Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01404/22.3BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 06/30/2023 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Ricardo de Oliveira e Sousa |
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Descritores: | INTEMPESTIVIDADE DA PRÁTICA DO ATO PROCESSUAL; NULIDADE/ANULABILIDADE; |
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Sumário: | I- A violação do direito fundamental à segurança social consagrado no art. 63.º da CRP só tem como consequência a nulidade do ato administrativo quando afete, de forma socialmente inaceitável, o direito a uma existência condigna [cfr., de entre outros, os arestos tirados nos processos nºs. 00071/12.7BEBRG, 02755/12.0BEPRT, 00958/13.0BEBRG e 2417/18.5BEBRG]. II- Como até é intuitivo, o direito ao “mínimo de existência condigna” pressupõe características intrínsecas ou naturais do homem, como sejam o corpo e bens espirituais, o faz excluir do seu âmbito de aplicação as pessoas coletivas, como é o caso do Autor. III- Assim, a eventual invalidade do ato aqui objeto de impugnação com fundamento nesta causa de invalidade, é causa de mera anulação do ato. IV- Os vícios procedimentais usualmente designados de “nulidade insuprível” não são nulidades do tipo mencionado nos artigo 161º do CPA e determinam apenas a anulabilidade do ato, exceção feita às situações de (i) inobservância absoluta de forma legal ou de (ii) falta absoluta de possibilidades de defesa. V- Não se antolhando a inobservância absoluta de forma legal, nem sequer a falta absoluta de possibilidades de defesa, sendo antes enunciada uma questão probatória de ordem formal - a falta do termo de identificação do denunciante -, deve concluir-se que a eventual verificação desta patologia procedimental é insuscetível de fulminar o ato administrativo impugnado com a forma de invalidade mais gravosa.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO 1. CENTRO PAROQUIAL ..., Autor nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Réu o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P., vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanado nos autos, que julgou “(…) a exceção de intempestividade da prática do ato processual procedente e, em consequência, absolv[eu] a Entidade Demandada da instância improcedente a presente ação (…)”. 2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que absolveu o Réu Instituto de Segurança Social IP da instância, fundamentando no essencial que a presente ação administrativa deveria ter sido proposta no prazo de três meses, conforme se encontra consignado no n.° 2 do art.° 69.° do CPTA. B. O Recorrente, considera ter existido uma aplicação e interpretação errónea das disposições legais e direito aplicável, na medida os vícios imputados pelo recorrente ao ato impugnado são geradores de nulidade, contrariamente ao decidido pela douta sentença, não estando por isso caduco o seu direito, o qual pode ser exercido a todo o tempo. C. A sentença ora posta em crise deu, com relevo para o aqui interessa provado que: E. Em 10.08.2021, o Diretor do Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social (ISS, IP), proferiu decisão final de restituição da quantia de 154.224,67€, indevidamente recebidas no âmbito das respostas sociais prosseguidas pelo Autor, posteriormente retificada quanto ao montante da restituição, pela decisão proferida, em 13.08.2021, a qual determinou que o montante a restituir era de 163.727,93 €, (cf. cópia dos despachos e informações constantes do processo administrativo a fls. 1207 a 1213 e fls. 1255 a 1260 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). G. O ofício mencionado no ponto F) que antecede foi notificado ao Autor, na pessoa do seu mandatário, em 16.08.2021, (cf. artigo 8 da petição inicial e documento constante do processo administrativo a fls. 1246 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). I. O ofício mencionado no ponto H) que antecede foi notificado ao Autor, na pessoa do seu mandatário, em 17.08.2021, (cf. artigo 10 da petição inicial). J. Em 13.09.2021, o Autor apresentou recurso hierárquico da decisão notificada nos pontos F) e H) que antecedem, (cf. artigo 12 da petição inicial e documento constante do processo administrativo a fls. 1267 a 1294 e 1297 a 1317 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). K. Em 01.09.2022, a presente ação deu entrada neste tribunal administrativo, (cf. fls. 1 dos autos, numeração SITAF) D. Entende o ora recorrente que, mal andou o Tribunal a quo ao não considerar que, os vícios expressamente imputados ao ato administrativo, são geradores de nulidade e, não apenas a anulabilidade, o que determina que o direito de acção do aqui recorrente, possa ser exercido a todo o tempo, beneficiando assim o autor/recorrente de prazo para as ações fundadas em nulidade. E. O recorrente invocou a nulidade do ato administrativo impugnado por, a violação do conteúdo essencial de um direito, bem como, por vicio de violação de lei. F. O recorrente/autor, invocou e fundamentou devidamente a nulidade do ato praticado, tendo por fundamento a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, designadamente o direito fundamental a um mínimo de existência socialmente condigna, por via do direito à segurança social, tal como se extrai dos artigos 78 a 86 da petição inicial. G. O acto impugnado consubstanciado na decisão de suspensão do acordo de cooperação celebrado com a A e a restituição da quantia de 163.727,93 €,. é nulo por ofensivo do direito da A em geral e de cada um dos utentes em particular, em receber do estado a comparticipação/prestação social pela frequência da respostas prosseguidas pela A. H. A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, ignora que o Recorrente foi confrontado com uma suspensão do protocolo de cooperação e pedido de restituição de comparticipações, de forma totalmente infundada e abrupta decida pela recorrida. I. Salvo douta opinião em contrário, o ato impugnado, coloca a Recorrente e, consequentemente, os seus utentes numa situação de necessidade e verdadeiro alarme social, deixando-os sem o mínimo de apoio social, retirando-lhes existência socialmente condigna, direito este que se extrai do principio da dignidade humana. J. O direito à Segurança Social é um verdadeiro direito fundamental, sendo manifestamente inconstitucional uma interpretação contrária. K. Segundo a decisão ora posta em crise: “O direito à segurança social encontra, pois, consagração no artigo 63° e, portanto, encontra-se inserido no Titulo III da Parte I da Constituição da República Portuguesa, sendo qualificado pelo próprio legislador constitucional como direito económico, social e cultural. Sendo um direito fundamental que por natureza só diz respeito às pessoas, excluindo por definição as pessoas coletivas (artigo 12.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa). Por outro lado, e relacionada com essa dimensão subjetiva e, como veremos, por força da sua ligação ao principio da dignidade da pessoa humana, os direitos sociais apresentam, não diferentemente do que ocorre com os direitos de liberdade, uma vocação de titularização individualizada ou individualizável, independentemente de a sua atribuição se poder fazer em razão da pertença a uma categoria ou a um grupo ou de o seu exercício se poder fazer coletivamente e poderem esses direitos assumir, até, a natureza de direitos coletivos. Com efeito, e quanto à aplicação da alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA, deve notar-se que o ato administrativo violador de um direito fundamental só é nulo se essa violação ofender o seu conteúdo essencial (cf. Acórdão do STA de 05-03-2009, recurso n.° 0865/08.) E “o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito” (cf. Jorge Miranda in “Manual de Direito Constitucional “, Tomo IV, 3a Edição, 2000, pág. 341). Assim, “em última análise, para não existir aniquilação do núcleo essencial, é necessário que haja sempre um resto substancial de direito, liberdade e garantia que assegure a sua utilidade constitucional” (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª Edição, 1993, pág. 153). E, por conseguinte, ainda que em concreto se viesse a concluir pela invalidade dos atos impugnados com fundamento na violação do direito à segurança social, ainda assim não poderia o tribunal declarar a nulidade do ato em apreço, porquanto não se reporta ao conteúdo essencial do direito, posto que não põe em perigo a realização essencial do homem como pessoa e não põe em causa o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir.” L. Resulta que, a própria Sentença agora recorrida admite que o direito à segurança social é um direito fundamental que diz respeito às pessoas, excluindo, no entanto as pessoas coletiva, entendimento este que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não logramos alcançar do artigo 12° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa que as pessoas coletivas estão arredadas do direito fundamental à segurança social. M. Para chegarmos a tal conclusão, dever-se-á analisar caso a caso, sob pena de nos limitarmos a aderir a uma interpretação, com consequências desastrosas na vida das pessoas e, neste caso, efeitos nefastos na vida do Recorrente e dos utentes que das suas respostas sociais dependem. N. Dispõe o artigo 12 ° n° 2 da Constituição da República Portuguesa que : “As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.” O. O recorrente é uma pessoa jurídica canónica constituída por decreto da autoridade eclesiástica (concordata de 07.05.1940 e de 18.05.2004), a que o Estado Português reconhece personalidade jurídica civil, que se rege pelo Direito Canónico e pelo Direito Português, aplicados pelas respetivas autoridades, e tem a mesma capacidade civil que o Direito Português atribui às pessoas coletivas de direito privado, sem fins lucrativos, gozando dos mesmos direitos e benefícios atribuídos às Instituições Particulares de Segurança Social e que, estatutariamente, o CENTRO PAROQUIAL ... prossegue o bem público eclesial na sua área de intervenção, de acordo com as normas da Igreja Católica, e tem como fins a promoção da caridade cristã, da cultura, educação e a integração comunitária e social na perspectiva dos valores do Evangelho de todos os habitantes da comunidade onde está situado, especialmente os mais pobres. P. Pelo que dúvidas não nos restam que atenta a sua natureza o recorrente beneficia do direito fundamental à Segurança Social. Q. O ato administrativo objecto de impugnação é manifestamente nulo por ofender o conteúdo essencial de um direito social, equiparável, neste caso, a um direito fundamental, não estando a respetiva impugnação sujeita a prazo - art.° 161 n.° 2 al. a d) e 162, ambos do Código de Procedimento Administrativo. R. O Douto Tribunal, decidindo como decidiu demonstrou uma total insensibilidade social relativamente ao sustento do Recorrente, cuja sobrevivência e continuidade depende dos protocolos de cooperação celebrados. S. Os nossos tribunais, a respeito do direito à segurança social dizem-nos que “A Constituição não só consagra, assim, o direito à segurança social como também impõe ao Estado a organização, coordenação e subsidiação de um sistema de segurança social unificado e descentralizado, (...) Assim se, por um lado, se deve ter em conta os constrangimentos financeiros do Estado e a margem de escolha dos governos eleitos, em função do seu projeto político, por outro lado também há que proteger a confiança dos cidadãos criada pelo sistema de proteção social estabelecido que deve ser assegurado no seu conteúdo mínimo. No dizer de Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, tomo I, p. 634, «os direitos sociais contêm também - ou podem conter - um conteúdo mínimo, nuclear ou, porventura essencial diretamente aplicável». (...) Resulta em suma deste acórdão - que traduz o mais recente entendimento deste Tribunal - que se extrai do princípio da dignidade humana (artigo 1° da Constituição da República Portuguesa) um direito fundamental a um mínimo de existência condigna. (...) Estamos, portanto, perante um ato que, a confirmar-se a matéria articulada na petição inicial, restringe de maneira insustentável, o direito social à assistência na viuvez e na orfandade, sendo certo que os valores em causa, mesmo no somatório para as duas Recorrentes, não atinge o valor do salário mínimo nacional. A ser inválido o ato, será nulo, por ofensa do conteúdo essencial de um direito social, equiparável, neste caso, a um direito fundamental, não estando a respetiva impugnação sujeita a prazo - artigos133°, n.°2, alínea d) e 134°n.°2, ambos do Código de Procedimento Administrativo. Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte, 09/11/2012, 00893/08.3BECBR, Rogério Paulo da Costa Martins. (nosso negrito e sublinhado). T. Perante a decisão do Instituto de Segurança Social objeto de impugnação, o Recorrente deixará de auferir qualquer tipo de apoio do Estado Português (neste caso, aqui representado pela Recorrida), será remetido ao abandono social, sendo deixado numa situação de completa insuficiência económica para proporcionar aos seus utentes, um mínimo de existência condigna. U. Injustamente, a recorrida decidiu suspender o protocolo de cooperação e exigir a restituição de comparticipações cujo montante ascende a 163.727,93€ (cento e sessenta e três mil setecentos e vinte e sete euros e noventa e três cêntimos). V. Urge trazer à colação os factos da situação sub judice: 1 - relativamente às quantias, alegadamente, recebidas a mais pelo recorrente, no relatório da inspeção feita à instituição, verifica-se que a conclusão a que a recorrida chega, no sentido de que a A recebeu indevidamente a quantia de 163.727,93 €, não indica prova que a corporize, a não ser as listagens enviadas; 2-Os referidos documentos - listagens enviadas - são manifestamente insuficientes para perceber, de onde vêm, as alegadas discrepâncias de valores.3- No apuramento do cálculo para efeitos de restituição, não foi pela SS social considerado que, as comparticipações/contribuições pagas serviram os objetivos visados, na medida em que utentes ali indicados, receberam um ou mais dos serviços prestados, razão pela qual, não devem as mesmas, por uma razão de simples lógica ser devolvidas porque utilizadas.4 - De relevar ainda que, contrariamente ao que resulta da decisão proferida pelo Núcleo de Respostas Sociais do Centro Distrital de Segurança Sociais, os utentes cuja comparticipação financeira está a ser posta em crise são ou já foram, na verdade, utentes inscritos na Instituição - nos termos das Fichas de Utente constantes de DOC. ... a ...5 à petição inicial. 5- Na verdade, os utentes ali indicados contratualizaram com o CENTRO PAROQUIAL ... e, efectivamente, usufruíram de um ou mais serviços, no período temporal compreendido no âmbito da fiscalização. 6- A título de mero exemplo, a utente «AA», contratou e usufruiu dos serviços de fornecimento, apoio nas refeições, higiene habitacional, cuidados de higiene pessoal, acompanhamento técnico nas áreas da gerontologia, nutrição, fisioterapia, psicologia e educação, não correspondendo assim à verdade que esta tenha apenas usufruído de um serviço, ou que tenha usufruído de comparticipação após a sua saída, porquanto a cessação do contrato celebrado com a A, ocorreu apenas em 14.01.2019.-7 A situação elencada a título de exemplo, é demonstrativas da inexistência de elementos suficientes para levar a Ré a concluir que a A, no período compreendido entre 2013 e 2017, tenha, nas listagens enviadas à Segurança Social para efeitos de comparticipação ao abrigo dos protocolos, feito constar factos que não fossem verdadeiros; nomeadamente, que tenha indicado como beneficiários pessoa ou pessoas que nunca estiveram inscritos ou que nunca frequentaram ou receberam os serviços por parte do CENTRO PAROQUIAL .... 8- Por outro lado, pelo confronto com as Contas da A, referentes aos períodos de 2014 a 2018, duvidas subsistem sobre o pagamento das contribuições elencadas pela Segurança Social, nomeadamente, e a titulo de exemplo, relativamente aos utentes «BB», «CC», «DD», «EE», «FF», «GG», «HH», «II», «JJ», «KK», «LL», entre outros.- nos termos dos DOC. ...6 a ...0 à petição inicial.-9 Pelas razões supra indicadas, entende o A não ser devida a restituição das comparticipações no montante de 163.727,93 € (cento e sessenta e três mil setecentos e vinte e sete euros e noventa e três cêntimos).10- Ainda que se admitisse que o A indicou como beneficiários, pessoa ou pessoas que nunca estiveram inscritos ou que nunca frequentaram ou receberam os serviços por parte do CENTRO PAROQUIAL ..., o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, e conforme explanado em sede de exercício do direito de audição prévia, o A, sindica, o cálculo dos montantes das comparticipações, alegadamente, indevidas, quanto à resposta social de serviço de apoio domiciliário (SAD). 11- No entendimento do A, existe um erro de cálculo no apuramento dos montantes que alegadamente foram recebidos indevidamente, resultando, pelo menos, uma diferença de 45.212,79€ (quarenta e cinco mil duzentos e doze euros e setenta e nove cêntimos) comparando os montantes apurados pelo ISS (€) com os cálculos efetuados pela Instituição (118.515,14 €), tendo por base a listagem utentes da instituição de frequentaram a resposta social - e que foi remetida ao SFN e apreciada para apuramento de factos em comparação com a listagem remetida pela instituição ao C.D. de .... W. Ora, como já ficou descrito acima, os utentes identificados no relatório de inspeção receberam um ou mais dos serviços prestados, e são ou foram utentes inscritos na instituição, por essa razão as comparticipações recebidas não devem ser devolvidas porque utilizadas. X. O Tribunal Constitucional reconhece o direito ou a garantia a um mínimo de existência condigna como um direito constitucional, derivado do art.° 1 da CRP: “(...) o Tribunal Constitucional já firmou o precedente relevante quanto à determinação da posição subjetiva fundamental em causa. Com efeito, nessa pronúncia ditou que o direito a exigir do Estado esse mínimo de existência condigna, designadamente através de prestações [...] [é a] afirmação de uma dimensão positiva de um direito ao mínimo de existência condigna [...] Daqui se pode retirar que o princípio do respeito da dignidade humana, proclamado logo no artigo 1. ° da Constituição e decorrente, igualmente, da ideia de Estado de direito democrático, consignado no seu artigo 2° e ainda aflorado no artigo 63.°, n°s 1 e 3, da mesma CRP, que garante a todos o direito à segurança social e comete ao sistema de segurança social a proteção dos cidadãos em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho, implica o reconhecimento do direito ou da garantia a um mínimo de existência condigna (Acórdão n° 509/2002, n.° 13, e, na doutrina, PAULO OTERO, Instituições políticas e constitucionais, vol. I, 488 e 591, Coimbra, Almedina, 2007, aludindo ao direito a um mínimo de existência condigna, como espécie dos "direitos sociais universais"). Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 296/2015 de 15.06.2015 (nosso negrito e sublinhado) Y. Em suma, atuação da recorrida, consubstanciada no ato impugnado, ofende o conteúdo essencial do direito fundamental ao mínimo de subsistência e existência condigna, pelo que se trata de um ato nulo (e não anulável), pelo que não está sujeito a prazo de impugnação. Z. Acresce ainda que, o recorrente invocou e fundamentou ainda, a nulidade do ato administrativo por vicio de violação da lei, mormente nos artigos 87 a 111 da petição. AA. A este respeito, o Tribunal a quo, entendeu que: (...) Termos em que as nulidades invocadas pelo Autor consubstanciam nulidades insupríveis do processo de contraordenação e que deverá ser invocada no respetivo processo judicial de contraordenação. Pelo exposto, falece a argumentação de nulidade do ato administrativo com base na violação dos citados normativos do REGIT” BB. Não obstante, o Tribunal a quo, considerou que a nulidade invocada é uma nulidade insuprível suscetível de influenciar o processo de contraordenação. CC. Ressalvado o devido respeito, por opinião em contrário, a nulidade que se invoca, respeitante ao formalismo que deveria ter sido seguido para tramitar a denuncia anónima, é uma nulidade que afeta de igual forma o ato administrativo impugnado. DD. O processo de fiscalização a Ré que deu origem ao ato administrativo impugnado, tem na sua base, a denuncia anónima que, por não ter sido tratada da forma como devia, em violação dos supra citados preceitos legais, inquina todo o restante processo e, consequentemente, o ato administrativo, pelo que, entende-se por verificado o vício de violação de lei, ao abrigo do disposto no artigo 161° n.°1 do CPA. EE. Não colhe assim, no modesto entender do recorrente, a fundamentação vertida na decisão sindicada quando se refere (pag 20/26) que : “ Não resultando das normas que analisamos nenhum impedimento quanto ao desenvolvimento de ações de fiscalização dos estabelecimentos com base em denuncias anónimas nem a obrigação de adotar qualquer formalidade, pela natureza da denuncia”, isto porque, assenta esta fundamentação na portaria 135/2012 de 08 de maio e Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março que, compulsando os referidos diplomas, em nenhum momento se verifica no seu conteúdo a possibilidade de ações de fiscalização com base em denuncias anónimas, mas apenas e só, se encontra previsto a possibilidade de ações de fiscalização, por iniciativa do Departamento de Fiscalização, o que não ocorreu no presente caso. FF. Ora, o facto de não estar prevista a possibilidade de fiscalização na sequência de denúncia anónima, implica necessariamente, que se tenha de lançar mão dos diplomas supra citados (REGIT e CPP), no que diz respeito à disciplina da fiscalização iniciada por denúncia anónima. GG. Trata-se de uma lacuna na lei passível de ser preenchida, salvo douta opinião em contrário, através do recurso a outros diplomas legais que prevêm a disciplina dos procedimentos posteriores a uma denuncia anónima. HH. Pelo exposto entende-se por verificado o vício de violação de lei, na medida em que dispõe o artigo 161° n.°1 que : São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade”, o que acontece no caso do artigo 63° do REGIT. II. Nestes termos, como o recorrente invocou e fundamentou devidamente a nulidade do ato praticado - nulidade essa que pode ser invocada a todo o tempo, nos termos do art.° 162.°, n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo e art.° 58.° CPTA - não caducou o respetivo direito de ação. JJ. Entendimento contrário, estaria a violar princípios fundamentais e constitucionais, mormente, o Principio da Legalidade, do Estado de Direito Democrático, o Principio da Segurança Social e Solidariedade, e o Principio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efetiva KK. Do exposto, resulta à saciedade que o recorrente invocou e fundamentou devidamente a nulidade do ato praticado - nulidade essa que pode ser invocada a todo o tempo, nos termos do art.° 162.°, n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo e art.° 58.° CPTA - não caducou o respetivo direito de ação. (…)”. * 3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido Instituto de Segurança Social, produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da matéria excetiva suscitada nos autos. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A, que rematou da seguinte forma:”(…) D - Termos em que, Somos de parecer que o presente recurso não merece provimento (…)” 6. O Recorrente respondeu ao parecer do M.P. nos termos e com os fundamentos que fazem fls. 1708 e seguintes dos autos [suporte digital]. * 7. Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir. * * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 9. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de determinar se o despacho saneador-sentença recorrido, ao julgar procedente a suscitada exceção de intempestividade da prática do ato processual, incorreu em erro de julgamento de direito. 10. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO 11. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos: A. O Autor é uma pessoa coletiva religiosa, reconhecida como instituição particular de segurança social que celebrou acordos de cooperação com a Entidade demandada, para resposta social de ERPI (estrutura residencial para pessoas idosas) e para a resposta social de SAD (serviço de apoio domiciliário), (facto não controvertido e cf. cópia dos estatutos do Autor de fls. 190 a 210, cópia do regulamento interno de funcionamento de ERPI de fls. 313 a 344 e cópia do regulamento interno de funcionamento de SAD de fls. 710 a 739 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.) B. No início do ano de 2017, o Autor foi sujeito a ação de fiscalização, no âmbito da qual foi elaborado o relatório final, em 06.07.2017, apurado o pagamento dos montantes indevidamente pagos ao Autor de € 165.286,92€ e propondo a equipa inspetiva o seguinte: “Face ao exposto propõe-se: Tornar publico o presente Relatório, através da aplicação «SAF» à Unidade de Desenvolvimento Social/Núcleo de Respostas Sociais do Centro Distrital de ... do ISS, I.P. designadamente, para: Suspensão do acordo de cooperação da resposta social de SAD celebrado nos termos do disposto no artº. 36º da Portaria n.° 196-A/2015 de 01/07, até que a instituição devolva o montante indevidamente recebido; Efetuar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos à Instituição a título de comparticipações no SAD; Notificar a Instituição das irregularidades detetadas na presente ação inspetiva. Envio do auto de notícia via SAF, para instauração do competente processo contraordenacional; Converter a presente informação em documento público, através da aplicação «SAF» ao Setor de Acompanhamento às IPSS do Núcleo do Departamento de Gestão Financeira do Centro Distrital de ... do ISS, I.P., para conhecimento e demais efeitos; Dar conhecimento à Direção da instituição que o processo se encontra concluído nesta Unidade e que foi remetido ao CDist de ..., o qual lhe dará o devido seguimento; Elaborar auto de ilícito criminal pela prática do crime de Burla Tributária, previsto e punível nos termos do artigo 87- do Regime Geral das Infrações Tributárias “. (cf. relatório final constante do processo administrativo a fls. 884 a 924 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). C. Em 16.10.2017, o Autor foi notificado do ofício com o assunto “Suspensão do acordo de cooperação de Serviço de Apoio Domiciliário - audiência de interessados", (cf. direito de audição apresentado pelo Autor e cópia do ofício constante do processo administrativo a fls. 1169, 1171 a 1191 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). D. Em 24.04.2018, foi proferida decisão pela Diretora do Núcleo de fiscalização de equipamentos sociais, de correção do montante indevidamente recebido no montante global de 163.727,93 € ao invés dos € 165.286,92 mencionado no relatório final, identificado na alínea B supramencionada, (cf. documento constante do processo administrativo a fls. 1032 a 1038 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). E. Em 10.08.2021, o Diretor do Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social (ISS, IP), proferiu decisão final de restituição da quantia de 154.224,67€, indevidamente recebidas no âmbito das respostas sociais prosseguidas pelo Autor, posteriormente retificada quanto ao montante da restituição, pela decisão proferida, em 13.08.2021, a qual determinou que o montante a restituir era de 163.727,93 €, (cf. cópia dos despachos e informações constantes do processo administrativo a fls. 1207 a 1213 e fls. 1255 a 1260 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). F. A Entidade demandada dirigiu ao mandatário do Autor, com conhecimento a este, o ofício com a referência UDS/NRS - SGDRS-R 2288/2017 e assunto “Processo de Fiscalização: Proave(s) Base n.° ...41 (CD); ...24 (SAD); ...25 (ERPI); ...23 (AJ) - Notificação da Decisão Final”, de cujo teor se extrai o seguinte: “Cumpre informar V. Exa., na qualidade de mandatário do CENTRO PAROQUIAL ... que, decorrente da análise às alegações endereçadas aos nossos serviços, no âmbito do mencionado processo de fiscalização, as mesmas não lograram demonstrar argumento(s) de facto e de direito bastantes capazes de sustentar uma alteração do sobredito sentido decisório oportunamente comunicado, porquanto, não vieram acrescentar elementos de relevo capazes de rebater os resultados apurados pelos Serviços da Unidade de Fiscalização do Norte. Apesar de termos identificado a existência de certificado higio-sanitário (n.° 45/2019), acompanhado de uma adequação dos quadros de recursos humanos da resposta social, Estrutura de Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), mantemos, para os devidos efeitos da presente notificação de decisão, o teor da fundamentação de facto e de direito vertida no N/ Ofício n.° ...17, de 11/10/2017, devendo, como tal, regularizar, de imediato, as irregularidades apuradas em sede de fiscalização. Neste sentido, notifica-se igualmente V. Exa. para que o V/ constituinte proceda à restituição do valor apurado, no montante total de 154.224,67 Euros (Cento e Cinquenta e Quatro mil, Duzentos e Vinte e quatro Euros e Sessenta e seis cêntimos), a título de quantias indevidamente recebidas no âmbito do acordo de cooperação das respostas sociais prosseguidas, informando, para esse mesmo efeito, que a restituição deste montante poderá ser efetuada através de uma das seguintes formas: (...) No que concerne à intenção de suspensão do acordo de cooperação, cumpre-nos informar que, ponderados os interesses conflituantes na presente decisão, entendem os nossos serviços ser de aplicar, no momento, o referido procedimento suspensivo, nos termos do artigo 34.° da Portaria n.° 196-A/2015, de 1 de julho, atento o incumprimento verificado, cumprindo-nos notificar V/ Exa. que a manutenção da situação de incumprimento determina a aplicação das demais consequências legalmente previstas no referido normativo. A decisão que ora se comunica é suscetível de reclamação para o autor do ato, nos termos das disposições constantes no artigo 191.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo igualmente suscetível de recurso hierárquico para o Conselho Diretivo do ISS, I.P., nos termos, efeitos e prazo(s) estatuido(s) no artigo 193 ° do referido normativo. (...)” (cf. documento junto com a petição inicial a fls. 34 a 36 e documento constante do processo administrativo de fls. 1223 a 1225 dos autos, numeração SITA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). G. O ofício mencionado no ponto F) que antecede foi notificado ao Autor, na pessoa do seu mandatário, em 16.08.2021, (cf. artigo 8 da petição inicial e documento constante do processo administrativo a fls. 1246 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). H. Em 16.08.2021, a Entidade demandada dirigiu ofício ao mandatário do Autor, com conhecimento a este, ofício com a referência UDS/NRS - SGDRS-R 2288/2017 e assunto “Processo de Fiscalização: Proave(s) Base n.° ...41 (CD); ...24 (SAD); ...25 (ERPI); ...23 (AJ) - Notificação da Decisão Final”, de cujo teor se extrai o seguinte: “Tendo-se verificado erro de análise na apreciação constante da notificação anteriormente remetida, no tocante aos valores apurados, comunica-se a V. Exa. que deve o V/ constituinte proceder á restituição do valor final apurado, no montante total de 163.727,93 Euros (Cento e sessenta e três mil. Setecentos e vinte e sete euros e noventa e três cêntimos), a titulo de quantias indevidamente recebidas no âmbito do acordo de cooperação das respostas sociais prosseguidas. Quanto ao demais, cumpre ainda informar V. Exa., na qualidade de mandatário do CENTRO PAROQUIAL ... que, decorrente da (re)análise às alegações endereçadas aos nossos serviços, no âmbito do mencionado processo de fiscalização, as mesmas não lograram demonstrar argumento(s) de facto e de direito bastantes capazes de sustentar uma alteração do sobredito sentido decisório oportunamente comunicado, porquanto, não vieram acrescentar elementos de relevo capazes de rebater os resultados apurados pelos Serviços da Unidade de Fiscalização do Norte. Apesar de termos identificado a existência de certificado higio-sanitário (n.° 45/2019), acompanhado de uma adequação dos quadros de recursos humanos da resposta social, Estrutura de Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), mantemos, para os devidos efeitos da presente notificação de decisão, o teor da fundamentação de facto e de direito vertida no N/ Ofício n.° ...17, de 11/10/2017, devendo, como tal, regularizar, de imediato, as irregularidades apuradas em sede de fiscalização. Para esse mesmo efeito, a restituição do montante de 163.727,93 Euros (Cento e sessenta e três mil, Setecentos e vinte e sete euros e noventa e três cêntimos) poderá ser efetuada através de uma das seguintes formas: (...)” (cf. documento junto com a petição inicial a fls. 37 e 38 e cópia do ofício constante do processo administrativo de fls. 1261 a 1263 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). I. O ofício mencionado no ponto H) que antecede foi notificado ao Autor, na pessoa do seu mandatário, em 17.08.2021, (cf. artigo 10 da petição inicial). J. Em 13.09.2021, o Autor apresentou recurso hierárquico da decisão notificada nos pontos F) e H) que antecedem, (cf. artigo 12 da petição inicial e documento constante do processo administrativo a fls. 1267 a 1294 e 1297 a 1317 dos autos, numeração SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). K. Em 01.09.2022, a presente ação deu entrada neste tribunal administrativo, (cf. fls. 1 dos autos, numeração SITAF) * III.2 - DO DIREITO * 12. Cumpre decidir, sendo que, como se referiu supra, a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se o despacho saneador recorrido, ao julgar procedente a exceção de intempestividade da prática do ato processual, incorreu em erro de julgamento de direito. 13. Vejamos, convocando, desde já, a fundamentação de direito que ficou vertida na decisão judicial recorrida: ”(…) Como supra referimos, foi excecionada pela Entidade Demandada a verificação de uma situação de “caducidade do direito de ação”, o que em rigor, e atenta a atual redação da alínea k) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA, tal exceção reconduz-se à intempestividade da prática do ato processual relativamente ao objeto que conforma o presente processo. Como é sabido a intempestividade da prática do ato processual é uma exceção dilatória consagrada na alínea k) do n.° 1 artigo 89° do CPTA. Alega a Entidade demandada que, sendo os vícios imputados aos atos impugnados geradores do desvalor de anulabilidade, quando o Autor intentou a presente ação, há muito expirara o prazo para exercer o direito de ação, por caducidade. Para analisar a exceção, contudo, importa ter presente, preliminarmente, que a validade é a “qualidade do ato administrativo que se constitui em conformidade com as normas jurídicas fundamentais que, em função do interesse público, regulam essa atuação de autoridade, sendo, por isso, apto à produção de efeitos jurídicos próprios *...+", (VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos in Validade (do ato administrativo), Dicionário Jurídico da Administração Pública. Volume II. 1996. Lisboa. Pp. 581.) Trata-se de um requisito atinente a momentos intrínsecos do próprio ato, que afetam a sua validade e perfeição, e cuja verificação ou ausência se pode afirmar logo no momento constitutivo do procedimento. Ainda que a produtividade efetiva de um ato administrativo esteja em princípio associada à sua validade, existem atos válidos, mas ineficazes (atos com eficácia diferida, condicionada ou suspensa), bem como atos inválidos, mas eficazes (atos anuláveis que, não sendo anulados no prazo legal, adquirem força de caso decidido). No nosso ordenamento jurídico-administrativo a forma de invalidade da nulidade reveste natureza excecional porquanto o regime regra é o da anulabilidade - cf. artigo 161.° do Código de Procedimento Administrativo. Temos assim por assente que os casos de nulidade no nosso ordenamento são aqueles que vêm estabelecidos no artigo 161.° do Código de Procedimento Administrativo, normativo este que encerra em si, para além duma remissão para o que se mostre cominado em lei especial com o desvalor da nulidade, um enunciado genérico das nulidades. O artigo 58.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para efeitos de aferir a tempestividade do exercício do direito de ação, mantém a aludida distinção entre atos nulos e atos anuláveis. Assim, quanto aos primeiros, o n.° 1 do artigo 58.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não sujeita a respetiva impugnação contenciosa a qualquer prazo, em consonância com o regime substantivo do Código de Procedimento Administrativo, que estabelece que o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da sua declaração de nulidade, sendo esta invocável a todo o tempo por qualquer interessado e suscetível de ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal - cf. artigo 162.°, do Código de Procedimento Administrativo. No que tange, por seu turno, aos atos anuláveis, a alínea b) do n.° 1 do artigo 58.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece que a impugnação de atos anuláveis, quando não seja promovida pelo Ministério Público, tem lugar no prazo de três meses. Se, porém, a impugnação for promovida pelo Ministério Público, dispõe este do prazo de um ano para o efeito - cf. alínea a). Nos presentes autos, vem peticionada a declaração de nulidade do despacho do Diretor do Centro Distrital de ..., do Instituto da Segurança Social (ISS, IP), proferida em 10.08.2021 que, além do mais, determinou a restituição da quantia de 154.224,67€ , indevidamente recebidas no âmbito das respostas sociais prosseguidas pelo Autor, posteriormente retificada quanto ao montante da restituição, pela decisão proferida, em 13.08.2021, a qual determinou que o montante a restituir era de 163.727,93€, (cf. alínea E) do probatório). Como é consabido, a causa de pedir, envolvida pelo princípio da substanciação, é integrada pelos factos jurídicos de que procede a pretensão deduzida em juízo, com eles se formando o objeto do processo, e, decorrentemente, o caso julgado. Importa, por isso, aferir quais os vícios a que se reporta o Autor na sua petição inicial, não para aferir a sua verificação em concreto, mas apenas para efeitos de determinar, em abstrato, qual o desvalor jurídico que lhes é associado (nulidade ou anulabilidade) e, assim, concluir pela tempestividade ou extemporaneidade do pedido formulado perante este tribunal. Sendo certo que se impõe uma análise a todos os fundamentos, pois que, “no caso de um ato padecer simultaneamente de ilegalidades geradoras de anulabilidade e de nulidade, só estas podem ser deduzidas a todo o tempo, na impugnação instaurada para além do prazo fixado no n.° 2”, (cf. Esteves de Oliveira, Rodrigo (2006) Código de Processo nos Tribunais Administrativos - volume I - e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados. Coimbra: Almedina. Pp. 378.) Pede então o Autor na petição inicial a declaração de nulidade dos atos impugnados invocando os vícios de: (1) violação de conteúdo essencial do direito fundamental à segurança social, por o ato restringir o direito à assistência dos utentes que se socorreram da ajuda e resposta prosseguida pelo Autor; (2) violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 54.°, 57.° e 60.° do RGIT, por o processo de fiscalização ter tido início com base numa denúncia anónima, sem que tenha sido lavrado o termo de identificação do denunciante, nos termos dos artigos 63.°, n.° 1 al b), 2.- parte e 63.°, n.° 3 do RGIT. * VIOLAÇÃO DO CONTEÚDO ESSENCIAL DO DIREITO À SEGURANÇA SOCIAL. Dispõe a alínea d) do n.° 1 do artigo 161.° do Código de Procedimento Administrativo serem atos nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. É insofismável que a fórmula legal aludida é aplicável, desde logo, à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição da República Portuguesa. A dogmática resultante dos contributos da doutrina e da jurisprudência mais autorizada nestas matérias auxiliou a sedimentar entendimento de que o preceito em apreço é ainda aplicável aos direitos de carácter análogo àqueles direitos, liberdades e garantias espalhados pela Constituição da República Portuguesa (“direitos fora do catálogo”) ou, mesmo fora da Lei Fundamental, com assento em norma internacional, comunitária ou até de legislação ordinária dotada de dignidade material suficiente (cf. artigo 16.°, n.° 1 da Constituição). Mais controversa é a extensão deste regime aos direitos económicos, sociais e culturais. O direito à segurança social encontra, pois, consagração no artigo 63.° e, portanto, encontra-se inserido no Título III da Parte I da Constituição da República Portuguesa, sendo qualificado pelo próprio legislador constitucional como direito económico, social e cultural. Sendo um direito fundamental que por natureza só diz respeito às pessoas, excluindo por definição as pessoas coletivas (artigo 12.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa). Por outro lado, e relacionada com essa dimensão subjetiva e, como veremos, por força da sua ligação ao principio da dignidade da pessoa humana, os direitos sociais apresentam, não diferentemente do que ocorre com os direitos de liberdade, uma vocação de titularização individualizada ou individualizável, independentemente de a sua atribuição se poder fazer em razão da pertença a uma categoria ou a um grupo ou de o seu exercício se poder fazer coletivamente e poderem esses direitos assumir, até, a natureza de direitos coletivos. Com efeito, e quanto à aplicação da alínea d) do n.° 2 do artigo 161.° do CPA, deve notar-se que o ato administrativo violador de um direito fundamental só é nulo se essa violação ofender o seu conteúdo essencial (cf. Acórdão do STA de 05-03-2009, recurso n.° 0865/08.) E “o conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto correspondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito” (cf. Jorge Miranda in “Manual de Direito Constitucional ", Tomo IV, 3- Edição, 2000, pág. 341). Assim, “em última análise, para não existir aniquilação do núcleo essencial, é necessário que haja sempre um resto substancial de direito, liberdade e garantia que assegure a sua utilidade constitucional” (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in "Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3- Edição, 1993, pág. 153). E, por conseguinte, ainda que em concreto se viesse a concluir pela invalidade dos atos impugnados com fundamento na violação do direito à segurança social, ainda assim não poderia o tribunal declarar a nulidade do ato em apreço, porquanto não se reporta ao conteúdo essencial do direito, posto que não põe em perigo a realização essencial do homem como pessoa e não põe em causa o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir. "Ou seja, de todo o exposto concluímos que a violação do direito à segurança social consagrado no artigo 63° da CRP, não gera, em regra, a nulidade do acto, mas sim a sua anulabilidade. Apenas gera a sua nulidade quando afete de forma inaceitável o direito a uma existência condigna....", (cf. acórdão do TCA Norte de 19.2.2016, processo n.° 958/13.0 BEBRG). Assim é, desde logo, porque é a própria Constituição que permite e atribui ao legislador ordinário considerável margem de manobra conformadora na regulação do próprio direito, com observância das dimensões do direito à sobrevivência e à garantia de condições materiais para uma existência compatível com a dignidade da pessoa humana. As instituições particulares de solidariedade social são organizações privadas inseridas no setor cooperativo e social, ainda que submetidas a fiscalização estadual (n.° 5, do artigo 63.° da Constituição da República Portuguesa), cabendo ao Estado exercer poderes de fiscalização e inspeção destinados a garantir o cumprimento dos respetivos objetivos e a aferir da prossecução efetiva dos acordos e protocolos celebrados com o Estado (cf. artigos 32.° e 34.° da Lei n.° 4/2007, de 16 de janeiro ). Na verdade, é o próprio artigo 63.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa que permite (e aconselha) intervenção legislativa conformadora e, bem assim, labor hermenêutico judicial apurado, uma e outro ditados pela prevalência de valores constitucionais, como sejam a segurança e ao bem-estar dos utentes pertencentes a um grupo mais vulnerável. E tal condicionamento será conforme aos comandos constitucionais num quadro de ponderação de interesse axiológico prevalecente em concreto. Isto é: o direito à segurança social e solidariedade pode ser afetado em favor de princípios de especial dignidade constitucional, como o sejam, no que em particular releva para os autos, a proteção da velhice e invalidez na vertente individual do direito. O conteúdo essencial do direito à segurança social não se mostra determinado só com o recurso à norma constitucional, a sua concretização foi delegada no legislador ordinário, a quem coube definir os seus pressupostos e assegurar as condições da sua realização. A concretização da prestação/cooperação depende do respetivo interessado preencher as condições e requisitos que a própria lei ordinária estabelece. A eventual invalidade do ato impugnado, enquanto reportado às condições em que pode ser exercido o direito aos apoios à atividade de instituições como o Autor, previstas na lei ordinária, é simplesmente causa da anulação do ato. Ou seja, o que está em causa será saber se o Autor preenche os requisitos para aceder aos apoios devidos pela celebração dos acordos de cooperação com a Entidade demandada, pelo que o eventual erro quanto às situações fiscalizadas, não afeta o conteúdo essencial desse direito. Por esta razão estamos perante um vício que levará à anulação do ato e não à sua nulidade. E, por isso mesmo, o ato administrativo que resulta de um procedimento de fiscalização das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem caráter lucrativo, com vista à prossecução de objetivos de solidariedade social (no uso de prerrogativas conferidas quer pelo legislador ordinário, quer, a montante, pelo próprio legislador constituinte), não poderá fundamentar, no controlo judicial que caiba efetuar quanto à eventual ilegalidade do ato, uma pronúncia que consubstancie uma declaração de nulidade, porquanto não se reportará tal ato ao conteúdo essencial daquele direito fundamental, configurará - em primeira linha -uma violação legal e não uma violação de norma constitucional. Por esta razão estamos perante um vício que levará à anulação do ato e não à sua nulidade. * DA VIOLAÇÃO DE LEI Sustenta, ainda, o Autor a nulidade do ato alegando que este se encontra ferido de violação de lei, designadamente do disposto nos artigos 54.°, 57.° e 60.° do RGIT, por o processo de fiscalização ter tido início com base numa denúncia anónima, sem que tenha sido lavrado o termo de identificação do denunciante, nos termos dos artigos 63.°, n.° 1 al b), 2.- parte e 63.°, n.° 3 do RGIT. No caso invoca o Autor normas que regulam o processo de contraordenação, encontrando-se as nulidades insupríveis previstas no artigo 63.° do RIGT. Porém, o(s) ato(s) impugnado(s) nos presentes autos resulta(m) das competências conferidas aos serviços da Entidade demandada, conformadas pelo legislador ordinário designadamente nos termos dos artigos 32.° e 34.° da Lei n.° 4/2007, de 16 de janeiro, do artigo 32.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, do artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 83/2012, de 30 de março, e do artigo 8.°, n.° 1 da Portaria n.° 135/2012, de 8 de maio. Vejamos, Dispõe o artigo 32.° da Lei n.° 4/2007, de 16 de janeiro, sob a epígrafe “Instituições particulares de solidariedade social” que: “1 - O Estado apoia e valoriza as instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público, sem carácter lucrativo, que prossigam objetivos de solidariedade social. 2 - As instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, consagradas no n.° 5 do artigo 63.° da Constituição, estão sujeitas a registo obrigatório. 3 - O Estado exerce poderes de fiscalização e inspeção sobre as instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, que prossigam objetivos de natureza social, por forma a garantir o efectivo cumprimento das respetivas obrigações legais e contratuais, designadamente das resultantes dos acordos ou protocolos de cooperação celebrados com o Estado.” Acrescentando o artigo 34.° da referida Lei sob a epigrafe “Licenciamento, inspeção e fiscalização” que: “Os serviços e equipamentos sociais assegurados por instituições e entidades privadas com ou sem fins lucrativos carecem de licenciamento prévio e estão sujeitos à inspeção e fiscalização do Estado nos termos da lei.” Assim, estabelece o artigo 32.° do Decreto-Lei n. 0 64/2007, de 14 de março, sob a epígrafe “Ações de fiscalização dos estabelecimentos” que “compete aos serviços do Instituto da Segurança Social, I. P., sem prejuízo da acção inspetiva dos organismos competentes, desenvolver ações de fiscalização dos estabelecimentos e desencadear os procedimentos respeitantes às atuações ilegais detetadas, bem como promover e acompanhar a execução das medidas propostas .” Acrescentando o artigo 8.° da Portaria n.° 135/2012, de 8 de maio que: “1 - Compete ao Departamento de Fiscalização, abreviadamente designado por DF, exercer a ação fiscalizadora no cumprimento dos direitos e obrigações dos beneficiários e contribuintes do sistema de segurança social, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e outras entidades privadas que exerçam atividades de apoio social. 2 - Compete, ainda, ao DF: a) Desenvolver, em articulação com o DCGC, ações de esclarecimento e orientação dos beneficiários e contribuintes sobre os seus direitos e obrigações para com a segurança social, tendo em vista prevenir ou corrigir a prática de infrações; b) Fiscalizar o cumprimento das obrigações dos beneficiários e contribuintes, nomeadamente as relacionadas com o enquadramento, a inscrição, o registo e a declaração de remunerações; c) Elaborar e determinar o registo oficioso das declarações de remunerações, na sequência do resultado da ação inspetiva; d) Fiscalizar os beneficiários de prestações sociais e, caso conclua pela não verificação, total ou parcial, dos requisitos necessários à manutenção dos mesmos, determinar aos serviços competentes pela atribuição dos direitos que procedam à realização das diligências adequadas à correção das irregularidades detetadas; e) Elaborar autos de notícia respeitantes às atuações ilegais de beneficiários e contribuintes, detetadas no exercício das suas funções; f) Exercer a ação fiscalizadora das IPSS e de outras entidades privadas que exerçam atividades de apoio social; g) Efetuar a prospeção e o levantamento de estabelecimentos clandestinos e a funcionar ilegalmente; h) Desenvolver, nos termos da lei, as ações necessárias ao encerramento dos estabelecimentos que exerçam atividades de apoio social; i) Informar e esclarecer as entidades proprietárias e os utentes de estabelecimentos de apoio social quanto aos seus direitos e obrigações, com vista a prevenir ou corrigir a prática de infrações; j) Elaborar autos de notícia respeitantes às atuações ilegais das IPSS e de outras entidades privadas, detetadas no exercício das suas funções; k) Desenvolver as ações necessárias à instrução dos processos de investigação no âmbito de condutas ilícitas dos beneficiários e contribuintes em relação à segurança social, legalmente definidas; l) Promover e realizar ações de prevenção criminal.” Não resultando das normas que analisamos nenhum impedimento quanto ao desenvolvimento de ações de fiscalização dos estabelecimentos com base em denúncias anónimas nem a obrigação de adotar qualquer formalidade, pela natureza da denúncia. Assim, temos que fazer a destrinça entre dois procedimentos: o procedimento de fiscalização - que culminou com os atos impugnados e que se rege pelas normas do Código de Procedimento Administrativo, designadamente quanto às invalidades dos atos administrativos - e o procedimento de contra ordenação previsto e punível nos termos do RGIT e que visa precisamente averiguar as condutas subsumíveis a ilícito contraordenacional e a final a aplicação de uma coima. Termos em que as nulidades invocadas pelo Autor consubstanciam nulidades insupríveis do processo de contraordenação e que deverá ser invocada no respetivo processo judicial de contraordenação. Pelo exposto, falece a argumentação de nulidade do ato administrativo com base na violação dos citados normativos do RIGT. * Com efeito, atendendo a que o Autor não imputa causas de invalidade passíveis de gerar a nulidade, a ação tinha de ser proposta no prazo de 3 meses, prazo esse que se conta nos termos do artigo 279.° do Código Civil (CC), isto é, de forma contínua, sem suspensão durante as férias judiciais, transferindo-se o seu termo, quando o prazo termine em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o primeiro dia útil seguinte (artigo 58.°, n.° 1, al. b) e n.° 2 CPTA). O artigo 59.°, n.° 2, do CPTA estabelece que “O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória.” Resulta dos factos provados que o Autor foi notificado do ato administrativo no dia 16.08.2021 e da retificação do ato no dia 17.08.2021 e que apresentou, em 13.09.2021, recurso hierárquico desses atos (cf. alíneas G, I e J dos factos provados). Com efeito, o prazo de impugnação do ato iniciou-se no dia 18.08.2021, considerando que o dia do evento não se conta nos termos do artigo 279.°, al. b) do Código Civil. Uma vez que o Autor apresentou recurso hierárquico e o mesmo é facultativo, importa atender ao disposto no artigo 59.°, n.° 4 do CPTA, o qual estabelece que: “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar.” Adicionalmente, cumpre referir que a utilização de meios de impugnação administrativa apenas suspende o prazo de impugnação administrativa se o meio de impugnação administrativa utilizado for legalmente admissível e tiver sido apresentado tempestivamente. Nos termos do artigo 193.°, n.° 1, do CPA, “Sempre que a lei não exclua tal possibilidade, o recurso hierárquico pode ser utilizado para: a) Impugnar atos administrativos praticados por órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos; b) Reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos, por parte de órgãos sujeitos aos poderes hierárquicos de outros órgãos.” Quanto à tempestividade do recurso, de acordo com o artigo 193.°, n.° 2 do CPA, “Quando a lei não estabeleça prazo diferente, o recurso hierárquico facultativo deve ser interposto no prazo de impugnação contenciosa do ato em causa”, isto é, no prazo de 3(três) meses previsto no artigo 58.°, n.° 1, al. b) do CPTA. O prazo de interposição do recurso facultativo conta-se nos termos do artigo 279.° do Código Civil de forma contínua, não se suspendendo aos sábados, domingos e feriados. Portanto, o prazo para interposição do recurso iniciou-se no dia 18.08.2021 e terminou no dia 18.11.2021 (artigo 279.°, alíneas b) e c) do CC), sendo o recurso apresentado no dia 13.09.2021 foi, claramente, tempestivo. Importa agora verificar quando se volta a contar o prazo de impugnação do ato, isto é, quando cessa a suspensão do prazo. O artigo 198.°, n.° 1 do CPA estabelece que “Quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias, a contar da data da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer". Acrescentando o n.° 4 do referido artigo que "O indeferimento do recurso hierárquico necessário ou o decurso dos prazos referidos nos n.os 1 e 2, sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão.” Quanto à data de remessa do processo, importa atender ao disposto no artigo 195.° do CPA, que estabelece que: "1 - Recebido o requerimento, o autor do ato ou da omissão deve notificar aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência para alegarem, no prazo de 15 dias, o que tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus fundamentos. 2 - No mesmo prazo referido no número anterior, ou no prazo de 30 dias, quando houver contrainteressados, deve o autor do ato ou da omissão pronunciar-se sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer, notificando o recorrente da remessa do processo administrativo. (...)" Ora, considerando 30 (trinta) dias como prazo decisão (considerando a inexistência de diligências complementares), e 15 (quinze) dias para a remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer, o prazo de decisão terminaria no dia 16.11.2021. No presente caso, não foi proferida decisão sobre o recurso hierárquico em causa. A este propósito, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em anotação ao artigo 59.° do CPTA: "*.. se o prazo legal de decisão da impugnação administrativa se esgotar sem que tenha sido proferida decisão, é aquele facto que determina o início do prazo de impugnação contenciosa contra o ato primário, sendo irrelevante a ulterior notificação de um eventual ato de indeferimento.” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5- Edição, Coimbra, Almedina, 2021, pág. 438). Em conformidade, tendo-se esgotado o prazo de decisão do recurso hierárquico antes da notificação da respetiva decisão, o prazo de impugnação do ato administrativo retoma-se com o decurso do respetivo prazo legal, sendo irrelevante a posterior notificação da decisão de indeferimento. Neste sentido, a suspensão do prazo de impugnação terminaria no dia 16.11.2021. Em caso de suspensão do prazo de impugnação do ato administrativo, de acordo com o que vem sendo defendido pela jurisprudência, deve converter-se o prazo de 3 meses em 90 dias de calendário. Ora, até a apresentação do recurso decorreram 26 dias do prazo de impugnação, faltando 64 dias para o termo desse prazo, na data em que cessou a suspensão. Pelo que retomando a contagem o prazo para impugnação do ato terminou no dia 19.01.2022. Encontrando-se assente nos autos que a ação foi intentada em 01.09.2022 (cf. alínea K dos factos provados), constata-se que é intempestiva. Em face do exposto, assiste razão à Entidade Demandada quanto à intempestividade da ação e, em consequência, deve a mesma ser absolvida da instância, nos termos do disposto na alínea k) do n.° 4 e n.° 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”. 14. O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, em particular quanto ao juízo decisório que considerou que os vícios assacados ao ato impugnado são geradores de mera anulabilidade, por manter a firme convicção que são antes geradores de nulidade, o que determina que o seu direito da ação possa ser exercido a todo o tempo. 15. Realmente, o Recorrente clama que invocou e fundamentou devidamente a nulidade do ato praticado, tendo por fundamento a (i) violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, designadamente o direito fundamental a um mínimo de existência socialmente condigna, por via do direito à segurança social, e, bem assim, a (ii) ofensa da normação prevista 54º, 57º e 60º do Regime das Infrações Tributárias. 16. Apregoa ainda que tal nulidade pode ser invocada a todo o tempo, nos termos do art.° 162.°, n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo e art.° 58.° CPTA, não tendo, por isso, caducado o respetivo direito de ação. 17. Vejamos se lhe assiste razão, convocando, desde já, o quadro legal e doutrinal pertinente. 18. Assim, e no que para o que aqui releva, dispõe o artigo 58º do CPTA, sob a epígrafe “Prazos”, que: “1 - A impugnação de atos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo. 2 - Salvo disposição em contrário, a impugnação de atos anuláveis tem lugar no prazo de: (…) b) Três meses, nos restantes casos. 3 - A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de ações que se encontram previstos no Código de Processo Civil (…)”. 19. A este título, conforme afirmam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, “(…) Uma coisa se afigura indiscutível: tal como sucedia antes do CPTA e continuou a suceder após a sua entrada em vigor, mesmo na versão anterior à revisão de 2015, o prazo de impugnação de atos administrativos é um prazo de propositura de ação e, como tal, é um prazo substantivo. Sobre a natureza do prazo de impugnação, antes da vigência do CPTA, cfr. por todos, os acórdãos do STA (Pleno) de 23 de junho de 1992, processo n.º 27094 e do STA de 22 de março de 1994, processo n.º 33401, in AD n.º 394, p. 1090. Mas também na versão primitiva do CPTA, o prazo de impugnação era um prazo substantivo, que, como tal, embora fosse submetido ao regime dos prazos de propositura de ações (e, portanto, prazos substantivos) previstos no CPC, que resulta dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 144.º não estava submetido ao regime dos prazos processuais do artigo 145.º do mesmo Código (no mesmo sentido, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, pág. 381), concluindo, a final, que “está, assim, afastada a possibilidade de aplicação do regime especial de prática de ato num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, a que se refere o artigo 139.º, n.º 5, do CPC. Isto porque está em causa um prazo de caducidade regulado pelo Código Civil, que não se suspende nem interrompe senão nos casos em que a lei substantiva o determine (…)” [in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017 pp. 397-938 e nota de rodapé 482]. 20. De resto, é precisamente neste sentido e com a fundamentação aduzida pela doutrina acabada de transcrever, que se tem vindo a direcionar, de forma pacífica e uniforme, a jurisprudência dos tribunais superiores [vide, entre outros, os acórdãos deste TCA-Norte, de 29 de novembro de 2007, proferido no processo n.º 00760/06.5BEPNF, de 09 de dezembro de 2011, proferido no processo n.º 01300/11.0BEPRT, de 23 de junho de 2017, proferido no processo n.º 00284/14.7BEBRG e do TCA-Sul, de 1 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 12447/15, todos acessíveis em www.dgsi.pt]. 21. Deste modo, não se vislumbrando quaisquer razões que nos levem a divergir do entendimento que supra se descreveu, bem pelo contrário, o princípio da uniformidade na interpretação e aplicação do Direito assim o impõe [artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil], cumpre efetuar a respetiva subsunção ao caso concreto. 22. Pois bem, escrutinado o libelo inicial, logo se constata que, por intermédio da presente ação, o Autor visa obter a desintegração jurídica da decisão do Diretor do Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social (ISS, IP), proferida em 11.08.2021 que determinou a suspensão do acordo de cooperação da resposta social de SAD e a restituição da quantia de 154.224,67€, indevidamente recebidas no âmbito das respostas sociais prosseguidas, posteriormente retificada quanto ao montante da restituição, pela decisão proferida, igualmente em 11.08.2021, a qual determinou que o montante a restituir era de 163.727,93€. 23. Mais se verifica que o Autor substancia a sua pretensão jurisdicional com base no entendimento, de entre outras realidades, de que o ato posto em crise nos autos (i) viola o conteúdo essencial do direito à segurança social [cfr. artigos 78º a 86º do libelo inicial] e, bem assim, (ii) ofende a normação vertida nos artigos 54º, 57º e 60º do Regime das Infrações Tributárias [cfr. artigos 87º a 111º seguintes do libelo inicial]. 24. De acordo com a substanciação que se vem de expor, importa agora determinar se a alegação invalidatória que se vem de evidenciar, a verificar-se, no seu todo em parte, é [ou não] sancionada com o desvalor da nulidade. 25. E neste domínio, dir-se-á, desde logo, que o bloco de ilegalidade assacado ao ato impugnado não é cominado por lei expressa e especial, de harmonia com os considerandos supra tecidos, com o desvalor da nulidade, gerando, por conseguinte, a mera anulabilidade. 26. Na verdade, e com reporte à invocada violação do direito fundamental à segurança social, impera ressaltar o teor da jurisprudência reiteradamente firmada por este T.C.A.N. no sentido de que a violação do direito fundamental à segurança social consagrado no art. 63.º da CRP só tem como consequência a nulidade do ato administrativo quando afete, de forma socialmente inaceitável, o direito a uma existência condigna [cfr., de entre outros, os arestos tirados nos processos nºs. 00071/12.7BEBRG, 02755/12.0BEPRT, 00958/13.0BEBRG e 2417/18.5BEBRG]. 27. Como até é intuitivo, o direito ao “mínimo de existência condigna” pressupõe características intrínsecas ou naturais do homem, como sejam o corpo e bens espirituais, o que faz excluir as pessoas coletivas – como é o caso do Autor - do seu âmbito de aplicação. 28. E este entendimento em nada viola a Lei Mãe do nosso ordenamento jurídico. 29. Realmente, como se considerou no Acórdão do Tribunal Constitucional de 22.03.2000, tirado no processo nº. 14/99: “(…) É o próprio texto constitucional a distinguir de forma clara as pessoas singulares das pessoas coletivas, ao referir-se a estas de forma expressa naquele nº 2, ressalvando assim a sua específica natureza. Não se descortina aqui qualquer equiparação, ainda que formal, da personalidade coletiva à personalidade singular. Com efeito, a personalidade coletiva, como criação jurídica, reveste-se de uma específica natureza e características, impossibilitando qualquer ficção de equiparação à personalidade singular. Assim, como dispõe o artigo 160º do Código Civil, no seu nº 2, «excetuam-se [da capacidade das pessoas coletivas] os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular», sendo a regra geral a de que a capacidade das pessoas coletivas apenas abrange os direitos e as obrigações (ou deveres) compatíveis com a sua específica natureza e que sejam necessários à prossecução dos seus fins - é o princípio da especialidade. Não são, pois, imediatamente aplicáveis às pessoas coletivas, indiscriminadamente, todas as normas e regras que o são às pessoas singulares. Não existe no nosso sistema uma equiparação ou presunção de igualdade entre personalidade singular e personalidade coletiva, como parece entender a recorrente (…)”. 7. Citando J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, 1993: As pessoas coletivas não podem ser titulares de todos os direitos e deveres fundamentais mas sim apenas daqueles que sejam compatíveis com a sua natureza (nº 2, in fine). Saber quais são eles, eis um problema que só pode resolver-se casuisticamente. Assim, não serão aplicáveis, por exemplo, o direito à vida e à integridade pessoal, o direito de constituir família; já serão aplicáveis o direito de associação, a inviolabilidade de domicílio, o segredo de correspondência, o direito de propriedade. [...] É claro que o ser ou não ser compatível com a natureza das pessoas coletivas depende naturalmente da própria natureza de cada um dos direitos fundamentais, sendo incompatíveis aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas, com os indivíduos. E depende também da natureza das pessoas coletivas em causa [...] É evidente que certos direitos podem revelar-se incompatíveis com a personalidade coletiva apenas em parte ou em certa medida, pelo que não podem ser aplicados com a mesma extensão e conteúdo que às pessoas físicas (…)”. 30. Não se divisa, portanto, qualquer inconstitucionalidade na interpretação de que os direitos postuladores de uma referência humana - como é o caso do direito ao “mínimo de existência condigna”-, não podem, em virtude da sua natureza, ser extensivos a pessoa coletivas. 31. Assim, na exata medida em que a violação do direito à segurança social consagrado no artigo 63º da CRP apenas gera a nulidade do ato impugnado quando afete de forma inaceitável o direito ao “mínimo de existência condigna”, imediatamente se conclui que não poderia o ato censurado ofender tal direito fundamental, atento o campo de aplicação do mesmo, determinante da exclusão das pessoas coletivas. 32. A eventual invalidade do ato aqui objeto de impugnação com fundamento nesta causa de invalidade, é, portanto, causa de mera anulação do ato. 33. Idêntica asserção é atingível com reporte à invocada violação da normação vertida nos artigos 54º, 57º e 60º do Regime das Infrações Tributárias. 34. Na verdade, os vícios procedimentais usualmente designados de “nulidade insuprível” não são nulidades do tipo mencionado nos artigo 161º do CPA e determinam apenas a anulabilidade do ato, exceção feita às situações de (i) inobservância absoluta de forma legal ou de (ii) falta absoluta de possibilidades de defesa [vd. neste aresto do STA de 16.06.2003, tirado no proc. n.º 0327/02, editado a propósito de diversa realidade, mas com plena valia para o caso em análise]. 35. Não se antolhando a inobservância absoluta de forma legal, nem sequer a falta absoluta de possibilidades de defesa, sendo antes enunciada uma questão probatória de ordem formal - a falta do termo de identificação do denunciante -, deve concluir-se que a eventual verificação desta patologia procedimental é, pois, insuscetível de fulminar o ato administrativo impugnado com a forma de invalidade mais gravosa. 36. O juízo que se vem de efetuar surge ainda particularmente potenciado pela previsão constante no nº. 3 do artigo 63º do RGIT, perentória na refutação do desvalor da nulidade à verificação das patologias procedimentais elencadas no seu nº.1. 37. Tudo isto para concluir que a qualificação e a consequência em termos de desvalor das ilegalidades que na decisão judicial são feitas mostram-se corretas, não enfermando do erro de julgamento que lhe foi assacado. 38. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido rejeitado o recurso subordinado nos autos e negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida. 39. Assim se decidirá. * * IV – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, e confirmar a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique-se. * * Porto, 30 de junho de 2023, Ricardo de Oliveira e Sousa Rogério Martins Luís Migueis Garcia |