Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00075/12.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2013
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR; FUNDAMENTOS; MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA;
Sumário:i) Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o despacho recorrido que não tomou conhecimento do mérito da oposição por ter julgado verificado fundamento legal de rejeição liminar da oposição.
ii) Não constitui fundamento de oposição à execução fiscal a nulidade/irregularidade da citação.
iii) O pagamento da dívida exequenda (antes da instauração da execução) e a prescrição constituem alegação de fundamento legal de oposição previstos, respectivamente, nas alíneas f) e d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
iv) Vindo alinhados na petição fundamentos próprios da oposição e outros que o não são, deve o processo de oposição à execução prosseguir para conhecer dos primeiros, uma vez que é o meio próprio para deles conhecer.
v) O indeferimento liminar, com fundamento em manifesta improcedência, só tem justificação em casos extremos, ou seja, quando essa inviabilidade seja irremediavelmente evidente.
vi) Não há lugar à rejeição liminar da oposição com fundamento na sua manifesta improcedência (art. 209.º, n.º 1, alínea c) do CPPT), quando na oposição deduzida se alega que a dívida exequenda se encontra parcialmente paga e da mera consulta dos documentos juntos aos autos não se comprova com a necessária segurança se esse pagamento ocorreu efectivamente ou não e em que momento.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:C..., Lda.
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

C…, Lda., não se conformando com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, ao abrigo do disposto no artigo 209.º, alíneas b) e c) do CPPT, rejeitou liminarmente a p.i de oposição judicial deduzida contra a execução fiscal nº 18101201000243299 e apensos, instaurada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP – Secção de Processo de Viseu, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de cotazições, contribuições e juros de mora, dos anos de 2009 e 2010, no montante total de EUR 9.382,91, dela veio interpor o presente recurso.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, dirigidas a este Tribunal Central Administrativo, formulando as seguintes conclusões:

1. A ora recorrente foi citada que contra si tinha sido instaurada o processo de execução fiscal n.° 1801201000243299 e apensos.

2. A recorrente inconformada apresentou oposição à execução fiscal.

3. Para tanto, alegou a nulidade da citação por não ter sido devidamente acompanhada das certidões de dívida, a falta de conhecimento do método de cálculo dos juros.

4. Em douta sentença proferida pelo Tribunal a quo decidiu-se pela rejeição liminar da presente oposição.

5. Todavia, não pode a recorrente conformar-se com tal indeferimento.

6. Porquanto, e em primeiro lugar, as referidas nulidades são passíveis de prova através de documento.

7. Pelo que, a recorrente juntou cópia da citação efectuada.

8. E, assim, consubstanciando o fundamento de oposição à execução previsto na al. i) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.

9. Sucede que, vem a recorrida posteriormente pretender fundamentar a citação.

10. O que, não é legalmente admissível.

11. Pois, nó processo tributário não é legalmente admissível a fundamentação a posteriori.

12. Pelo que, permanecem intactas todas as nulidades invocadas e que se prendem com a citação efectuada pela recorrida, nomeadamente a falta de fundamentação da dívida, o cálculo do acrescidos e a origem da quantia exequenda.

13. Pelo que, o I. Tribunal a quo tinha de se pronunciar acerca das invocadas nulidades.

14. Para além disso, a recorrente na sua petição inicial requereu a inquirição de duas testemunhas.

15. Contudo, o Tribunal a quo não se pronunciou sequer quanto à diligência de prova requerida pela oponente.

16. Pelo que, houve claramente omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.

17. O que, conduz à nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.

18. E, mesmo que se considere que os fundamentos aduzidos pela oponente não se integram nos admitidos pelo n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo continua adstrito à descoberta da verdade material, de acordo com o disposto no artigo 265.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT.

19. Igualmente, se consideram violados os artigos 58.º e 99.º da LGT, o art. 13.º do CPPT e o art. 625.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º do CPPT.

20. Por outro lado, considera-se na douta sentença, ora em crise, que os fundamentos aduzidos pela oponente não integram os admitidos pelo n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

21. Todavia, havendo erro na forma do procedimento, o artigo 52.º e 98.º, n.º 4 do CPPT determinam que devem ser aproveitadas as peças úteis e ser oficiosamente convolado para a forma adequada.

22. Muito se realce que não se considere que tenha havido erro na forma do processo.

23. Tampouco se considera que se pudesse reagir perante a citação em causa de outra forma que não a oposição à execução.

24. Mais, ao não se admitir à recorrente reagir através de um meio legalmente admissível e adequado está-se a coartar os seus meios de defesa,

25. Acresce que, o Tribunal a quo ao não conhecer um pedido de prova da oponente violou, ainda, o n.° 4 do artigo 268.º da CRP, na medida em que, não foi assegurada a tutela jurisdicional efectiva dos interesses da ora reclamante.

26. Por último, resta realçar que, também em relação à invocada omissão do cálculo de juros, não houve qualquer pronúncia por parte do tribunal a quo.

27. Pelo que, também por aqui se considera que houve omissão de pronúncia da douta sentença de que ora se recorre, violando-se, assim, o artigo 125.º do CPPT.

28. Assim, todas as ilegalidades alegadas em sede de oposição se mantêm e têm de ser conhecidas pelo Tribunal.

Nestes termos e nos melhores de Direito, Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta decisão e substituída por outra que admita a oposição apresentada.



O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

Analisados os fundamentos do recurso, devidamente delimitados pelas respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4, todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), perspectivam-se as seguintes questões fundamentais a decidir:

i) Saber se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, por nada ter sido dito quanto às diligências de prova requeridas pelo oponente na p.i e, bem assim, no facto de o despacho não se ter pronunciado sobre os vícios imputados à citação;

ii) Saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial com base na manifesta improcedência.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Com vista à decisão a proferir, o Mmo. Juiz a quo consignou as seguintes ocorrências processuais, que passamos a subordinar à presente numeração:

Consta dos documentos que a própria Oponente juntou:

1. Que a citação para a execução, datada de 17-11-2010, respeita a dívidas de cotizações e contribuições do ano de 2010 e uma do final de 2009, cfr. doc. de fls. 19 a 22, o que é consentâneo com o ponto 2 da informação de fls. 135, folhas respeitantes, tal como as demais infra referidas, ao processo físico;

2. A Oponente, em resposta, em 09-12-2010, nos termos do artigo 37º do Código de Procedimento e de processo tributário (CPPT) requereu “A NOTIFICAÇÃO DOS REQUISITOS OMITIDOS NA CITAÇÃO”, que foi objecto de indeferimento, comunicado à Oponente, via postal expedida em 07-03-2011, vide docs. de fls. a 29;

3. A Oponente, no dia 08-04-2011, via fax, remeteu a petição inicial que deu origem à presente oposição, cfr 92 e segs e 4 e segs..

4. Em 09-02-2012 foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Analisando conjugadamente a petição inicial com a informação de fls.134 a 136 e docs. que a instruíram (vide apenso constituído por cópias do processo executivo e outras) verifica-se que o alegado ou não constitui fundamento de oposição ou é manifesta a sua improcedência.

Assim, remetendo cópia da aludida informação e esclarecendo que podem ser consultados os documentos instrutores do apenso a estes autos, informe a Oponente da perspectiva do indeferimento liminar para, querendo, se pronunciar.”

5. A Oponente respondeu pedindo a aclaração do despacho “… na medida em que … tudo o invocado … constitui fundamento de oposição e não se revelando manifestamente improcedente.”



II.2. De direito

Vem interposto recurso do despacho proferido, em 25.02.2013, pelo Mmo. Juiz do TAF de Viseu, nos termos do qual se decidiu, em conclusão, que “() os fundamentos invocados, uns não integram o elenco dos admitidos para a oposição, não se perspectivando viável a convolação para eventual reclamação nos termos do art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e outros são manifestamente infundados. Pelo que, sem mais considerandos, nos termos do artigo 209º, nº 1, alíneas b) e c) do CPPT rejeito liminarmente esta oposição”.

O Tribunal a quo identificou os alegados fundamentos (concretamente no segmento do despacho recorrido em que aí se refere “fundamentou a sua posição, em síntese, no seguinte”), por esta ordem: “as certidões que instruíram a citação delas não resulta que a constituição das dívidas estejam fundamentadas; também não se deu conhecimento de como foram calculados os juros de mora, que apenas tem em dívida cotizações respeitantes ao período de 2010/08; a quantia reportada ao mês de Julho de 2002 e Abril de 2005 está prescrita.

Porém, importa referir a título introdutório, que lendo a p.i de oposição resulta que os fundamentos avançados pela oponente, ora Recorrente, foram, primeiro, que da citação “não se vê fundamentada a constituição da dívida” (cfr. art.s 2.º a 15.º), designadamente que “a entidade exequente nem deu conhecimento, à oponente, da forma como foram calculados, inclusivamente, os juros de mora”; segundo, que “não tem quaisquer “cotizações” em dívida referentes a estes períodos, excepto o período 2010/08” (cfr. art.s 20.º a 24.º); terceiro, que “também em relação às contribuições alegadamente em dívida, estas já se encontram pagas à excepção do período de 2010/08” (cfr. art.s 25.º a 30.º); quarto, que o procedimento adoptado pela Exequente é “contrário ao respeito pelo princípio da igualdade das armas no processo fiscal, cuja ratio entronca nos artigos 13.º a 20.º da Constituição” (cfr. art.s 33.º a 39.º); quinto, que “esta irregularidade exprime uma carência reflexiva de força executiva, por os documentos que se deixaram referenciados não cumprirem o artigo 163.º, n.º 1, d) do CPPT” (cfr. art.s 40.º a 43.º); e, quinto, ainda que supletivamente, que “a quantia exequenda já se encontra parcialmente prescrita” (cfr. art.s 44.º e s.).

Ou seja, em síntese e com rigor jurídico, entendemos que da causa de pedir assim descrita, vêm enunciados três fundamentos para a oposição deduzida; a saber: a nulidade da citação, o pagamento (parcial) da dívida exequenda e a prescrição.

Feito esta referência inicial, apreciemos então dos fundamentos do recurso.

Defende o Recorrente que o despacho é nulo por omissão de pronúncia, invocando, para tal, o artigo 125.º do CPPT. Na sua perspectiva, tal omissão de pronúncia consubstanciou-se na circunstância de a decisão recorrida nada ter dito quanto às diligências de prova requeridas pela oponente na p.i e, bem assim, no facto de o despacho não se ter pronunciado sobre os invocados vícios da citação efectuada.

Ora, como é sabido, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões sobre as quais deveria ter-se pronunciado (art.s 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC). Tal nulidade está conexionada com os deveres de cognição do Tribunal, previstos no art. 660.º, n.º 2, do CPC, no qual se estabelece que o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Importa relembrar que a decisão recorrida consubstancia um despacho liminar de rejeição da p.i de oposição por, por um lado, tal como foi entendido, que parte dos fundamentos invocados não se incluíam no elenco taxativo previsto no artigo 204.º, n.º 1 do CPPT, mostrando-se insusceptível de operar a eventual convolação processual, e, por outro lado, quanto ao demais invocado, por se ter considerado que tais fundamentos eram manifestamente improcedentes.

Interpretadas as alegações e respectivas conclusões, parece-nos medianamente claro que, sob a denominação de nulidade por omissão de pronúncia, o que o Recorrente pretende efectivamente atacar é a decisão de rejeição liminar e o juízo que está subjacente à mesma, concretamente no que toca ao erro na forma de processo e à invocada manifesta improcedência dos fundamentos aduzidos. Com efeito, só assim se compreende que o Recorrente dirija a este Tribunal um pedido, não de declaração de nulidade da decisão recorrida, mas sim no sentido de “deve[r] a presente oposição ser recebida, julgada procedente , por provados os fundamentos aduzidos” e, bem assim, que se insurja contra a falta de realização de diligências instrutórias com base nas quais pretende ver reconhecido o bem fundado da sua pretensão.

Portanto, sendo certo que o Tribunal não está vinculado ao nomen juris que as partes atribuem aos vícios da decisão objecto de recurso, pois que, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação do direito (vide, artigo 664º do CPC), temos por seguro que, in casu, daquilo que se trata é, efectivamente, de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando indeferiu liminarmente a petição inicial com base, por um lado, no erro da forma do processo insusceptível de convolação e, por outro, na manifesta improcedência (poderá eventualmente ocorrer erro de julgamento da decisão recorrida, determinante da respectiva revogação, mas não nulidade desta).

É, pois, nesta perspectiva que passaremos a analisar do presente recurso jurisdicional, com o que improcede a suscitada nulidade por omissão de pronúncia.

Continuando, temos que o artigo 209.º, n.º 1, do CPPT indica três motivos de rejeição imediata da oposição: a intempestividade, a não invocação de um fundamento enquadrável no nº 1 do artigo 204.º do CPPT e a manifesta improcedência.

Ora, tendo presente os fundamentos por nós assinalados que constituem a causa de pedir subjacente ao pedido formulado nos autos que é de extinção da execução (v. supra), podemos começar por afirmar que, efectivamente, quanto ao primeiro deles – a nulidade da citação – não constitui fundamento da oposição.

Com efeito, como se concluiu no Acórdão de 10.09.2012 do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no proc. n.º 1075/11, a citação para a execução deve conter os elementos essenciais da respectiva liquidação, de forma a possibilitar o uso de todos os direitos processuais que podem ser exercidos na sequência da citação (oposição à execução, impugnação graciosa ou contenciosa da liquidação donde emerge a dívida), e “se o acto de citação não contiver esses elementos padecerá de nulidade caso se verifique a possibilidade de prejuízo para a defesa do citado, em conformidade com o regime contido na norma do nº 4 do art. 198º do CPC. E, consequentemente, a nulidade da citação decorrente da inobservância das formalidades previstas no n.º 4 do art.º 22.º da LGT, configurando uma nulidade processual, deve ser arguida perante o órgão da execução, cabendo reclamação da decisão que a indefira.

Neste sentido, podem ver-se também os seguintes acórdãos, aliás referidos no acórdão acabado de citar: de 26 de Junho de 2002, no processo n.º 832/02; de 24 de Agosto de 2005, no processo n.º 934/05; de 21 de Maio de 2008, no processo n.º 309/08; de 28 de Maio de 2008 no processo n.º 154/058; de 10 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 1178/09; de 12 de Maio de 2010, no processo n.º 632/09; 26 de Maio de 2010, no processo n.º137/10; de 13 de Outubro de 2010, no processo n.º 4939/10; de 19 de Janeiro de 2011, no processo n.º 1034/10; de 10 de Março de 2011, no processo n.º 42/11; de 21 de Setembro de 2011, no processo n.º 780/11; e de 19 de Abril de 2012, no processo n.º 569/11; de 11 de Julho de 2012, no processo n.º 599/12.

Ou seja, a nulidade da citação não constitui fundamento possível de processo de oposição a execução fiscal (ressalvado o seu conhecimento a título incidental), antes sendo causa de pedir a examinar no âmbito de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, espécie processual prevista no art. 276.º e s. do CPPT. Aliás, e em situação próxima àquela com que nos deparamos face ao alegado pelo Recorrente, de igual modo se concluiu no recente Acórdão do STA de 18.06.2013, proc. n.º 1276/12, que: “A nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo (falta que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. al. b) do nº 1 do art. 165º do CPPT) não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na al. i) do nº 1 do art. 204º deste mesmo Código.

E foi por esta razão que o Mmo. Juiz a quo concluiu que a alegada falta de fundamentação e dos elementos da citação não constituía um fundamento admissível do processo de oposição. Isto para logo após referir que a eventual convolação em processo de reclamação nos termos do art. 276.º e s. do CPPT não se mostrava possível – inútil - uma vez que a petição inicial deu entrada muito para além do prazo de 10 dias que deveria respeitar a reclamação. Neste segmento, o despacho recorrido não merece reparo.

Sucede que no caso dos autos, como já se disse, a então oponente, a par da nulidade/irregularidade da citação, invocou na petição de oposição a prescrição e o pagamento da dívida. Fundamentos esses expressamente previstos nas alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

E o pedido formulado na p.i. de oposição é de que seja julgada “extinta a execução”, o que se apresenta manifestamente como um pedido próprio do processo de oposição. A oposição à execução fiscal visa, em regra, precisamente a extinção do processo de execução fiscal.

Deste modo, tem o processo de oposição à execução fiscal de prosseguir, por terem sido invocados fundamentos de oposição à execução fiscal.

Nesta matéria, referindo-se às situações de cumulação de pedidos, no que é transponível para o caso que nos ocupa, ensina Jorge Lopes de Sousa que é de considerar sem efeito o pedido ou pedidos para o qual o processo não é adequado, seguindo o processo apenas para apreciação do pedido que deva ser apreciado em processo do tipo escolhido pelo interessado (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário - Anotado e Comentado, vol. II, 2007, p. 116 e jurisprudência aí citada).

É certo que quanto aos identificados fundamentos próprios da oposição, concluiu o Mmo. Juiz a quo que eram manifestamente infundados. Conclusão, porém, que já não podemos subscrever.

Na verdade, se se pode aceitar que quanto à arguida prescrição da dívida esta não se verificará uma vez que estamos perante dívidas à segurança social dos finais dos anos de 2009 e 2010, sendo o prazo prescricional de 5 anos e portanto mostra-se insusceptível de se encontrar transcorrido, já quanto ao alegado pagamento da dívida a questão afigura-se controversa.

A ora Recorrente alegou que em relação às contribuições em dívida, estas já se encontravam pagas, à excepção do período de 2010/08 (cfr. art.s 25.º a 30.º da p.i.). E juntou elementos de prova (documental) no sentido de suportar o por si alegado, tal como identifica no art. 29.º da p.i. de oposição.

Ora, considerando que a citação para a execução respeita a dívidas também de contribuições do ano de 2010 e uma do final de 2009 (cfr. o provado em 1. supra) e que do mencionado documento de fls. 22 (“certidão de dívida”) consta, a título de quantias exequendas, para além da dívida que a ora Recorrente reconhece – a referente ao período de 08/2010 – contribuições referentes aos períodos de 04/2010, 05/2010 e 06/2010, haverá então que apreciar se o alegado pagamento ocorreu ou não e, no caso de ter ocorrido, se ocorreu previamente ou após a instauração da execução.

Deste modo se vê que a petição de oposição não poderia ter sido liminarmente rejeitada como o foi.

O indeferimento liminar da petição de oposição, baseado na manifesta improcedência, não pode deixar de constituir uma situação de natureza excepcional, a utilizar com parcimónia, com prudência, já que elimina, ab initio, qualquer expectativa do oponente de ver apreciada e julgada a sua pretensão. É necessário, pois, que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com o preceituado no nº3 do art. 3º do CPC – Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. III, 6ª edição, 2011, pág. 554 (neste sentido o ac. deste TCAN de 23.11.2012 (proc. n.º 77/10.0BEVIS).

Nas palavras do Professor Alberto dos Reis “o juiz só deve indeferir a petição inicial, …, quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial” – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 385.

Daquilo que se trata, como se afirmou no citado acórdão deste TCAN é “no caso previsto no artigo 209º, nº 1 do CPPT, é de perante a análise da p.i de oposição ressaltar de forma absolutamente incontornável, sem margem para dúvidas, que a oposição é inviável, a ponto de se poder concluir que o seguimento do processo não tem qualquer razão de ser”. A improcedência a que alude a alínea c) daquele art. 209.º, deve apresentar-se evidente, palmar, o que, como demonstrado, não acontece no caso em presença, carecendo os autos de actividade instrutória a efectuar em 1.ª Instância.

E assim sendo, entendemos que o juízo de manifesta improcedência da oposição, determinante da sua rejeição liminar, não encontra apoio em razões tão evidentes e tão indiscutíveis que permitam concluir, ab initio, e sem margem para dúvidas, que o prosseguimento dos autos redundaria numa actividade processual absolutamente inútil.

Por conseguinte, o despacho recorrido não pode manter-se, devendo ser revogado, tal como se determinará, com o que procede o recurso.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o despacho recorrido que não tomou conhecimento do mérito da oposição por ter julgado verificado fundamento legal de rejeição liminar da oposição.

ii) Não constitui fundamento de oposição à execução fiscal a nulidade/irregularidade da citação.

iii) O pagamento da dívida exequenda (antes da instauração da execução) e a prescrição constituem alegação de fundamento legal de oposição previstos, respectivamente, nas alíneas f) e d) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

iv) Vindo alinhados na petição fundamentos próprios da oposição e outros que o não são, deve o processo de oposição à execução prosseguir para conhecer dos primeiros, uma vez que é o meio próprio para deles conhecer.

v) O indeferimento liminar, com fundamento em manifesta improcedência, só tem justificação em casos extremos, ou seja, quando essa inviabilidade seja irremediavelmente evidente.

vi) Não há lugar à rejeição liminar da oposição com fundamento na sua manifesta improcedência (art. 209.º, n.º 1, alínea c) do CPPT), quando na oposição deduzida se alega que a dívida exequenda se encontra parcialmente paga e da mera consulta dos documentos juntos aos autos não se comprova com a necessária segurança se esse pagamento ocorreu efectivamente ou não e em que momento.


IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho liminar recorrido e ordenar a remessa dos autos à 1.ª Instância a fim de aí prosseguirem, se nada mais a isso obstar.

Sem custas.

Porto, 31 de Outubro de 2013

Ass. Pedro Marques

Ass. Paula Ribeiro

Ass. Fernanda Esteves