Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00481/13.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; OBJETO DO RECURSO; PRESCRIÇÃO
Sumário:1 – O recurso jurisdicional deve incidir apenas sobre os erros que possam afetar a decisão recorrida, não se reportando a quaisquer eventuais vícios que possam incidir sobre a decisão administrativa objeto de impugnação.
Efetivamente, o objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação e alteração.

2 - O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.

3 - A decisão administrativa não está isenta da sindicabilidade judicial, sendo que esta se deverá limitar a verificar se a apreciação das provas tem uma base racional, e se o valor das provas produzidas foi adequadamente ponderado, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto e palmar de apreciação.

4 – Para o conhecimento de falta com relevância disciplinar por parte de entidade com competência disciplinar, para efeitos do arts. 6º, nº 2, do ED, não basta o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que os mesmos integram a prática de uma infração disciplinar, tendo de se reportar a todos os elementos caracterizadores da situação de modo a poder efetuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder sancionador.
Ou seja, o conhecimento da falta ou das faltas passíveis de qualificação como infração disciplinar tem de ser um conhecimento com a sua carga presumível de ilicitude, quando a mesma esteja já caracterizada quanto ao modo, tempo e lugar da sua prática.

5 - O controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos, determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:Ministério da Saúde
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A., no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Ministério da Saúde, tendente, em síntese, à “ declaração de nulidade ou anulação do ato impugnado, consubstanciado no despacho do Secretário de Estado da Saúde, notificado em 02/05/2013, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão final no processo disciplinar que lhe aplicou a pena de suspensão, graduada em noventa dias,”, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Coimbra em 15 de maio de 2018, que julgou improcedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional da mesma.

Formula o aqui Recorrente/A. alegações de recurso, apresentadas em 19 de junho de 2018, as seguintes conclusões:

“a) A sentença é nula, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 195º, nº 1 e 615º, nº 1, alínea d) do CPC, e nos termos do disposto no– art. 615º, nº 1, alíneas b) e d) do CPC, por falta de fundamentação e erro de julgamento na apreciação dos pressupostos de facto e consequente erro de direito
b) Considere-se, como supra ficou referido, desde logo para se considerar o erro quanto a aplicação da norma constante do art. 6º do ED, o que consta dos itens 2), 3), 5) 6) e 7) dos factos provados, o que aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo que a matéria de facto provada (itens 1) a 33)) e relevante para a decisão teve por base o exame dos documentos que identificou em cada um dos itens, constantes dos autos, do processo administrativo apenso e do processo cautelar nº 357/13.3BECBR., desconhecendo-se a formação da convicção para efeitos da fundamentação dos factos porque ela não existe na decisão recorrida.
c) Em causa estavam atos administrativos constituídas desde sempre, inalterados, geradores de direitos e tacitamente acolhidos e deferidos.
d) A falta do juízo critico da matéria de facto legitima a imputação da nulidade da decisão, porque relevante para o núcleo substantivo da decisão, o esforço exegético tinha que ser realizado mediante premissas de facto a partir das quais pudesse retirar a conclusão quanto à essencialidade dos mesmos, para legitimar a conclusão final
e) Cabia proceder a apreciação critica da prova e as razões porque se aderia ou não a ela
f) Errando na interpretação da norma constante do art. 6º nº 2 do ED, que nos casos citados pela decisão se cingem ao pressuposto do momento em que deve ter-se por conhecida a concreta falta, e por quem, em situações de facto diversas daquela que cumpria decidir, porquanto, no caso o superior hierárquico com competência para a instauração do processo disciplinar conforme resulta dos itens 2), 3), 4) e 5) dos factos provados, não instaurou o processo de inquérito à data em que conheceu os factos mas apenas em 07/09/2010, e quanto à alegada falta de assiduidade e indevida acumulação de funções, que, como resulta do PA e da prova junta pelo A. era sobejamente conhecida dos superiores hierárquicos, há anos, pois que o entendimento sobre uma tal questão por parte da Administração se manteve e mantem, prova disso é a decisão proferido no processo disciplinar 13/2014 – Arquivamento do processo disciplinar pelo facto de apesar de não existir autorização expressa para acumulação de funções privadas esta autorização foi concedida tacitamente nos termos do artigo 108º do Código de Procedimento Administrativo – cfr. Doc. 1.
g) De facto da materialidade provada, itens 2), 3), 4), 5) e 6) resulta à saciedade que os superiores hierárquico tiveram conhecimento das infrações em momento muito anterior a 1/10/2010, data em que o Inspetor Geral das Atividades em Saúde proferiu despacho a determinar a instauração de processo disciplinar, pese embora a situação fáctica estar suficientemente caracterizada em 20 de abril e 22 de julho de 2011 (item 3 da matéria de facto provada), devendo concluir-se que o conhecimento dos factos, ocorreu naquelas datas, pelo que deverá considerar-se que o(s) superior(es) hierárquico(s) com competência para instaurar o processo disciplinar, tiveram, contemporaneamente, conhecimento dos factos integrantes das infrações, incluindo o seu circunstancialismo, em termos de lhe conferir relevância jurídico-disciplinar e criminal, pelo que podiam desde logo formar um juízo fundado quanto à integração (ou não) de uma infração disciplinar.
h) Não foi instaurado um processo de averiguações ou de inquérito e o Inspetor-geral das Atividades em Saúde apenas por despacho de 01/10/2010 mandou instaurar processo disciplinar, e por deliberação de 17.05.2011 do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro IP., foi arquivado o processo de inquérito na parte referida no item 11)
i) Impunha-se o reconhecimento do vicio e declarada a prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar conforme dispõe o artigo 6º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei nº 58/2008),
j) A sentença omitiu, na discussão, a relevância do conhecimento da factualidade indiciária, da “ordem” do Senhor Inspetor Geral quanto à informação e o facto de não se ter instaurado processo de inquérito para efeitos da alegada necessidade de apuramento dos factos denunciados de cariz criminal – cfr. enunciado do item 3) da matéria de facto.
k) No mais que cabia decidir a sentença limitou-se a confirmar a decisão punitiva, pois que que constituiu o sentido da pretensão do A.,
• de que não foi considerado que o A. trabalha em regime de 35 horas, sem dedicação exclusiva, exercendo funções privadas, pelo menos, desde 1984, o que é do conhecimento de toda a estrutura dos serviços de saúde locais e regionais e, designadamente, da Diretora do Centro de Saúde de (...) e de todos os seus antecessores;
• de que aos médicos como o A. não é aplicável a disciplina jurídica da Lei n.º 12-A/2008, de 28/02, e menos ainda o regime instituído pelas alterações à mesma Lei pela Lei n.º 34/2010, já que, nos termos do disposto no art.º 35.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 04/08, ficam salvaguardadas as situações constituídas ao abrigo dos art.°s 20.º a 22.º do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15/01;
• que, por isso, a um médico em regime de 35 horas semanais, sem regime de dedicação exclusiva, a exercer funções privadas há mais de 30 anos, com o conhecimento e a autorização dos seus superiores hierárquicos, e segundo a normação invocada, não é aplicável um tal regime, não sendo incompatível a concreta situação e não sendo exigível o pedido de autorização, porque de direitos adquiridos se trata;
Não foi objeto de decisão em conformidade com a lei aplicável.
r) Além de que a resposta dada quanto à ilegalidade imputada à falta de registos clínicos do (...), pese embora a demonstração inequívoca no processo disciplinar quanto ao facto de os mesmos estarem completos pela aposição simples do código da doença, o que permite ao médico, que conhece os doentes, indicar sumariamente a terapêutica a aplicar, porque de doenças crónicas se trata, sendo os medicamentos sempre os mesmos, não carecendo de registo por não haver alteração, ao que acresce a falta de meios informáticos para tal, o que não permite em tempo útil fazer os registos devidos, bem como o manifesto conflito de sistemas informáticos usados nos centros de saúde;
s) A sentença viola o dever e a garantia constitucional da fundamentação das decisões, isto porque a alegação de que a decisão não tem que ser exaustiva apenas serve a uma sentença genérica e não aquela que se impõe um especial dever de consignar as razões da punição de um trabalhador, no estrito cumprimento dos princípios da legalidade, da defesa, da imparcialidade, da proporcionalidade e da justiça, em particular quanto à pena aplicada, e
t) a omissão da fundamentação devida à decisão de facto e a incorreta interpretação da factualidade determina a violação do sentido das normas constantes do art. 6º do ED, numa expressa violação das normas contidas no preceito do art. 32º, nº 1 e 10 da CRP, porquanto a decisão constrói-se no equivoco de que era exigível ao A. uma conduta oposta aquela que lhe foi imputada.
u) a justiça e a legalidade da medida disciplinar punitiva encontram-se dependentes de uma exigência de imputação culposa do incumprimento de um dever objetivo – violação culposa de um dever decorrente da função exercida pelo agente – verificado o requisito, consistente na pratica de um facto ou numa omissão.
A sentença viola as normas e princípios supra indicados,
Nos termos e com os fundamentos supra expostos, com o provimento do recurso, deve a decisão recorrida ser declarada nula, com as legais consequências.
Assim Fazendo Vossas Excelências Meritíssimos Juízes Desembargadores a costumada JUSTIÇA”

O Ministério da Saúde veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 27 de junho de 2018, ai tendo concluído:

“1ª - Falece, razão ao Recorrente no que concerne à invocada exceção da prescrição do procedimento disciplinar, por violação do respetivo prazo de instauração, previsto no nº 2 do arts. 6º do ED, já que apenas em 29-09-10, após algumas diligências para recolha de elementos destinados à obtenção de indícios da veracidade dos factos denunciados na denúncia anónima sobre práticas fraudulentas (consubstanciadas na alegada emissão irregular de receituário médico e acumulação indevida de funções), foi possível formular um juízo de probabilidade sobre se os mesmos configuravam infração disciplinar;
2ª - Sendo certo que o procedimento disciplinar, tendo sido instaurado em 1-10-10, não violou qualquer prazo de instauração previsto no nº 2 do artº 6º do ED, não ocorrendo a alegada prescrição por violação de tal prazo;
4ª - Com efeito, esse prazo prescricional só corre depois do titular do poder disciplinar ter efetivo conhecimento da falta, no sentido de dela ter um conhecimento relevante, i. é, aquele que traduza a efetiva ciência da falta que possibilita a apreciação preparatória, indispensável ao ato de instauração do procedimento disciplinar;
5ª - Não equivalendo a tal conhecimento, o simples registo de entrada no serviço do suporte documental que permite o conhecimento da falta, como, aliás, distingue o STA entre o mero conhecimento de uma certa materialidade dos factos em termos de os poder enquadrar como ilícito disciplinar, para só ao momento em que este ocorre se atribuir o efeito único;
6ª - Tendo sido observadas, no caso em apreciação, todas as garantias de defesa atribuídas aos arguidos em matéria disciplinar, Concretamente,
7ª - Foi-lhe dado o direito a ser ouvido na fase de instrução do procedimento disciplinar (v. Os. 1472 a 1475 do PD);
8ª - Foi notificado dos artigos de acusação com a indicação do prazo para apresentar defesa escrita, o qual foi alargado por mais 3 dias em satisfação do seu pedido, por forma a garantir o pleno exercício do seu direito de defesa, com patenteamento do processo ao seu exame conforme art.°s 49º nº 1 e 51º nº 1 do E.D. (v. fls. 1830 a 1835);
9ª - Apresentou defesa escrita que se encontra a fls. 1866 a 1906 do P.D., aqui suscitando as questões prévias que lhe aprouve;
10ª - Bem como impugnou a factualidade dada como provada, juntou documentos, requereu a audição de testemunhas, uma diligência de prova e, por fim, suscitou o incidente da impugnação da prova da acusação.
11ª - Inexiste também o alegado erro na aplicação do direito por, na sua opinião, não ser aplicável aos médicos a Lei nº 12-A/2008, de 28 de fevereiro (Regime de Vinculação, Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas), pois, na verdade, é o nº 3 do arts, 35º do DL nº 177/2009, de 4 de agosto (Regime da Carreira Especial Médica) que determina que, em matéria de incompatibilidades, é aplicável aos trabalhadores integrados na carreira médica o disposto nos artigos 25º e seguintes da Lei nº 12-A/2008, de 28 de fevereiro;
12ª - Sendo certo que o arts, 29º, nº 1 da mesma lei, sob a epígrafe "Autorização para acumulação de funções" prevê que “a acumulação de funções nos termos previstos nos artigos 27º e 28º depende de autorização da entidade competente.";
13ª E o nº 4 do arts, 35º determina que as situações constituídas ao abrigo dos artigos 20º a 22º do E.N.S., apenas ficam salvaguardadas durante o prazo de 24 meses, a contar da data de entrada em vigor do DL nº 177/2009, ou seja, até 9 de agosto de 2011;
14ª - Sabendo-se que o aqui Recorrente, somente realizou tal pedido de autorização em 1-03-12, na sequência do ofício-circular nº 1/2012, de 17-02-12, da autoria do Diretor Executivo do ACES (...) 1, dirigido aos Coordenadores das Unidades Funcionais, não obstante ter sido informado de tal exigência legal no âmbito do Processo de Inquérito, em 28-02-11;
15ª - O que significa que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, tal diploma legal impõe a necessidade de autorização para acumulação de funções pública com funções privadas a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, mesmo para aqueles que integram a s carreiras especiais como é o caso;
16ª - Também continua a não se vislumbrar qualquer erro na apreciação da prova ou na interpretação e aplicação do direito, até porque, passando em revista o acervo factual provado, nem o descortinamos, nem o Autor o localiza em concreto;
19ª - Afigurando-se, ao invés, que os elementos probatórios coligidos bastam para demonstrar a existência das infrações traduzidas na acumulação do exercício de funções públicas com funções ou atividades privadas, sem autorização e na omissão de efetuar registos clínicos quanto aos processos identificados no procedimento disciplinar;
20ª - Com tais condutas o arguido, presente Autor, praticou duas infrações em simultâneo estando-se, por isso, perante acumulação de infrações que mais não é do que um concurso de infrações cometidas ao mesmo tempo ou se uma é cometida antes de ter sido aplicada a pena disciplinar correspondente à anterior, aplicando-se para todas elas uma só pena disciplinar;
21 ª - Finalmente, quanto à invocada falta de fundamentação, basta dizer, como a douta sentença recorrida, que o ato impugnado está devidamente fundamentado porquanto tem por base o parecer nº 67/2013, de 15 de março, onde constam os necessários elementos de facto e de direito que permitem ao aqui recorrente apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo do mesmo, tendo sido feito, nos seus 60 números e 16 páginas, uma análise jurídica detalhada dos fundamentos do recurso hierárquico interposto pelo aqui Recorrente para o Ministro da Saúde, do ato administrativo da autoria do Inspetor-Geral das Atividade em Saúde, de 27-03-2012, que lhe aplicou a pena de suspensão graduada em 90 dias.
Termos em que, pelos motivos expostos supra, improcedem os fundamentos invocados pelo Recorrente no presente recurso jurisdicional e respetivas conclusões, não enfermando a douta sentença recorrida de 15-05-2018 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de ilegalidade, devendo ser confirmada e, consequentemente, ser negado provimento ao presente recurso com todas as consequências legais.”

Em 6 de julho de julho de 2018 foi proferido Despacho de admissão do Recurso, mais tendo sido sustentada a decisão recorrida, aí se referindo que “a sentença recorrida não padece das nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC, porquanto a mesma se mostra devida e suficientemente fundamentada, de facto e de direito, com a respetiva motivação da decisão quanto à matéria de facto, bem como não ocorre qualquer omissão de pronúncia, tendo-se o Tribunal pronunciado sobre todas as questões suscitadas em juízo.”

