Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00270/13.4BEAVR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ACTO IMPUGNÁVEL; PROPOSTA; INSTALAÇÃO DE FARMÁCIA; INFARMED; ARTIGO 51º, N.º1, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:Não é impugnável, face ao disposto no artigo 51º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a deliberação do INFARMED que formulou uma proposta ao Secretário de Estado “com fundamento no respeito pelas expectativas criadas pela prática de acto administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, autorize no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do diploma, a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento (conforme o caso) das supra identificadas Farmácias”, ao abrigo do disposto no artigo 6º do Decreto-Lei n.º171/2012 de 01.08. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:T.
Recorrido 1:Ministério da Saúde, e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

T. veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido pela conferência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 22.11.2016, pelo qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de falta de personalidade e capacidade judiciária do Ministério da Saúde no que concerne ao pedido indemnizatório, fundado em responsabilidade civil extracontratual, formulado pela Autora; foi julgada procedente a excepção de inimpugnabilidade da deliberação proferida pelo Conselho Directivo do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, I.P. e, em consequência, foi absolvido o mesmo Réu da instância, tendo sido mantido o despacho reclamado, na presente acção administrativa especial que a Recorrente moveu contra Ministério da Saúde e o Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, I.P., indicando como contrainteressado A., para declaração de nulidade ou anulação do despacho do Senhor Secretário de Estado da Saúde praticado em 02.11.2012, exarado no parecer de 31.10.2012 da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, e condenação dos Demandados à prática dos actos administrativos legalmente devidos e ao pagamento solidário de uma indemnização à Autora por danos morais e patrimoniais.

Invocou, para tanto e em síntese, que a decisão recorrida, na parte objecto de recurso, ou seja, na parte em que foi julgada procedente a excepção de inimpugnabilidade da deliberação proferida pelo Conselho Directivo do INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, I.P. e, em consequência, foi absolvido o mesmo Réu da instância, tendo sido mantido o despacho reclamado, violou o disposto nos artigos 6º do Decreto-Lei nº 171/2012, de 01.08 e 47º, nº 4, e 51º nº 1, estes dois últimos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, concluindo pela impugnabilidade da aludida deliberação.

Os Réus e o Contrainteressado não apresentaram contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Tendo presente que ambos os Réus, Ministério da Saúde e Infarmed, tiveram intervenção no procedimento previsto no artigo 6º do DL 171/2012 de 1 de Agosto, atento o disposto no artigo 47 nº 4 e 51 nº 1 do CPTA, com a redacção em vigor à data da propositura da acção, também a deliberação do Conselho Directivo do Infarmed é um acto administrativo impugnável.

2. O R. Ministério da Saúde defendeu que ambos os Réus tiveram intervenção no procedimento previsto no artigo 6º do DL 171/2012 de 1 de Agosto, e que o Infarmed era a entidade competente para responder ao pedido então apresentado pela A., ora recorrente, no acima identificado processo de intimação para passagem de certidão que correu termos no TAC de Lisboa.

3. A deliberação do Conselho Directivo do Infarmed é um acto administrativo lesivo no seu conteúdo, que produz efeitos na esfera jurídica da A., e sem o qual o despacho do Secretário de Estado da Saúde não teria sido praticado.

4. É pela apreciação de toda a actuação do Infarmed, nela incluída a deliberação impugnada, que melhor se clarifica e fundamenta a procedência da acção e os vícios invocados, porque o Infarmed é a entidade responsável pela prática de todos os actos administrativos que antecedem e culminam na prática dessa deliberação, como aliás exaustivamente descrito e documentado pela A. nestes autos.

5. A deliberação impugnada constitui (visa constituir, é capaz de constituir) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta ( cf. Prof. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa - Lições”, 2011) pelo que é susceptível de impugnação.

6. Só o Infarmed poderia ter praticado o acto em crise, que determina inequívoca e necessariamente a decisão final do procedimento, pelo que a sua absolvição da instância impede a apreciação completa, coerente e aprofundada dos vícios invocados na petição inicial, que inquinam ambos os actos impugnados, e que são ambos lesivos para a esfera jurídica da ora recorrente, considerando a norma legal invocada pelos RR, que é inconstitucional.

7. “Além disso, a própria “eficácia externa”, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos [cfr. conjugadamente arts. 51.º, n.º 1 e 54.º, n.º 1, al. b) ambos do CPTA].

8. Temos, por conseguinte, que para ser contenciosamente impugnável, a decisão administrativa em causa não tem de ser lesiva de direitos ou interesses legalmente protegidos do A., bastando-lhe ter eficácia externa actual, ou, pelo menos, que seja seguro ou muito provável que a virá a ter (cfr., entre os mais recentes, Acs. TCA Norte de 29.05.2008 - Proc. n.º 01006/05.9BEPRT, de 06.11.2008 - Proc. n.º 00864/06.4BECBR, de 27.11.2008 - Proc. n.º 00352/04.3BECBR, de 02.07.2009 - Proc. n.º 00708/07.0BECBR, de 17.09.2009 - Proc. n.º 00132/07.4BECBR, de 29.10.2009 - Proc. n.º 01093/08.8BEVIS, de 06.05.2010 - Proc. n.º 01410/08.0BEBRG, de 28.10.2010 - Proc. n.º 00064/09.1BECBR ). ( in acórdão do TCA Norte, proferido no Processo nº 00386/10.9BEAVR, aos 06-05-2011) ( sublinhado nosso)

9. A deliberação do Conselho Directivo do Infarmed foi , no momento da sua prática, geradora , em si mesma, de efeitos na esfera jurídica da A., e ao tempo em que foi praticada era muito provável que viesse a ter esses mesmos efeitos, manifestamente lesivos dos direitos e interesses legítimos da aqui recorrente, até porque havia sido o mesmo Infarmed a determinar o procedimento concursal inicial de abertura de farmácia na (...), a executar voluntariamente uma decisão judicial superior transitada em julgado e a encerrar a farmácia do contra interessado.

10. Contrariamente ao que foi entendido pelo tribunal a quo, o acto administrativo praticado pelo Conselho Directivo do Infarmed é impugnável, pelo que a absolvição do R. Infarmed da instância consubstancia um erro de julgamento.

11. O presente deve ser julgado procedente, e, em consequência, com o devido respeito, que é elevado, deve o acórdão do tribunal a quo ser revogado na parte em que absolveu da instância o R. Infarmed, por erro de julgamento, e sob pena de violação do disposto nos artigos 47 nº 4 e 51 nº 1 do CPTA, com a redacção em vigor à data da propositura da acção, prosseguindo os autos também contra o R. Infarmed, para apreciação da validade da deliberação praticada pelo seu Conselho Directivo, por ser um acto administrativo impugnável.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

Para a decisão da excepção dilatória da inimpugnabilidade da deliberação do Réu INFARMED são relevantes os seguintes factos provados:

1. A Autora concorreu ao concurso público para instalação de uma nova farmácia no lugar da (...), concelho de (...), ao abrigo da Portaria 936-A/99 de 22.10, cujo aviso de abertura foi publicado no Diário da República, Suplemento, II série, nº 137, de 15.06.2001 – facto não impugnado.

2. Por deliberação de 27.09.2002, o Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, agora INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde IP, foi homologada a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao referido concurso público, conforme aviso publicado no Diário da República nº 240 de 17.10.2002 – documento nº 1 junto com a petição inicial.

3. A Autora ficou classificada em 4º lugar da lista final homologada – facto não impugnado.

4. Em 16.12.2002, intentou no então Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, recurso contencioso de anulação no qual visou a deliberação acima – facto não impugnado.

5. Nesse recurso contencioso indicou como contrainteressados os três primeiros candidatos ao concurso, designadamente o candidato Dr. A., ora Contrainteressado – facto não impugnado.

6. A referida deliberação foi anulada por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 29.11.2004 – facto não impugnado.

7. O Contrainteressado e o INFARMED, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da referida sentença, recurso ao qual foi negado provimento por acórdão proferido em 24.10.2006 – facto não impugnado.

8. A Autora, em 06.02.2007, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, à execução do acórdão acabado de referir, que correu termos no referido Tribunal sob o nº 908-A/2002 – facto não impugnado.

9. O INFARMED, nos referidos autos de execução de sentença, apresentou requerimento no qual referiu não pretender opor-se à execução do julgado, por estar a dar execução ao mesmo, tendo retomado o procedimento de concurso – facto não impugnado.

10. A nova lista de classificação final homologada dos candidatos admitidos ao referido concurso público foi publicada em 15.10.2009, no Diário da República nº 200, Aviso nº 18128/2009 – documento nº 3 junto com a petição inicial.

11. Uma vez publicada a nova lista de classificação final, foi proferida em 09.12.2009 a sentença no processo nº 908-A/02 do TAF de Coimbra, julgando a instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, sentença essa que transitou em julgado.

12. Na nova lista de classificação final, acabada de mencionar, a Autora foi graduada em 2º lugar - cfr. documento 3 junto com a petição inicial.

13. A 1ª Classificada não deu entrada de qualquer documentação relativamente ao processo de instalação da farmácia na (...), no prazo previsto para o efeito – facto não impugnado.

14. Em 16.04.2010 a Autora solicitou ao INFARMED, por escrito, diversas informações.

15. Por ofício de 03.05.2010, o INFARMED notificou a Autora para, em 75 dias, entregar a documentação necessária para instalar a farmácia na (...) cfr. documento 5 junto com a petição inicial.

16. Em 23.03.2011 a farmácia da Autora - “Farmácia (...)” foi vistoriada, tendo sido emitido o respectivo Alvará.

17. Foi deliberado, pelo Conselho Directivo do INFARMED, em 14.04.2011, o encerramento da farmácia do Contrainteressado, localizada na Rua (…), freguesia da (...), concelho de (...) – facto não impugnado.

18- O Contrainteressado requereu, no TAF de Aveiro, providência cautelar de suspensão de eficácia da aludida deliberação, que viria a ser indeferida por acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 05.07.2012 – cfr. documento 6 junto com a petição inicial.

19. Interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo deste último acórdão, não foi a mesma admitida – cfr. documento 7 junto com a petição inicial.

20. O Contrainteressado, através de requerimento datado de 24.09.2012 dirigido ao Presidente do Conselho Directivo do INFARMED requereu fosse submetido ao “…membro do Governo responsável pela área da saúde uma proposta para a autorização da transferência e/ou abertura da farmácia denominada actualmente Farmácia A., sita na Rua (…), freguesia de (...), concelho de (...), distrito de Aveiro, com o alvará 4647, concedido em 24/11/2003, a favor do farmacêutico A., para a localização sita na Rua (…), freguesia de (...), concelho de (...), distrito de Aveiro, nos termos previstos no artigo 6º do DL nº 171/2012, de 1 de Agosto, e da restante legislação e regulamentação aplicáveis, designadamente a Portaria nº 1430/2007, de 2 de Novembro” cfr. folhas1 a 28 do processo administrativo junto aos autos pelo INFARMED.

21. O Conselho Directivo do INFARMED proferiu, em 2510.2012, a deliberação nº 142/CD/2012, da qual se extrai o seguinte:

“Delibera propor à apreciação de Sua Excelência o Secretário de Estado da Saúde que:

1. Em caso de concordância, e com fundamento no respeito pelas expectativas criadas pela prática de acto administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, autorize no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do diploma, a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento (conforme o caso) das supra identificadas Farmácias D., A., do S., N. e M., nos termos e para as localizações desde já indicadas pelos interessados, e melhor constantes da alínea l).

2. Que a autorização referida no número anterior seja concedida sob expressa condição de o local destinado à concretização da abertura, transferência ou manutenção em funcionamento das farmácias respeitar, efectivamente, a condição expressamente imposta pela norma, ou seja, situar-se a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respectivo município” (deliberação impugnada) – cfr. folhas 224/230 do aludido processo administrativo.

22. No dia 31.10.2012 foi elaborado parecer, por Director de Serviços da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, no qual se concluía da seguinte forma:

“6. Por conseguinte, consideramos que a Deliberação do Conselho Directivo do INFARMED, I.P., nº 142//CD/2012, de 25/10/2012, se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito, nos termos do disposto no art. 6º do Dec.Lei nº 171/2012, ao abrigo do qual, caso assim superiormente seja entendido por S. Excelência o Secretário de Estado da Saúde, poderá ser autorizada a referida Deliberação /Proposta em apreço, antes do decurso do prazo de vigência da referida norma, que é de 90 dias, contados a partir de 2 de Agosto, data da entrada em vigor do acima citado diploma legal, sendo que, o termo da vigência e possibilidade de aplicação do presente regime transitório ocorrerá assim em 2 de Novembro.” – cfr. folhas 221/223 do aludido processo administrativo.

23. O Secretário de Estado da Saúde, no dia 02.11.2012, exarou sobre o parecer supra referido despacho com o seguinte teor:

“Autorizo com os fundamentos e nos termos dos pontos 1 e 2 da deliberação do INFARMED” (acto impugnado) – cfr. folhas 221 do aludido processo administrativo.
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III - Enquadramento jurídico. A (in)impugnabilidade da deliberação nº 142/CD/2012, proferida pelo Conselho Directivo do INFARMED, em 25.10.2012.

Entendeu o Tribunal a quo que a deliberação do Conselho Directivo do INFARMED consubstancia uma proposta sem qualquer eficácia externa, não produzindo efeitos jurídicos na esfera da Autora, razão pela qual não é impugnável.

Vejamos.

Determina o artigo 51º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Do acto administrativo impugnável”:

“1 - Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Refere José Carlos Vieira de Andrade, em “As formas principais da actividade administrativa: regulamento, acto, e contrato administrativo, Sumários…Ano lectivo 2009/2010”, nas páginas 35-36:

“No quadro dos procedimentos complexos, devem ter-se em conta:

i) Os subprocedimentos - que podem ser de instrução ou de controlo preventivo, entroncando o seu acto principal, respectivamente, na fase preparatória [proposta, parecer] ou na fase integrativa da eficácia [aprovação];

ii) os procedimentos escalonados ou faseados - com pré-decisões: actos prévios (decidem definitivamente certas condições da decisão global) ou decisões parciais, relativamente à decisão final;

iii) os procedimentos coligados ou conexos - que podem ser paralelos ou sucessivos (sequenciais).”

E na página 22 da mesma obra:

“O conceito adjectivo de acto administrativo: o conceito constitucional de acto lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos como garantia de sindicabilidade judicial efectiva (artigo 268.º, n.º 4, da CRP) e o conceito de acto administrativo impugnável da legislação processual administrativa (artigo 51.º do CPTA) – abrange os actos administrativos com eficácia externa, ainda que inseridos num procedimento, especialmente os capazes de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Assim, quer se trate de um acto simples ou de um acto complexo num procedimento simples ou num procedimento complexo, face ao actual conceito de acto administrativo, será impugnável todo o acto que projecte os seus efeitos na esfera jurídica do destinatário.

No caso concreto o segundo acto impugnado pela Autora, agora em análise, é um acto inimpugnável, porque não dotado de eficácia externa e de potencialidade lesiva. A deliberação do Conselho Directivo do INFARMED é uma mera proposta de decisão, sendo o despacho do Secretário de Estado da Saúde que sobre ela incidiu o acto administrativo com eficácia externa e potencialidade lesiva. Logo, só este é impugnável e não também aquela.

Muito embora a decisão do Secretário de Estado da Saúde exija, para poder ser proferida, a proposta do Conselho Directivo do INFARMED, necessitando para produzir efeitos, da mediação desse acto administrativo, certo é que a referida decisão do membro do governo, entendida como medida unilateral da Administração que produz de forma directa, individual e concreta, efeitos de direito administrativo vinculativos para terceiros é o único acto administrativo impugnável.

É inquestionável a eficácia externa, imediata e directa do 1º acto impugnado, despacho do Secretário de Estado da Saúde, bem como a sua potencialidade lesiva da esfera jurídica da recorrente, e a ausência de eficácia externa e de potencialidade lesiva da aludida deliberação do Conselho Directivo.

Para assim se concluir basta levantar a hipótese de o despacho do Secretário de Estado da Saúde ter sido proferido em sentido inverso ao defendido na proposta desse despacho contida na deliberação do Conselho Directivo do INFARMED. Isso retira qualquer dúvida sobre a inimpugnabilidade desta deliberação.

Acresce que o artigo 6º do Decreto-Lei n.º171/2012 de 01.08, estipula o seguinte:

“Em casos devidamente fundamentados em razões de protecção da saúde pública, de garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população de determinado local ou de respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode, no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do presente diploma, mediante proposta do INFARMED, autorizar a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de uma farmácia, desde que em local situado a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respectivo município.”

Foi o Secretário de Estado da Saúde quem decidiu autorizar a abertura e transferência de uma farmácia do Contrainteressado para freguesia diferente daquela onde a Autora abriu a sua farmácia.

Por isso, a haver decisão lesiva, esta é unicamente da responsabilidade da entidade que decidiu, ou seja, do Secretário de Estado da Saúde.

Muito embora o INFARMED seja a entidade impulsionadora da abertura e transferência de uma farmácia para outra freguesia, o seu acto consiste apenas numa mera proposta, como tal expressa e inequivocamente qualificada no artigo 6º do Decreto-Lei nº 171/2012, de 01.08 e não numa decisão final.

Em síntese, a deliberação do Conselho Directivo do Infarmed não gera, por si, e em si mesma, efeitos na esfera jurídica da Autora.

Reproduzindo um excerto do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 10.03.2012, no processo 1312/14.1 PRT em que também conclui que as propostas não são actos administrativos impugnáveis:

“Estão excluídos do conceito de acto administrativo impugnável os chamados actos instrumentais que intervêm como auxiliares da actuação administrativas, os actos meramente preparatórios (propostas, informações, pareceres, relatórios, etc…) – cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, páginas 342 e seguintes; Rogério Soares, Direito Administrativo (Lições), páginas 100-101, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 269 e seguintes.”

Reproduzindo ainda um outro excerto do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.03.2016, no processo 2214/11.9BEPRT:

“Importa ainda reter o que na jurisprudência se tem decidido sobre este tema, da impugnabilidade dos actos administrativos, a título meramente exemplificativo e sem qualquer preocupação de exaustão:

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, no processo 0140/09 (sumário):

“I - Hoje, face ao artº 51º, nº 1 do CPTA, a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.

II - Assim, torna-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo).

III - Assim, qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, i.e. tenha eficácia externa.

(…)”.

Em conclusão, a deliberação do INFARMED não tem eficácia externa, já que não oferece a susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere, por ser uma mera proposta.

Pelo que a mesma é inimpugnável.

Não merece, pois, provimento, o presente recurso jurisdicional, pelo que se mantém, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 19.06.2020


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco