Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02153/15.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/28/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:ENCARGOS FINANCEIROS
METODOLOGIA DE AFECTAÇÃO ÀS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
ERRO NOS PRESSUPOSTOS
Sumário:O método de afetação dos encargos financeiros às participações sociais sancionado no ponto 7 da circular 7/2004, de 30 de março não se conforma com o comando legal inserido no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:E..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “E…, SGPS, S.A.”, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º3182201404003900 e o acto de liquidação adicional de IRC, relativo ao exercício de 2010, objecto dessa reclamação.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.446).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:

A. Na apreciação da douta sentença recorrida e explanação do relatório inspectivo refere na sua fundamentação que foi aplicada a fórmula constante da Circular 7/2004 de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC para apuramento do valor dos encargos financeiros
B. O regime previsto no nº 2 do art.º 31º do EBF introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, veio alterar o regime fiscal aplicável às mais-valias e às menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR consagrado no art.º 31º do EBF, dispondo o n.º 2 deste preceito que "as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades".
C. A desconsideração como custos dos encargos financeiros para efeitos de determinação do lucro tributável consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que “se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis” (cfr. Freitas Pereira, “ A periodização do lucro tributável”, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 360 Janeiro-Março de 1988, pág 140)
D. Assim o princípio disposto no art. 23º do CIRC, estabelece que se consideram “ custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”
E. Ora havendo a necessidade de expurgar estes encargos financeiros, do lucro tributável, quando foram incluídos como custos dedutíveis fiscalmente na declaração de IRC da impugnante, encontram-se sérias dificuldades de contabilizar estes encargos proporcionalmente às partes de capital detidas pelas sociedades.
F. O tratamento fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais, apenas permite a sua dedutibilidade, para efeitos do apuramento do lucro tributável, quando se verifique a condição de as participações para cuja aquisição os mesmos foram incorridos, serem transmitidas antes de decorrido um ano após a sua aquisição, regime este que constitui uma excepção ao regime geral da dedutibilidade de custos, previsto na alínea c), no nº 1, do art. 23° do Código do IRC.
G. O cerne da questão prende-se quanto ao momento em que se deve proceder ao ajustamento fiscal relativo aos encargos financeiros suportados (acréscimo ao RL na declaração modelo 22).
H. Assim foram consideradas em termos de adequação conforme Parecer n.°42/2003, elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais, que serviu de base à Circular 7/2004 de 30 de Março , três hipóteses:
Ø Sendo a primeira a acima configurada, isto é, proceder ao ajustamento independentemente de se considerarem já reunidas as condições para a aplicação do regime especial da tributação das mais-valias, efectuando-se a posteriori a correcção desses custos, considerando custos fiscais a totalidade dos encargos suportados a partir do primeiro exercício após 01.01.2003, caso não se venham a cumprir as condições para a alienação do nº 2 do art. 31º;
Ø A segunda, efectuar a correcção no 1º exercício em que se verificassem todos as condições para aplicação do regime, devendo o ajustamento corresponder à totalidade dos encargos financeiros suportados a partir do primeiro exercício iniciado após 01.01.2003;
Ø A terceira, seria efectuar as correcções aos encargos (desconsideração dos custos por acréscimo ao RL) apenas no exercício da alienação das participações.
I. Pelo que atendendo a que, em regra, as participações detidas pelas SGPS reunirão, no momento da alienação, os requisitos necessários para beneficiar do regime e que a solução que melhor se coaduna com a regra básica em matéria de imputação temporal de custos (ao exercício em que são incorridos) concluiu-se que o melhor critério seria o da primeira hipótese em que o ajustamento ao LT quanto aos encargos financeiros suportados com a aquisição das participações que sejam susceptíveis de beneficiar do regime do nº 2 do art. 31º do EBF, sejam efectuados no exercício em que são incorridos, independentemente de se encontrarem ab initio, já reunidas as condições para a aplicação do regime.
J. Assim, o método a utilizar para a afectação dos encargos financeiros associados a cada uma das participações sociais, deve ser um método indirecto, porquanto o recurso a um método de afectação directa ou especifica apresenta dificuldades insuperáveis na sua concretização prática, as quais decorrem das próprias características da moeda, designadamente a da fungibilidade, esta característica torna extremamente difícil de implementar qualquer método de afectação directa ou específica, na medida em que poderá ser muito difícil determinar, por exemplo, qual a aplicação específica dos capitais obtidos através de um determinado empréstimo.
K. O método a utilizar no cálculo dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, proposto na Circular 7/2004, encontra-se justificado no facto de a concretização prática de uma possível afectação directa se apresentar extremamente difícil, ou mesmo impossível, não sendo fácil determinar qual o efectivo destino dos fundos provenientes dos empréstimos contraídos. Estes factores ditaram à emissão das instruções administrativas que têm vindo a ser mencionadas, em que a solução preconizada é a que melhor se adequa à situação, pois, permite estabelecer a correlação entre os encargos suportados e os proveitos ou ganhos com os quais estão associados.
L. Os encargos financeiros que tenham sido suportados com a aquisição de participações sociais não concorrem para a formação do lucro tributável nos mesmos termos das mais ou menos valias realizadas, trata-se da imputação do encargo ao regime fiscal aplicável ao resultado da operação para a qual foi assumido.
M. Ao sujeito passivo compete, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efectivo, deve este efectuar o acréscimo tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, os encargos suportados com a aquisição das participações sociais, sendo certo que, ninguém melhor do que o próprio sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais e, se o não faz, apenas confirma os pressupostos que estiveram na base do estabelecimento da instrução administrativa (de se mostrar extremamente difícil de implementar qualquer método de afectação directa ou especifica, na medida em que poderá ser muito difícil determinar, por exemplo, qual a aplicação específica dos capitais obtidos através de um determinado empréstimo).
N. Da Circular não resulta, que se desconsidere a natureza efectiva dos encargos, o momento em que esses encargos foram incorridos, desvirtuando a realidade dos factos praticados, conduzindo a resultados contrários à lei.
O. Nem a Circular incorre em errada interpretação da Lei fiscal, e consequentemente violação da Lei, uma vez que a mesma não restringe a aplicação da Lei fiscal em momento algum, nem desconsidera o objectivo último prosseguido pelos encargos financeiros.
P. A actuação da AT decorreu do normativo legal já aqui largamente referido, socorrendo-se da circular apenas para aferir do método de cálculo, sem que por esta via fosse beliscado o âmbito da incidência real legalmente estabelecido, nem desvirtuado o texto legal.
Q. Os critérios e método propostos para efeitos de determinação dos encargos financeiros, caracterizam-se pela objectividade, adequação e razoabilidade face às dificuldades que a adopção de um método de afectação directa e específica traria aos sujeitos passivos, tal como, aliás, se encontra expressamente referido no ponto 7 da Circular 7/2004.
R. Assim foram explicitadas as razões pelas quais se mostraram de extrema dificuldade a utilização de um método de afectação directa, que levaram a AT a optar pelo método constante da Circular 7/2004.
S. Pelo que, por todas as razões anteriormente expostas, a AT estava legitimada a desconsiderar os custos contabilizados no montante de € 172 665,376, por considerar que tal montante respeitava a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital indevidamente considerados como custo fiscal, demonstrando através do método de cálculo da Circular 7/2004, com a devida identificação das partes de capital adquiridas.
T. Pelo que a sentença encontra-se viciada de erro de julgamento da matéria de facto e apreciação e valoração da prova, não podendo manter-se na ordem jurídica.

Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes «Conclusões:

i. Como resulta da douta sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu, nomeadamente, que a Administração Fiscal (AF) não logrou demonstrar que os valores a que chegou se referem a efetivos encargos financeiros com a aquisição de participações sociais.

ii. Foi com base no referido juízo, no apuramento dos pressupostos factuais que o mesmo encerra, e na subsunção dos mesmos à fatispecie normativa, que o Tribunal a quo arribou a conclusão de que a liquidação deveria ser anulada.

iii. Lidas as conclusões do recurso em causa - as quais circunscrevem o seu objecto - não se vislumbra que tenha sido alegada pela Fazenda Pública qualquer vício da douta sentença recorrida que imponha a revogação do segmento supra citado.

iv. Como é sabido, no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, a AF actua no uso de poderes vinculados e, por isso, submetida ao princípio da legalidade, pelo que lhe cabe, portanto, o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas em causa.

v. Ao invés do pretendido pela Recorrente, cabia à AF o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova sobre a possibilidade de proceder à liquidação com base em meras correcções aritméticas, externando os elementos de facto que a levaram a concluir nesse sentido, sabido que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador e que a determinação directa da matéria colectável não pode alicerçar-se em meras suspeitas ou suposições – para mais baseadas numa Circular.
vi. Assim, como decidido pelo Tribunal a quo, se a AF pretende corrigir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, deveria demonstrar, como é óbvio, que os encargos que corrige estão relacionados com a efectiva aquisição de participações sociais.

vii. E o Contribuinte não tem qualquer obrigação de fazer a prova de facto negativo: que os encargos em causa não foram suportados com a aquisição de participações sociais, e tampouco tem a obrigação de demonstrar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos invocados pela AF .

viii. Como resulta dos autos, a AF procedeu a correcções à matéria tributável, por concluir que o sujeito passivo não procedeu a qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com aquisições de partes de capital.

ix. A Recorrente pretende imputar ao Contribuinte a obrigação de demonstrar os motivos pelos quais não procedeu ao referido acréscimo – o que constitui uma uma verdadeira falácia, porquanto é a AF que acresce encargos financeiros que considera suportados com a aquisição de partes de capital, sem identificar os respectivos financiamentos nem, tampouco, as partes de capital supostamente adquiridas por recurso aos mesmos.

x. Por outro lado, tal juízo falacioso é igualmente demonstrado pela aplicação, para a determinação dos encargos financeiros supostamente suportados com a aquisição de partes de capital, de uma fórmula aritmética criada pela própria AF e que, portanto, não tem qualquer expressão legal.

xi. No caso dos autos a AF não colocou em causa a falta de verificação dos pressupostos de que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, depende a dedutibilidade dos custos, limitando-se a analisar os balanços a 31 de Dezembro e, mediante uma fórmula aritmética que consta apenas de uma Circular Administrativa, vem, pela aplicação de um método indirecto, determinar o valor dos encargos financeiros que supostamente foram suportados com a aquisição de partes de capital.

xii. Segundo os princípios legais da interpretação das normas tributárias, extrai-se do artigo 32.º n.º 2 do EBF, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que apenas são passíveis de não concorrerem para a formação do lucro tributável de SGPS, os encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital detidas por período não inferior a um ano, que hajam sido objecto de transmissão onerosa (e, por isso, geradoras de mais ou menos-valias) no exercício em questão.

xiii. Como se denota dos autos, a AF não teve sequer a preocupação de aferir se, no exercício em causa, foram efectuadas quaisquer transmissões onerosas de participações sociais (com o consequente apuramento de mais ou menos-valias na alienação dessas participações).

xiv. Como decidido na sentença recorrida, nos autos não resulta minimamente demonstrado, pela AF: (i) a subsunção dos factos tributários (existência de encargos financeiros não dedutíveis) à previsão normativa constante do artigo 32.º n.º 2 do EBF; (ii) que os valores dos encargos financeiros que acresceu ao lucro tributável estavam efectivamente relacionados com a aquisição de participações sociais alienadas no exercício em causa.

xv. A AF não apurou, em concreto, quaisquer encargos financeiros com a efectiva aquisição de quaisquer participações sociais – uma vez que não identificou uma única participação social que haja sido adquirida com recurso a financiamento, nem identificou qualquer financiamento que tenha originado os encargos financeiros que entendeu corrigir.

xvi. O facto de se basear apenas em valores de final do exercício, a 31 de Dezembro, é só por si revelador da inadequação de tal método, quanto ao aspecto temporal – os valores a essa data não revelam os valores de encargos financeiros incorridos ao longo do exercício, tão pouco as aquisições e alienações de participações ocorridas ao longo do exercício.


xvii. Pretende a AF, por via do método de apuramento ditado pela referida circular administrativa, relacionar “passivos remunerados” com a aquisição de participações sociais, presumindo, com base numa mera regra proporcional – e não por via de qualquer imputação específica de encargos concretos com aquisições concretas de participações sociais.

xviii. A AF procede a integração de lacunas da lei fiscal em violação do disposto no artigo 11.º n.º 4 LGT., uma vez que o EBF não estabelece nem prevê a existência de qualquer fórmula matemática, muito menos a formula matemática encontrada pela AF, para o pretenso apuramento da correcção em questão.

xix. A existir alguma correcção, e ainda que a AF demonstrasse que foram suportados encargos com um financiamento contratado para a aquisição de partes de capital - o que não sucedeu - a mesma apenas poderia ter lugar no exercício em que essas participações fossem alienadas, sob pena de violação do princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º n.º 2 do CIRC.

xx. Aliás, a correcta aplicação do artigo 32.º n.º 2 do EBF exige mesmo que este seja conjugado, em particular, com o n.º 3 do mesmo preceito legal – ou seja, que se averigue, designadamente, se as partes de capital foram ou não adquiridas a sociedades com as quais existiam relações especiais, ou se foram adquiridas a residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e se permaneceram, em qualquer dos casos, na titularidade do alienante, durante menos de 3 anos.

xxi. A aplicação de uma circular administrativa para a efectivação da correcção em questão viola o princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado em matéria tributária, com inerente violação do artigo 103.º n.º 2 e 165n.º1 i) da CRP.

xxii. Ao presumir pretensos encargos financeiros relacionados com a aquisição de participações sociais, tendo meramente por base fórmulas matemáticas constantes de uma circular administrativa, viola o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real, previsto no artigo 104.º da CRP.

xxiii. Na informação n.º 880/2008, da Direcção de Serviços do IRC, que deu origem à Circular em causa, a AF confessa que: «(…) deverá ser sempre utilizado o método indirecto acima referido para o cálculo dos encargos financeiros que não serão dedutíveis para efeitos fiscais (…).» - sendo que a aplicação de qualquer método indirecto nesta matéria está legalmente condicionada às situações consagradas nos artigos 87.º a 89.º-A da LGT, cumprindo-se o disposto nos artigos 90.º e 91.º da LGT.

xxiv. Uma interpretação do artigo 31.º n.º 2 do EBF que desconsidere os encargos financeiros “por atacado”, sem considerar, efectivamente e de facto, a finalidade concreta para que foram contratados os subjacentes financiamentos, padece de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação segundo rendimento real – como é entendimento da nossa doutrina e jurisprudência.

TERMOS EM QUE, com a falta de provimento do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida ser mantida no ordenamento jurídico, assim se cumprindo a Lei e se fazendo
JUSTIÇA!»

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 684.º, n.º3 e 685.º-A.º, n.º1 do CPC aplicável), a questão central a resolver reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que a AT não se encontrava legitimada a corrigir os custos contabilizados pela impugnante com encargos financeiros no valor de 172.665,37€ por considerar que tal montante respeitava a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital indevidamente considerados como custo fiscal nos termos do disposto no n.º2 do art.º31.º do EBF, sem demonstrar essa mesma afectação e sem identificar as partes de capital adquiridas.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:

«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) No cumprimento da ordem de Serviço n.º OI201200324 foi efectuado procedimento inspectivo à E… SGPS, SA, tendo sido efectuadas correcções à matéria colectável de IRC do exercício de 2010 no montante de €174.525,21 e elaborado relatório em 13.12.2012 de onde decorre o seguinte: “(…) III – Descrições dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

III – Encargos financeiros
1. No apuramento do Lucro Tributável não foi efectuado qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina a segunda parte do nº 2 do artº 32º do Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF). (…) 3. No que concerne ao regime fiscal aplicável aos encargos financeiros previstos no artigo acima citado, a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de serviços de IRC, vem sancionar o seguinte entendimento: (…) 4. Utilizando a referida fórmula elaboramos os cálculos a seguir enunciados no sentido de calcular o valor de encargos financeiros suportados pela “E… SGPS SA” com as aquisições de partes de capital: (…) (8) De acordo com a Circular 7/2004, o primeiro passo do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais é imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, pelo que, no caso em análise os passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados são €278.356.025,49.

(9) O valor dos passivos remunerados imputáveis aos activos não remunerados obtém-se por subtracção ao total dos passivos remunerados do valor imputado anteriormente aos activos remunerados.
(10) Após obter o valor dos passivos remuneráveis imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados) apuramos de forma proporcional o valor dos passivos imputáveis às partes de capital (Custo de aquisição) (…)
5. Face ao exposto, o sujeito passivo suportou no exercício de 2010, a título de encargos financeiros com a aquisição de participações o valor de €172.665,37. De acordo com o estabelecido no nº 2 do artº 32º do EBF os mesmos não concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que deverão ser desconsiderados como custos fiscais.(…)” – cfr. fls. cfr. 35 a 41 do processo administrativo (PA) junto aos autos.
2) Na sequência das correcções descritas em 1) foi emitida em 2.06.2014 a liquidação n.º 2014 8910032254 do exercício de 2010 no montante de €0,00 – cfr. fls. 41 do PA junto aos autos.
3) E… SGPS, SA deduziu em 8.10.2014 reclamação graciosa junto do Director de Finanças do Porto – cfr. fls. 2 a 15 do PA junto aos autos.
4) Sob a reclamação a que se alude em 3), recaiu em 18.05.2015 despacho de indeferimento – cfr. fls. 73 do PA junto aos autos.
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Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

É unânime na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação dos Recorrentes, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282.º, n.ºs 5 a 7 do CPPT e 634.º, n.º5 do CPC, aplicável ex vi do art.º281.º do CPPT.
Analisadas as conclusões da Recorrente constata-se que no ponto T) das mesmas se imputa à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto e apreciação e valoração da prova, mas a verdade é que, como bem salienta o Exmo. Senhor PGA, a Recorrente não aponta onde radica o erro de facto ou a deficiente apreciação e valoração da prova, não especifica quais os factos que, a seu ver, não deveriam ter sido dados como provados ou os que, tendo-o sido, não deveriam ter sido incluídos na matéria assente.

Trata-se pois de alegação não substanciada, nem minimamente fundamentada, não se alcançando qual o segmento fáctico com o qual a Recorrente pretende demonstrar o seu inconformismo, nem são indicados os concretos pontos de facto cuja alteração pretende e os concretos meios probatórios que o suportam.

Em suma, a Recorrente não cumpriu o ónus imposto ao Recorrente nas alíneas a), b), e c), do n.º1 do art.º640.º do CPC quando impugne a decisão relativa à matéria de facto.

E não o tendo cumprido, tal importa, nos termos do referido preceito, a imediata rejeição do recurso no que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Como a jurisprudência o tem vindo a entender, no recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. E servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso- vd., entre outros, o Acórdão do STJ, de 01/10/2015, tirado no proc.º 824/11.3TTLRS.L1.S1.

Como assim, não tendo havido impugnação eficaz da decisão de facto, é com o probatório da sentença que importa avançar na apreciação das demais questões suscitadas.

Como já referimos, a questão nuclear controvertida reconduz-se a saber se a correcção dos custos contabilizados pela impugnante com encargos financeiros no valor de 172.665,37€ por alegadamente se tratarem de custos não dedutíveis nos termos do disposto no art.º31.º, n.º2 do EBF – segundo o qual, os encargos financeiros suportados pelas SGPS com a aquisição de partes de capital de que sejam titulares não concorrem para a formação do lucro tributável – enferma de violação de lei por erro nos pressupostos, nomeadamente, no que respeita à metodologia de correcção utilizada pela Administração tributária.

A sentença, no essencial, discorreu assim:

«Ora, retornando ao caso dos autos e como resulta coligido no acervo probatório, ponto 1), a AT, considerando que ”não foi efectuado qualquer acréscimo referente a encargos financeiros suportados com as aquisições de partes de capital, conforme determina a segunda parte do nº 2 do artº 32º do Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF)”, e considerando de extrema dificuldade a utilização de um método de afectação directa ou específica, sustentada na Circular n.º 7/2004 de 30.03, utilizou uma fórmula que atendeu ao seguinte: 1º imputar os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados por estes concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, 2º Afectar o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
No entanto, não logrou explicitar porque se mostrou de extrema dificuldade a utilização de um método de afectação directa, nem sequer daí decorreu que a AT tenha solicitado à sociedade elementos no sentido de aferir o montante exacto dos encargos suportados para aquisição de partes de capital e/ou se efectivamnete eles existiram, limitando-se a aplicar a fórmula que decorre da sobredita Circular.
Ora, as circulares consistem em orientações administrativas de carácter genérico, através das quais os serviços da administração tributária procedem a uma interpretação de normas tributárias.
Acresce que, como plasmado no nº 1 do artigo 55.º do CPPT, as orientações genéricas visam a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços; e quando emitidas pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário a quem ele tiver delegado essa competência, vinculam a Autoridade Tributária (nº 2), embora o nº 3 do preceito ressalve a sua aplicação exclusiva à AT que procedeu à sua emissão, não sendo conhecida norma que estabeleça que estas se apliquem às relações desta com os administrados.
Parafraseando Casalta Nabais (in Direito Fiscal, 5ª ed., pág. 201), considera este que as circulares são “regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios (…), quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares). É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos actos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos actos da administração tributária deve ser efectuada através do confronto directo com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto”.
Assim, não poderia, sem mais, a AT aplicar a fórmula constante de uma Circular sem que para tal aquela se suportasse em preceito legal, sob pena de violar o principio da tipicidade.
Por outro lado, encontrando-se impedida de proceder à determinação dos encargos de forma directa, teria a AT que ter demonstrado os pressupostos para presumir por meio de uma fórmula que reputou como adequada, tais encargos, não se vislumbrando de que forma a presente situação encontra enquadramento nos preceitos legais que permitem o recurso à determinação indirecta da matéria colectável, supra enunciados.
Ora, neste sentido o TCA Norte decidiu no Acórdão de 15.01.2015, rec. 00946/09.0BEPRT que “pretendendo a ATA desconsiderar os custos contabilizados pela recorrida com fundamento na violação do art.º 31º/2 do EBF deveria demonstrar os pressupostos do seu direito à tributação, ou seja, deveria provar que esses custos não eram legalmente dedutíveis quer porque se realizaram menos valias com a transmissão onerosa de partes de capital detidas há menos de um ano, quer porque foram suportados e contabilizados encargos financeiros com a sua aquisição. Mas em vez dessa prova, a ATA partiu para a desconsideração dos custos contabilizados pela recorrida (sociedade dominante). (…). Podemos dizer que a ATA falhou nos pressupostos da tributação e no método quantificador usado. Falhou nos pressupostos da tributação porque não logrou demonstrar os requisitos factuais legais da sua actuação, como acima se deixou referido. E falhou no método quantificador porque se desvinculou da necessidade de apurar se houve alienação de participações sociais e qual o montante do financiamento usado na sua aquisição. (…) Se o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins, a ATA só poderia mover-se no âmbito de um método que respeitasse a afectação directa ou específica, porque só esse seria compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55º LGT) e que resulta da redação do art. 31º/2 EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas. Ao referir-se a encargos financeiros suportados a lei circunscreve claramente - a nosso ver – que só estes (apurados específica e directamente) são excluídos da tributação (esta é também a interpretação acolhida no douto parecer do Exmo. PGA junto do STA proferido a fls. 849 e segs: «…Ora, decorre da letra e espírito do citado normativo que apenas não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a sua aquisição. O critério a ter em conta para a determinação dos encargos financeiros parece só poder ser o critério da afectação/imputação directa ou real e não o critério indirecto sancionado pela Circular 7/2004. Uma pretensa impossibilidade prática em distinguir os encargos financeiros, efectivamente suportados com a aquisição de partes de capital, dos restantes encargos, salvo melhor juízo, não pode servir de fundamento para a utilização de um critério que aprece não ter qualquer apoio legal…”
Assim, a AT não se encontrava legitimada para desconsiderar os custos contabilizados no montante de €172.665,37, por considerar que tal montante respeitava a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital indevidamente considerados como custo fiscal, sem demonstrar essa mesma afectação e sem sequer identificar as partes de capital adquiridas.
Com efeito, a fórmula enunciada na Circular n.º 7/2004 de 30.03 da Direcção de Serviços de IRC, mais não é do que uma forma de cálculo presuntivo que não decorre da lei. À AT incumbia-lhe determinar os encargos controvertidos por meio de um critério de afectação directa e real.
Concludentemente, não poderia a AT, com recurso a tal fórmula, presumir os encargos financeiros suportados pela aquisição de participações sociais, procedendo o que vem alegado».

Que dizer?

Sobre questão idêntica, já este TCAN se pronunciou no recente Acórdão de 14/09/2017, proferido no proc.º 3464-10.0 BEPRT (ao que se crê ainda inédito), com fundamentos assertivos que merecem a nossa inteira concordância, pelo que nos limitaremos a transcrevê-lo nos segmentos pertinentes para as questões colocadas neste recurso.

E a questão que nos cumpre apreciar tal qual a coloca a Recorrente nestes autos afigura-se simples: não tendo a impugnante, uma SGPS, efectuado no exercício em causa qualquer acréscimo aos encargos financeiros contabilizados tendo em vista desconsiderar os encargos suportados com a aquisição de participações sociais, mostra-se legítima a correcção oficiosa efectuada pela AT ao apuramento do lucro tributável para desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações sociais de acordo com a metodologia de cálculo sancionada na Circular 7/2004, de 30 de Março, com afastamento da afectação/imputação directa?

Escreveu-se no Acórdão deste TCAN a que já fizemos referência, o seguinte:

«…a questão, devidamente colocada, é a seguinte: o método de afetação dos encargos financeiros às participações sociais sancionado no ponto 7 da circular 7/2004, de 30 de março conforma-se com o comando legal inserido no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais?
Numa primeira análise, a resposta seria afirmativa. Porque de uma primeira leitura do n.º 2 do artigo 32.º do referido diploma não resulta a definição de nenhum método de determinação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. E quando o legislador não esgota o tratamento de um determinado regime, deixando em aberto a concretização dos aspetos técnicos da disciplina legal, está a conceder numa certa indeterminação legal e numa consequente margem de apreciação administrativa (e judicial), limitando-se a fornecer as orientações ou coordenadas fundamentais por que se deve orientar o aplicador do direito na concretização dos pressupostos legais (quando a indeterminação reside no conteúdo dos pressupostos de facto ou de direito contidos na norma – indeterminação do conceito ou das situações jurídicas iniciais, definidas ou contidas na hipótese normativa) ou na concretização dos efeitos legais (indeterminação do efeito ou das situações jurídicas finais, normalmente reconduzida aos elementos colocados do lado da estatuição e dirigidos à fixação do quantum da prestação tributária).
Dizendo de uma maneira mais simples, se a lei não define o método de determinação dos encargos financeiros dedutíveis para os efeitos da norma, o método de determinação dos encargos financeiros dedutíveis definido ou utilizado pelo aplicador da lei não pode violar a lei.
Não é esse, porém, o sentido normativo que se retira de uma interpretação teleológica da norma (extraída do relatório do orçamento de Estado para 2003 que, para o efeito, corresponderá ao conteúdo preambular do diploma). Como se referiu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 42/2014, de 9 de janeiro (ponto 14), as razões que presidiram à normação legal foram o alargamento da base tributável, a competitividade fiscal e a moralização fiscal. O alargamento da base tributável, ao inibir a dedução dos encargos financeiros que estavam na base da aquisição das participações sociais. A competitividade fiscal, porque se pretendeu, através da isenção da tributação em IRC das mais-valias realizadas, aproximar o regime nacional de outros modelos reputados mais atrativos. A moralização fiscal, porque a atribuição do benefício fiscal seria contrabalançada pela não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção desses ganhos.
Significa isto que, embora o legislador não tivesse instituído um método de determinação dos encargos financeiros relacionados com as participações sociais, indicou a preferência legislativa por soluções que, sem descurar o alargamento da base tributável, otimizem a competitividade e a moralização fiscais.
Vem ao caso o teor do ponto 15. do parecer do Centro de Estudos Fiscais n.º 42/2003 (inserido a fls. 323 do processo administrativo em apenso) que, pela sua importância, aqui se transcreve: «Assim, consideramos que se deverá optar pela adoção de uma presunção simples vigente nos Países Baixos onde se estabelece que os juros relativos a empréstimos contraídos nos meses anteriores ao da aquisição de uma participação se presumem destinados àquela aquisição, sem prejuízo da possibilidade de a empresa provar que foi outro o destino do empréstimo (…) ou, alternativamente, pela adoção de um método de afetação não específica, baseado numa fórmula. Ora, atendendo quer às dificuldades de execução prática quer às possibilidades de manipulação que inevitavelmente estarão associadas à primeira opção, afigura-se-nos que a escolha deverá recair sobre um método baseado numa fórmula».
O que daqui resulta é que a administração tributária concluiu que o legislador lhe concedeu uma margem de livre decisão que se traduziria na possibilidade de optar por um método de determinação específico, equivalente ao utilizado nos Países Baixos, ou por um método de determinação proporcional ou pro rata, baseado numa fórmula abstrata.
Ora, este tribunal entende que a administração tributária interpretou erradamente a latitude que o legislador lhe concedeu.
Em primeiro lugar, porque a administração renunciou assim a um dos principais objetivos do legislador, que era o de aproximar o modelo português de outros modelos reputados mais atrativos, com destaque precisamente para o modelo holandês.
Em segundo lugar, porque optou por um regime que, não favorecendo a relacionação (direta ou indireta, mas sempre específica) entre os eventuais ganhos com determinados ativos e os encargos necessários à sua obtenção, se distancia também do objetivo de neutralidade e de moralização fiscal visado pelo legislador. Porque se trata de um regime que impõe a imputação proporcional dos ganhos e dos encargos mesmo quando as dificuldades de uma imputação direta pudessem ser superadas. E a imputação proporcional, pela sua abstração e rigidez, não favorece tanto a neutralidade fiscal como a imputação específica. E, ao desconsiderar a possibilidade de a empresa demonstrar o verdadeiro destino do empréstimo (quando essa demonstração seja viável), também não promove a moralização fiscal.
Do exposto decorre que a administração tributária errou ao interpretar o artigo 32.º, n.º2, citado, no sentido de que lhe concedia uma margem de conformação administrativa que incluísse a adoção de um método de imputação proporcional como o que sanciona o ponto 7 da circular 7/2004. E que, por conseguinte, esse método é ilegal. E o ato impugnado, na parte em que se apoia no referido método, é também ilegal».

Assim, o recurso também não merece provimento e a decisão recorrida merece ser confirmada, com a presente fundamentação.

5 - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 28 de Setembro de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro