de documentos nesta fase se a sua necessidade só ocorreu em face da decisão proferida (vide a este respeito, e neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2ª Edição, pág. 189-190).
Na situação presente o documento que o recorrente juntou com as suas alegações de recurso (a fls. 376 SITAF), dizendo tratar-se de certidão da sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação de Créditos, proferida no dia 22/01/2018, e requerendo a sua admissão por a mesma ser posterior à fase dos articulados e o Tribunal recorrido ter proferido de imediato despacho saneador sem audiência prévia.
O documento que o recorrente junta com o recurso constitui uma certidão emitida em 21/09/2018 da sentença proferida em 23/01/2018 no Proc. nº 1277/11.1TJVNF-A (Reclamação de créditos), do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Vila Nova de Famalicão - Juízo de Comércio - Juiz 4, relativamente às impugnações à lista de créditos reconhecidos ainda pendentes de apreciação, a qual, considerando ser entretanto inútil apreciar e reconhecer os créditos constantes da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Administrador da Insolvência naquele processo, julgou extinta aquela instância por inutilidade superveniente da lide.
Ora, face à data daquela sentença 23/01/2018, e muito embora se desconheça quando dela o recorrente foi notificado, o que o mesmo não alega ou comprova, tem que considerar-se que a mesma não constitui um facto superveniente, seja quanto à sua verificação, seja quanto ao seu conhecimento, face ao momento em que foi prolatada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a sentença (saneador-sentença) sob recurso, a qual data de 20/07/2018.
E a circunstância de o Tribunal recorrido ter proferido de imediato despacho saneador, sem audiência prévia, em nada altera ou justifica a junção daquele documento, só efetuada com o recurso, se o hiato temporal que decorreu até à prolação da sentença permitia ao recorrente proceder à sua junção em 1ª instância, designadamente através de articulado superveniente.
Sendo que, de todo o modo, o recorrente não alega ou invoca a que facto ou factos se refere tal documento e para cuja prova o mesmo se destinará.
Posto isto, forçoso é concluir que a junção daquele documento com o recurso, pretendida pelo recorrente, não encontra conforto legal, não sendo, assim, de a admitir.
O que se decide.
Desentranhe-se, pois, o documento que foi junto com o recurso (fls. 376 SITAF), e devolva-se ao recorrente.
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II. 2 DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vêm colocadas em recurso as seguintes questões essenciais:
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, devendo os factos dados como provados deverem ser modificados e aditados nos termos propugnados pelo recorrente - (vide conclusão III) a VII) das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito nos termos apontados pelo recorrente, devendo a decisão de improcedência da ação ser revogada e substituída por outra que condene o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL a deferir o pedido de pagamento de créditos laborais requeridos pelo autor - (vide conclusão VIII) a LI) das alegações de recurso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida, expressis verbis, na sentença recorrida:
1) O Autor trabalhou na sociedade “N. , S.A.”, desde 1/10/2001 até ao dia 18/04/2011, data em que foi despedido - facto admitido por acordo, atenta a posição exarada pelas partes (cfr. artigos 8.º e 9.º da PI, e 18.º da contestação);
2) Em 19/04/2011, foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade “N.- , S.A.”, que correu termos no 5.º juízo cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, com o n.º de processo 1277/11.1TJVNF;
3) Em 19/05/2011 foi proferida sentença nos autos identificados no ponto anterior, que decretou a insolvência da “N.- , S.A.”, onde foi nomeado administrador da insolvência, A.;
4) O Autor reclamou créditos no processo descrito nos pontos 2 e 3 deste probatório, no montante global de € 10.995,65;
5) O Administrador de Insolvência nomeado no processo n.º 1277/11.1TJVNF, melhor descrito nos pontos 2 e 3 deste probatório, reconheceu ao Autor M., o crédito no montante global de € 9.210,34;
6) O Autor impugnou os créditos reconhecidos pelo Administrador de Insolvência;
7) Em 18/07/2011, o Autor apresentou nos serviços do Réu, requerimento, no qual peticiona o pagamento da quantia global de € 10.995,65, respeitante a créditos em dívida de retribuições de março de 2011 (€ 86,84 + € 656,00), subsídio de férias de 2010 e 2011 (€ 940,27 + € 1.044,20), proporcionais de subsídio de natal de 2011 (€ 194,10), subsídio de alimentação de março e abril de 2011 (€ 194,92), indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho (€ 6.247,28) e créditos emergentes da violação do contrato de trabalho (€ 1.632,42), tendo aí referido que auferia a retribuição mensal ilíquida de € 656,00 e que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de insolvência, a decorrer no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, 5.º juízo, processo n.º 1277/11.1TJVNF;
8) Por ofício datado de 07/12/2012, remetido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., ao aqui Autor, foi-lhe comunicado que, por despacho de 23 de Novembro de 2012, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado pelo Autor foi indeferido, ali constando, com relevância, o seguinte:
Verifica-se no requerimento em apreço, que os créditos requeridos ao FGS serão extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa, e na exata medida e termos daquele plano de recuperação, termos nos quais inexistem por impossibilidade e inutilidade do seu objeto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do artigo 112.º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – n.º 1 do artigo 762.º do Código Civil”;
9) O Autor não deduziu processo judicial contra a decisão proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial identificada em 8) deste probatório – por acordo.
10) Em 11/12/2013, a sociedade comercial “N., S.A.” deu entrada em juízo de um processo especial de revitalização, que correu os seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2.ª Secção do Comércio, J.2, sob o processo n.º 3380/13.4TJVNF, tendo sido proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial provisório;
11) O Autor reclamou créditos no processo descrito no ponto 10 deste probatório, no montante global de € 12.115,65, aí informando que pretendia participar das negociações no âmbito do PER;
12) Com data de entrada no Centro Distrital da Segurança Social de Braga em 04/05/2016, foi apresentado requerimento, dirigido ao FGS com vista ao pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ao aqui Autor, indicando como nome de empregador a sociedade “N., S.A.”, a retribuição base mensal ilíquida de € 656,00, a data de cessação do contrato de trabalho em 18/04/2011, no qual peticiona o pagamento da quantia global de € 9.210,65, respeitante a créditos em dívida de cotizações e contribuições para a Segurança Social de março de 2011 já pagas (€ 77,29), retribuições de abril de 2011 (€ 464,07), férias e proporcionais (€ 1.104,27), subsídio de férias e proporcionais (€ 820,00), proporcionais de subsídio de natal (€ 164,00), subsídio de alimentação de março e abril de 2011 (€ 194,92), indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho (€ 6.247,28) e créditos emergentes da violação do contrato de trabalho (€ 135,51), tendo aí referido que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de PER, a decorrer no Tribunal de Vila Nova de Famalicão – Braga, J2, 2.ª Secção de Comércio, processo n.º 3380/13.4TJVNF, cuja ação foi apresentada em 11/12/2013, sendo anexado ao requerimento “lista provisória de créditos”;
13) Em 19/01/2017, foi elaborada informação pelos Serviços da Unidade de Apoio à Direção/Núcleo de Apoio Jurídico do Instituto da Segurança Social, I.P., nos termos da qual se propunha o indeferimento dos requerimentos apresentados, entre os quais o do aqui Autor, com o seguinte teor, que ora se transcreve no que aqui importa:
“(…)
I - A empresa em referência deu entrada de um processo Especial de revitalização (PER), no âmbito do Processo N.º 3380/13.4TJVNF que correu os seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2.º Secção do Comércio, J2 em 12/12/2013, sendo proferido despacho de nomeação de administração judicial provisório em 26/12/2013, encontrando-se assim, preenchido o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril.
II- Os requerentes reclamam créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, em conformidade com a previsão do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
(…)
Proposta:
Nestes termos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 1.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, conducentes à intervenção do FGS, parece-nos de indeferir os requerimentos apresentados, porquanto:
A) Os requerimentos não foram apresentados no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril”;

14) No dia 8/03/2017, a informação referida no ponto antecedente deste probatório, foi remetida ao Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial;
15) Em 9/03/2017, foi elaborada informação pelo Fundo de Garantia Salarial, sancionada superiormente pelo Presidente do Fundo de Garantia Salarial, com despacho concordante de 13/03/2017, cujo teor, para o que ora interessa, consta o seguinte:
“(…)
1. De acordo com a análise efetuada ao processo pelo Centro Distrital, os requerimentos foram apreciados tendo sido entendido que não se encontram preenchidos os pressupostos legais impostos no âmbito do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21/04, conducentes ao indeferimento das pretensões formuladas pelos ex-trabalhadores/requerentes.
2. Alguns dos requerimentos não se encontram instruídos com os documentos previstos no n.º 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
3. Acresce que o Fundo de Garantia Salarial nos termos do art.º 2.º, n.º 8 do Anexo ao Decreto-Lei já referido só assegura o pagamento dos créditos “() quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
3.1. Resulta que os requerimentos apresentados pelos trabalhadores excederam aquele prazo, dado que foram entregues depois de transcorrido o mesmo (…)”;
16) Por ofício datado de 19/05/2017, remetido pelo Instituto da Segurança Social I.P. ao aqui Autor, foi-lhe comunicado, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Assunto: Fundo de Garantia Salarial – Audiência Prévia Indeferimento
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 19 de maio de 2017, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por V.ª Ex.ª será indeferido.
(…)
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril.
- O requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no n.º 2 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril (…)”;

17) Por ofício datado de 9/06/2017, remetido pelo Instituto da Segurança Social I.P. ao aqui Autor, foi-lhe comunicado, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Assunto: Fundo de Garantia Salarial – Notificação Indeferimento
Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 19 de maio de 2017, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V.ª Ex.ª foi indeferido.
O(s) fundamento(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril.
- O requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no n.º 2 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 59/2017, de 21 de abril (…)”.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida o Mmº Juiz a quo, debruçando-se sobre o mérito da ação, julgou-a totalmente improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos.

2. Da análise e apreciação dos fundamentos do recurso
2.1 Do imputado erro de julgamento da matéria de facto
2.1.1 O recorrente começa por sustentar que a sentença recorrida incorreu em erro factual quanto à matéria dada como provada nos pontos 2.), 3.), 7.), e 12.) do probatório da sentença recorrida, e bem assim ao não considerar como provados factos com relevância para a ação, cujo aditamento propugna - (vide conclusão III) a VII) das alegações de recurso).
No que respeita à matéria dada como provada nos pontos 2.), 3.), 7.), e 12.) do probatório da sentença recorrida sustenta o recorrente o seguinte:
- que no ponto 2), quando se dá como provado que foi instaurada ação de insolvência contra a sociedade N., S.A., cuja ação correu termos no 5.º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, o que deveria ter sido dado como provado é que aquela sociedade se apresentou à insolvência, e cujo processo correu termos no 5.º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, atualmente, Tribunal Judicial de Braga, Juízo de Comércio - Juiz 4, de Vila Nova de Famalicão;
- que no ponto 3), quando se dá com provado que a sentença que decretou a insolvência daquela sociedade foi no dia 19/05/2011, deveria ter sido dado como provado que a sentença que decretou a insolvência é do dia 16/05/2011;
- que no ponto 7), dá-se como provado que o Autor peticionou, no requerimento apresentado ao Réu, em 18/07/2011, “(…) créditos em dívida de retribuições de março de 2011(€ 86,84 + € 656,00) (…)”, quando dever-se–ia ter dado como provado que o Autor peticionou € 86,84, referente a retribuições do mês de Março, e € 656,00, referente ao mês de Abril de 2011;
- no ponto 12), onde se dá como provado que o Autor “peticiona o pagamento da quantia global de € 9.210,65”, e as “retribuições de abril de 2011 (€ 464,07)”, dever-se-ia dar como provado que o Autor peticiona a quantia global de € 9.210,34 e o valor de € 467,07 a título de retribuições do mês de Abril de 2011.
E quanto à factualidade que, no seu entender, devendo ter sido dada como provada foi omitida, e cujo aditamento agora propugna, sustenta o recorrente que sentença não considerou provados factos com relevância para a presente ação que, alegados pelo Autor, e não tendo merecido contestação do Réu, deveriam ter sido dados como provados atento o disposto no artigo 83º nº 5 do CPTA, por ocorrer admissão e confissão daqueles factos articulados pelo autor, e resultando também dos documentos juntos à PI e ao PA, designadamente:
a) Que o Plano apresentado no âmbito do PER n.º 3380/13.4TJVNF, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão- Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi homologado no dia 4 de Abril de 2017, por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 3380/13.4TJVNF.G3, da 2ª. Secção Cível), como resulta dos documentos juntos à PI sob os n.ºs 15 e 16, que não foram impugnados;
b) Que o Réu, perante o Provedor de Justiça havia assumido que iria rever a sua posição relativamente a todos os trabalhadores, quanto à decisão de indeferimento de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho requeridos na sequência do processo de insolvência n.º 1277/11.1TJVNF, como resulta dos documentos juntos aos autos;
c) Que o Réu, muito embora tenha pago aos trabalhadores que intentaram ações judiciais contra aquela decisão, como a que se encontra junta aos autos, não procedeu ao pagamento dos restantes trabalhadores, em que se inclui o ora Autor, indo contra a sua posição anteriormente assumida, e que criara expectativas nos trabalhadores, considerando o Provedor de Justiça uma decisão “manifestamente injusta e injustificada” e que contrariava “o sentido da informação que oportunamente lhe foi prestada”;
d) Que o FGS tem pleno conhecimento que o PER que corre termos no Tribunal de Vila Nova de Famalicão – Braga, J2, 2ª. Secção de Comércio, processo n.º 3380/13.4TJVNF, surge na continuidade do Processo de Insolvência.

2.1.2 O artigo 640º do CPC novo (Lei nº 41/2013), aplicável aos processos dos tribunais administrativos ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto o cumprimento de determinados ónus, sob pena de rejeição do recurso, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento.
Assim, deve o recorrente, em tal caso:
i) especificar os “…concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (nº 1 alínea a));
ii) especificar “…a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (nº 1 alínea c));
iii) especificar “…os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 alínea b));
iv) no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, “…indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, de poder proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alínea a)).
Deste modo, o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser de imediato rejeitado, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento, sempre que o recorrente omita nas respetivas conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto aquelas indicações. No que constitui, como refere António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 134 ss., uma maior exigência no que respeita à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, aos recorrentes, regras muito específicas para a sua admissibilidade, e que é compreensível, a um tempo, por a pretensão de modificação do julgamento da matéria de facto, feito na 1ª instância, ser dirigida a tribunal de recurso que não intermediou na produção da prova, e a outro, como contraponto da reivindicação da atribuição aos tribunais de 2ª instância de efetivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, gerando assim um dever de autorresponsabilidade das partes, impedindo que impugnação genérica, vaga ou imprecisa do julgamento da matéria de facto feito pela 1ª instância (vide, ainda, a este respeito, Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, em Estudos em Homenagem ao Prof. José Lebre de Freitas, Vol. I, págs. 589 ss.).
Assim, quando resulte das conclusões de recurso que o recorrente põe em causa a matéria de facto dada como provada na sentença de que recorre, mas se constate que o recorrente não cumpre nas alegações de recurso os indicados ónus de especificação previstos no artigo 640º do CPC novo, deve ser rejeitado o recurso nessa parte (sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento). Mas só nessa parte, isto é, quanto ao recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, permanecendo obviamente o recurso para apreciação dos demais fundamentos, de anulação ou revogação da decisão recorrida, que sejam invocados (se quanto a eles nenhuma outra questão obstar, naturalmente).
2.1.3 Ora, no que respeita à propugnada modificação da factualidade vertida nos pontos 2.), 3.), 7.), e 12.) do probatório da sentença recorrida, o recorrente não cumpre integralmente o ónus a que a respetiva impugnação se encontra submetida nos termos do artigo 640º do CPC novo, uma vez que não especifica quais os concretos documentos existentes no processo que possam permitir suportar as pretendidas modificações.
Sendo certo que de todo o modo, não se vislumbram nos autos, nem no Processo Administrativo que foi remetido pelo réu (cópia certificada), documentos que permitam suportar as alterações pretendidas.
Com a única exceção quanto à data da sentença referida no ponto 3.) do probatório, na medida em que resulta do sexto documento junto com a PI (a fls. 38 SITAF) – que consubstancia a informação a que se refere o artigo 38º nº 3 alínea b) do CIRE, no âmbito do processo de insolvência Proc. nº 1277/11.1TJVNF, da entidade empregadora do autor – que a respetiva sentença de insolvência foi proferida no dia 16/05/2011, e não em 19/05/2011, como foi vertido, certamente por lapso, no ponto 3.) do probatório da sentença recorrida.
2.1.4 Assim, e pelo exposto supra, rejeita-se a impugnação da matéria de facto feita pelo recorrente no que tange aos pontos 2.), 7.) e 12.) do probatório da sentença nos termos e ao abrigo do artigo 640º nº 1 alínea b) do CPC novo.
E procede-se à modificação da data vertida no ponto 3.) do probatório, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 1 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, passando a constar do ponto 3.) do probatório o seguinte:
«3.) Em 16/05/2011 foi proferida sentença nos autos identificados no ponto anterior, que decretou a insolvência da “N.- , S.A.”, onde foi nomeado administrador da insolvência, A..»

2.1.5 E quanto ao propugnado aditamento dos identificados factos que o réu sustenta deverem também ser dados como provados?
2.1.6 Recorde-se antes do mais que no presente caso estamos no âmbito de uma ação administrativa instaurada já no âmbito de vigência do CPTA na versão revista pelo DL. nº 214-G/2015, ação através da qual se impugnou o identificado ato de indeferimento do requerimento que dirigiu ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL visando o pagamento dos créditos salarias requeridos, e a condenação deste a proceder a esse pretendido pagamento.
O que nos remete para o disposto no artigo 83º nº 4 do CPTA (versão dada pelo DL. nº 214-G/2014) nos termos do qual “…a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”.
2.1.7 Vale neste âmbito, portanto, a regra que já existia no âmbito da antiga ação administrativa especial.
A tal respeito, e nesse sentido, já se entendeu, entre outros, no acórdão deste TCA Sul de 16/12/2015, Proc. 12693/15, in, www.dgsi.pt/jtcas, de que fomos então relatores, que « (…)II – Nos termos do segmento inserto na última parte do nº 4 do artigo 83º do CPTA, na falta de contestação ou de impugnação especificada “o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios”, o que só pode significar que por efeito daquela regra, válida para a ação administrativa especial e aqui aplicável, perante a falta de contestação fica a valer o princípio da livre apreciação da prova. III – Ficando a alegação factual, feita na petição inicial, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova de acordo com o normativo contido no artigo 83º nº 4 do CPTA, o Tribunal haverá de ter em consideração o acervo probatório produzido no processo conjugado com o comportamento processual (silente) do réu.».
O que foi reiterado, entre outros, nos acórdãos daquele mesmo TCA Sul de 01/06/2017, Proc. nº 336/15.6BESNT; de 19/12/2017, Proc. 205/17.5BEPRT e de 28/02/2018, Proc. n.º 2597/16.4BELSB-A, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca, igualmente então por nós relatados.
2.1.8 Se nos termos do disposto no artigo 83º nº 4 do CPTA (versão dada pelo DL. nº 214-G/2014) no âmbito de ação administrativa relativa a atos administrativos ou a normas a falta de impugnação especificada não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, apreciando o tribunal livremente essa conduta para efeitos probatórios, tal só pode significar que perante a falta de contestação (ou na falta de impugnação especificada) fica a valer o princípio da livre apreciação da prova (neste mesmo sentido, vide, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in,Dicionário de Contencioso Administrativo”, Almedina, pág. 197, e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, pág. 419). Encontrando-se, portanto, afastada a regra contida no artigo 574º nº 2 do CPC.
Pelo que nas ações administrativas relativas a atos administrativos ou a normas a falta impugnação especificada na contestação dos factos que tenham sido articulados pelo autor não importa a sua confissão.
2.1.9 O argumento do recorrente, de que os apontados factos deviam ter sido dados como provados por confissão, por falta da sua impugnação especificada, falha, portanto.
2.1.20 Mas será que os documentos juntos aos autos, a que o recorrente alude, são bastantes para dar como provados, e assim aditar ao probatório, os factos por ele pugnados?
2.1.21 Assim é quanto ao facto que o recorrente elenca em a) supra.
Vejamos porquê.
2.1.22 O recorrente havia alegado na PI da ação, sob os artigos 25º e 26º daquele articulado, o seguinte:
- 25º: «Entretanto, no dia 11 de Dezembro de 2013, a sociedade N., SA, apresentou processo especial de revitalização, cujo plano foi aprovado, dando origem ao processo n.º 3380/13.4TJVNF, do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – cfr. doc. n.º 15.»

- 26º: «Sendo que aquele Plano só no dia 4 de Abril de 2017 foi homologado por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.º 3380/13.4TJVNF.G3, da 2ª. Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães) – cfr. doc. n.º 16.»

O Mmº Juiz a quo elencou os factos cronologicamente. E muito embora tenha levado ao probatório que «Em 11/12/2013, a sociedade comercial “N., S.A.” deu entrada em juízo de um processo especial de revitalização, que correu os seus termos na Comarca de Vila Nova de Famalicão – 2.ª Secção do Comércio, J.2, sob o Processo n.º 3380/13.4TJVNF, tendo sido proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial provisório» (cfr. ponto 10) do probatório), nele não inclui qualquer facto de ocorrência posterior ao ofício de 09/06/2017 pelo qual foi notificado ao autor o despacho de indeferimento do requerimento que este havia dirigido ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL em 04/05/2016 (cfr. ponto 17) do probatório). Não tendo, assim, incluído que em 04/04/2017 veio a ser homologado naquele Processo n.º 3380/13.4TJVNF o Plano de Revitalização, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, não obstante o Doc. nº 16 que o autor juntou com a PI o comprovar.
2.1.23 Talvez tal tenha sucedido por o Mmº Juiz a quo ter considerado não dever dar relevância aos factos de ocorrência posterior ao indeferimento do pedido do autor, que, afinal, constitui o centro da ação.
Mas não o sabemos, com rigor, na medida em que este apenas fez consignar após o probatório, que «Inexiste factualidade não provada relevante para a decisão destes autos» e a seguinte motivação quantos aos factos dados como provados: «A factualidade elencada como provada deriva, essencialmente, do teor dos elementos documentais constantes dos autos e do Processo Administrativo apenso, salientando-se, a este propósito, que tais documentos não foram objeto de impugnação, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes».
2.1.24 Mas na verdade aquele facto devia ter sido considerado, até porque, através dele se retira que naquele Processo Especial de Revitalização (Processo n.º 3380/13.4TJVNF) foi estabelecido e homologado o Plano de Revitalização entre a sociedade N., S.A., e os seus credores, entre os quais se encontra o aqui autor. O que o Doc. nº 16 junto com a PI (fls. 202 SITAF) comprova. Sendo que, ademais, o réu na sua contestação, o aceitou também, ao expressamente declarar no artigo 18º daquele seu articulado, aceitar, entre o demais, o vertido nos artigos 25º e 26º da PI.
2.1.25 Deve, pois, aditar-se tal facto ao probatório, o qual passará a consubstanciar o ponto 13), nos termos seguintes:
13) No Processo Especial de Revitalização (Processo n.º 3380/13.4TJVNF), identificado em 10) supra, o Plano de Revitalização entre a sociedade N., S.A., e os seus credores, foi homologado através do acórdão de 04/04/2017 do Tribunal da Relação de Guimarães - cfr. Doc. nº 16 junto com a PI (fls. 202 SITAF).

2.1.26 Já quanto aos demais factos, que o recorrente elenca sob as alíneas b), c) e d) supra, os documentos juntos aos autos, designadamente aqueles a que o recorrente alude, não permitem suportar, sem mais, as ilações a que se pretende chegar. Mormente de que o réu INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP havia assumido perante o Provedor de Justiça que iria rever a sua posição relativamente a todos os trabalhadores quanto à decisão de indeferimento de pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho requeridos na sequência do processo de insolvência n.º 1277/11.1TJVNF; de que ao não proceder ao pagamento aos restantes trabalhadores (que não impugnaram as iniciais decisões de indeferimento) o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP foi contra a sua posição anteriormente assumida, e que criara expectativas nos trabalhadores; ou ainda de que o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL tivesse pleno conhecimento que o Processo Especial de Revitalização - processo nº 3380/13.4TJVNF, surgiu na continuidade do Processo de Insolvência – processo nº 1277/11.1TJVNF.
2.1.27 Razão pela qual não existem motivos para a constatação de erro de julgamento da matéria de facto, neste segmento, nada havendo que justifique o aditamento propugnado pelo recorrente, quanto à factualidade que identifica nas alíneas b), c) e d) supra.
2.1.28 Em síntese, em resultado da apreciação feita supra, o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo sofre as seguintes modificações:
i) - do ponto 3.) do probatório passa a constar o seguinte:
«3) Em 16/05/2011 foi proferida sentença nos autos identificados no ponto anterior, que decretou a insolvência da “N.- , S.A.”, onde foi nomeado administrador da insolvência, A..»

ii) – é aditado o seguinte ponto 13) ao probatório:
«13) No Processo Especial de Revitalização (Processo n.º 3380/13.4TJVNF), identificado em 10) supra, o Plano de Revitalização entre a sociedade N., S.A., e os seus credores, foi homologado através do acórdão de 04/04/2017 do Tribunal da Relação de Guimarães - cfr. Doc. nº 16 junto com a PI (fls. 202 SITAF)


2.2 Do imputado erro de julgamento de direito
2.2.1 O recorrente pugna no recurso pela revogação da decisão do Tribunal a quo, de improcedência da ação, e sua substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente e condene o réu FUNDO DE GARANTIA SALARIAL a pagar ao Autor a quantia de 9.210,34€, acrescida dos respetivos juros legais, à qual deverá subtrair-se as deduções legais, por violação a) do princípios da Legalidade, da Igualdade, previsto no art. 6.º do CPA, da Prossecução do Interesse Público e da Proteção dos Direitos e Interesses dos Cidadãos (art. 4.º do CPA), da Proporcionalidade (art.7.º do CPA), da Justiça e da Razoabilidade (art. 8.º do CPA), da Imparcialidade (art. 9.º), da Boa-Fé, da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica (art. 10.º do CPA); b) do princípio da Igualdade amplamente consagrado nos arts. 13.º e 59.º, nºs 1, al. a) e 3 da CRP, do princípio fundamental do Estado de garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, estatuído nos arts. 2.º e 9.º, al. b) da CRP, que têm como objetivo a realização da democracia económica e social, através, designadamente, do princípio da Legalidade da Administração e da Justiça Administrativa, da Proporcionalidade (art. 18.º da CRP), no art. 63.º, n.ºs 1 e 3 da CRP, designadamente o direito ao acesso à Segurança Social, porquanto a interpretação da norma do art. 3.º, n.º 3, als. a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril, no sentido de excluir a reapreciação oficiosa por parte do FGS, os requerimentos para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho de trabalhadores despedidos da mesma empresa, no âmbito do mesmo processo de insolvência, apresentados na pendência de PER que surge na continuidade daquele processo de Insolvência, bem como os que foram apresentados em datas anteriores a 1 de Setembro de 2012, para cumprimento da tempestividade dos mesmos, e que tinham direito a serem pagos pelo FGS, por se verificarem todos os pressupostos legais, quer formais e materiais, é inconstitucional, e a declarar-se a inconstitucionalidade do art. 2.º, n.º 8 do NRFGS quando interpretado no sentido de se estar perante um prazo de caducidade, com a consequência do mesmo estar sujeito a interrupções e suspensões - (vide conclusão VIII) a LI) das alegações de recurso).
Importando, assim, aferir, se o Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, incorreu nos erros de julgamento que lhe são apontados pelo recorrente, quanto aos fundamentos jurídicos em que suportou a sua decisão, em termos que a mesma deva ser revogada e substituída por outra que julgue integralmente procedente os pedidos nela formulados pelo autor.
Vejamos, então.
2.2.2 Pela sentença recorrida o Mmº Juiz a quo, debruçando-se sobre o mérito da ação, julgou-o totalmente improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos.
Nela, o Mmº Juiz a quo começou por explicitar que «(…) considerando os pedidos que o Autor formula - a declaração de nulidade ou, caso assim não se entenda, a anulação do ato de indeferimento e a condenação à prática do ato devido -, importa, até em virtude do disposto no art.º 66.º, n.º 2, e 71.º, n.º 1, ambos do CPTA, proceder à apreciação da pretensão material do Autor por forma a indagar se o mesmo é titular do direito que reclama», e que, sendo assim, importava «(…) conhecer e julgar se o ato em crise padece das ilegalidades que o Autor lhe imputa ou seja, se o ato em causa viola o disposto no art.º 2.º, n.º 8 e 5.º, n.º 2 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril». Cumprindo, numa segunda linha «(…) descortinar se o ato sindicado viola o disposto nos artigos 13.º, 18.º, 59.º e 63.º, todos da CRP, por se encontrar alegadamente em desconformidade com o princípio da igualdade e com o direito à segurança social e à solidariedade e, nesse sentido, apurar se a interpretação efetuada pelo Réu no que concerne ao art.º 3.º, n.º 3, alíneas a) e b) do DL n.º 59/2015, de 21/04, no sentido de excluir a reapreciação oficiosa do requerimento do Autor, é materialmente inconstitucional por violação dos preceitos constitucionais indicados.» (vide pág. 5 da sentença recorrida).
E acrescentou ainda o seguinte:
«(…)
Antes do mais, importa referenciar que ponderado o objeto da lide, definido pela causa de pedir e pelos pedidos formulados, é de assentar que a presente ação visa, essencialmente, a condenação à prática de ato devido, no âmbito da qual o Autor cumulou um pedido de anulação de ato e um pedido condenatório.
Nas ações de condenação à prática de ato devido, o objeto do processo não é o ato de indeferimento, mas a pretensão material que o Autor pretende fazer valer na ação, sendo, por isso, irrelevante a imputação direta de vícios ao ato impugnado. Na verdade, e em bom rigor, o Tribunal não deve conduzir a apreciação dos vícios assacados ao ato administrativo em ordem a proceder à eventual anulação ou declaração de nulidade do ato, até porque a eliminação desse ato da ordem jurídica decorre da pronúncia condenatória de prática do ato devido, que sucede sempre que o Tribunal reconhece a existência do direito subjetivo clamado pelo demandante.
Aliás, isto mesmo decorre do disposto no art.º 71.º, n.º 1 do CPTA, que estipula que, “ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido”.
Assim, na ação administrativa com vista à condenação na prática de ato devido, o Tribunal deve pronunciar-se sobre a pretensão material formulada pelo Autor, rejeitando-se, neste tipo de ações, a prolação de sentenças de mera anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos (neste sentido, vide Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28/09/2010, prolatado no âmbito do Proc. n.º 0266/09 e de 07/04/2010, prolatado no Proc. n.º 01057/09).
Atentos os considerandos expostos, importa apreciar, de imediato, a pretensão correspondente a saber se assiste ao Autor o direito a obter a condenação do Réu à prática de ato que assegure o pagamento dos seus créditos laborais emergentes de contrato de trabalho, nos termos em que o mesmo Autor peticiona.» (vide pág. 12 da sentença recorrida).
Nesse desiderato, começou por assentar que o requerimento dirigido pelo autor ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL em 04/05/2016 não consubstanciou uma renovação/reformulação/reapreciação do requerimento anteriormente apresentado em 15/07/2011.
Após o que concluiu ter o réu validamente invocado o artigo 2º nº 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, como fundamento de indeferimento do pagamento de créditos salariais do autor, por o contrato de trabalho do autor ter cessado em 18/04/2011 e o requerimento apresentado em 04/05/2016 o ter sido depois de decorrido o prazo de um ano sobre o dia seguinte à data em que cessou o referido contrato de trabalho ali previsto.
Acrescentando, de todo o modo, que mesmo que se entendesse que o requerimento tinha sido apresentado tempestivamente, nem assim assistia direito ao autor a receber qualquer quantia do Réu a título de créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho, por tais créditos se situarem foram do período de referência previsto no artigo 2º nºs 4 e 5 do NRFGS, o que, sempre determinaria não poder o réu efetuar qualquer pagamento ao autor pelos créditos salariais requeridos.
E porque, ainda assim, aferiu também as demais invocações de invalidade do despacho de indeferimento, julgou-as inverificadas. Com o que julgou totalmente improcedentes quer os pedidos de declaração de nulidade ou anulação daquele despacho, quer o pedido de condenação à prática do ato de deferimento do seu requerimento com pagamento dos créditos salariais requeridos.
2.2.3 Resulta do probatório que o autor, ora recorrente, que foi trabalhador da sociedade N. , S.A até ao dia 18/04/2011, data em que foi despedido, apresentou em 18/07/2011 requerimento dirigido ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL requerendo o pagamento de créditos salariais na quantia global de 10.995,65 € (respeitante a créditos em dívida de retribuições de março de 2011 (€ 86,84 + € 656,00), subsídio de férias de 2010 e 2011 (€ 940,27 + € 1.044,20), proporcionais de subsídio de natal de 2011 (€ 194,10), subsídio de alimentação de março e abril de 2011 (€ 194,92) e indemnização/compensação por cessação de contrato de trabalho (€ 6.247,28) e créditos emergentes da violação do contrato de trabalho (€ 1.632,42), tendo aí referido que auferia a retribuição mensal ilíquida de € 656,00 e que os valores reclamados respeitavam a processo judicial de insolvência, a decorrer no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, 5.º juízo, processo n.º 1277/11.1TJVNF. Este processo de insolvência da sociedade N. , S.A (Proc. n.º 1277/11.1TJVNF) havia sido instaurado em 19/04/2011, e nele foi proferida sentença em 19/05/2011 que decretou a insolvência da identificada sociedade, tendo o autor nele reclamado os identificados créditos laborais, no montante global de € 10.995,65, tendo-lhe aí sido reconhecidos pelo Administrador de Insolvência créditos no montante global de € 9.210,34.
Todavia, sobre aquele requerimento de 18/07/2011 recaiu o despacho de indeferimento de 23/11/2012, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial com o seguinte fundamento: “Verifica-se no requerimento em apreço, que os créditos requeridos ao FGS serão extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa, e na exata medida e termos daquele plano de recuperação, termos nos quais inexistem por impossibilidade e inutilidade do seu objeto, fim ao qual se destinavam, e nos termos do artigo 112.º do CPA, uma vez que serão extintos através do pagamento pela devedora – n.º 1 do artigo 762.º do Código Civil”. Decisão que foi notificada ao autor por ofício datado de 07/12/2012 e relativamente à qual o autor não reagiu judicialmente.
2.2.4 Neste contexto uma primeira conclusão tem que ser retirada. A de que o ato de indeferimento (consubstanciado no despacho de 23/11/2012) que recaiu sobre o requerimento que o autor dirigiu ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL em 18/07/2011, se mostra consolidado.
2.2.5 Pelo que o objeto da ação, e foi assim que também foi delimitado pelo autor, e reconhecido na sentença, está em saber se foi ilegalmente indeferido o posterior requerimento do autor, de 04/05/2016, e se lhe assistia o direito a receber do FUNDO DE GARANTIA SALARIAL os créditos salariais ali reclamados.
2.2.6 Voltemos aos factos.
O autor apresentou em 04/05/2016 requerimento dirigido ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL requerendo o pagamento dos créditos salariais que já haviam sido objeto do seu anterior requerimento de 18/07/2011. E fê-lo reportando-se ao Processo Especial de Revitalização, processo n.º 3380/13.4TJVNF, da sociedade N. , S.A, que esta havia dado entrada em 11/12/2013 no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão, e que estava ali, entretanto, a correr, e no qual ele havia já reclamado esses mesmos créditos.
E este requerimento de 04/05/2016 foi indeferido por despacho de 19/05/2017 do Presidente do Conselho de Gestão do FUNDO DE GARANTIA SALARIAL com fundamento em que foi apresentado para além do prazo de 1 ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do DL. n.º 59/2017, de 21 de abril e de que não se encontrava instruído com os documentos previstos no n.º 2 do art.º 5.º do DL. n.º 59/2017, de 21 de abril.
2.2.7 A sentença recorrida, dizendo importar primeiramente «(…) averiguar se o requerimento apresentado pelo Autor em 4/05/2016, configura uma renovação/reformulação/reapreciação do requerimento inicial apresentado em 15/07/2011, que mereceu por parte do Réu, a decisão de indeferimento de 23/11/2012», e «…coligindo a factualidade assente e confrontando o teor dos requerimentos por si apresentados, o primeiro em 15/07/2011 e o segundo em 4/05/2016» concluiu que «o segundo requerimento apresentado pelo Autor não consubstancia a renovação/reformulação/reapreciação do requerimento inicial apresentado em 15/07/2011». E explicitou as suas razões nos seguintes termos: «Na verdade, o primeiro requerimento, apresentado em 15/07/2011, visava o pagamento pelo FGS dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, motivado pelo despedimento unilateral da entidade empregadora do Autor, datado de 18/04/2011, ancorado no processo judicial de insolvência que correu termos no âmbito do processo 1277/11.1TJVNF, cuja ação foi apresentada em 27/06/2011. Tal requerimento foi objeto de uma decisão administrativa de indeferimento - decisão de 23/11/2012 -, que não mereceu qualquer impugnação, quer administrativa, quer judicial, por parte do Autor, tendo-se consolidado no ordenamento jurídico, tornando-se caso decidido ou resolvido, insuscetível de qualquer recurso contencioso ou pedido de condenação do Réu à prática de ato devido. Com efeito, no que concerne à conduta do Autor quanto à decisão de indeferimento supracitada, impendia sobre si o ónus de deduzir a competente ação judicial de condenação à prática de ato devido pois, por aplicação conjugada dos art.ºs 58.º, n.º 3, 59.º, n.ºs 1, 3, al. a), 4, 66.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, al. b), 69.º, n.ºs 2 e 3, do CPTA, e 144.º do CPC (na anterior versão), o direito de ação do Autor relativamente à pretensão condenatória estava sujeito a um prazo de caducidade de 3 meses, e os autos dão conta que não foi deduzida qualquer ação judicial tendente à obtenção da condenação da Administração no pagamento dos referidos créditos, com a concomitante imposição da prática do ato devido.»
Este entendimento é correto, e é de manter.
Assim como é o que, em reforço de fundamentação, ali se externou nos seguintes termos: «Por outro lado, no que concerne ao segundo requerimento, apresentado em 4/05/2016, apesar de visar o pagamento pelo FGS dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, motivado pelo despedimento unilateral da entidade empregadora do Autor, datado de 18/04/2011, o mesmo foi já efetuado no âmbito do processo especial de revitalização requerido pela anterior entidade empregadora do Autor, que correu termos no âmbito do processo 3380/13.4TJVNF, cuja ação foi apresentada em 11/12/2013, sendo, portanto, um requerimento novo, com teor distinto do primeiro, ou seja, com fundamentos distintos do primeiro requerimento – o primeiro, sustentado no processo de insolvência; o segundo, com fundamento no processo especial de revitalização.».
E assente neste pressuposto considerou a sentença não ter qualquer acolhimento legal «…a tese defendida pelo Autor de que incumbia ao Réu, por aplicação das normas transitórias previstas no n.º 3 do art.º 3.º do DL n.º 59/2015, reapreciar, oficiosamente, o requerimento inicial, por duas razões: (i) em primeiro lugar, à data da entrada em vigor do referido diploma, não existia qualquer decisão administrativa que tivesse apreciado qualquer requerimento apresentado pelo Autor ao abrigo do Processo Especial de Revitalização, de nada valendo a alegação do Autor de que o requerimento apresentado em 4/05/2016 foi apresentado na pendência do PER pois o termo “reapreciação” significa apreciar novamente, ou seja, apreciar algo que já tenha sido objeto de uma decisão anterior, o que não é o caso; (ii) em segundo lugar, também não tem enquadramento legal a reapreciação oficiosa prevista na alínea b) do referido n.º 3 do art.º 3.º do DL n.º 59/2015, porquanto o requerimento inicial foi apresentado antes de 1/09/2012, não se situando na baliza temporal definida na aludida norma.».
2.2.8 Porque o recorrente se insurge quanto a este entendimento, é tempo de atentarmos quanto ao enquadramento normativo que os autos nos convocam. Antecipando, já, também, a solução que importa dar quanto às demais questões suscitadas.
2.2.9 De harmonia com o disposto no artigo 380º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto), a garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não pudessem ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil era assumida e suportada pelo FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (sendo o respetivo financiamento assegurado pelos empregadores, através de verbas respeitantes à parcela dos encargos de solidariedade laboral da taxa contributiva global, e pelo Estado - cfr. artigo 321º do Regulamento do Código de Trabalho). Matéria que veio a ser regulamentada no Capítulo XXVI do Regulamento do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29 de julho (cfr. artigos 316º ss.).
Esta legislação nacional, referente ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, resultava da transposição da Diretiva n.º 80/987/CEE, do Conselho, de 20 de Outubro, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, alterada pela Diretiva n.º 2002/74/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro, com a qual se visou assegurar aos trabalhadores assalariados um mínimo de proteção em caso de insolvência do respetivo empregador, obrigando os Estados-Membros a criar uma instituição que garantisse aos trabalhadores em causa o pagamento dos seus créditos em dívida.
2.2.10 Entretanto, a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, revogou a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (Código de Trabalho), na redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, e pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Regulamento do Código do Trabalho), na redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, e pelo Decreto-Lei n.º 164/2007, de 3 de Maio (cfr. artigo 12º alíneas a) e b)).
Todavia os normativos dos artigos 317º a 326º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, mantiveram-se em vigor até terem sido revogados pelo artigo 4º alínea a) do DL. n.º 59/2015, de 21 de abril, por força do artigo 12º n.º 6 alínea o) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS).
Sendo que este resulta, por sua vez, na transposição da Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.
O que significa que a interpretação dos normativos nacionais haverá de ser feita em conformidade (interpretação conforme) com a Diretiva comunitária transposta.
2.2.11 O DL. n.º 59/2015, de 21 de abril, que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), entrou em vigor em 04/05/2015 (primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação – cfr. artigo 5º), e nele se prevê o seguinte, no que respeita à sua aplicação no tempo:
“Artigo 3.º
Aplicação da lei no tempo

1 - Ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
2 - Os requerimentos apresentados ao Fundo de Garantia Salarial e pendentes de decisão são apreciados de acordo com a lei em vigor no momento da sua apresentação.
3 - Ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, sendo objeto de reapreciação oficiosa:
a) Os requerimentos apresentados, na pendência de Processo Especial de Revitalização, instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril;
b) Os requerimentos apresentados entre 1 de setembro de 2012 e a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, por trabalhadores abrangidos por plano de insolvência, homologado por sentença, no âmbito do processo de insolvência.”

2.2.12 Em conformidade com o disposto no artigo 1º do NRFGS o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL assegura ao trabalhador (que exerça ou tenha exercido habitualmente a sua atividade em território nacional ao serviço de empregador com atividade no território de dois ou mais Estados-Membros, ainda que este seja declarado insolvente por tribunal ou outra autoridade competente de outro Estado-Membro da União Europeia ou outro Estado abrangido pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu) o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja: a) Proferida sentença de declaração de insolvência do empregador; b) Proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização.
Sendo que à luz do disposto no artigo 2º do NRFGS os créditos garantidos abrangem “…os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação”.
2.2.13 A redação destes normativos é muito similar à que constava dos artigos 317º e 318º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos termos dos quais o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL assegurava ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, “…o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação” (artigo 317º), abrangendo as situações em que “… o empregador seja judicialmente declarado insolvente” (artigo 318º nº1) ou “…desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro” (artigo 318º nº 1).
O mesmo sucede com o disposto no artigo no artigo 2º nº 4 do NRFGS, o qual estipula que o Fundo assegura o pagamento dos créditos “…que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas” e com o nº 5 do mesmo artigo, nos termos do qual “…caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.”
Tratando-se, assim, de normas equivalentes às que constavam dos nºs 1 e 2 do artigo 319º do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004) que dispunham o seguinte:
“Artigo 319.º
Créditos abrangidos
1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
(…)”

2.2.14 E é neste contexto que surge, inserido no artigo 2º do NRFGS, o seu nº 8, estipulando que “…o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
2.2.15 Como é sabido o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes em sede de fiscalização concreta, sempre no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2º nº 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão.
2.2.16 Assim sucedeu primeiramente no Acórdão nº 328/2018, Processo n.º 555/2017, de 27/06/2018 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018), disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180328.html emitido, aliás, em sede de recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público (cfr. artigo 280º nº 1 alínea a) da CRP e do artigo 70º n º 1 alínea a) da Lei n º 28/82, de 15 de novembro) face à decisão de recusa de aplicação daquele normativo por inconstitucionalidade proferida em sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra ao abrigo do artigo 204º da CRP, cujo julgamento confirmou, em que se decidiu “…julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril1, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”.
Ali se disse o seguinte, em sede da respetiva fundamentação, que se passa a transcrever:
«(…)
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,] aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida.
(…)»
2.2.17 Entendimento que foi genericamente mantido pelo Tribunal Constitucional nos seguintes posteriores acórdãos:
- Acórdão nº 270/2019, Processo n.º 188/2018, de 08/11/2018, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180583.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”;
- Acórdão nº 251/2019, Processo n.º 21/2019, de 23/04/2019, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190251.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 59.º da Constituição, o n.º 8 do artigo 2.º do novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é um prazo de caducidade, insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”;
- Acórdão nº 270/2019, Processo n.º 1109/2018, de 15/05/2019, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190270.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional a norma constante do artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado e na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, por violação dos artigos 2.º, 13.º e 59.º, n.ºs 1, alínea a) e 3, da Constituição”;
- Acórdão nº 575/2019, Processo n.º 1016/2018, de 17/10/2019, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190575.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional, com fundamento no n.º 3 do artigo 59.º da Constituição, a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é um prazo de caducidade, insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”;
- Acórdão nº 576/2019, Processo n.º 1132/2018, de 17/10/2019, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190576.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional, com fundamento no n.º 3 do artigo 59.º da Constituição, a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é um prazo de caducidade, insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”.
- Acórdão nº 578/2019, Processo n.º 175/19, de 17/10/2019, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190578.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 59.º da Constituição, o n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, reconhecidos no processo de insolvência, cominado naquele preceito legal, é um prazo de caducidade, insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão”;
- Acórdão nº 152/2020, Processo n.º 544/2019, de 04/03/2020, disponível in, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200152.html, em que se decidiu “…julgar inconstitucional a norma segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, interpretativamente extraível do artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril”.

2.2.18 O legislador, naturalmente ciente do entendimento que o Tribunal Constitucional tem vindo, assim, aditou ao Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril, uma nova norma, que passou a constituir o nº 9 do artigo 8º daquele regime, a qual dispõe o seguinte:
“(…)
9 - O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações”.

Assim, e atualmente, das disposições conjugadas dos normativos constantes dos nºs 8 e 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril, na nova redação dada pela Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro, o quadro normativo legal admite já causas de suspensão do prazo de um ano, contado do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, para os interessados requererem ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos seus créditos salariais.
2.2.19 Mas a situação dos autos haverá de resolver-se, obviamente, não com a convocação do quadro normativo atualmente vigente, mas ao abrigo daquele que então estava em vigor e que lhe é temporalmente aplicável. Cientes de que a Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro pela qual foi aditado este nº 9 ao artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial não configura uma lei interpretativa, nos termos e para os efeitos do artigo 13º do Código Civil, não retroagindo, assim, os seus efeitos à dada da entrada em vigor da antiga lei.
Com efeito, o artigo 13º nº 1 do Código Civil, sob a epígrafe “Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas”, dispõe que “…a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza.”.
Mas, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª edição, pág. 62 deve considerar-se lei interpretativa aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência pelos seus próprios meios poderia ter chegado. E é por isso, e nessa exata medida que ocorre a integração da lei interpretativa na interpretada, retroagindo os seus efeitos até à entrada em vigor da antiga lei (salvaguardando-se, todavia, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza). Ou, como refere Baptista Machado in, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 18ª Reimpressão, Almedina, pág. 246: “…a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e a situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA [lei antiga] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas”.
Veja-se, ainda, a respeito da aferição da natureza interpretativa das normas e seus efeitos retroativos, entre outros, o acórdão do TCA Sul de 05/04/2018, Proc. nº 13634/16, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores; o acórdão uniformização de jurisprudência nº 3/2015, de 17/04/2015, Proc. nº 1473/14, do pleno da secção de contencioso administrativo do STA e ainda o acórdão do pleno da secção de contencioso administrativo do STA de 25/01/2018, Proc. nº 0617/14, ambos disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta.
2.2.20 Ora, tem que considerar-se como inovadora a solução legislativa resultante da introdução do nº 9 ao artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial pela Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro, apresentando-se como uma regulação diferente face à que constava da versão original aprovada pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril. Sendo certo que o dispositivo do nº 8 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial não comportava duas interpretações possíveis, sendo uma delas a que pudesse comportar causas de suspensão ou interrupção do prazo de caducidade de um ano para o exercício do direito ali previsto. Ademais, foi precisamente a constatação de que aquele normativo não as contemplava, que conduziu aos julgamentos de inconstitucionalidade material, designadamente por violação dos artigos 2º, 13º e 59º nºs 1 alínea a) e 3 da CRP – (vide, neste sentido, o acórdão deste TCA Norte de 29/11/2019, Proc. nº 1381/18.5BEBRG, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn).
2.2.21 Eis porque a situação objeto do presente litígio haverá de resolver-se com a convocação do quadro normativo então em vigor, que é a temporalmente aplicável, e não do resultante da alteração posteriormente introduzida Lei nº 71/2018, de 31 de dezembro.
2.2.22 Feito este enquadramento uma segunda conclusão pode ser tirada: a de que o primordial requerimento do autor de 18/07/2011 não estava, à luz do disposto na norma transitória constante do nº 3 do artigo 3º do DL. n.º 59/2015, de 21 de abril, que aprovou o Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, a dever de reapreciação, fosse de iniciativa oficiosa, fosse a requerimento do interessado. Isto por a situação do autor não se enquadrar em nenhuma das situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 3º, como com clarividência evidenciam os factos elencados no probatório. Isto é, o requerimento do autor de 18/07/2011 não foi apresentado na pendência de Processo Especial de Revitalização, nem foi apresentado entre 01/09/2012 e 04/05/2015, data da entrada em vigor do DL. n.º 59/2015, de 21 de abril 2015.
Estando, pois, como aliás já se referiu supra, consolidada a decisão de indeferimento datada de 23/11/2012 que sobre tal requerimento recaiu.
2.2.23 E simultaneamente também é de concluir que o requerimento que o autor apresentou em 04/05/2016 estava sujeito ao Novo Regime do FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, aprovado pelo DL. n.º 59/2015, de 21 de abril 2015.
2.2.24 O que nos conduz, agora, à questão respeitante à tempestividade ou intempestividade deste requerimento, face à disposição do nº 8 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril.
2.2.25 O Tribunal a quo considerou precisamente, no que não merece censura, pelas razões já supra vistas, que «…atenta a data em que o Autor apresentou nos serviços do Réu o seu requerimento para pagamento dos créditos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho - 04/05/2016 -, já se encontrava em vigor o NRFGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril» e que assim, nos termos do artigo 3º n.º 1 daquele diploma a pretensão do autor devia ser apreciada à luz do regime estabelecido naquele Novo Regime.
2.2.26 Mas enfrentando a questão de saber se a decisão administrativa que o indeferiu o requerimento de 04/05/2016, com fundamento em que ter sido apresentado para além do prazo de 1 ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do DL. n.º 59/2017, de 21 de abril, devia ou não ser mantida, concluiu que «… a apresentação do requerimento em 4/05/2016 se mostra intempestiva, talqualmente decidiu o Réu, na decisão de indeferimento que ora vem impugnada». Discorrendo, a tal respeito, o seguinte discurso fundamentador, que se passa a transcrever:
«(…)Sendo assim, e tratando-se de uma situação abrangida pelo disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 1.º do NRFGS – O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que seja proferido despacho do juiz que designa o administrador judicial provisório, em caso de processo especial de revitalização -, assoma como óbvio que o acolhimento da pretensão do Autor não pode deixar de cumprir o requisito estabelecido no art.º 2.º, n.º 8 do NRFGS.
Ora,
O aludido art.º 2.º dispõe, no seu n.º 8, que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
No caso versado, e como dimana do probatório coligido supra, o contrato de trabalho do Autor cessou em 18/04/2011 e o requerimento foi apresentado em 04/05/2016, portanto, depois de ter decorrido o prazo de um ano sobre o dia seguinte à data em que cessou o referido contrato de trabalho.
O prazo previsto na aludida norma, tem sido entendido pela jurisprudência como se tratando de um prazo de caducidade (veja-se, neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 3462/15.8BESNT, datado de 01/06/2017, “in” www.dgsi.pt), pelo que atendendo ao disposto no art.º 329.º do Código Civil (CC), começa a correr a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
In casu, resulta provado que o contrato de trabalho cessou em 18/04/2011 (cfr. ponto 1) do probatório).
Assim, atendendo a que os créditos laborais se vencem com a cessação do contrato de trabalho, a caducidade do direito do Autor ocorreria em 19/04/2012.
Deste modo, tendo o Autor apresentado o requerimento junto do Réu em 4/05/2016, já há muito que havia sido ultrapassado o prazo de caducidade de um ano previsto no citado artigo 2.º, n.º 8, motivo pelo qual se conclui que a apresentação do requerimento em 4/05/2016 se mostra intempestiva, talqualmente decidiu o Réu, na decisão de indeferimento que ora vem impugnada.»
2.2.27 Já entendemos no acórdão do TCA Sul de 10/05/2018, Proc. nº 690/16.2BEALM, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores, tal como ali se sumariou, que “(…) II - Não pode aplicar-se, sem mais, o novo prazo do artigo 2º nº 8 do NRFGS (DL. n.º 59/2015), apenas por o pedido ter sido apresentado já no âmbito da vigência do novo regime, se o contrato de trabalho havia cessado no âmbito da lei antiga e a norma então vigente (o artigo 319º nº 3 do Regulamento do Código do Trabalho - Lei n.º 35/2004), admitia a apresentação do pedido ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL até três meses antes da prescrição desses créditos. III - Comparado o nº 8 do artigo 2º do NRFGS (DL. n.º 59/2015) com o normativo anteriormente constante do artigo 319º nº 3 do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004) pode resultar, na prática, num encurtamento do prazo, na exata medida em que no regime anterior tal prazo estava dependente do momento em que verificaria a prescrição dos créditos laborais, que importaria sempre apurar, também por referência às causas de interrupção e suspensão que pudessem ocorrer. IV – Se a lei nova estabelece um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior há que chamar à colação o disposto no artigo 297º nº 1 do Código Civil nos termos do qual “…a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”. V – Se os créditos laborais do autor não se encontravam prescritos no momento em que entrou em vigor o NRFGS (DL. n.º 59/2015), corria ainda naquele momento o antigo prazo de que o trabalhador dispunha para requerer ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL os seus créditos laborais, pelo que o prazo de um ano previsto no artigo 2º nº 8 só começaria a conta a partir da entrada em vigor da nova lei, se no caso não faltava menos tempo para o prazo se completar de acordo com a lei antiga.”
Ali se disse, designadamente, o seguinte:
“(…) Já se viu que o artigo 2º nº 8 do NRFGS, estipula agora que “…o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho” (sublinhado nosso), em termos que, comparado com o normativo anteriormente constante do artigo 319º nº 3 do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004), onde se dispunha que “…o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição”, pode resultar, na prática, num encurtamento do prazo. Isto na exata medida em que enquanto no regime anterior o prazo (de caducidade) de que o trabalhador dispunha para solicitar junto do FUNDO DE GARANTIA SALARIAL os seus créditos laborais estava dependente do momento em que verificaria a respetiva prescrição, que importaria sempre apurar também por referência às causas de interrupção e suspensão que pudessem ocorrer, quando atualmente, no novo regime, o pedido deve ser apresentado no prazo de 1 ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
3.13 Em regra, e em sintonia com o princípio do Estado de Direito e da tutela da confiança, as normas legais dispõem para o futuro, e quando lhes sejam atribuídos efeitos retroativos presumem-se ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (cfr. artigo 12º do Código Civil).
Isto significa que não podia no caso, sem mais, a entidade demandada invocar a nova norma do artigo 2º nº 8 do NRFGS (DL. n.º 59/2015), cuja entrada em vigor ocorreu em 04/05/2015 (primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação – cfr. artigo 5º), apenas por o pedido ter sido apresentado pelo autor em 24/08/2015, já no âmbito da vigência do novo regime, quando o contrato de trabalho do autor havia cessado em 30/11/2012 se a norma até então vigente (o artigo 319º nº 3 do Regulamento do Código do Trabalho - Lei n.º 35/2004), admitia a apresentação de tal pedido até três meses antes da prescrição desses créditos.
3.14 Neste conspecto sempre importaria chamar à colação o disposto no artigo 297º do Código Civil a respeito da alteração de prazos, nos termos do qual “…a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar” (nº 1) e “…a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial” (nº 2), o que a sentença a quo, aliás, fez.
Em termos que, a esta luz, não podia aplicar-se o prazo novo, sem mais, se o prazo antigo ainda se encontrava em curso.
3.15 A primordial tarefa que se impunha era, assim, a de determinar se o prazo antigo já se havia ou não esgotado. O que implicava apurar qual o momento da prescrição dos créditos laborais do autor, precisamente porque nos termos da lei antiga, o pedido dos créditos laborais devia ser dirigido ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL até 3 meses antes da data da sua prescrição.
Trabalho que haverá de ser sempre levado a cabo por referência aos factos concretamente relevantes, a que sejam de atender no caso concreto, à luz, naturalmente, do quadro normativo aplicável.
(…)”
2.2.28 O Supremo Tribunal Administrativo chamado, entretanto, a tomar posição, pronunciou-se no mesmo sentido para situações análogas, ainda que nem sempre com a mesma exata fundamentação.
Tal sucedeu, designadamente, nos seguintes acórdãos:
- Acórdão do STA de 03/10/2019, Proc. nº 0283/16.2BEPRT, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: “I - Resulta da norma transitória do art. 3.º, n.º 1 do DL n.º 59/2015 de 21/4, que este diploma é aplicável aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor, na pendência do Processo Especial de Revitalização, instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril. II - Pelo que, o prazo do nº8 do art. 2º deste DL 59/2015, está sujeito às regras do art. 297.º do CCivil, nos termos do qual a lei que encurta prazo anteriormente vigente só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar. III - No caso dos autos trata-se de um prazo que não existia antes do novo diploma, mas nem por isso deixa de estar implicitamente previsto no art. 297º do CC como o referem Pires de Lima e Antunes Varela CC anotado 1º Vol., 2ª ed. pág. 192. IV - Pelo que, o requerimento apresentado em 13.08.2015, é tempestivo.
- Acórdão do STA de 03/10/2019, Proc. nº 01015/16.2BEPNF, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: “I - Com o regime do «FGS» instituído em 2015 pelo DL n.º 59/2015, manteve-se o prazo de prescrição de créditos que se encontra inserto no art. 337.º do Código de Trabalho [CT], passando o referido Fundo, em caso, nomeadamente, de insolvência do empregador, a assegurar o pagamento aos trabalhadores dos créditos emergentes de contrato de trabalho quando o pagamento lhe vier a ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho [arts. 01.º e 02.º, n.º 8, daquele novo regime]. II - Instituiu-se, assim, um prazo de reclamação cujo termo final se apresenta como diverso do regime até aí vigente e que constava do n.º 3 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004, dado que neste preceito se disciplinava que os créditos poderiam ser reclamados até três meses antes da respetiva prescrição e, como tal, estávamos em face de prazo «basculante» visto o respetivo termo final «oscilava» ou «pendulava» em função das intercorrências sofridas ou havidas no cômputo do prazo de prescrição. III - Visto o regime normativo transitório definido no art. 03.º do DL n.º 59/2015 na sua concatenação com o demais regime legal vigente, nomeadamente o n.º 8 do art. 02.º do novo regime do «FGS» e o art. 337.º do CT, não foi propósito do legislador o de instituir ex novo e de modo generalizado um prazo de admissão de requerimentos de trabalhadores contendo pedidos de reclamação de pagamento de créditos junto do «FGS» e que este viesse ou passasse a responder, enquanto garante e com tal amplitude, independentemente ou abstraindo-nos da necessidade de aferição do decurso ou não dos prazos [prescricional ou de caducidade] e/ou com total abstração de situações constituídas.
IV - Quando a lei nova [«LN»] vem encurtar um prazo a ponto de, por força da entrada em vigor daquela lei, o mesmo poder ficar automaticamente prescrito ou caduco impõe-se que a contagem do novo prazo seja efetuada a partir do início de vigência da «LN» com a ressalva da parte final do n.º 1 do art. 297.º do Código Civil. V - Viola o princípio da confiança ínsito no art. 02.º da CRP um entendimento que, em aplicação do quadro normativo referido em I., aceita como conforme à nossa ordem jurídica que, em aplicação da «LN» que modifica regra relativa a prazo, um trabalhador possa, por caducidade, perder o direito ao pagamento dos créditos salariais antes mesmo da entrada em vigor dessa lei e da própria data de apresentação do requerimento ou de esta mesma ser possível à luz daquela lei
.”
- Acórdão do STA de 03/10/2019, Proc. nº 0808/17.8BEBRG, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: “Tendo a nova lei introduzido um prazo diferente do anteriormente estabelecido, não se pode considerar intempestiva, à luz do disposto no artigo 297.º do CC, a reclamação de créditos laborais apresentada junto do FGS claramente dentro do prazo de um ano a contar a partir da entrada em vigor da nova lei”;
- Acórdão do STA de 10/10/2019, Proc. nº 0621/17.2BEPRT disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: “I - O DL 59/2015 de 21 de Abril deixou de dar relevo ao prazo de prescrição dos créditos laborais que fossem reclamados ao Fundo de garantia salarial para estabelecer um prazo de caducidade para o exercício do direito de reclamar os créditos junto do Fundo cujo termo é o dia em que se completar um ano contado a partir da data de cessação do contrato de trabalho, art.º 2.º, n.º 8. II - A solução jurídica para a situação dos autos decorre do disposto no art.º 299.º, n.º 2 do Código Civil que determina que quando a lei considerar de caducidade um prazo que a lei anterior tratava como prescricional, a nova qualificação é também aplicável aos prazos em curso e, se a prescrição estiver suspensa ou tiver sido interrompida no domínio da lei antiga, nem a suspensão nem a interrupção serão atingidas pela aplicação da nova lei. Assim, a recorrente não pode ser prejudicada pela entrada em vigor da lei nova quando o prazo de prescrição se mostrava suspenso. III - O prazo para apresentação do requerimento a solicitar o pagamento pelo Fundo é um prazo de caducidade mais curto uma vez que no regime anterior não estava fixado qualquer prazo de caducidade e, nessa medida há-de considerar-se implicitamente enquadrável na regra do n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil, contabilizando-se o prazo desde a data de entrada em vigor da nova lei, com respeito pela suspensão ou interrupção desse prazo à luz da lei anterior.
- Acórdão do STA de 10/10/2019, Proc. nº 0785/17.5BEPRT disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: “I - O DL 59/2015 de 21 de Abril deixou de dar relevo ao prazo de prescrição dos créditos laborais que fossem reclamados ao Fundo de garantia salarial para estabelecer um prazo de caducidade para o exercício do direito de reclamar os créditos junto do Fundo cujo termo é o dia em que se completar um ano contado a partir da data de cessação do contrato de trabalho, art.º 2.º, n.º 8. II - A solução jurídica para a situação dos autos decorre do disposto no art.º 299.º, n.º 2 do Código Civil que determina que quando a lei considerar de caducidade um prazo que a lei anterior tratava como prescricional, a nova qualificação é também aplicável aos prazos em curso e, se a prescrição estiver suspensa ou tiver sido interrompida no domínio da lei antiga, nem a suspensão nem a interrupção serão atingidas pela aplicação da nova lei. Assim, a recorrente não pode ser prejudicada pela entrada em vigor da lei nova quando o prazo de prescrição se mostrava suspenso. III - O prazo para apresentação do requerimento a solicitar o pagamento pelo Fundo é um prazo de caducidade mais curto uma vez que no regime anterior não estava fixado qualquer prazo de caducidade e, nessa medida há-de considerar-se implicitamente enquadrável na regra do n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil, contabilizando-se o prazo desde a data de entrada em vigor da nova lei, com respeito pela suspensão ou interrupção desse prazo à luz da lei anterior.”;
- Acórdão do STA de 13/02/2020, Proc. nº 01014/16.4BEPNF, disponível in, www.dgsi.pt/jsta, assim sumariado: “Tendo a nova lei introduzido um prazo diferente do anteriormente estabelecido, não se pode considerar intempestiva, à luz do disposto no artigo 297.º do CC, a reclamação de créditos laborais apresentada junto do FGS claramente dentro do prazo de um ano a contar a partir da entrada em vigor da nova lei”.
2.2.29 Podemos, pois, dizer mostrar-se seguro e uniforme o entendimento jurisprudencial assim firmado pelo Supremo Tribunal Administrativo. O qual tem vindo, naturalmente, a ser seguido por este Tribunal Central Administrativo Norte – vide, título ilustrativo, os acórdãos de 31/10/2019, Proc. nº 00581/17.0BEPNF; de 31/10/2019, Proc. nº 00630/17.1BEPRT; de 29/11/2019, Proc. nº 00630/16.9BEPNF; de 29/11/2019, Proc. nº 00879/17.7BEPRT; de 29/11/2019, Proc. nº 01381/18.5BEBRG; de 17/01/2020, Proc. nº 00870/16.0BEPRT; de 14/02/2020, Proc. nº 00291/17.8BEPRT; de 13/03/2020, Proc. nº 00231/18.7BEBRG; de 30/04/2020, Proc. nº 00738/17.3BEPNF; de 15/07/2020, Proc. nº 01996/16.6BEPRT, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn.
2.2.30 Cientes de que deve ter-se como firmado o entendimento de que nas situações em que os créditos salariais decorrem de contrato de trabalho que cessou ainda no âmbito da vigência do anterior regime pelo qual eram garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, mas o respetivo pedido foi apresentado já após a entrada em vigor do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015 de 21 de abril (isto é, a partir de 04/05/2015), deve este considerar-se tempestivo por efeito da regra estabelecida no artigo 297º do Código Civil quando seja apresentado no prazo de um ano, previsto no artigo 2º nº 8 do novo regime, contado desde a sua entrada em vigor, tem que ter-se por tempestivo o requerimento que o autor dirigiu ao FUNDO DE GARANTIA SALARIAL em 04/05/2016, por ter sido ainda apresentado ainda dentro daquele prazo de um ano contado desde a sua entrada em vigor, que ocorreu em 04/05/2015 (cfr. artigo 279º alínea c) do Código Civil).
A regra estabelecida no artigo 297º do Código Civil, permite-nos no caso corrente considerar tempestivo o requerimento apresentado pelo autor em 04/05/2016, se este não deixou decorrer integralmente o novo prazo previsto no artigo 2º nº 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015, contado desde a sua entrada, requerimento que se mostra apresentado precisamente naquele seu último dia.
2.2.31 E é por esta razão, e sem necessidade de apelo a um juízo sobre a inconstitucionalidade da norma do nº 8 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo DL. n.º 59/2015, quando estabelece aquele prazo de caducidade sem consideração de qualquer causa de interrupção ou suspensão, que a sentença recorrida, que secundou a decisão administrativa que indeferiu o requerimento do autor com fundamento em intempestividade não pode ser mantida.
Assistindo, neste aspeto, razão ao recorrente.
2.2.32 Mas tal não significa, automática ou simplisticamente, a procedência da pretensão material do autor, consubstanciada no deferimento do pedido do pagamento pelo FUNDO DE GARANTIA SALARIAL dos créditos laborais requeridos.
2.2.33 Com efeito, e como foi explicitado, e bem, na sentença recorrida, em face do objeto da ação, dirigida à condenação à prática de ato administrativo de deferimento do requerimento do autor, que na sua ótica, seria o devido, em substituição do decidido indeferimento, sempre importa apreciar se assiste ao autor o direito a obter a condenação do FUNDO DE GARANTIA SALARIAL a prática de ato que assegure o pagamento dos requeridos créditos laborais.
2.2.34 Lançando-se nessa tarefa a sentença concluiu que os créditos laborais cujo pagamento foi requerido se encontram fora do período de referência de seis meses previsto no artigo 2.º n.º 4 do NRFGS. Explanando, a tal respeito o seguinte, que se passa a transcrever:
«Mas mesmo que se entendesse que o requerimento tinha sido apresentado tempestivamente, nem assim assistia direito ao Autor de receber qualquer quantia do Réu a título de créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho. É que por força do disposto no art.º 2.º, n.º 4 do NRFGS, “o Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores (…) à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização”, e o n.º 5 da mesma disposição legal acrescenta que “caso não existam créditos vencidos após o referido período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.”.
Ora, coligindo a matéria de facto provada, verifica-se que os créditos salariais reclamados pelo Autor reportam-se à data de cessação do contrato de trabalho, ou seja, em 18/04/2011. Por outro lado, o processo especial de revitalização foi apresentado pela sua anterior entidade empregadora em 11/12/2013 (cfr. ponto 10 do probatório), o que significa que o período de referência a que alude o n.º 4 do art.º 2.º do NRFGS situar-se-ia entre o dia 11/07/2013 e 11/12/2013. Assim, se os créditos laborais reclamados pelo Autor venceram-se em 18/04/2011 (cumpre aqui referir que não consta dos autos, qualquer ação proposta pelo Autor junto do Tribunal do Trabalho no sentido de ver reconhecido judicialmente os seus créditos laborais e que possa alterar as datas em que os créditos se mostram vencidos), os mesmos não se encontram dentro do referido período de referência, motivo pelo qual o Réu, por exigências legais, não poderia efetuar qualquer pagamento ao Réu a título de créditos por cessação de contrato de trabalho.».
2.2.35 Dispõe efetivamente o nº 4 do artigo 2º do NRFGS, que o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL assegura o pagamento dos créditos “…que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas” e o nº 5 do mesmo artigo, que “…caso não existam créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo assegura o pagamento, até este limite, de créditos vencidos após o referido período de referência.” Normas, que, como já vimos supra, são equivalentes às que anteriormente constavam dos nºs 1 e 2 do artigo 319º do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004).
2.2.36 Ora, lidas as extensas conclusões do recurso, muito embora o recorrente pugne nele pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra julgue a ação totalmente procedente e condene o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL a pagar ao autor os créditos laborais requeridos na quantia de € 9.210,34, acrescida dos respetivos juros legais, nelas não se insurge quanto ao ajuizamento feito pelo Tribunal a quo no sentido de tais créditos laborais se situarem fora do período de referência, não lhe apontando, a tal respeito, qualquer erro de julgamento.
2.2.37 Temos, assim, que sendo um dos fundamentos em que a sentença suportou o julgamento de improcedência do pedido de condenação do FUNDO DE GARANTIA SALARIAL a deferir o requerido pagamento de créditos laborais a circunstância de estes se situarem fora do período de referência, e não vindo tal ajuizamento posto em causa no recurso, não sendo assacado a tal respeito qualquer erro de julgamento, esse julgamento, situado fora do âmbito do objeto do recurso, não deve ser alterado.
2.2.38 Razão pela qual deve manter-se, ainda que não integralmente pelos mesmos fundamentos, nos termos supra vistos, a decisão de improcedência da ação.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, ainda que não integralmente pelos mesmos fundamentos, a decisão recorrida.
*
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 16 de outubro de 2020

M. Helena Canelas
Isabel Costa
Rogério Martins