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 5 de setembro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, de modo a verificar se estão preenchidos os pressupostos que determinaram a aplicação de pena, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade.
1) O A. é assistente graduado de clínica geral, exercendo funções, à data da instauração do processo disciplinar, no ACES (...) I / Centro de Saúde de (...), mediante contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, em regime de trabalho completo de 35 horas semanais, sem dedicação exclusiva (cfr. doc. de fls. 15 do volume I do processo administrativo).
2) Pelo ofício n.º 002678 de 19/04/2010, provindo da Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados e dirigido ao Inspetor-Geral das Atividades em Saúde, foi este notificado da carta anónima enviada à referida Unidade de Missão, a qual tem o seguinte teor:
“Trago ao vosso conhecimento as práticas fraudulentas que o seu colega Dr. A. desenvolve enquanto responsável pelas unidades de Cuidados Continuados de (...).
Há factos que evidenciam a aquisição de medicamentos genéricos com comparticipação do SNS a 100% em nome de utentes que não estão doentes e não necessitam daquela medicação.
Quem são estes utentes: são dos inúmeros Lares onde trabalha, do seu consultório privado, do Hospital da F.A.A.D., do SAP do Centro de Saúde, etc. Estes medicamentos são receitados a estes utentes, levantados nas suas farmácias de (...) ou do (...) (ambas da esposa), e levados para as Unidades de Cuidados Continuados de (...).
Este comportamento pela gravidade dos factos vai já ser denunciado ao Exmo. Sr. Dr. J. – Presidente do Conselho Diretivo da ARSC. (…)”
[cfr. docs. de fls. 1 a) e 2 do volume I do processo administrativo].
3) Pelos ofícios n.os 001904, de 20/04/2010, e 003572, de 22/07/2010, provindos do Inspetor-Geral das Atividades em Saúde e dirigidos ao Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., aquele solicitou a este último a informação tida por adequada relativamente à denúncia anónima recebida pela Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados (cfr. docs. de fls. 3 e 4 do volume I do processo administrativo).
4) Pelo ofício n.º 025028, de 06/08/2010, o Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. informou o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde de que estavam a ser efetuadas diligências no sentido de se apurar “a listagem de todos os medicamentos prescritos naquela Unidade Cuidados Continuados (UCC), bem como a quem se destinaram, dado que a denúncia anónima não indica os nomes dos utentes” (cfr. doc. de fls. 5 do volume I do processo administrativo).
5) Por deliberação de 07/09/2010 do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., foi instaurado processo de inquérito ao A. com vista ao apuramento dos factos relacionados com a alegada falta de assiduidade e indevida acumulação de funções (cfr. doc. de fls. 25 a 27 do volume I do processo administrativo).
6) Pelo ofício n.º 031861, de 29/09/2010, o Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. informou o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde do seguinte:
“(…) Como é do conhecimento de V. Ex.ª, através de exposição anónima, encaminhada para essa entidade pela coordenadora da Unidade de Missão dos Cuidados Continuados Integrados, com conhecimento ao Conselho Diretivo desta ARS, foram denunciados determinados factos, relacionados com graves irregularidades na atuação de um profissional de saúde desta ARS, médico no Centro de Saúde de (...), Dr. A..
Com vista à apreciação liminar da referida denúncia, na qual são expostas situações de corrupção e fraude, foram efetuadas algumas diligências destinadas à obtenção de possíveis indícios de veracidade dos factos denunciados.
Encontrando-se referida a emissão de receitas de medicamentos, maioritariamente aviados em duas farmácias propriedade de familiar do médico, foi recolhida informação relativa ao período compreendido entre 1/11/2009 e 30/4/2010 que confirma a existência de grande disparidade entre os locais onde são fornecidos os medicamentos receitados pelo citado profissional, com significativa vantagem para as duas farmácias referidas na denúncia (Doc. 1).
No que respeita à relação existente entre o Dr. A. e os proprietários dessas farmácias, foi apurado que a farmácia (...), sita em (...), tem como responsável técnica M. e que a farmácia (…), sita em (…), é da responsabilidade técnica de C. (Doc. 2).
Dado que na mesma denúncia consta que essas receitas médicas são emitidas em nome de pessoas que não carecem dessa medicação (utentes de vários locais onde o médico trabalha), foi elaborada uma lista dos utentes, bem como dos medicamentos que lhes foram prescritos, no período de tempo acima mencionado (Doc. 3).
Ponderando ainda o alegado relacionamento entre estes factos e a situação relativa à unidade de cuidados continuados de (...), na qual o Dr. A. exerce as funções de diretor clínico, salienta-se a informação da senhora coordenadora da ECR que, igualmente, se remete (Doc. 4).
Considerando os dados recolhidos por esta ARS, atendendo à natureza dos factos denunciados que, a serem dados como provados, consubstanciam ilícitos criminais, com implicações financeiras gravosas para o SNS e dado que esta matéria se integra no elenco das prioridades de atuação dessa entidade, vem esta ARS solicitar a intervenção de V. Ex.ª, com vista ao total apuramento dos factos e eventuais responsabilidades.
(…)
Por último, informamos V. Ex.ª que, por deliberação do Conselho Diretivo desta ARS, foi instaurado processo de inquérito, com vista ao apuramento dos factos relacionados com a alegada falta de assiduidade e indevida acumulação de funções por parte do citado médico, também objeto de denúncia”
(cfr. docs. de fls. 6 a 13 do volume I do processo administrativo).
7) Em 01/10/2010 o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde proferiu despacho a determinar a instauração de processo disciplinar contra o A., com fundamento nas alegadas irregularidades em receituário médico e acumulação indevida de funções, processo a que foi atribuído o n.º 32/2010-DIS (cfr. doc. de fls. 6 do volume I do processo administrativo).
8) Em 03/11/2010 foi determinada a junção ao processo disciplinar n.º 32/2010-DIS de uma carta anónima de denúncia, com o seguinte teor:
“Diz-se por aqui que uma Fundação de Saúde (FAAD) tem no seu Presidente o mesmo que opera os doentes, o mesmo que os vigia na noite e nos fins-de-semana, o mesmo que se coloca de escala de prevenção e se faz escalar em Unidades de convalescença. Será tudo ao mesmo tempo? Será tudo na mesma hora? Peculato? Utilização indevida da função para que foi escolhido? E a farmácia que vende para a FAAD será a mesma da família do Presidente?”
(cfr. doc. de fls. 30 do volume I do processo administrativo).
9) Foram juntos ao processo disciplinar n.º 32/2010-DIS documentos (em formato digital) contendo a identificação das receitas relativas à medicação prescrita pelo A. entre 01/11/2009 e 30/04/2010 na URG/SAP de (...) e na Extensão de Saúde do (...), bem como a data do respetivo aviamento/faturação (cfr. doc. de fls. 57 a 59 do volume I do processo administrativo).
10) Foi junto ao processo disciplinar n.º 32/2010-DIS cópia de todo o processo de faturação apresentada pela S., Lda., unidade de cuidados continuados (lar de terceira idade) na qual o A. exerce as funções de diretor clínico, no âmbito da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, referente aos períodos de outubro de 2009 a maio de 2010, bem como de junho de 2010 a fevereiro de 2011 (cfr. docs. de fls. 128 a 311 do volume II e docs. de fls. 351 a 536 do volume III do processo administrativo).
11) Por deliberação de 17/05/2011 do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., foi decidido arquivar o processo de inquérito que fora instaurado contra o A., com base nos fundamentos exarados no relatório de 13/05/2011, no qual se concluiu, quanto à indevida acumulação de funções, que “parece compreensível o entendimento do médico, isto é, que o regime de 35 horas, sem dedicação exclusiva, só por si permite a acumulação de funções, uma vez que este foi o entendimento vigente para os corpos especiais durante bastantes anos”, bem como que “o médico foi advertido da necessidade da autorização, nos termos da lei, tendo-se disposto de imediato a fazê-lo” (cfr. doc. de fls. 323 a 331 do volume II do processo administrativo).
12) Foram juntos ao processo disciplinar n.º 32/2010-DIS DVD’s contendo o receituário prescrito pelo A. entre fevereiro de 2010 e fevereiro de 2011, a faturação apresentada pela S., Lda. relativa aos internamentos e a respetiva listagem nominativa de utentes, referente ao período de junho de 2010 a fevereiro de 2011 (cfr. docs. de fls. 333, 337 e 338 do volume II do processo administrativo).
13) Foram juntas ao processo disciplinar n.º 32/2010-DIS diversas amostras e documentação relativas ao receituário prescrito pelo A. em estabelecimentos públicos, ao receituário de utentes com maior valor nos encargos do SNS, ao receituário de utentes com comparticipação a 100%, à identificação dos utentes com maior n.º de receituário nas três farmácias ligadas ao A., ao receituário prescrito pelo A. na atividade de clínica privada, seja com maiores encargos no SNS, seja com comparticipações a 100% (cfr. documentação constante dos volumes III e IV do processo administrativo).
14) Foram juntas ao processo disciplinar n.º 32/2010-DIS as fichas de identificação dos utentes do SNS e de registo de contactos, a partir de novembro de 2009 (cfr. docs. de fls. 836 a 1056 do volume V do processo administrativo).
15) Nos termos da informação da IGAS n.º 341/2011, de 06/10/2011, procedeu-se à análise e tratamento da informação recolhida no processo de acordo com as seguintes fases: (i) “criação de mapas resultantes da análise e tratamento dos dados relativos à seleção da amostra do receituário prescrito em Instituições do SNS – março, abril e julho”; (ii) “criação de mapas resultantes da análise e tratamento dos dados relativos à seleção da amostra do receituário prescrito em consultório particular e/ou instituições privadas – agosto”; (iii) “criação de mapas resultantes da análise e tratamento dos dados relativos ao cruzamento e à seleção da amostra entre o receituário prescrito em Instituições do SNS e consultório particular e/ou instituições privadas – setembro” (cfr. doc. de fls. 1178 e 1179 do volume VI do processo administrativo).
16) No âmbito do processo disciplinar n.º 32/2010-DIS foram inquiridas diversas testemunhas, a maioria das quais utentes do A. na Extensão de Saúde de (...) (cfr. autos de inquirição de testemunhas de fls. 1375 a 1468 do volume VII do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
17) O A. prestou declarações no âmbito do processo disciplinar n.º 32/2010-DIS (cfr. auto de interrogatório de fls. 1472 a 1475 do volume VII do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
18) Em 01/02/2012 foi deduzida acusação contra o A. no processo disciplinar n.º 32/2010-DIS, da qual constam os factos que lhe são imputados, tendo-se concluído, além do mais, como segue:
“Pela conduta descrita nos artigos 1.º a 12.º, o arguido ao exercer atividade clínica particular em horário sobreposto com o seu exercício de funções públicas, assumindo conduta lesiva do interesse público e patrimonial do Estado em benefício do próprio, no circunstancialismo descrito, violou os deveres gerais de prossecução do interesse público, zelo, lealdade e pontualidade, previstos nas alíneas a), e), g) e j) do n.º 2 e nos n.os 3, 7, 9 e 11 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, materializando a infração disciplinar, de grave desinteresse pelo cumprimento de deveres funcionais e que atenta gravemente contra a dignidade e prestígio da função, subsumível no corpo do art.º 17.º do mesmo Estatuto Disciplinar, punível com a pena de suspensão em abstrato de 90 dias estabelecida na mesma disposição legal e na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º e nos n.os 3 e 4 do art.º 10.º do citado Estatuto.
Pela conduta descrita nos artigos 1.º e 13.º a 17.º, o arguido ao acumular o exercício de funções públicas com funções ou atividades privadas, sem autorização e nem sequer ter solicitado ou requerido a mesma, no circunstancialismo descrito, violou o dever geral de zelo, previsto na alínea e) do n.º 2 e no n.º 7 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, materializando a infração disciplinar, de grave desinteresse pelo cumprimento de deveres funcionais, subsumível no corpo e alínea c) do art.º 17.º do mesmo Estatuto Disciplinar, punível com a pena de suspensão em abstrato de 90 dias estabelecida na mesma disposição legal e na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º e nos n.os 3 e 4 do art.º 10.º do citado Estatuto.
Pela conduta descrita nos artigos 1.º, 18.º a 33.º e 57.º a 66.º, o arguido, no âmbito das suas funções públicas e aproveitando-se das mesmas, ao ter, ilícita e indevidamente, forjado o referido receituário, servindo-se indevidamente de receituário público e da identificação de utentes beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, com a obtenção da comparticipação do SNS/ARS Centro, IP, no preço dos medicamentos, no circunstancialismo descrito, assumindo conduta lesiva dos interesses patrimoniais do Estado, em benefício do próprio e do cônjuge, violou os deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção, zelo e lealdade, previstos nas alíneas a), b), e) e g) do n.º 2 e nos n.os 3, 4, 7 e 9 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, materializando a infração disciplinar, continuada, subsumível no corpo do n.º 1 e na alínea o) deste n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Estatuto, comportamentos que inviabilizam a manutenção da relação funcional, punível com a pena de demissão estabelecida na mesma disposição legal e na alínea d) do n.º 1 do art.º 9.º do citado Estatuto.
Pela conduta descrita nos artigos 34.º a 44.º o arguido, no âmbito da sua atividade clínica particular, ao ter, ilícita e indevidamente, forjado o referido receituário, servindo-se da identificação de utentes beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, com a obtenção da comparticipação do SNS/ARS Centro, IP, no preço dos medicamentos, no circunstancialismo descrito, assumindo conduta lesiva dos interesses patrimoniais do Estado, em benefício próprio e do cônjuge, violou os deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção, zelo e lealdade, previstos nas alíneas a), b), e) e g) do n.º 2 e nos n.os 3, 4, 7 e 9 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, materializando a infração disciplinar, continuada, subsumível no corpo do n.º 1 e na alínea o) deste n.º 1 do artigo 18.º do mesmo Estatuto, comportamentos que inviabilizam a manutenção da relação funcional, punível com a pena de demissão estabelecida na mesma disposição legal e na alínea d) do n.º 1 do art.º 9.º do citado Estatuto.
Pela conduta descrita nos artigos 1.º, 45.º a 56.º, o arguido, no âmbito das suas funções públicas e aproveitando-se das mesmas, ao ter, ilícita e indevidamente, quando em serviço público na Extensão de (...) ou no SAP, do Centro de Saúde de (...), desenvolvido atividade clínica particular, utilizando e prescrevendo receituário público, via eletrónica, em nome de utentes dos referidos Lares do CSPE e CSPL por si aí assistidos no âmbito da sua atividade clínica privada, no circunstancialismo descrito, violou os deveres gerais de prossecução do interesse público, de zelo e lealdade, previstos nas alíneas a), b), e) e g) do n.º 2 e nos n.os 3, 4, 7 e 9 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, materializando a infração disciplinar, de grave desinteresse pelo cumprimento de deveres funcionais e que atenta gravemente contra a dignidade e prestígio da função, subsumível no corpo do art.º 17.º do mesmo Estatuto Disciplinar, punível com a pena de suspensão em abstrato de 90 dias estabelecida na mesma disposição legal e na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º e nos n.os 3 e 4 do art.º 10.º do citado Estatuto.
Pela conduta descrita nos artigos 67.º a 72.º, o arguido, ao não ter procedido a tais registos clínicos, no circunstancialismo descrito, omissões que não lhe eram permitidas e que poderão ser suscetíveis de prejudicar a qualidade de serviços clínicos prestados e a prestar aos utentes, prejudicando também o controle em termos qualitativos e quantitativos da medicação prescrita, violou o dever geral de zelo previsto na alínea e) do n.º 2 e no n.º 7 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, materializando a infração disciplinar, continuada, de grave negligência e grave desinteresse pelo cumprimento de deveres funcionais, subsumível no corpo do art.º 17.º do mesmo Estatuto Disciplinar, punível, em abstrato, com a pena de suspensão em abstrato de 90 dias estabelecida na mesma disposição legal e na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º e nos n.os 3 e 4 do art.º 10.º do citado Estatuto.
Contra o arguido militam as circunstâncias agravantes especiais previstas nas alíneas a), b) e g) do art.º 24.º, não se verificando em seu favor qualquer circunstância atenuante especial prevista no art.º 22.º, ambos do Estatuto Disciplinar”
(cfr. doc. de fls. 1791 a 1811 do volume IX do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
19) Pelo ofício n.º 000620, de 06/02/2012, foi o A. notificado da acusação referida no ponto antecedente e, bem assim, para, querendo, apresentar defesa escrita (cfr. doc. de fls. 1820 e 1821 do volume IX do processo administrativo).
20) Por requerimento que deu entrada na Inspeção-Geral das Atividades em Saúde no dia 22/02/2012, o A., através da respetiva mandatária, requereu a prorrogação do prazo para apresentar defesa escrita, o que foi deferido por despacho do Inspetor-Geral de 23/02/2012 (cfr. docs. de fls. 1825 a 1830 do volume IX do processo administrativo).
21) Por requerimento que deu entrada na Inspeção-Geral das Atividades em Saúde no dia 27/02/2012, o A., através da respetiva mandatária, requereu nova prorrogação do prazo para apresentar defesa escrita, o que foi indeferido por despacho da Inspetora de 28/02/2012 (cfr. docs. de fls. 1840 a 1846 do volume IX do processo administrativo).
22) Em 01/03/2012 o A. requereu junto do Presidente do ACES (...) autorização para acumulação de funções públicas e privadas (cfr. doc. de fls. 2015 a 2017 do volume X do processo administrativo).
23) Através de requerimento que deu entrada na Inspeção-Geral das Atividades em Saúde no dia 06/03/2012, o A. apresentou defesa escrita à nota de acusação contra si deduzida, na qual pugnou pela prolação de despacho de arquivamento, juntando documentos e arrolando testemunhas (cfr. doc. de fls. 1866 a 1906 do volume X do processo administrativo).
24) Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo A. na sua defesa escrita (cfr. autos de inquirição de fls. 2020 a 2061 do volume X do processo administrativo).
25) Em 27/03/2012 foi elaborado o relatório final do processo disciplinar em apreço, com o n.º 73/2012, do qual constam as diligências instrutórias realizadas e a prova recolhida, os factos imputados ao A. na acusação, a apreciação dos argumentos da defesa e da prova produzida, bem como as seguintes conclusões:
“6.1. É de considerar como procedentes e provadas as matérias integrantes das infrações descritas e apreciadas em 3.1., 5.2.3. a 5.2.3.5. e 5.2.7. a 5.2.7.2. supra, consubstanciadas:
- Na violação do dever geral de zelo, previsto na alínea e) do n.º 2 e no n.º 7 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, pela conduta descrita nos artigos 1.º e 13.º a 17.º, no circunstancialismo ali descrito, e que, em síntese, consistiu em acumular o exercício de funções públicas com funções ou atividades privadas, sem autorização e nem sequer ter solicitado ou requerido a mesma, incorrendo na infração disciplinar, de grave desinteresse pelo cumprimento de deveres funcionais, subsumível no corpo e alínea c) do art.º 17.º do mesmo Estatuto Disciplinar, punível com a pena de suspensão em abstrato de 90 dias estabelecida na mesma disposição legal e na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º e nos n.os 3 e 4 do art.º 10.º do citado Estatuto.
- A violação do dever geral de zelo previsto na alínea e) do n.º 2 e no n.º 7 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, pela conduta descrita nos artigos 67.º a 72.º, no circunstancialismo ali descrito, e que, em síntese, consistiu em não ter procedido a registos clínicos nos processos clínicos identificados, designadamente omissão de registos, na sua totalidade ou quase totalidade, das consultas/contactos elencados nas listagens de contacto identificadas (v.g. da observação e avaliação e da medicação/prescrição então efetuada), omissões que não lhe eram permitidas e que poderão ser suscetíveis de prejudicar a qualidade de serviços clínicos prestados e a prestar aos utentes, prejudicando também o controle em termos qualitativos e quantitativos da medicação prescrita, incorrendo na infração disciplinar, continuada, de grave negligência e grave desinteresse pelo cumprimento de deveres profissionais, subsumível no corpo do art.º 17.º do mesmo Estatuto Disciplinar, punível, em abstrato, com a pena de suspensão de 90 dias estabelecida na mesma disposição legal e na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º e nos n.os 3 e 4 do art.º 10.º do citado Estatuto.
6.2. É de considerar como improcedentes as matérias integrantes das infrações, descritas e apreciadas em 3.1., 5.2.2. a 5.2.2.3., 5.2.4. a 5.2.4.6., 5.2.5. a 5.2.5.1. e 5.2.6. a 5.2.6.2.1. que decaem da acusação, à falta de indícios suficientes e bastantes, pelo que deverão ser arquivadas, seguintes:
- A conduta descrita nos artigos 1.º a 12.º, no circunstancialismo ali descrito, e que, em síntese, consistiu em ter exercido atividade clínica particular em horário sobreposto com o seu exercício de funções públicas.
- A conduta descrita nos artigos 1.º, 18.º a 33.º e 57.º a 66.º, no circunstancialismo ali descrito, e que, em síntese, consistiu em, no âmbito das suas funções públicas e aproveitando-se das mesmas, ter, ilícita e indevidamente, forjado o referido receituário, servindo-se indevidamente de receituário público e da identificação de utentes beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, com a obtenção de comparticipação do SNS/ARS Centro, IP, no preço dos medicamentos, assumindo conduta lesiva dos interesses patrimoniais do Estado, em benefício do próprio e do cônjuge.
- A conduta descrita nos artigos 34.º a 44.º, no circunstancialismo ali descrito, e que, em síntese, consistiu em, no âmbito da sua atividade clínica particular, ter, ilícita e indevidamente, forjado o referido receituário, servindo-se da identificação de utentes beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, com a obtenção da comparticipação do SNS/ARS Centro, IP, no preço dos medicamentos, assumindo conduta lesiva dos interesses patrimoniais do Estado, em benefício do próprio e do cônjuge.
- A conduta descrita nos artigos 1.º, 45.º a 56.º, no circunstancialismo ali descrito, e que, em síntese, consistiu em, no âmbito das suas funções públicas e aproveitando-se das mesmas, ter, ilícita e indevidamente, quando em serviço público na Extensão de (...) ou no SAP, do Centro de Saúde de (...), desenvolvido atividade clínica particular, utilizando e prescrevendo receituário público, via eletrónica, em nome de utentes dos referidos Lares do CSPE e CPSL por si aí assistidos no âmbito da sua atividade clínica privada.
6.3. Contra o arguido milita a circunstância agravante especial – acumulação de infrações – prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 24.º do Estatuto Disciplinar, verificando-se a seu favor as circunstâncias atenuantes gerais descritas supra em 5.2.3.4., 5.2.8., 5.2.9. e 5.2.10.
6.4. Quanto à medida da pena
6.4.1. As duas condutas infratoras do arguido consideradas provadas e procedentes em 6.1. supra integram, em abstrato, duas infrações previstas e puníveis nos termos do corpo do art.º 17.º do Estatuto Disciplinar, com a pena de suspensão em conformidade com a acusação deduzida, variando a mesma, ex vi do n.º 4 do art.º 10.º do mesmo Estatuto, entre vinte e noventa dias por cada infração, no máximo de duzentos e quarenta dias por ano.
No entanto, ponderados o preceituado no n.º 3 do artigo 9.º do Estatuto Disciplinar (ou seja, o princípio da unidade da pena) e os critérios enunciados no artigo 20.º do referido Estatuto Disciplinar, tendo em conta a circunstância agravante especial enunciada no ponto 6.3. supra e as circunstâncias gerais ou comuns que mitigam a culpa do arguido enunciadas nos pontos em 5.2.3.4., 5.2.8., 5.2.9., 5.2.10. e 6.3. – a sua personalidade, a natureza do serviço, a categoria profissional do arguido, a sua conduta anterior à matéria em causa e o tratar-se de arguido primário em matéria de infrações disciplinares –, afigura-se-nos de justiça e legítimo e que satisfaz os fins visados pelo direito disciplinar, a graduação da pena, única, em 90 (noventa) dias de suspensão”
(cfr. doc. de fls. 2088 a 2142 do volume XI do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
26) Em 27/03/2012 o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde proferiu despacho de concordância com o relatório final que antecede e determinou a aplicação ao A. da pena de suspensão, graduada em 90 dias (cfr. doc. de fls. 2088 do volume XI do processo administrativo).
27) O A. foi pessoalmente notificado do despacho referido no ponto anterior e do relatório final n.º 73/2012 no dia 28/03/2012 (cfr. doc. de fls. 2155 do volume XI do processo administrativo).
28) Em 10/04/2012 o A. apresentou recurso hierárquico, dirigido ao Ministro da Saúde, da decisão do Inspetor-Geral das Atividades em Saúde, de 27/03/2012, que lhe aplicou a pena de suspensão, graduada em 90 dias (cfr. doc. de fls. 2163 a 2184 do volume XI do processo administrativo).
29) Em 15/03/2013 foi elaborado, pelo Gabinete de Serviços Jurídicos e de Contencioso do Ministério da Saúde, o parecer n.º 67/2013, no qual foram analisados os argumentos apresentados pelo A. no recurso hierárquico, tendo-se concluído pela sua improcedência e pela manutenção do despacho recorrido (cfr. doc. de fls. 2278 a 2293 do volume XII do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
30) Em 23/04/2013 o Secretário de Estado da Saúde proferiu despacho de concordância com o parecer que antecede, negando provimento ao recurso hierárquico e mantendo o ato recorrido (cfr. doc. de fls. 2278 do volume XII do processo administrativo).
31) O A. foi notificado da decisão do recurso hierárquico que antecede no dia 30/04/2013 (cfr. docs. de fls. não numeradas constantes do processo administrativo do recurso hierárquico n.º 124/2012).
32) Por sentença proferida em 23/06/2013 no âmbito do processo cautelar n.º 357/13.3BECBR, que correu termos neste Tribunal, foi decretada a suspensão de eficácia do despacho do Secretário de Estado da Saúde que, negando provimento ao recurso hierárquico interposto, manteve a aplicação ao A. da sanção disciplinar de suspensão, pelo período de 90 dias (cfr. sentença de fls. 246 a 254 do suporte físico do processo cautelar n.º 357/13.3BECBR).
33) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 20/07/2013 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).

IV – Do Direito
Enquadrando a questão controvertida refira-se o seguinte:

O direito disciplinar aqui em análise é predominantemente regulado pelo Estatuto Disciplinar, aprovado pelo DL nº 58/2008, de 9 de Setembro.

Vem interposto recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 15 de maio de 2018, que julgou que o ato punitivo objeto de impugnação (Pena de 90 dias de suspensão), não padece dos vícios e ilegalidades que lhe são imputados, devendo manter-se na ordem jurídica.

Vejamos:

O Recurso interposto, mais do que questionar a decisão recorrida, reitera predominantemente toda a argumentação que havia sido esgrimida em 1ª Instância relativamente ao ato objeto de impugnação, sendo que não é, nem deve ser, esse o objeto e objetivo de um Recurso Jurisdicional.

Como bem se sumariou no Acórdão de 2017-07-07 deste TCAN, proferido no Procº nº 4/14.6BEAVR, “O recurso jurisdicional deve incidir apenas sobre os erros que possam afetar a decisão recorrida, não se reportando a quaisquer eventuais vícios que possam incidir sobre a decisão administrativa objeto de impugnação.
Efetivamente, o objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação e alteração.”

No mesmo sentido se sumariou no Acórdão deste TCAN de 13.12.2019, proferido no Proc.º nº 2809/15.1BEBRG que “O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto da sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá de improceder.”

Recentrando a análise no procedimento disciplinar, diga-se que “(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Almedina, 1971, pág. 37).

O direito sancionatório disciplinar pune os comportamentos que, consubstanciados no caso concreto pela factualidade apurada e definida no procedimento disciplinar, em juízo subsuntivo não integrem as qualidades abstratamente elencadas.

Se é certo que as garantias dos direitos dos arguidos não podem ser vistas, como muitas vezes sucede, como categorias abstratas, formais, tipo pronto-a-vestir, mas como instrumentos concretos cujo conteúdo há de ser conformado em função da natureza e características da matéria disciplinar em causa, o que se pretende é que o arguido em processo disciplinar compreenda o conteúdo da acusação que lhe é dirigida e que dela se possa defender.

Quanto à Fundamentação, pressuposto essencial relativamente a qualquer ato administrativo e por maioria de razão face a matérias punitivas, refira-se que em princípio, apenas no campo decisório pertinente aos atos administrativos lesivos, se coloca a exigência de fundamentação (neste sentido aponta claramente o elenco enunciado no artigo 124º/1 do CPA).

Refira-se desde logo que se não vislumbra que qualquer dos princípios supra enunciados tenha sido incumprido no âmbito do Procedimento Disciplinar em análise, tendo o aqui Recorrente percecionado perfeitamente de que vinha acusado e por que vinha acusado, o que lhe permitiu, aliás, decompor a acusação e contestar a mesma.

Resulta do artigo 127º do Código de Processo Penal, aqui subsidiariamente aplicado, que "salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

No procedimento disciplinar vigora o princípio da livre apreciação da prova por parte do instrutor, atentos os factos integradores da infração disciplinar em questão.

O valor dos meios de prova a atender não está legalmente pré-estabelecido devendo antes ser apreciados de acordo com a experiência comum, com distanciamento, a ponderação e a capacidade critica, na "liberdade para a objetividade"

A decisão administrativa não está isenta da sindicabilidade judicial, sendo que esta se deverá limitar a verificar se a apreciação das provas tem uma base racional, e se o valor das provas produzidas foi adequadamente ponderado, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto e palmar de apreciação.

É naturalmente através da apreciação da fundamentação adotada na decisão que se consegue verificar se a valoração das provas está adequada e suficientemente justificada, de modo a permitir a sua perceção, designadamente, por parte do seu destinatário, por forma a que, se for caso disso, possa reagir.

Atentos os princípios vindos de elencar, e como se afirmou já, não se reconhece que da instrução do procedimento disciplinar decorra de modo patente que o instrutor do processo tenha deixado de apreciar adequadamente toda a prova disponível, por forma a poder propor uma pena disciplinar em correspondência com o desenvolvimento da fundamentação adotada.

Por outro lado, o erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide, designadamente, contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica.

Como se sumariou no Acórdão deste TCAN nº 01708/13.6BEPRT, de 22/09/2017, “o controlo jurisdicional da adequação da decisão aos factos, determina que o Tribunal se não pode substituir à Administração na concretização da medida da sanção disciplinar, o que não impede que lhe seja possível sindicar a legalidade da decisão punitiva, na medida em que esta ofenda critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que saia dos limites normativos correspondentes”.

Em concreto, a sentença recorrida e no que concerne à suscitada prescrição, entendeu como relevante o facto de só através do ofício nº 0331860 de 29/09/2010, o Presidente do Conselho Diretivo da ARS do Centro, IP, ter informado o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde de que tinham sido denunciados factos relacionados com irregularidades alegadamente praticadas pelo aqui Recorrente, em face do que solicitava a intervenção da referida Inspeção com vista ao apuramentos dos factos.

No seguimento do referido oficio, e atentas as anonimamente invocadas irregularidades relativas a receituário médico e acumulação indevida de funções, o Inspetor-geral das Atividades em Saúde proferiu em 01-10-2010, despacho a determinar a instauração de processo disciplinar contra o aqui recorrente.

Assim, conclui o Tribunal a quo, sem censura, que apenas em 29-09-2010 o Inspetor-geral das Atividades em Saúde, teve objetivamente conhecimento das infrações, em face do que só a partir daí seria atendível o prazo de 30 dias para a instauração de Processo Disciplinar, o que determina que, em 1-10-2010, quando foi proferido o despacho de instauração do processo disciplinar, se mostrava o mesmo tempestivo.

Como se discorreu na decisão recorrida, "(...) Julgamos que o A não tem razão quando defende que o conhecimento das alegadas infrações pelos superiores hierárquico ocorreu em 19/04/2010, data em que o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde foi notificado de uma carta anónima enviada à Unidade de Missão para os Cuidados Continuados integrados denunciando a alegada prática de ilegalidades por parte do A
(...)
Note-se que ao conhecimento da falta pela entidade com competência disciplinar, que vem exigido no arts. 6º, nº 2, do ED, não basta o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que os mesmos integram a prática de uma infração disciplinar, tendo de se reportar a todos os elementos caracterizadores da situação de modo a poder efetuar-se uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder sancionador. Ou seja, o conhecimento da falta ou das faltas passíveis de qualificação como infração disciplinar tem de ser um conhecimento já com a sua carga presumível de ilicitude, quando a mesma está efetivamente caracterizada quanto ao modo, tempo e lugar da sua prática. Tal conhecimento produtor de efeitos, por parte da entidade com competência disciplinar, em termos do operar da prescrição, reporta-se à "falta" e não aos "factos", o que quer significar que só o conhecimento dos factos e das circunstâncias de que se rodeiam, suscetíveis de lhes conferir relevância jurídico-disciplinar, releva para efeito da prescrição referida (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19/11/2015, proc. nº 02287/10.1BEPRT, publicado em www.dgsi.pt.
Por conseguinte, uma mera denúncia anónima não é passível, por si só, de levar ao conhecimento do superior hierárquico uma caracterização certa quanto ao modo, tempo e lugar da prática dos factos, não sendo idónea nem segura na formulação de um juízo sobre a relevância disciplinar de atuação do A, não podendo ser por referência a esse momento que se deve fixar o conhecimento da "falta" havida.
Assim, in casu, a factualidade provada revela-nos que o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde só se mostrou efetivamente habilitado a, segundo um juízo de probabilidade, concluir que existia um quadro de atuação circunstancial suscetível de integrar infração disciplinar com a informação que lhe adveio através do ofício nº 31861, de 29/09/2010, do Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Centro, IP, pelo que não se mostra prescrito o direito de instaurar o competente procedimento disciplinar, que foi exercido, como vimos, mediante despacho de 01/10/2010, portanto, dentro do prazo de trinta dias legalmente previsto para o efeito. (...)"

Já no que concerne ao suposto erro na aplicação do direito pelo facto de não ser aplicável aos médicos a disciplina contida na Lei nº 12-A/2008, de 28 de fevereiro, nomeadamente no que se refere à matéria das incompatibilidades, discorreu-se na decisão Recorrida, o seguinte:
"(...)
Isto porque, nos termos do artº. 35º nº 3 do Decreto-lei nº 177/2009, de 04/08 (diploma que estabelece o regime da carreira especial médica, bem como os respetivos requisitos de habilitação profissional), "em matéria de incompatibilidades, impedimentos e exercício de medicina liberal, é aplicável aos médicos integrados na carreira médica o disposto nos artigos 25º e seguintes da lei nº 12-A/2008. de 27 de fevereiro", o que significa que o regime previsto nos art.°s 28º e 29º da referida lei nº 112-A/2008, de 27/02 (diploma que aprovou os regimes de vinculação, de carreiras e de remuneração dos trabalhadores que exercem funções públicas - LVCR), relativo à acumulação do exercício de funções públicas com funções privadas e á necessidade de prévia autorização da entidade competente, é também aplicável aos médicos como o ora A.
É certo que, segundo o nº 4 do mesmo artº. 35º do Decreto-Lei nº 177/2009, de 04/08, "ficam salvaguardadas as situações constituídas ou a constituir durante o prazo de 24 meses, a contar desde a data de entrada em vigor do presente decreto-lei, ao abrigo: a) dos artigos 20º a 22º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de janeiro”: preceitos que permitiam aos profissionais dos quadros do SNS, nos termos da lei, o exercício da atividade privada, desde que dela não resultassem, designadamente em virtude de contrato ou convenção, quaisquer responsabilidades do SNS pelos encargos correspondentes aos cuidados prestados aos beneficiários, sendo que, em qualquer caso, o exercício de atividades exteriores dependia sempre da compatibilidade de horário, do não comprometimento da isenção e imparcialidade do funcionário ou agente e da inexistência de prejuízo efetivo para o interesse público.
No entanto, o A. não beneficia desta cláusula de salvaguarda, porquanto, como decorre da própria letra do preceito, apenas ficam protegidas as situações constituídas ou a constituir ao abrigo dos art.°s 20º a 22º do estatuto do Serviço Nacional de Saúde durante o prazo de 24 meses a contar da data de entrada em vigor do Decreto-Lei nº 177/2009, de 04/08, ou seja, até agosto de 2011.
A este respeito, nada se extrai da factualidade provada quanto à constituição formal de uma situação do A. Ao abrigo daqueles preceitos do estatuto do Serviço Nacional de Saúde, sabendo-se apenas que em 01/03/2012 o A. Requereu junto do Presidente do ACES (...) autorização para acumulação de funções públicas e privadas, portanto, já depois, de decorridos aqueles 24 meses (...).”

É desde logo percetível que a Sentença Recorrida deu já resposta a todas as questões suscitadas pelo Recorrente, o que evidencia que o objeto do Recurso, mais do que a Sentença Recorrida, como é suposto, é antes o procedimento disciplinar que veio a determinar a pena aplicada.

Veja-se igualmente a respeito da suposta falta de fundamentação do ato objeto de impugnação, o que nos diz a sentença recorrida:
"(...)
A exigência legal e constitucional (cfr. arts 268º, nº 3 da CRP) de fundamentação do ato administrativo visa, pois, que os seus destinatários possam compreender o ato praticado e dele discordar, dando a conhecer o iter cognoscitivo e volitivo da Administração e permitindo a defesa do particular, oscilando o grau de exigência da fundamentação em função da natureza do ato administrativo em causa (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10/10/2014, proc. nº 01932/07.0BEPRT, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/10/2014, proc. nº 11329/14, publicados em www.dgsi.pt.
Por conseguinte, apenas estará fundamentado o ato que, por revelar os motivos de facto e de direito que estiveram na sua base, com referência aos normativos aplicáveis, permita compreender as razões que determinaram aquela concreta atuação administrativa.
Julgamos, porém, que o ato impugnado (decisão que negou provimento ao recurso interposto) se encontra devidamente fundamentado, pois que tem por base o teor do parecer nº 67/2013, elaborado, em 15/03/2013, pelo Gabinete de Serviços Jurídicos e de Contencioso do Ministério da Saúde (fundamentação por remissão), do qual constam os necessários elementos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário, o ora A., apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo do mesmo, bem como optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, opção que veio a ser efetivamente exercida nos presentes autos. O mesmo se diga do relatório final do processo disciplinar, de cujo conteúdo é possível extrair os fundamentos de facto e de direito, que estão na base das conclusões no mesmo propostas e com as quais o Inspetor-Geral das Atividades em saúde concordou ao proferir despacho, em 27/03/2012, que determinou a aplicação ao A. Da pena de suspensão, graduada em 90 dias (...)
Acresce que a fundamentação do despacho não tem, por imposição legal, de ser exaustiva, bastando que dê a conhecer as razões factuais e de direito por que se decidiu no sentido adotado no ato e não num noutro sentido possível. Exigência que, portanto, foi cumprida no caso sub judice."

Com efeito, não se poderá afirmar que o ato objeto de impugnação se mostre insuficientemente fundamentado, pois que a destinatário do ato, em momento algum denota desconhecimento relativamente às razões que determinaram a aplicação da pena.

No que concerne à Fundamentação, refira-se que em princípio, apenas no campo decisório pertinente aos atos administrativos lesivos, se coloca a exigência de fundamentação (neste sentido aponta claramente o elenco enunciado no artigo 124º/1 do CPA).

Diz-se “em princípio” com o intuito de salvaguardar uma margem de exceção para casos marginais e atípicos.

Em qualquer caso, é do senso comum que a lei não impõe nem poderia impor a fundamentação da fundamentação (e assim sucessivamente) sob pena de o autor do ato administrativo se ver condenado, como um Sísifo moderno, a rolar o rochedo da fundamentação até à consumação do Tempo. (Cfr. Acórdão do TCAS nº 2303/99 de 09/01/2003).

Nas palavras de Marcello Caetano (Manual, I, nº 197): “Não interessa ao jurista conhecer quaisquer motivos da vontade administrativa, mas tão-somente os motivos determinantes, aquelas razões de direito ou considerações de facto objetivamente consideradas, sem cuja influência a vontade do órgão administrativo não se teria manifestado no sentido em que se manifestou”.

A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal do ato administrativo, exigindo-se que, perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, um destinatário normal possa ficar a saber por que se decidiu em determinado sentido.

Como ficou dito no Acórdão do STA nº 762/02, de 19 de Fevereiro de 2003, “…a fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.”

É, por isso, um conceito relativo, que depende de vários fatores, designadamente do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de tudo aquilo que possibilite aos seus destinatários ficar a saber a razão de ser dessa decisão.

Por outro lado, mas no mesmo sentido, refere o art. 125º do CPA que “a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato”.

Aqui chegados, importa sublinhar que a fundamentação adotada deve ser suficiente para convencer (ou não) o particular e permitir-lhe o controlo administrativo e/ou contencioso do ato lesivo dos seus direitos ou interesses juridicamente protegidos.

Relativamente à alegada alteração substancial da acusação, refere-se, mais uma vez sem censura na Sentença Recorrida o seguinte, que aqui se ratifica:
"(...)
Por um lado, a matéria objeto do processo disciplinar nº 32/2010-DIS, aqui em causa, conforme decorre do respetivo despacho instaurador, prende-se com a continuação de uma prática pelo A. que foi denunciada em nova exposição anónima datada de 19/04/2010, necessariamente posterior aos processos que tenham sido iniciados em momento anterior, pelo que não se verificam julgamentos sucessivos nem existem decisões contrárias relativas aos mesmos factos. Trata-se de processos distintos, iniciados com base na imputação de nova factualidade (continuada) que foi sujeita à respetiva instrução.
Ademais, no âmbito do processo disciplinar nº 32/2010-DIS, não se verificou qualquer alteração substancial da acusação que impusesse a notificação do A para apresentar defesa quanto à nova factualidade.
Pelo contrário, resulta da factualidade provada que o A foi devidamente notificado da acusação contra si deduzida e, bem assim, para apresentar defesa escrita, faculdade que veio a exercer, pelo que foram respeitadas todas as suas garantias de defesa e o correspondente direito de audiência em face do teor da acusação proferida (...). Mais decorre do relatório final que ao A foi imputada a prática de menos infrações do que aquelas que lhe tinham sido imputadas na acusação (...)."

No que concerne já à imputação recursiva, de acordo com a qual, não foi considerado no processo disciplinar, que o Recorrente exerce funções no Centro de Saúde de (...) e que trabalha em regime de 35 horas, sem dedicação exclusiva, exercendo funções privadas, desde 1984, o que era do conhecimento de toda a estrutura dos serviços de saúde, o que significaria que face ao número de horas prestadas e consultas realizadas, não lhe poderia, designadamente, ser imputada violação do dever de zelo.

Correspondentemente, afirma-se na Sentença Recorrida, mais uma vez com acerto que "Neste contexto, entendeu-se que as duas condutas infratoras do A, acima referidas', integravam, em abstrato, duas infrações previstas e puníveis, nos termos do corpo e da al. c) do arts 17º do ED, com pena de suspensão, em conformidade com a acusação deduzida, variando a mesma entre 20 e 90 dias por cada infração, no máximo de 240 dias por ano.
Considerou-se, ainda, que ponderado o nº 3 do art? 9º do ED (ou seja o princípio da unidade da pena) com os critérios enunciados do art» 20º do ED, tendo em conta a circunstância agravante especial relativa à acumulação de infrações e as circunstâncias gerais ou comuns que mitigam a culpa do arguido - a sua personalidade, a natureza do serviço, a categoria profissional do arguido, a sua conduta anterior à matéria em causa e o tratar-se de arguido primário em matéria de infrações disciplinares - , era justo e legítimo, satisfazendo os fins visados pelo direito disciplinar, a graduação da pena, única, em 90 dias de suspensão (...).
Ora, atento o exposto, julgamos que toda a prova coligida no âmbito do processo disciplinar, analisada à luz das regras da experiência comum, fundamenta, de forma clara e objetiva, a conclusão de que o A praticou, de forma voluntária e consciente, os factos que lhe foram imputados, não se descortinando qualquer erro na avaliação da prova produzida em sede de instrução que pudesse levar a uma conclusão diferente.
O processo disciplinar foi instruído com rigor, não tendo sido preteridas quaisquer garantias de defesa do A e tendo sido realizadas várias diligências instrutórias para sustentar, com solidez, a imputação ao A das duas infrações por violação do dever de zelo.
O facto de o A exercer funções privadas, pelo menos, nas circunstâncias invocadas no processo disciplinar (ou seja, sem autorização), desde 1984, o que seria do conhecimento de toda a estrutura dos serviços de saúde, não o exime da constatação de que, efetivamente, vinha acumulando o exercício de funções públicas com funções ou atividades privadas sem autorização e sem sequer ter solicitado ou requerido a mesma, nos termos legalmente impostos, sendo indiferente que fosse essa a prática habitual do A., do conhecimento geral.
E os restantes argumentos avançados pelo A para alicerçar o erro nos pressupostos de facto da decisão impugnada não permitem afastar a conclusão de que a factualidade com base na qual o mesmo foi punido está assente em prova sólida e devidamente avaliada, produzida no âmbito do processo disciplinar, pelo que inexiste qualquer erro (grosseiro) na avaliação dessa prova e na interrupção dos factos descritos ao A, tal como constam da acusação e do relatório final do procedimento disciplinar.
Não temos dúvidas de que, perante a factualidade apurada e provada no processo disciplinar, o A incorreu em violação do dever de zelo, previsto na alínea e) do nº 2 e no nº 7 do arts 3º do ED, não havendo, por isso, qualquer erro na interpretação dos factos, erro na apreciação da prova e/ou erro de julgamento de apontar á decisão punitiva (e bem assim à decisão que indeferiu o recurso hierárquico), nem ocorrendo qualquer vício de violação de lei neste ponto nem violação do princípio da presunção de inocência.”

No que respeita à invocada omissão de pronúncia do parecer que suporta o despacho objeto de impugnação, refere-se na decisão Recorrida:
“(...)
Com efeito, temos para nós como certo que os factos praticados pelo A. assumem, como se concluiu no relatório final, grave negligência ou grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais, sendo que, ao invés do referido pelo A foi efetivamente tido em conta, conforme legalmente prescrito, o concreto circunstancialismo que rodeou a questão relativa à acumulação de funções e dos registos clínicos, com ponderação, aliás, das circunstâncias gerais ou comuns que mitigavam, in casu, a culpa do A, tais como a sua personalidade, a natureza do serviço, a sua categoria profissional, a sua conduta anterior à matéria em causa e o tratar-se de arguido primário em matéria de infrações disciplinares.
Razão pela qual a pena de suspensão por 90 dias se revela, nessa medida, proporcional e adequada às infrações imputadas ao A, conjugadas coma circunstância agravantes especial decorrente da acumulação de infrações (que o A., em bom rigor, não contesta) e com as circunstâncias gerais que mitigam a culpa pelo que nenhuma censura há a apontar, neste segmento, à decisão recorrida.
(...)".

O precedentemente abundantemente transcrito da Sentença Recorrida permite demonstrar que a Sentença Recorrida já havia abordado e decidido com acerto todas as questões que o Recorrente se limita a retomar nesta instância, não tendo logrado demonstrar que tal abordagem padecesse de alguma irregularidade ou insuficiência ou merecesse qualquer censura.

Aqui chegados e em síntese, e para que não possam subsistir quaisquer duvidas, importa reafirmar que a Sentença Recorrida assentou predominantemente nos seguintes factos e circunstâncias, atenta a matéria dada como provada:
- Em 01-10-2010, foi proferido o despacho de instauração do procedimento disciplinar, momento em que ainda não tinham decorrido os de 30 dias previsto para o efeito, nos termos do artº 6º, nº 2 do ED, uma vez que apenas em 29-09-2010, o Inspetor-Geral das Atividades em Saúde teve conhecimento das infrações;
- É aplicável aos médicos a disciplina contida na Lei nº 12-A/2008, de 28 de fevereiro, porquanto, nos termos do artº 35º, nº 3 do Regime da Carreira especial Médica, aprovado pelo Decreto-lei nº 177/2009, de 4 de agosto, em matéria de incompatibilidades, impedimentos e exercício de medicina liberal é aplicável aos médicos o disposto nos artigos 25º e seguintes da lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, diploma que aprovou o Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remuneração dos trabalhadores que Exercem Funções Públicas;
- O ato objeto de impugnação está suficientemente fundamentado, por assentar no precedente Parecer nº 67/2013, de 15 de março, o qual contém toda a necessária fundamentação tendente a percecionar o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido;
- Não existem julgamentos sucessivos, nem decisões contrárias ou contraditórias, relativamente aos mesmos factos, uma vez que a matéria objeto do processo disciplinar nº 32/2010-DIS, aqui em causa, assenta, nomeadamente, na circunstância do Recorrente manter o comportamento prevaricador que havia determinado a originária participação anónima, a qual veio a ser reafirmada em nova participação em 19-04-2010;
- O facto de o aqui Recorrente, exercer confessadamente funções privadas, sem autorização, desde 1984, não faz com que tais factos se convalidem em atos lícitos, pois que tal acumulação continua a constituir uma atuação irregular, independentemente do alegado conhecimento por parte da estrutura dos serviços de saúde.

Já se discorreu, em conformidade com a decisão proferida em 1ª Instância, no sentido de se não ter verificado a invocada prescrição, pois que, como reiteradamente se afirmou, apenas em 29-09-2010, foi possível formular um juízo de probabilidade sobre os factos e circunstâncias em que se tinha verificado a infração disciplinar, e correspondentemente o seu conhecimento por parte da entidade disciplinarmente competente.

Com efeito, é incontornável que o referido prazo prescricional só poderá correr após o conhecimento por parte do titular do poder disciplinar, de todos os factos, circunstâncias relevantes, não se bastando para tal uma mera suspeita não suficientemente objetivada, concretizada e pessoalizada.

Como se sumariou no acórdão do STA nº 02017/02 de 20-03-2003, “O prazo de prescrição consignado no nº 2, do artº 4º do ED. reporta-se à data do conhecimento da infração pelo dirigente máximo do serviço.
Não releva aqui o mero conhecimento de uma certa materialidade dos factos mas o momento em que o dirigente teve conhecimento de tais factos em termos de os poder enquadrar como ilícito disciplinar.”

Adotando o referido entendimento, mostra-se que o procedimento disciplinar foi instaurado tempestivamente, inverificando-se assim a suscitada prescrição.

Do mesmo modo, mostra-se perfeitamente correto o entendimento adotado, de acordo com o qual é aplicável aos médicos, a disciplina contida na Lei nº 12-A/2008, de 28 de fevereiro.

Com efeito, não se reconhece igualmente o imputado erro na aplicação do direito, decorrente do entendimento de que não seria aplicável aos médicos o referido diploma legal, pois que é o próprio nº 3, do artº 35º do Decreto-lei nº 177/2009, de 4 de agosto quem o afirma expressamente: “Em matéria de incompatibilidades, impedimentos e exercício de medicina liberal, é aplicável aos médicos integrados na carreira médica o disposto nos artigos 25.º e seguintes da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.”

Bem andou, igualmente, o Tribunal a quo ao julgar estar o ato objeto de impugnação suficientemente fundamentado, pois que, como reiteradamente se afirmou, assentou o mesmo no prolixo Parecer nº 67/2013, de 15 de março, da Direção de Serviços Jurídicos e de Contencioso desta Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, onde constam com suficiente clareza os elementos de Facto e de Direito que permitem ao aqui Recorrente apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido para sustentação da decisão disciplinar proferida.

Finalmente, e no que respeita ao suposto erro no enquadramento jurídico-disciplinar quanto à omissão de registos clínicos, é manifesto que os elementos probatórios disponíveis se mostram suficientes para evidenciar a existência das imputadas infrações, consubstanciadas na acumulação do exercício de funções públicas com funções privadas, em horários sobrepostos e sem autorização.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença recorrida
*
Custas pelo Recorrente
*
Porto, 19 de fevereiro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa