Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00247/06.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/26/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Vital Lopes
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
IVA.
FACTURAS FALSAS.
ÓNUS DE PROVA.
Sumário:1. Não impugna eficazmente a matéria de facto o Recorrente que nas conclusões não especifica, bem que por remissão para as alegações, os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorrectamente julgados, nem quais as provas que impunham decisão diversa da recorrida;
2. Só ocorre nulidade processual (art.º201.º, do CPC, actual 195.º) por omissão de esclarecimento de factos alegados (art.º99.º, n.º1, da LGT) quando as partes peçam ao tribunal diligências que este não promove e sejam susceptíveis de influir no exame ou decisão da causa;
3. Por isso, tem Recorrente o ónus de indicar nas conclusões quais as concretas diligências que foram omitidas pelo tribunal “a quo” e que factos pretendia ver esclarecidos com tais diligências, de modo a que o tribunal de recurso possa ajuizar da sua relevância e pertinência no exame e decisão da causa;
4. O acto encontra-se devidamente fundamentado se permite ao destinatário apreender e decidir esclarecidamente pela aceitação do mesmo ou sua impugnação, outrossim, permitindo que o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual;
5. Tendo a AF recolhido quadro factual indiciário consistente com a conclusão de que determinadas facturas encontradas na contabilidade do sujeito passivo não correspondem a serviços efectivos, passa a recair sobre ele, sujeito passivo que se arrogue o direito à dedução, o ónus de demonstrar que adquiriu os serviços e que os mesmos foram prestados pelo emitente.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:B..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

B..., Lda., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes a períodos de tributação de 2004.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações, juntou 3 docs. e formulou as seguintes «Conclusões:

a. O Meritíssimo Juiz a quo, não podia, dentro do princípio da livre apreciação da prova, dar os factos invocados pela Administração Tributária como provados, não valorando a prova testemunhal oferecida pela impugnante quanto a esta matéria.

b. Desta forma, e porque a Sentença aprecia negativamente e contra a aqui recorrente e apresentante da prova testemunhal, factos assim seleccionados, esta ofende o disposto no nº 1 do artigo 115º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e ainda o nº 1 do artigo 99º da Lei Geral Tributária, pelo que, deverá considerar-se nula, nos termos do nº 1 do artigo 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

c. É que, a não consideração pela Sentença recorrida e pela Administração Tributária do IVA suportado nas compras, carece de fundamentação, como impõe o artigo 82º, nº 1 do CIVA, na sua redacção vigente à ocorrência dos factos.

d. A Administração Tributária não fundamentou objectiva e materialmente o juízo que formulou, como preceitua o artigo 77º, nº 1 e 2 e artigo 74º, nºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária, uma vez que a acção Inspectiva durou apenas 1 dia, ou seja, a Administração Fiscal nada viu.

e. A contabilidade da sujeito passivo estava totalmente organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, nos termos do nº 1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária.

f. Ademais, não está sequer referenciado no Relatório da Inspecção qualquer suspeita de que haja omissão de vendas ou de prestação de serviços ou contabilização de custos que não tenham sido suportados, nem a Inspecção Tributária avança qualquer facto concreto que lance o descrédito sobre a contabilidade da impugnante, aqui recorrente.

g. É que hoje não pode buscar-se, como pretendeu a Administração Tributária, qualquer apoio numa alegada presunção de ilegalidade do acto tributário para fazer recair sobre a contribuinte, aqui recorrente, o ónus da prova da ilegalidade do acto ou actos tributários. ( Nesse sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 1 de Março de 2005 – Rec. 4770/01).

h. A douta Sentença recorrida apoia-se exclusivamente nos factos alegados, suposições (ora suposições não são provas) e presumidos constantes no Relatório da Inspecção Tributária, que não provou que existissem indícios de que a contabilidade do sujeito passivo não reflectia a sua exacta situação patrimonial.

i. O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnante, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório.

j. A matéria de facto fixada na decisão recorrida não contempla a prova efectuada através do depoimento das testemunhas, tendente à demonstração efectiva de subcontratos nas suas obras realizadas no ano de 2004.

k. A correcta análise e valoração da prova constante dos autos não permitia concluir, de forma inequívoca e irrefutável, que os subcontratos efectuados à impugnante no valor de 174.030,00 € e registados na sua contabilidade, na conta 62.16, não tenham existido, uma vez que a Administração Tributária aceitou como correctos o valor das prestações de serviços efectuadas pela impugnante no valor de 177.930,38 € (conforme página 65 do Relatório).

l. O Tribunal a quo ao proceder à fundamentação das liquidações adicionais de IVA com base em elementos que não haviam sido relevados no Relatório da Inspecção com referência ao exercício de 2004, demonstra notoriamente a insuficiência da mesma fundamentação.

m. E, incorre o Tribunal recorrido, na medida em em se substitui à própria Administração Tributária, em manifesta fundamentação à posteriori dos actos tributários, como sejam as liquidações adicionais de IVA impugnadas.

n. Ora, no procedimento administrativo que conduziu à liquidação impugnada, a administração tributária não podia alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitiu, no caso sub judice) que às facturas em causa não correspondem prestações de serviços efectivas.

o. Tendo, apesar disso, procedido à correcção consubstanciada na liquidação impugnada, a administração tributária violou, para além do art. 19°/3 do CIVA, de que fez uma errada aplicação, os princípios constitucional e legalmente consagrados, da proporcionalidade, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art. 266º 1 e 2 da CRP, artºs. 55º e 58º da L.G.T. e violou o nº 2 do artigo 82º do CIVA).

p. É que, segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a impugnante, aqui recorrente, com a prova de que as facturas em causa correspondem a prestações de serviços efectivas (subcontratos), é à Administração Tributária que caberia demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decorre do artigo 19º -3 do CIVA, e está de acordo, v.g., com a regra geral de repartição do ónus da prova (art. 342.° do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade (art. 75° nº 1 da L.G.T. e artigo 82º do CIVA).

q. Sendo o artigo 82º, nº 1 (actual artigo 87º) do CIVA expresso no sentido de referir “quando fundamentadamente” considere ter havido deduções superiores às devidas.”

r. Acresce ainda a inconstitucionalidade que está subjacente à prática da Administração Tributária, que desde já se denuncia nos termos do artigo 204º da Constituição da Republica Portuguesa, por se considerar violado o disposto no nº 3 do artigo 103 da CRP, visto que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

s. A preterição de formalidade legal referida em 78º, 79º, 80º e 81º, constitui preterição de formalidade legal essencial, da qual deve resultar a anulação das liquidações impugnadas.

t. Entre outras disposições legais, a mui douta Sentença violou os artigos 8º, nº 2 alinea a), 58º, 60º, nº 3 e alínea a) do nº 1, 77º, nº 1 e 99º da L.G.T., 82º, nº 1 do CIVA, artigo 659º e 668º, nº 1, alínea c) do C.P.C. e artigo 266º, nº 2 e 103º, nº 3 da C.R.P.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende a recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provada e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais as liquidações de IVA, objecto dos autos, a bem da JUSTIÇA».

A Recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal é de parecer que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na ordem jurídica a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente e sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (cf. artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A, n.º1, do CPC), as questões que essencialmente importa conhecer reconduzem-se a indagar (i) se a sentença incorreu em nulidade na apreciação e valoração que fez da prova testemunhal produzida pela impugnante/Recorrente e por violação do princípio do inquisitório e da verdade material; (ii) se a sentença assentou o julgamento que fez quanto à fundamentação das correcções em elementos não relevados no relatório de inspecção; (iii) se as correcções contêm a fundamentação legalmente exigível; (iv) se as correcções do IVA deduzido em facturas contabilizadas pela impugnante/Recorrente se podem considerar materialmente fundamentadas em vista do critério legal de repartição do ónus de prova.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:


«1. A Impugnante, “B…, LDA”, Contribuinte Fiscal nº 5…, constituiu-se por escritura pública de 23/1/2003, com um capital social inicial de € 5.000, tendo como sócios J… e M….
2. Na sequência de inspecção efectuada, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200501247, de 23/6/2005, que teve início em 11/7/2005 e findou nesse mesmo dia, e abrangeu os exercícios de 2003 e 2004, foram emitidas as liquidações adicionais nº 05239842, nº 05239844, e nº 05239646, referentes a IVA de 2003 e 2004, e liquidações nº 05239843, nº 05239845, e nº 05239847, referentes a juros compensatórios, da responsabilidade da impugnante, com limite de pagamento até 30/11/2005.
3. A Administração Tributária, tendo notícia da emissão de facturas falsas por parte de “B… Comércio Materiais de Construção Lda. /A… Lda.”, J…, “Sociedade de Construções…, Lda./C…”, “G…, Lda”, identificou, entre outros, como adquirentes desses serviços, “B…, Lda”, CF nº 5…, “J… Unipessoal, Lda.”, CF nº 5…, e “J…, Lda.”, CF nº 1…, nas quais surge como sócio gerente J…, aludido em 1.
4. As acções inspectivas relativas às sociedades comerciais “J… Unipessoal, Lda.” e “J…, Lda.” tiveram início em 22/5/2005 e terminus em 11/7/2005, e nelas foi recolhida factualidade idêntica à que serviu de base às liquidações impugnadas nestes autos.
5. No decurso da acção inspectiva, em auto de declarações, J…, declarou não se recordar do nome dos seus clientes, não saber qual o seu volume de negócios, e não reconheceu as fotografias de J… e de E…, sócio gerente de “Ba…, Lda.”, que entre 1999 e 2004, emitiram facturas como prestadoras de serviços para as suas sociedades comerciais aludidas em 3, nos montantes de € 71.551,00 e € 1.063.999,68, nem a fotografia do gerente da “Sociedade de Construções e Obras Públicas…, Lda.”, em relação à qual foram contabilizadas facturas no montante de € 88.137,35, identificadas a fls. 56 do relatório de inspecção.
6. No decurso da acção inspectiva, em auto de declarações, J..., declarou conhecer A…, como possuidor de máquinas e camiões, mas que nunca trabalhou para ele, tendo-se apurado que, em 2001, emitiu facturas para “A… Unipessoal, Lda.”, CF nº 5…, no montante de € 408.227,00.
7. Na contabilidade da impugnante constam as facturas constantes do quadro de fls. 10 do relatório de inspecção, relativamente a obras efectuadas para “Rádio..., S.A.”, em Albufeira, tendo J..., no decurso da acção inspectiva, declarado que se recordava muito bem dessas obras, efectuadas em Lisboa, onde se deslocou duas vezes para o efeito.
8. J..., declarou não possuir livros de facturas, visto que as mesmas são emitidas em computador, e, notificado para, no dia 10/3/2005, exibir a contabilidade declarou “que não procede à exibição de nenhum documento porque estes foram todos danificados numa inundação, e posteriormente, por si deitados ao lixo”.
9. A Administração Tributária, com autorização de J..., fotografou o local onde se encontrava a contabilidade da impugnante, um móvel com rodapé de 5 cm, e duas prateleiras, na qual só na prateleira superior cabem as partes de arquivo.
10. A Administração Tributária localizou na contabilidade da impugnante, relativamente aos exercícios de 2003 e 2004, e com os valores aí mencionados, as facturas constantes do quadro de fls. 50 do relatório de inspecção, emitidas por “G…, Lda.”, sociedade que nunca apresentou declaração de início de actividade, tendo sido efectuado o pedido de admissibilidade e depois requerida a desistência do pedido, que não existe no local mencionado como sede, com telefone sempre “não acessível”, sendo que, a tipografia responsável pela emissão de facturas cessou em 31/12/1997, tendo a Administração Tributária concluído, por esses motivos, que constam a fls. 50 a 52, e que se dão por integralmente reproduzidos, que as mesmas não correspondem a transacções realizadas.
11. A Administração Tributária localizou na contabilidade da impugnante, relativamente ao exercício de 2004, e com os valores aí mencionados, as facturas constantes do quadro de fls. 56 do relatório de inspecção, emitidas por “Sociedade de Construções e Obras Públicas…, Lda.”, sociedade que cessou actividade em 22/3/2004, pelo que a Administração Tributária concluiu que essas facturas correspondem a transacções realizadas, pelos motivos constantes de fls. 56 a 58, que se dão por integralmente reproduzidos.
12. O sócio gerente da sociedade comercial “Sociedade de Construções e Obras Públicas…, Lda.”, remeteu à Direcção de Finanças de Aveiro a declaração transcrita a fls. 57 do relatório, que se dá por reproduzida.
13. A impugnante apresentou declarações periódicas de IVA com os valores constantes do quadro de fls. 63 do relatório, que se dão por integralmente reproduzidos.
14. Dá-se por integralmente reproduzido o quadro de fls. 65 do relatório de inspecção, elaborado com base nos resultados declarados, donde consta que, em 2004, o valor dos fornecimentos serviços externos ascendeu a € 174.030,00, o valor das facturas emitidas ascendeu a € 167.930,38, e o valor das vendas a € 177.930,38, tendo sido sobreavaliado o valor dos serviços prestados em € 10.000, sem que no lançamento contabilístico efectuado se identificasse a obra a que se refere o proveito, não tendo sido emitida qualquer factura em 2005, até 11/7/2005.
15. No decurso da acção inspectiva à impugnante foram localizadas várias séries de facturas, impressas tipograficamente, sem observar a ordem cronológica na sua emissão, como resulta do quadro de fls. 46 do relatório de inspecção, que aqui se reproduz.
16. Com base na factualidade descrita em 3 a 15, a Administração Tributária considerou simuladas as operações identificadas no quadro de fls. 80 do relatório de inspecção, que se dá por integralmente reproduzido, e consequentemente indevidamente deduzido o IVA correspondente, tendo procedido às correcções aí mencionadas.
17. As facturas aludidas em 10, 11 e 16 não correspondem a transacções efectivamente realizadas.
18. A Administração Tributária remeteu à impugnante o ofício nº 8316060, datado de 14/7/2005, para esta exercer o direito de audição em relação ao Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção.
19. A impugnante apresentou na Direcção de Finanças de Aveiro, em 28/7/2005, o requerimento que consta a fls. 48 a 51 do P.A., que se dá por integralmente reproduzido.
20. A presente impugnação foi apresentada em 9/2/2006».

E mais se deixou consignado na sentença:

«FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, designadamente os factos vertidos na petição inicial que se encontram em contradição com a factualidade provada, por ausência de prova ou prova do contrário, se bem que quase todas as asserções aí insertas constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito.
*
A convicção do Tribunal estribou-se nas conclusões da acção inspectiva realizada pela Direcção Geral de Contribuições e Impostos à impugnante, espelhadas em todos os documentos que compõem o Processo Administrativo junto aos autos.
No que concerne às testemunhas inquiridas, apresentadas pela impugnante, nada adiantaram em concreto, em relação às transacções postas em causa pela Administração Tributária.
Na verdade, J…, que depôs em relação à matéria vertida nos artigos 11º a 16º da Contestação, que se prende apenas com a existência de “facturas falsas”, posto que o restante consubstancia matéria de direito, limitou-se a afirmar que o sócio gerente da impugnante trabalhou por conta própria nalgumas obras, sem se referir concretamente às operações postas em causa, tendo até declarado “não conhecer a Sociedade de Construções…, e a sociedade G…, Lda.”. Consequentemente, o seu depoimento é totalmente desprovido de interesse.
Por seu turno a testemunha E…, que respondeu à matéria constante dos artigos 26º a 63º da petição inicial, que se referem, na maior parte, à alegada “falta de fundamentação”, também declarou desconhecer as sociedades acima mencionadas. De resto, nem sequer soube identificar as sociedades detidas pelo J…, e referiu “ser normal na construção civil subcontratar terceiros, mas não sabe se foi este o caso”. Consequentemente, o seu depoimento é totalmente desprovido de interesse.
A testemunha S…, respondeu à matéria constante dos artigos 26º a 63º da petição inicial, e também referiu desconhecer se neste caso foram subcontratados terceiros. Curiosamente, mencionou que o J… teve um AVC em 98/99, mas em 2004 “já estava bem de saúde”, o que lança por terra a sua alegada incapacidade, quer aquando da emissão das facturas postas em causa, quer no decurso da acção inspectiva.
Consequentemente, o seu depoimento é desprovido de interesse, com excepção do relatado quanto à sanidade do sócio gerente da impugnante.
O depoimento da testemunha da Fazenda Pública, Inspector Tributário A…, foi esclarecedor quanto às vicissitudes que rodearam a inspecção, explicitou a forma como foram recolhidos os elementos que permitiram concluir pela existência de facturas falsas, em grande parte recolhidos no decurso das diligências efectuadas em relação às outras sociedades detidas pelo J..., e que, por não se aceitarem como verdadeiros os serviços mencionados no relatório de inspecção não foi concedido o direito à dedução do IVA. Explicitou os motivos subjacentes às conclusões que constam a fls. 63 do relatório de inspecção».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Nos termos do n.º1 do art.º125.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário,Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

As causas de nulidade da sentença em processo tributário são taxativas e não se afastam das previstas no n.º1 do art.º668.º do Código de Processo Civil.

Invoca a Recorrente que o tribunal “a quo” não procedeu à valoração da prova testemunhal que produziu, a qual, diz, foi exaustiva na demonstração do factos que alegou.

Como se disse, as causas de nulidade da sentença são taxativas, pelo que, em vista do fundamento invocado pela Recorrente, só poderia sobrevir nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto.
Como em processo tributário a decisão sobre a matéria de facto está integrada na sentença, não havendo despacho prévio para o efeito, a nulidade em causa relaciona-se quer com o disposto no n.º2 do art.º653.º, quer com o disposto no n.º3 do art.º659.º, do CPC.

Estatui o n.º2 do art.º653.º, do CPC aplicável, que “A matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.

E o n.º3 do art.659.º do mesmo CPC estatui que “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo processo civil”, 2ª edição, pág.348, «A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção».

Por outro lado, salienta, Jorge Augusto Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, Almedina, a pág.383: «…embora o tribunal aprecie livremente as provas, deve fazer uma análise crítica das mesmas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador. Esta exigência destina-se a possibilitar, de certo modo, o controlo da decisão, visto que têm de ser indicados os meios de prova que, no caso concreto, serviram para alicerçar a convicção formada em relação a cada facto. Na apreciação dos meios de prova pode o julgador justificar o maior peso que, na formação da sua convicção, exerceu o depoimento de determinada testemunha, indicando a razão por que lhe deu maior credibilidade em confronto com outros depoimentos.
(…)
A necessidade da especificação dos fundamentos que forma decisivos para a formação da convicção do julgador serve ainda para se verificar se algum meio de prova não foi considerado, como, por exemplo, um certo documento junto aos autos».

«A sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência – Sumário do ac. do STJ de 13.02.92, proferido no domínio do processo penal (CJ, tomo I, pág.36)», citado por Wanda Ferraz Brito e Duarte Mesquita em anotação ao art.º659.º do “CPC Anotado”, Almedina, 18.ª edição, 2009.

Descendo aos autos, constata-se que o Mmo. juiz “a quo” não deixou de concretizar os factos descritos no relatório que considerou provados, mais referindo que os factos relatados não foram infirmados pela prova produzida pela impugnante. E na apreciação crítica da prova testemunhal produzida pela impugnante para infirmar a factualidade relatada, explica o Mmo. juiz “a quo”, na motivação da decisão de facto (acima transcrita), que as testemunhas nada referem de concreto e relevante e nada sabem dizer sobre as sociedades emitentes das facturas cuja dedutibilidade do IVA foi afastada – “Construções…” e “G…, Lda.”; que o depoimento de Serafim Santos se revelou até contraditório com a factualidade que se pretenderia demonstrar quanto ao estado de saúde mental do sócio da impugnante à data a que se reporta a emissão das facturas (2004); que o depoimento de E… assentou em generalidades [“ser normal na construção civil subcontratar terceiros, mas não sabe se foi este o caso”].

Por outro lado, refere a sentença que o depoimento do Sr. Inspector Tributário arrolado como testemunha da Fazenda Pública se revelou esclarecedor da matéria relatada.

Mais adiante, já em sede de fundamentação de direito, o Mmo juiz “a quo” não deixa de destacar a factualidade relatada e assente no probatório nem o raciocínio lógico que, partindo dessa factualidade o levou a concluir que as questionadas facturas não titulam operações reais [“uma das sociedades emitentes das facturas cessou actividade antes da data constante das factura em causa, e a outra sociedade nunca existiu, nem sequer formalmente”; “não é crível, nem está de acordo com as regras de experiência comum e de normalidade da vida, que o sócio gerente da impugnante não reconhecesse os legais representantes das sociedades comerciais em causa, designadamente se se atentar nos elevados valores dessas facturas. De resto, um deles assumiu não conhecer o J..., e denunciou claramente a falsidade das facturas em questão (fls. 57 do relatório de inspecção)”; “as facturas em causa ostentam as irregularidades apontadas no relatório, transpostas para a factualidade assente em 15…”; “…não se crê na alegada perda da contabilidade da impugnante, pelos motivos aludidos em 8 e 9 da factualidade assente, posto que a Administração Tributária, demonstrou que uma eventual inundação, naquele local, não poderia ter danificado as pastas de arquivo que aí estivessem, necessariamente na prateleira superior do móvel exibido”; “Realça-se ainda a “operação de cosmética” efectuada à contabilidade, referida em 14 dos factos provados, que demonstra à saciedade a tentativa de arranjo dos valores da contabilidade, com vista a dissimular os valores alcançados mediante as operações simuladas que realizou”].

A sentença não deixou, pois, de valorar a prova produzida no seu conjunto, quer a da impugnante, quer a da Fazenda Pública, mas para concluir pela irrelevância da prova testemunhal produzida pela impugnante para infirmar a factualidade descrita no relatório de inspecção tributária e nomeadamente, aquela que, já na fundamentação de direito, destacou como decisiva na formação da sua convicção quanto à inexistência de operações reais tituladas pelas facturas cuja dedutibilidade do IVA, nelas mencionado, foi desconsiderada.

Não tendo o Mmo. juiz “a quo deixado de proceder à análise crítica da prova globalmente produzida e de enunciar a fundamentação de facto, ou seja, de concretizar os factos que serviram de base à decisão, nos termos previstos nos artigos 653.º, n.º2 e 659.º, n.º3 do CPC e com o alcance doutrinário acima indicado, necessariamente tem de improceder a invocada nulidade da sentença.

Questão diversa, prende-se com o eventual erro na apreciação da prova. Mas a verdade é que a Recorrente não impugna a matéria de facto eficazmente, ou seja, em termos de poder ser reapreciada por este tribunal de recurso. Com efeito,

Nos termos do disposto no art.º712.º, n.º1, do CPC, “A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º- B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou».

Por seu turno, o art.º685.º- B do CPC, impõe ao Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de cumprir o estabelecido no seu n.º1, por via do qual aquele, obrigatoriamente e sob pena de rejeição da impugnação da matéria de facto, deve especificar:

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

No caso dos autos, a Recorrente não especificou nas suas conclusões os pontos de facto que no seu entender foram incorrectamente julgados nem quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Se a Recorrente entende que não se levou ao probatório toda a matéria de facto apurada com relevo para a decisão, nomeadamente, a “tendente à demonstração efectiva de subcontratos nas suas obras realizadas no ano de 2004” – Conclusão j), ou que não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão (art.º99.º, n.º1, da LGT – Conclusão i)), cabia-lhe indicar “os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, ou, quais os concretos factos alegados cujo esclarecimento pediu ao tribunal e este não diligenciou, de modo a se poder aferir da sua necessidade e pertinência, uma vez que só neste caso a omissão de esclarecimento de factos alegados constituiria nulidade processual (art.º201.º, do CPC) por violação do princípio do inquisitório e da verdade material decorrente do disposto no n.º1 do art.º99.º da Lei Geral Tributária.

Na falta de impugnação da matéria de facto nos termos expostos, é com base no probatório da sentença que importa avançar para o conhecimento das restantes questões do recurso.

No entanto, pelo seu sentido jurídico-conclusivo, importa considerar não escrito o que se fez constar do ponto 17. do probatório [As facturas aludidas em 10, 11 e 16 não correspondem a transacções efectivamente realizadas], nos termos do disposto no art.º646º, nº4, do Código de Processo Civil.

Assim, por não conter um facto material mas a formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos, elimina-se do probatório o referido ponto 17.

Alega depois a Recorrente que o tribunal “a quo” ao apreciar a fundamentação das liquidações adicionais de IVA impugnadas, se serviu de elementos que não haviam sido relevados no relatório de inspecção tributária. O que configura, a seu ver, fundamentação “a posteriori” e não contextual do acto (Conclusões l) e m)).

A fundamentação “a posteriori”, a ter ocorrido, consubstanciaria ilegalidade manifesta, em virtude de no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto.

Efectivamente, como se salienta no Acórdão do TCA Sul, de 10/05/2011, proferido no proc.º03716/10, “implicando o direito à fundamentação dos actos administrativos, especificamente, dos tributários, atribuir ao particular a faculdade de se defender dos pressupostos que nos mesmos são enunciados e de que resultaram os efeitos lesivos da sua pretensão, não é possível aproveitar um qualquer acto quando para tanto seja preciso valorar razões de facto e/ou de direito que não constam da fundamentação inicial, integrante dele, que não foram invocadas para conduzir ao acto impugnado”.

Todavia, o que a Recorrente invoca não é que a sentença tenha feito apelo a elementos do procedimento tributário que não integraram a fundamentação do acto. O que a Recorrente diz é que a sentença para justificar a fundamentação do acto se serviu de elementos que não tinham sido relevados pela Administração tributária na prática do acto.

Ora, isso, não consubstancia fundamentação “a posteriori”, mas erro de julgamento, na medida em que o tribunal assumiu como integrando a fundamentação do acto elementos que dele não constavam.

Sucede, porém, que a impugnante/Recorrente não concretiza que elementos foram esses de que a sentença erroneamente se serviu para justificar a fundamentação do acto mas que não integram a fundamentação do mesmo. E não resultando tal manifesto, a alegação tem necessariamente de improceder.

Quanto à fundamentação do acto, vejamos. Transpondo para o procedimento tributário a exigência constitucional de fundamentação dos actos administrativos (art.º268.º, n.º3, da CRP), estatui o n.º1 do art.º77.º da Lei Geral Tributária que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Dispõe o n.º2 daquele art.º77.º da LGT que “A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Na sentença, a propósito da falta de fundamentação deixou-se consignado o seguinte:
«A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser expressa, acessível, e suficiente de molde a permitir ao contribuinte o controlo de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão. O destinatário deve ficar ciente do modo e das razões por que foi tributado em determinado imposto ou quantia ou por que se decidiu num ou noutro sentido (artigo 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa).
Do teor literal das notificações efectuadas, relativamente às liquidações em causa, resulta tratar-se de liquidações adicionais, resultantes de correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária, relativamente ao período que aí vem mencionado, que ostentam de forma bem visível, no rosto de cada uma das notificações, o valor da liquidação correctiva, o valor de liquidação anterior e o valor da liquidação adicional, nos termos do artigo 82º do Código do IVA.
As correcções resultaram das operações consideradas simuladas pela Administração Tributária, decorrentes dos elementos recolhidos na fiscalização efectuada, devidamente apontadas e fundamentadas no relatório de inspecção, e transpostas para a factualidade assente, de que a impugnante foi notificada e demonstrou ter perfeito conhecimento.
O mesmo sucede com as liquidações referentes aos juros compensatórios, posto que, após invocação do artigo 89º do Código do IVA, e 35º da Lei Geral Tributária, refere-se expressamente que as mesmas resultam de “ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo”, discriminando-se em cada uma das liquidações o montante em concreto do imposto em falta sobre que incidem juros, o período e a taxa de juro aplicável, nos termos do artigo 559º do Código Civil, bem como o valor dos juros liquidados.
De resto, a impugnante apresentou impugnação da qual resulta que entendeu perfeitamente os motivos e fundamentos das liquidações adicionais efectuadas, que se prendem essencialmente com a utilização de facturas falsas, de sociedades já cessadas ou que nunca iniciaram actividade, e com as irregularidades detectadas nas facturas, enunciadas no relatório de inspecção. Consequentemente, é ininteligível a invocada falta de fundamentação, tendo necessariamente de se concluir pela perfeição da fundamentação das notificações efectuadas, que não padecem de qualquer vício que as torne ineficazes».

Concordamos com o expendido na sentença. Em reforço, dir-se-á apenas que da conjugação do relatório de inspecção e decisão resultam claramente enunciadas as razões de facto e de direito que determinaram a prolação dos actos sindicados, permitindo ao interessado acompanhar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na prática do acto.

Com efeito, foi efectuado o enquadramento legal das correcções no art.º19.º, n.º3, do Código do IVA (cf. RIT, fls.42 do apenso instrutor); identificadas as facturas contabilizadas pela impugnante cujo IVA nelas mencionado foi considerado não dedutível por não corresponderem a operações reais (cf. RIT, fls.29v. 32, 32v., e 33v. do apenso instrutor); explicadas as razões de facto, de banda dos emitentes e da impugnante que levaram a concluir que tais facturas não correspondem a operações reais, levando à sua desconsideração fiscal (cf. RIT, fls. 27v. a 34 do apenso instrutor); bem como constam dos actos de liquidação notificados as operações de quantificação do imposto e juros compensatórios e o seu enquadramento legal (cf. fls. 27 a 32 dos autos).

Ou seja, estão explicitadas no relatório e decisão as razões de facto e de direito da prática dos actos, em termos de a impugnante/Recorrente as poder apreender e decidir esclarecidamente pela aceitação do acto ou sua impugnação, outrossim, permitindo que o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual – vd. Acórdão do STA, de 12/03/2014, proferido no proc.º01674/13.

Improcede o recurso quanto ao invocado erro de julgamento na apreciação da fundamentação formal dos actos impugnados.

Questão que se não confunde com a da fundamentação dos actos prende-se com a correcção dos fundamentos aduzidos, contra a qual a Recorrente também se insurge imputando à sentença erro de julgamento, nomeadamente em vista do critério legal de repartição do ónus de prova.

Nos presentes autos, movemo-nos no âmbito de correcções ao IVA deduzido, nos termos do art.º19º, nº3, do Código do IVA, por desconsideração de facturas reputadas pela Administração fiscal de falsas (e, consequentemente, do IVA nelas mencionado e deduzido). Daquilo que se tratou foi, pois, de correcções técnicas efectuadas na sequência de acção inspectiva cruzada levada a cabo e no termo da qual pôde a Administração Tributária concluir que as aludidas facturas 519, 524, 529, 540 e 557, emitidas por G…, Lda. (fls.29v. do apenso) e 147, 150 e 155, emitidas por Sociedade de Construções e Obras Públicas…, Lda. (fls.32v. do apenso) e contabilizadas pela impugnante/Recorrente, não correspondiam a reais e efectivas operações económicas (prestações de serviços). Relembre-se, a este propósito, que nos termos do citado artigo 19º, nº3 do Código do IVA, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

Vejamos, então, a questão do ónus da prova e qual o tratamento que o mesmo mereceu na sentença recorrida.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este mesmo Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pela Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – art.º75º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão deste TCA Norte de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

Ora, a linha de raciocínio da sentença não se afastou deste modo de ver. Como aí se diz partindo da factualidade assente, uma das sociedades emitentes cessou actividade antes da data constante das facturas, outra das sociedades emitentes nem sequer existia formalmente; o sócio-gerente da sociedade impugnante, J..., não soube identificar os responsáveis das sociedades emitentes, sendo várias as facturas emitidas e elevado o seu montante; o representante de uma das sociedades emitentes assumiu não conhecer o J..., nem ter efectuado quaisquer operações com a sociedade impugnante; as facturas emitidas patenteiam irregularidades formais, nomeadamente quanto à ordem sequencial de numeração; a falta de apresentação pelo J... de elementos de contabilidade, alegadamente deteriorados numa inundação e deitados ao lixo sem que diligências da Administração tributária permitissem confirmar tal facto; sobreavaliação dos serviços contabilizados (167.930,38€), face aos facturados (177.930,38€) em 10.000€ sem justificação documental da diferença do proveito, face a um montante de custos titulados pelas questionadas facturas de 174.030,00€ (valor s/IVA).

Este quadro factual indiciário suporta a conclusão da Administração tributária, sufragada na sentença, de que as facturas em causa não se reportam a serviços efectivos.

E tendo a Administração tributária cumprido, nos termos já assinalados, o ónus de prova que, neste ponto, lhe competia, à Impugnante/Recorrente impunha-se fazer a prova de que adquiriu os serviços e que os mesmos lhe foram prestados pelos emitentes das facturas.

Ónus que, definitivamente, não cumpriu, pois nada resulta a propósito do estabilizado probatório, referindo a sentença que nada de concreto e relevante resultou dos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante, que declararam nada saber sobre as empresas emitentes.

De resto, note-se, tal prova da efectividade dos serviços facturados dificilmente poderia ser conseguida unicamente com recurso a prova testemunhal desacompanhada de outros elementos de prova, nomeadamente, documentais.

Como assertivamente se refere no já citado Acórdão deste TCA Norte de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, “A prova testemunhal…, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova – contratos de empreitada, autos de mediação, mapas de horas de trabalho prestado, cheques nominativos depositados nas contas dos beneficiários, listagens de identificação de trabalhadores – dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações.
Trata-se de uma situação em que haverá que avaliar a prova com particular prudência, uma vez que é sobejamente conhecida a “praga” avassaladora de “facturas falsas” que assolou o comércio, bem como a experiência nos dá conta da particular fragilidade da prova testemunhal neste domínio, onde se cruzam interesses diversos, onde muitos lucram à custa do erário público [cfr. acórdãos deste TCAN de 12/10/2006 (Processo 0300/02) e de 15/02/13 (Processo 489/06.4 BEBRG)]”.

Em suma, não tendo a impugnante/Recorrente cumprido o ónus de demonstrar que as operações a que se referem as questionadas facturas tiveram, efectivamente, lugar, mostra-se legítima a actuação da Administração tributária ao não aceitar a dedução do IVA nelas mencionado (art.º19º, nº3 do Código do IVA) e, consequentemente, ao liquidar adicionalmente o IVA em causa e correspondentes juros compensatórios.

A sentença recorrida não errou na aplicação do direito aos factos, improcedendo o recurso também por este invocado fundamento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Porto, 26 de Fevereiro de 2015
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro