Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01593/15.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Vital Lopes
Descritores:EXECUÇÃO
GARANTIA
IDONEIDADE
VPT
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Sumário:1. É relativamente ao valor patrimonial tributário (VPT) do prédio urbano oferecido pelo executado em hipoteca que a Administração tributária tem de ponderar a idoneidade da garantia na vertente da sua suficiência;
2. Com a aprovação do plano de revitalização previsto na Lei n.º16/2012, de 20 de Abril que alterou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), não caducam “ipso facto” as garantias anteriormente constituídas e inscritas.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:S..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO
S... – Sociedade de Construções Metálicas, Lda., recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a reclamação por si deduzida nos termos do art.º276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, da decisão do órgão da execução fiscal que considerou insuficiente a garantia hipotecária prestada para suspender o processo na vigência do plano prestacional de pagamento acordado.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

1 – OS FACTOS ALEGADOS NOS NºS 4 E 5 DA RECLAMAÇÃO SÃO ESSENCIAIS PARA A DECISÃO, PELO QUE, NÃO OS TENDO CONSIDERADO, A DOUTA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO INCORREU EM OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
2 – DADO QUE OS AUTOS CONTÊM ELEMENTOS SUFICIENTES PARA TAL, TAIS FACTOS DEVEM SER DADOS COMO PROVADOS, COMO SEGUE: NOS TERMOS DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APROVADO E DA SENTENÇA QUE O HOMOLOGOU, A RECLAMANTE APENAS ESTÁ OBRIGADA A GARANTIR O CRÉDITO DA RECLAMADA ATRAVÉS DE HIPOTECA SOBRE O PRÉDIO DESCRITO NA C.R.P. DE VALONGO, 1…, DA FREGUESIA DE UNIÃO DE FREGUESIAS DE CAMPO E SOBRADO, CONCELHO DE VALONGO, INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL RESPECTIVA SOB O ARTIGO 8…º QUE, DE ACORDO COM AVALIAÇÃO EFETUADA EM 18 NOV 2013, TEM O VALOR DE € 1.100.000,00.
3 – AO NÃO SE PRONUNCIAR SOBRE OS FACTOS ALEGADOS NOS NºS 22 A 28 DA RECLAMAÇÃO NEM PERMITIR A PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL ARROLADA SOBRE OS MESMOS, A DOUTA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO INCORREU EM NULIDADE E OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
4 – AO DAR COMO PROVADO QUE SOBRE O PRÉDIO EM CAUSA INCIDE A HIPOTECA REGISTADA PELA AP 30 A FAVOR DO SANTANDER, QUANDO O CONTRÁRIO RESULTA DAS CERTIDÕES JUNTAS PELA RECLAMANTE E PELA PRÓPRIA RECLAMADA A DOUTA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO INCORREU EM ERRO NOTÓRIO SOBRE A APRECIAÇÃO DA PROVA.
5 - AO DAR COMO PROVADO QUE SOBRE O PRÉDIO EM CAUSA INCIDEM OS ÓNUS REGISTADOS PELAS APS 2583, 2452 E 2457, A FAVOR, RESPETIVAMENTE, DO SF VALONGO E DO IGFSS, QUANDO RESULTA DOS AUTOS QUE TAIS ÓNUS CADUCARAM POR NOVAÇÃO E SUBSTITUIÇÃO DA GARANTIA, A DOUTA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO INCORREU, TAMBÉM NESTA PARTE, EM ERRO SOBRE A APRECIAÇÃO DA PROVA.
6 - AO DAR APENAS COMO PROVADO QUE SOBRE O PRÉDIO EM CAUSA INCIDEM OS ÓNUS REGISTADOS PELAS APS 07, 26 E 2207, A FAVOR DO MILLENNIUM BCP, SEM ESCLARECER QUE, CONFORME ALEGADO E PROVADO NOS AUTOS, OS CRÉDITOS POR ELE GARANTIDOS SE ENCONTRAM REDUZIDOS AO MONTANTE DE € 9.755,82, A DOUTA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO INCORREU EM OMISSÃO DE PRONÚNCIA E ERRO SOBRE A APRECIAÇÃO DA PROVA.
7 – AO DECIDIR CONFORME DECIDIU, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU, POR ERRO DE INTERPRETAÇÃO, NOMEADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTS. 607º, NºS 4 E 5, 615º Nº 1 ALS. B), C) E D) DO NCPC, EX VI ART. 2º AL. E) DO CPPT, 17º-E, 17º-F E 217º DO CIRE, 197º, 198º, 199º E 276ºSS DO CPPT, E INCORREU EM NULIDADE, PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS, OMISSÃO DE PRONÚNCIA E ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A recorrida não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos a este tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais (artigos 36.º, n.º2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º4, do Código de Processo Civil), cumpre agora apreciar e decidir, visto que nada a tal obsta.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente, as questões a decidir reconduzem-se, nuclearmente, a indagar: (i) se a sentença incorreu em nulidade por omissão de pronúncia ao não levar ao probatório os factos essenciais alegados nos números 4 e 5 da petição inicial e provados nos autos e, (ii) ao não permitir a produção de prova testemunhal sobre os factos alegados em 22 a 28 do mesmo articulado; (iii) se a sentença incorreu em erro notório na apreciação da prova.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1.º - No Serviço de Finanças de Valongo-1, corriam vários processos de execução fiscal (PEF), contra a ora reclamante, para cobrança de dívidas fiscais vencidas anteriormente a outubro de 2013, no valor global de € 93.354,91.
2.º - Em 02 de outubro de 2013, a ora reclamante requereu Processo Especial de Revitalização (PER), que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia sob o n.º1151/13.7TYVNG, no qual a administração fiscal (AF) em 18 de outubro de 2013 reclamou todos os seus créditos vencidos até à data, cf. certidão de dívida junta aos autos.
3.º - Tais créditos foram reconhecidos pelo Administrador Judicial Provisório e incluídos no Plano de Recuperação, cf. doc. 1, junto aos autos pela reclamante.
4.º - O PER foi votado favoravelmente pela AT conforme comunicação do Diretor de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários (cf. ofício 2609 de 31.03.2014 dirigido ao Magistrado do Ministério Público no âmbito do PER) sob condição de ser prestada a devida garantia, junto do Órgão de Execução fiscal, a ser “aferida nos termos do nº 1 e nº 2 do art.º 197º e nº 9 do art.º 199º do CPPT,” tal como vem expresso na referida comunicação.
5.º - Refere ainda o seguinte: “A falta de prestação da garantia idónea e suficiente ou não reconhecimento do pedido de isenção (…) nos termos do nº 3 do art.º 198º do nº 8 do art.º 199º ambos dos CTT:
a) a prossecução dos termos normais dos PEF’S, deixando como tal de estar suspensos;”
(…)
6.º - A sentença de homologação do PER foi proferida a 04.08.2014.
7.º - De acordo com a proposta do PER [clausula 8.1.2 alínea d)] a possibilidade de regularização das dívidas da executada para com a AT em regime de prestações, foi concedida sob condição de, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória, ser formalizada garantia real voluntária sobre o imóvel da sociedade.
8.º - Em 17.09.2014, o Serviço de Finanças de Valongo 1 notificou a ora reclamante para “proceder à constituição de garantia ou efetuar o pedido de isenção para efeitos de suspensão das execuções e a regularização da sua situação tributária, pois a falta de garantia ou o não reconhecimento do pedido de isenção origina nos termos do nº 3 do art.º 198º, do nº 8 do art.º 199º ambos do CPPT, e do DL 73/99 de 16/03, designadamente, a prossecução dos termos normais dos processos de execução fiscal”.
9.º - Em 07.10.2014 a executada (ora reclamante) apresentou no Serviço de Finanças de Valongo 1, a escritura de constituição da hipoteca voluntária a favor da AT e do IGFSS, IP, e o pedido de registo junto da CRP de Valongo;
10.º - Consta da escritura de constituição o seguinte:
“ Que para garantia do exato e pontual pagamento da sobreditas quantias constitui a favor de ambas, hipoteca no valor de € 122.646,03 quanto à Autoridade Tributária Aduaneira e no valor de € 649.423,19 quanto ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança social, I.P., no total pois de € 772.069,22 sobre o seguinte imóvel: prédio urbano (…) inscrito na matriz sob o art.º 8955º (…) sendo o valor da propriedade hipoteca o correspondente ao seu valor tributário.”.
11.º - Para análise da idoneidade da garantia oferecida pela ora reclamante a AT considerou os ónus e encargos que oneram o prédio oferecido, sito em Campo, Valongo, destinado a armazém, com o valor patrimonial atual de € 504.204,250 - cf. certidão do teor matricial, junta com a contestação da Fazenda
Pública como doc.n.º1.
12.º - Da certidão emitida pela CRP com informação à data de 17.10.2014, sobre o prédio em causa constam os seguintes ónus:
ATO
NÚMERO
DATA
ENTIDADE
VALOR GARANTIDO
Hipoteca 30 07-10-1999 Santander 182.061,32 €
Hipoteca 7 17-09-2002 Millenium 103.801,00 €
Hipoteca 26 06-07-2005 Millenium 519.000,00 €
Penhora 2207 11-02-2011 Millenium 50.682,00 €
Penhora 2583 19-04-2012 SF Valongo 37.002,17 €
Hipoteca 2452 06-09-2013 IGFSS 863.707,30 €
Penhora 2457 06-09-2013IGFSS 773.675,11 €
Hipoteca 619 07-10-2014 IGFSS e AT 772.069,22 €
TOTAL 3.301.998,12 €
13.º - Nenhum dos ónus registados sobre o imóvel oferecido pela reclamante como garantia até 17.10.2014, consta como cancelado até 30.06.2015 - cf. doc. n.º2, junto com a contestação da Fazenda Pública».


E mais se deixou consignado na sentença:

«Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a resolução da presente reclamação.

Motivação:
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base nos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, identificados em cada um dos factos.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por revelar-se inútil para a decisão da causa ou por constituir conceitos
de direito ou alegações conclusivas».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

A Recorrente alega nulidade da sentença por omissão de pronúncia na medida em que não se pronunciou sobre factos alegados, nomeadamente, os referidos nos pontos 4 e 5 e 22 a 28 da reclamação, sendo que relativamente aos pontos 22 a 28 a sentença incorreu também em nulidade por omissão de pronúncia ao não permitir a produção da prova testemunhal requerida para demonstração dos factos ali alegados.

Como a jurisprudência o tem afirmado reiteradamente, a enumeração das causas de nulidade da sentença é taxativa – cf. acórdão do STJ, de 26/09/2012, proferido no proc.º14127/08.7TDPRT.P1.S1.

Em processo judicial tributário importa ter em conta o disposto no n.º1 do art.º125.º do CPPT, nos termos do qual, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

A falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar relaciona-se com o dever que lhe é imposto no n.º2 do art.º608.º do CPC, aplicável ex vi do 2.º alínea e), do CPPT, de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Entre as causas de nulidade previstas não se inclui o erro de julgamento, a falta de realização de diligências instrutórias ou a falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas – cf. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, Vislis, 4.ª ed. 2003, a pág.566.

E como salienta o mesmo autor ainda a pág.566, “Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão e referir se a considera provada ou não provada.
O conhecimento de todas as questões não significa que o tribunal tenha de conhecer de todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes”.

Volvendo aos autos, o que a Recorrente alega como nulidade da sentença é que ela não seleccionou factos a seu ver relevantes para a decisão e que os autos demonstram, prescindiu da produção da prova testemunhal arrolada para demonstração de factos alegados e incorreu em erro na apreciação da prova quanto a factos dados como provados.

Ora, o erro na apreciação da prova ou o erro na selecção da matéria de facto, omitindo-se do probatório factos essenciais que os autos demonstram, poderá constituir erro de julgamento mas não integra o elenco taxativo das causas de nulidade da sentença.

Como não integra nulidade da sentença a não realização de diligências instrutórias, no caso, a não inquirição das testemunhas arroladas na petição inicial para prova de factos alegados.

Com efeito, reproduzindo idêntico regime que constava do art.º201.º do anterior Código de Processo Civil, dispõe o n.º1 do art.º195.º, do actual CPC: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

Estabelece o n.º2 daquele preceito que «Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dele sejam independentes».

Tratam-se ali de nulidades processuais que não se confundem com as nulidades da sentença, estas previstas no n.º1 do art.º615.º, do CPC.

A propósito do prescrito no artigo 201º, do CPC então vigente, escreve Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2.º vol., pág.484: «O que há de característico e frisante no art.º201.º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso, prossegue o autor, «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa».

A falta de produção de prova testemunhal não constitui vício que a lei comine expressamente de nulidade – cf. art.º98.º, do CPPT.

Na verdade, na tramitação da impugnação judicial, prevê o n.º1 do art.º113.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário: «Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respectivo prazo, o juiz, após vista do Ministério Público, conhecerá logo do pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários».

Diz o art.º114.º daquele Código que «Não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias, as quais são produzidas no respectivo tribunal».

Ou seja, a sequência processual após a contestação ou o decurso do prazo para o efeito – decisão ou abertura de instrução – é determinada pelo juiz.

Ora, como refere Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1996, a págs.18, «Verificado o vício, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, segue-se verificar a influência que a prática ou omissão concreta pode ter no exame ou decisão da causa (…), isto é, na sua instrução, discussão e julgamento (…). Constatada essa influência, os efeitos da invalidade do acto repercutem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele foram absolutamente dependentes (art.201.º, n.º2). Sempre, por isso, que um acto da sequência pressuponha a prática de um acto anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do acto subsequente que porventura entretanto tenha sido praticado (e, por sua vez, dos que, segundo a mesma linha lógica, se lhe sigam)».

A decisão do juiz de não produzir a prova oferecida pelo impugnante no articulado inicial – que é no fundo a omissão invocada – está sujeita a sindicância pelo tribunal de recurso e pode determinar a anulação da sentença quando tenha influído na decisão da causa.

Na linha do anterior art.º712.º do CPC, o art.º662.º, do vigente CPC, dispõe no seu n.º1: «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Decorre do n.º2, alínea c) daquele art.º662.º que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

Segue do exposto que a sentença não é nula. Pode é ser anulada se se verificar ter incorrido em erro de julgamento influenciado pela decisão, a montante, de não inquirir as testemunhas arroladas pela reclamante na petição inicial.

A sentença não está pois inquinada de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo esta alegação do recurso.

Como se disse, as questões que a Recorrente trata como nulidade da sentença por omissão de pronúncia reconduzem-se ou a erro de julgamento ou nulidade processual.

Começando pelo erro de julgamento, sustenta a Recorrente que deveria constar do probatório a materialidade alegada nos pontos 4 e 5 da reclamação, a saber:
«a)que o Plano de Recuperação apresentado no Processo Especial de Revitalização (PER), que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia sob o nº 1151/13.7TYVNG, estabelece quanto ao crédito da reclamada, e na parte que interessa:
8.1.2. Autoridade Tributária e Aduaneira
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…) a constituição de uma garantia real voluntária sobre o imóvel da sociedade, com a apresentação de uma segunda hipoteca sobre o bem em causa, identificado como sendo um prédio urbano, com a área total de 2.174,03 m2, descrito na C.R.P. de Valongo, nº 1…, da freguesia de União de Freguesias de Campo e Sobrado, concelho de Valongo, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 8…º. Esta garantia deverá estar totalmente formalizada a favor da Fazenda Pública, trinta dias após a data de trânsito em julgado da sentença da aprovação da medida.
Sobre o imóvel em causa promoveu-se em 18 de Novembro de 2013 à sua avaliação, resultando no valor de 1.110.000,00 €;
e) (…)
f) (…)
g) (…)
b) e que o referido Plano foi aprovado pela maioria legal dos credores, inclusive com o voto favorável da reclamada, e homologado, nos seus precisos termos, pela sentença proferida naqueles autos em 04 Ago 2014 e já transitada, conforme resulta dos documentos nºs 1 e 2 juntos com a reclamação e da respetiva publicação no lugar próprio, o site ‘Publicidade da Insolvência e PER’ no Portal Citius».


E ainda, a materialidade alegada em 22 a 28 da reclamação, a saber:


«a) as Aps 30, 2583, 2452 e 2457 já não estão em vigor
b) e a hipoteca da Ap 07 e penhoras das Aps 26 e 2207 do Millennium, já não têm os valores que nelas constam, pois o crédito daquela instituição bancária já está reduzido à quantia de € 9.775,82
c) restando, assim, como únicos ónus e encargos efetivos e em vigor sobre o imóvel hipotecado a AP 619, que corresponde exatamente às dívidas da AT e do IGFSS, e a dívida de € 9.775,82 do Millennium.
Para prova daqueles factos, arrolou testemunhas e juntou os documentos nºs 5 e 6 identificados na sua reclamação».

Analisada a prova dos autos, verifica-se que suporta a materialidade alegada nos pontos 4 e 5 da reclamação, que a Recorrente pretende ver contemplada no probatório e que se afigura pertinente em vista da solução jurídica por ela propugnada.

Já quanto à materialidade vertida nos pontos 22 a 28 da reclamação, é manifesto que a prova dos autos não suporta factualmente que as “apresentações 30, 2583, 2452 e 2457 já não estão em vigor”, que “a hipoteca da apresentação 07 e penhoras das apresentações 26 e 2207 do Millenium, já não têm os valores que nelas constam, pois o crédito daquela instituição bancária está reduzido à quantia de €9.775,82”, nem permite extrair a conclusão de que restam “como únicos ónus e encargos efectivos e em vigor sobre o imóvel hipotecado a AP619, que corresponde exactamente às dívidas da AT e do IGFSS e a dívida de €9.775,82 do Millenium”.

Julgamos, salvo o devido respeito, que a Recorrente incorre num erro de análise que tem pressuposto o entendimento de que com a aprovação do plano de revitalização caducam ipso facto as garantias anteriormente constituídas e inscritas, o que, a verificar-se, levaria a que os credores perdessem, na satisfação dos seus créditos, a prioridade decorrente da data do registo (art.º6.º, do Código do Registo Predial).

O Processo Especial de Revitalização (PER), é um instrumento aprovado pela Lei n.º16/2012, de 20 de Abril, que alterou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) – cf. art.º3.º.

Como decorre da alínea a) do artigo 197° do CIRE, que aqui importa trazer à colação, «na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano».

E resulta do artº195º, nº1 do mesmo Código que «o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência».

Portanto, o que à Recorrente se impunha fazer era a prova de que o plano de revitalização aprovado previa expressamente o cancelamento das penhoras e hipotecas anteriormente constituídas pelo credor Estado (IGFSS e ATA) e pelos credores comuns e isso não se extrai dos documentos que refere, mostrando-se por outro lado claramente impertinente a inquirição de testemunhas a tal respeito. O documento 6 que indica, apenas prova que no Processo Especial de Revitalização, o BCP reclamou créditos no montante de €9.775,82.

E do ponto 8.1.2 do plano, referente ao credor ATA, apenas decorre a obrigação de constituir garantia conexa com o plano prestacional de pagamento de dívidas tributárias no âmbito do PER, não que as garantias anteriormente constituídas devam ser levantadas.

Em qualquer caso, impunha-se à Recorrente que juntasse aos autos o competente título para cancelamento dos registos ou, pelo menos, a prova de que diligenciara pela sua obtenção junto dos credores comuns e do Estado, o que também não fez.

Como assim, não podem estes últimos factos integrar o probatório por não provados em vista dos elementos que a reclamante, ora Recorrente, aportou aos autos.

Tudo visto, altera-se o ponto 6 do probatório, que passa a ter a seguinte redacção:
6. Consta do Plano Especial de Revitalização (PER) votado favoravelmente pela ATA e homologado por sentença do Tribunal do Comércio de 04.08.2014 já transitada, nomeadamente e no que respeita ao crédito da reclamada, o seguinte:
«8.1.2. Autoridade Tributária e Aduaneira
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) Considerando os montantes e o risco financeiro envolvidos, propõe-se a constituição de uma garantia real voluntária sobre o imóvel da sociedade, com a apresentação de uma segunda hipoteca sobre o bem em causa, identificado como sendo um prédio urbano, com a área total de 2.174,03 m2, descrito na C.R.P. de Valongo, nº 1…, da freguesia de União de Freguesias de Campo e Sobrado, concelho de Valongo, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 8…º. Esta garantia deverá estar totalmente formalizada a favor da Fazenda Pública, trinta dias após a data de trânsito em julgado da sentença da aprovação da medida.

Sobre o imóvel em causa promoveu-se em 18 de Novembro de 2013 à sua avaliação, resultando no valor de 1.110.000,00 €;
e) (…)
f) (…)
g) (…)».

Estabilizado o probatório, vejamos se a factualidade que do mesmo se extrai permite concluir pela suficiência da garantia, estando o despacho reclamado, que ordenou o reforço ou prestação de nova garantia como condição de suspensão das execuções, inquinado do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.

Tal como decorre do plano que veio a ser aprovado, “À AT propõe-se…, o pagamento integral da dívida de capital realizada através do regime prestacional nos termos do art.º196.º, do CPPT” (cf. fls.21).

O regime de pagamento em prestações ali previsto supõe a prestação de garantias através dos meios previstos no n.º1 do art.º199.º, do CPPT.

No caso vertente, essa garantia consistiu em hipoteca voluntária sobre o “prédio urbano, com a área total de 2.174,03 m2, descrito na C.R.P. de Valongo, nº 1…, da freguesia de União de Freguesias de Campo e Sobrado, concelho de Valongo, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 8…º”, constando do PER aprovado que “sobre o imóvel em causa promoveu-se em 18 de Novembro de 2013 à sua avaliação resultando no valor de 1.110.000,00€” (cf. fls.22).

Pretende a Recorrente que é este o valor a ter em conta na aferição da suficiência da garantia conexa com o plano prestacional de pagamento aprovado. Diferentemente, entende a Administração fiscal que o valor a ter em conta é o valor patrimonial tributário e não aquele valor resultante de avaliação promovida pela Recorrente e que consta do PER. E a razão está do lado da Administração fiscal.

Actualmente, a valia dos imóveis urbanos no âmbito do processo de execução fiscal é determinada levando em consideração o respectivo valor patrimonial tributário a apurar nos termos do Código do IMI (cf. art.º38º), tudo de acordo com o disposto no art.º250, nº.1, al. a), do CPPT, na redacção resultante da lei 53-A/2006, de 29/12 (cf. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT - Anotado e Comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.554).

Ora, a prestação de garantia com vista à suspensão do procedimento executivo fiscal, verificados que sejam os restantes pressupostos legais, tem, também, por objectivo assegurar o exequente do pagamento da dívida exequenda e do acrescido, valendo como tal a penhora de bens que cumpra tal desiderato (cf. art.º 169.ºdo CPPT).

Mas tal garantia não é, ou não tem de ser, total e certa, no sentido de que, uma vez efectuada, o credor exequente fica absolutamente salvaguardado do pagamento do seu crédito; é que, e ao que aqui nos importa, quer no que concerne à extensão da garantia, quer nas consequências desta para efeitos de suspensão da execução nos termos do art.º 169.ºdo CPPT, a aferição da suficiência da garantia apurada nos termos da lei está sujeita às vicissitudes do procedimento posterior da venda desse mesmo bem.

Por isso que, em tais casos, o que importa é o aferir da garantia do crédito exequendo e do acrescido, num juízo de prognose futura no sentido de que os bens vão ser vendidos, pelo menos, pelos valores por que forem anunciadas as respectivas vendas.

Daí que, a aferição da suficiência da garantia quando ela se venha a traduzir numa garantia real, passa, necessariamente, pela determinação do respectivo valor de venda.

E como decorre do disposto no n.º1 do art.º250º do CPPT, «O valor base para venda é determinado da seguinte forma:
a) Os imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)».

Por outro lado e como se retira do acórdão do STA, de 04/12/2013, tirado no proc.º 01688/13, o valor de mercado resultante de avaliação não pode ser o assumido pelo Fisco para aquilatar da suficiência da garantia porquanto o art.º250.º, do CPPT fixa, sem margem para outra ponderação, a forma de determinação do valor dos bens para venda.

Pretende a Recorrente que a Administração fiscal aceitou o valor de avaliação do imóvel em causa em 1.110.000,00€, que está vertido no PER homologado por sentença do Tribunal do Comércio.

Todavia, do ponto 8.1.2. do PER, relativo ao credor ATA, que a Recorrente junta, não resulta minimamente evidenciado que a Administração fiscal se tenha comprometido, para efeitos da garantia a prestar conexa com o plano prestacional de pagamento de dívidas tributárias no âmbito daquele Plano, com o valor da avaliação promovida pela Recorrente.

Esse valor, de 1.110.000,00€, serve apenas de referência ao montante dos créditos reclamados no âmbito do PER que potencialmente poderiam vir a beneficiar da garantia do imóvel.

Mas se se apurar que outro é o valor patrimonial tributário do prédio urbano dado em garantia de acordo com as regras de avaliação do Código do IMI, é esse o valor de referência que a Administração fiscal tem de ponderar para efeitos de determinação da idoneidade da garantia prestada na vertente da sua suficiência.

Como decorre do ponto 11 do probatório, aquele valor patrimonial tributário foi fixado pela Administração fiscal em € 504.204,25 (cf. fls.48 dos autos).

Por outro lado e como também evidencia o probatório, sobre o imóvel constam penhoras e encargos hipotecários inscritos que ascendem a 3.301.998,12 €, os quais reduzem o seu valor e não podem deixar de ser ponderados na apreciação da suficiência da garantia.

Todavia, importa salientar, mesmo que se considerasse unicamente o valor dos ónus e encargos que a Recorrente aceita incidirem sobre o imóvel, isto é de 9.775,82€ e 678.714,31€, este registado pela apresentação 619 e relativo à dívida do IGFSS (cf. art.º27.º da douta p.i.), ainda assim, resultaria um valor líquido negativo se aferido ao valor patrimonial tributário de 504.204,25€.

Assim, a tese da suficiência não colhe de todo, mesmo a aceitar-se unicamente os ónus e encargos que a Recorrente aceita onerarem o imóvel em causa.

Não se discutindo nos autos qual o “quantum” da garantia a reforçar/ prestar, mas unicamente a sua suficiência, em vista dos ónus e encargos que a Recorrente consente onerarem o imóvel, já se intui, revelar-se-iam de todo inútil quaisquer diligências probatórias oficiosas com vista ao esclarecimento do que resultou do plano de revitalização relativamente às garantias anteriormente constituídas sobre o imóvel.

A sentença, que no mesmo sentido decidiu, não incorreu em erro de julgamento merecendo ser confirmada, assim se negando provimento ao recurso.
5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 15 de Outubro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro